REVISÃO
Análise da atuação da fisioterapia em pacientes com dispareunia pós câncer ginecológico: revisão integrativa
Analysis of physiotherapy in patients with dyspareunia after gynecological cancer: integrative review
Débora Campos de Lima1, Yasmin Podlasinski da Silva2, Michele Pinto Farias1, Magda Patrícia Furlanetto1
1Centro Universitário Ritter dos Reis (UNIRITTER), Porto Alegre, RS, Brasil
2Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), Porto Alegre, RS, Brasil
Recebido em: 6 de setembro de 2024; Aceito em: 27 de setembro de 2024.
Correspondência: Yasmin Podlasinski da Silva, yasminpodlasinski97@gmail.com
Como citar
Lima DC, Silva YP, Farias MP, Furlanetto MP. Análise da atuação da fisioterapia em pacientes com dispareunia pós câncer ginecológico: revisão integrativa. Fisioter. Bras. 2024;25(4):1602-1615. doi:10.62827/fb.v25i4.1019
Introdução: A dispareunia é caracterizada pela dor antes, durante ou após a relação sexual. Pode ser classificada em primária ou secundária, superficial ou profunda e recorrente ou condicional. Esta disfunção é frequentemente encontrada após tratamentos oncológicos, gerando um impacto negativo na qualidade de vida, incluindo fatores físicos, psicológicos, sociais e sexuais. Objetivo: Revisar a literatura dos últimos 5 anos a fim de avaliar a atuação da fisioterapia no tratamento de dispareunia em pacientes que sofreram câncer ginecológico. Métodos: Trata-se de uma revisão integrativa de estudos que buscaram avaliar a atuação da fisioterapia em mulheres com dispareunia após câncer ginecológico, em artigos científicos publicados em revistas digitais entre os anos de 2017 a 2022, nas bases de dados PubMed, BVS, Science Direct, PEDro e SciELO. Resultados: Diferentes desfechos foram avaliados nesta revisão e mostraram uma melhora estatisticamente significativa na funcionalidade do assoalho pélvico, na função sexual, nos fatores psicossexuais, na qualidade de vida e também na possibilidade de manter os resultados após um ano de acompanhamento. Conclusão: Os estudos avaliados nesta revisão sugerem que a fisioterapia promove melhorias para mulheres com dispareunia após câncer ginecológico. Apesar de todas as pesquisas demonstrarem bons resultados, mais estudos são necessários para confirmar estes achados.
Palavras-chave: Dispareunia; neoplasias dos genitais femininos; fisioterapia.
Introduction: Dyspareunia is characterized as pain before, during or after sexual intercourse. It can be classified as primary or secondary, superficial or deep, and recurrent or conditional. This dysfunction is often found after cancer treatments, generating a negative impact on quality of life, including physical, psychological, social and sexual factors. Objective: Review the literature of the last 5 years in order to evaluate the performance of physiotherapy in the treatment of dyspareunia in patients who suffered gynecological cancer. Methods: This is an integrative review of studies that sought to evaluate the performance of physiotherapy in women with dyspareunia after gynecological cancer, in scientific articles published in digital journals between the years 2017 to 2022, in the databases PubMed, BVS, Science Direct, PEDro and SciELO. Results: Different outcomes were evaluated in this review and showed a statistically significant improvement in pelvic floor functionality, sexual function, psychosexual factors, quality of life and also the possibility of maintaining the results after one year of follow-up. Conclusion: The studies evaluated in this review suggest that physiotherapy promotes improvements for women with dyspareunia after gynecological cancer. Despite all research demonstrating good results, more studies are needed to confirm these findings.
Keywords: Dyspareunia; genital neoplasms female; physical therapy.
Como definição, dispareunia é uma disfunção sexual considerada como presença de dor antes, durante ou após o intercurso sexual e manifesta-se de forma recorrente ou persistente durante a penetração vaginal, ou mesmo, sua tentativa [1]. Se classifica em primária ou secundária, a primária caracteriza-se pela presença de dor desde a primeira relação sexual e, a secundária, pela dor após exposição a relações sexuais sem relato de dor prévia. Quando a dor ocorre em todas as relações é classificada como persistente, já quando surge em algumas posições sexuais, com algum tipo de estímulo ou relacionadas a um parceiro específico, condicional. Nas dispareunias superficiais, a dor manifesta-se no terço distal da vagina podendo apresentar desconforto na vulva, vestíbulo ou clitóris. Além disso, fatores como lubrificação inadequada, excitação incompleta, distrofias vulvares e vaginites, podem representar a etiologia destas disfunções. Nas dispareunias profundas, a dor é referida na base do útero e, pode estar associada às condições de dor pélvica crônica (DPC) [2].
As disfunções sexuais femininas são frequentemente encontradas após tratamentos oncológicos, gerando um impacto negativo na qualidade de vida das mulheres, atingindo fatores físicos, psicológicos, sociais e sexuais [3]. Os tratamentos para combate ao câncer podem causar alterações nos músculos do assoalho pélvico (MAP), fundamentais para a atividade sexual feminina [4]. Em decorrência das radiações ionizantes, resultantes da radioterapia ou braquiterapia, podem haver complicações ginecológicas como: fístulas, redução da rugosidade vaginal, lubrificação, estenose vaginal, infertilidade e dispareunia [5]. Já a quimioterapia pode resultar em efeitos sistêmicos que causam a diminuição do desejo sexual, da excitação e também a perda aguda de estrogênio [6]. Além desses tratamentos, as cirurgias executadas, como a histerectomia, a laparoscopia e a linfedenectomia, também trazem complicações, ocasionando, por vezes, a menopausa precoce, redução da elasticidade e do canal vaginal [5].
A fisioterapia vem se mostrando bastante eficaz no tratamento das disfunções sexuais femininas, devido à restauração e mobilidade dos MAP, alívio de dores, prevenção e tratamento das restrições e incapacidades físicas [7]. Recursos fisioterapêuticos atuam na normalização do tônus muscular, melhora da conscientização perineal, propriocepção, fortalecimento dos MAP, elasticidade do canal vaginal, vascularização, entre outros. Diversas terapêuticas são utilizadas como Cinesioterapia, Eletroestimulação, Ginástica Hipopressiva, Biofeedback, Cones Vaginais e Terapia Manual [8].
Nesse contexto, a presença da dispareunia em mulheres que tiveram câncer ginecológico é cada vez mais frequente, porém não existe um padrão de tratamento [9]. Devido à escassez de literatura e a relevância desse tema, esse trabalho tem como objetivo revisar a literatura dos últimos 5 anos a fim de avaliar a atuação da fisioterapia no tratamento da dispareunia em pacientes que sofreram câncer ginecológico na busca de entendimento do real impacto da fisioterapia nesta disfunção.
Trata-se de uma revisão integrativa da literatura de estudos intervencionistas para avaliação dos efeitos da fisioterapia em pacientes com dispareunia após câncer ginecológico, bem como a adesão dos mesmos e o acompanhamento durante um ano. De acordo com a estratégia PICO/PECO, a presente revisão estabeleceu os seguintes critérios de elegibilidade: População Mulheres que apresentam dispareunia após câncer ginecológico; Intervenção/Exposição Fisioterapia do assoalho pélvico; Comparação pré e pós-tratamento; Desfecho Dor sexual, qualidade de vida, fatores psicossexuais; Tipos de estudo Estudo transversal, coorte e ensaio clínico.
As buscas por artigos científicos publicados em revistas eletrônicas foram realizadas de agosto a outubro de 2022, no período compreendido entre os anos 2017 a 2022, nas bases de dados PubMed, BVS, ScienceDirect, SciELO e PEDro. Foram selecionados estudos com idioma de publicação em português e inglês em diferentes estratégias para assegurar uma busca abrangente e pesquisas manuais também foram realizadas com base nas referências dos estudos incluídos. Foram utilizados para a estratégia de busca os termos mediante o sistema de metadados médicos Medical Subject Headings (MeSH) e Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), como disposto na Tabela I.
Tabela I - Descritores em Ciências da Saúde e Operadores Booleanos utilizados na estratégia de buscas em bases de dados
Base de Dados |
Equações de Busca |
PubMed |
((Dyspareunia) AND (Genital Neoplasms) AND (Physical Therapy)) |
BVS |
((Dyspareunia) AND (Genital Neoplasms) AND (Physical Therapy)) |
ScienceDirect SciELO PEDro |
((Dyspareunia) AND (Genital Neoplasms) AND (Physical Therapy)) ((Dyspareunia) AND (Genital Neoplasms) AND (Physical Therapy)) ((Dyspareunia) AND (Genital Neoplasms) AND (Physical Therapy)) |
As buscas foram realizadas por dois avaliadores independentes que selecionaram os estudos potencialmente relevantes a partir dos títulos e resumos obtidos nas bases de dados. Quando essas seções não forneceram informações suficientes para serem incluídas, o texto completo foi verificado. Posteriormente, os mesmos revisores avaliaram, independentemente, os estudos completos e realizaram a seleção de acordo com os critérios de elegibilidade, ou seja, o uso de uma metodologia que tenha envolvido estudos correlacionando a fisioterapia em pacientes com dispareunia após câncer ginecológico. A análise dos dados foi realizada de forma descritiva, procedendo a categorização dos dados extraídos a partir das variáveis de interesse.
Os estudos selecionados para a presente revisão foram avaliados quanto a sua qualidade metodológica com o Checklist Downs and Black. Essa escala possui 27 critérios, com pontuação variando de zero a um, exceto um critério que pontua de zero a dois pontos. Para estudos observacionais, apenas 18 itens são pontuados. Itens não apresentados nos estudos não recebem pontuação. Assim, estudos com melhor qualidade metodológica, atingem maior pontuação. Todos os estudos incluídos nesta revisão foram mantidos, mesmo aqueles que obtiveram escores baixos.
Foram considerados metodologicamente fortes os trabalhos que apresentassem escores igual ou superior a 80% da pontuação máxima, escores entre 60% e 80% como moderados e aqueles inferiores a 60% foram considerados de metodologia insatisfatória (fracos). Para o presente estudo, as questões referentes a ensaios clínicos (8,9,14,15,17,23,24,26,27) não foram consideradas. Desta forma, foram utilizados 18 itens da escala original, fornecendo uma pontuação máxima de 19 pontos visto que a pergunta 5 permite pontuação de 0 a 2 [10].
Na busca realizada, 63 referências foram localizadas. Destas, 5 artigos foram oriundos da base de dados PubMed, 8 da base de dados BVS e 50 da ScienceDirect, sendo que nenhuma referência foi localizada nas bases PEDro e Scielo. Inicialmente, 5 foram excluídos por serem duplicatas e, após a triagem, mais 54 registros foram excluídos pela leitura do título ou resumo, restando 4 estudos. Após a leitura na íntegra, todos os estudos se mantiveram. Além disso, foram selecionados 3 estudos na busca manual, que foram excluídos por desfechos diferentes, fornecendo, assim, 4 estudos para análise qualitativa. A Figura I representa o fluxograma de pesquisa, que corresponde a dois estudos transversais, um de coorte e um ensaio clínico.
Figura I - Fluxograma de Pesquisa - PRISMA [11].
As características dos estudos selecionados quanto aos desfechos tiveram como objetivo investigar as intervenções fisioterapêuticas em mulheres com dispareunia pós câncer ginecológico e estão apresentadas na Tabela II. Diversas técnicas foram avaliadas e incluem terapia manual, treinamento dos músculos do assoalho pélvico (TMAP) e o uso de dilatadores.
Tabela II: Fontes bibliográficas identificadas, ano, delineamento do estudo, características da amostra e técnicas estudadas
Autor Ano |
Desenho do Estudo |
Amostra (n) |
Idade |
Técnicas estudadas |
CYR MP et al. [13] 2022 Canadá |
Estudo de coorte |
29 |
55,9 |
FMAP Efeitos do tratamento no seguimento de um ano |
CYR MP et al. [4] 2021 Canadá |
Estudo transversal |
31 |
55,9 |
Educação Terapia Manual TMAP Dilatadores vaginais |
MARINA LOPES et al. [5] 2020 Brasil |
Ensaio clínico |
16 |
42,6±6,32 |
Conscientização diafragmática Terapia Manual TMAP Dilatadores vaginais |
CYR MP et al. [12] 2020 Canadá |
Estudo transversal |
31 |
55,9 |
Educação Terapia Manual TMAP Dilatadores vaginais |
Legenda –FMAP: Fisioterapia Multimodal do Assoalho Pélvico; TMAP: Treinamento Muscular do Assoalho Pélvico.
As pontuações obtidas por meio da Escala Metodológica Downs and Black, estão apresentadas no Gráfico I e correspondem a três estudos que foram considerados metodologicamente moderados obtendo média de 65% [4,12,13] e um estudo que foi considerado fraco, obtendo média de 50% [5].
Gráfico I - Avaliação do risco de viés da Escala Downs & Black
Os resultados obtidos em relação aos métodos de avaliação, intervenções avaliadas e possível relação com o objetivo do estudo estão dispostos na Quadro I.
Quadro I - Estudo selecionado, ano, país de origem, objetivos, métodos de avaliação, intervenções/técnicas fisioterapêuticas, descrição da amostra, principais conclusões e pontuação obtida na escala Downs and Black
Autor Ano/País |
Objetivos |
Métodos de Avaliação |
Intervenções/ Técnicas estudadas |
Grupos |
Resultados e Principais |
Conclu-sões |
CYR MP et al. 2022 CANADÁ |
Avaliar melhorias na dor, função sexual, fatores psicossexuais e sintomas depressivos em sobreviventes de câncer ginecológico com dispareunia após FMAP e explorar as percepções dos efeitos do tratamento no seguimento de um ano. |
• Para os dados quantitativos foram coletados usando questionários validados na linha de base, pós-tratamento e acompanhamento de um ano. • Para os dados qualitativos foram realizadas entrevistas semiestruturadas no seguimento de um ano para melhor compreender a percepção e a experiência das mulheres sobre os efeitos do tratamento. |
• Exercícios domiciliares: Respiração; exercícios do MAP; uso de dilatadores ou alongamento manual. |
Total: n = 29 Tempo de intervenção domiciliar e acompanhamento:1 ano. Frequência: As mulheres foram solicitadas a realizar exercícios em casa 2-3x por semana para manter os efeitos do tratamento. |
A redução da dor durante a relação sexual e a melhora do funcionamento sexual foram relatados pelas participantes como os efeitos mais significativos durante as entrevistas. Portanto, achados do estudo sugerem que as melhorias de curto prazo na dor durante a relação sexual e funcionamento sexual após FMAP podem ser sustentadas ao longo do tempo em sobreviventes de câncer ginecológico com dispareunia. Mudanças da linha de base para o acompanhamento* / Mudanças do pós-tratamento para o acompanhamento**: • Intensidade da dor (NRS): (p=0,001)* / (p=0,084)** • Qualidade da dor (MPQ): (p=0,001) / (p=1,000) • Função sexual (FSFI): (p=0,009) / (p=0,119) • Sofrimento sexual (FSDS-R): (p=0,001) / (p=0,708) • Preocupações com a imagem corporal (BIS): (p=0,001) / (p=1,000) • Ansiedade da dor (PASS): (p=0,001) / (p=1,000) • Catastrofização da dor (PCS): (p=0,001) / (p=1,000) • Autoeficácia na relação sexual dolorosa (PISES): (p=0,001) / (p=0,095) • Sintomas vaginais (ICIQ-VS): (p=0,001) / (p=1,000) Não houve alteração em relação a comparação com o pós tratamento, com manutenção dos resultados após um ano de acompanhamento. |
65% |
CYR MP et al. 2021 CANADÁ |
Avaliar os efeitos da fisioterapia multimodal sobre os resultados psicossexuais e sintomas depressivos em mulheres com dispareunia após tratamento para neoplasias ginecológicas. |
Fatores Psicossexuais: • Escala de angústia sexual feminina revisada (FSDS-R) • Escala de imagem corporal (BIS) • Escala de sintomas de ansiedade de dor (PASS) • Escala de catastrofização da dor (PCS) • Autoeficácia na relação sexual dolorosa (PISES) Sintomas depressivos (BDI-II) |
• Educação: 1 sessão com parceiros; manejo da dispareunia (uso de lubrificante e hidratante vaginais). • Terapia Manual: Aplicação externa e intravaginal. • Biofeedback: Por sonda intravaginal • Exercícios domiciliares: Respiração; exercícios do MAP (5x semana); uso de dilatadores ou alongamento manual (3x semana). |
Total: n = 31 Tempo de intervenção: 12 semanas Frequência: 6 x semana (com supervisão 1 x na semana) |
Os achados do estudo mostraram que a fisioterapia multimodal melhorou significativamente o desconforto sexual, preocupações com a imagem corporal, ansiedade pela dor, catastrofização da dor, autoeficácia da dor e sintomas depressivos em mulheres com dispareunia após tratamento para neoplasias ginecológicas. Resultados psicossexuais: • Sofrimento sexual (FSDS-R):(p=0,001)* • Preocupações com a imagem corporal (BIS):(p=0,001)* • Ansiedade da dor (PASS):(p=0,001)* • Catastrofização da dor (PCS):(p=0,001)* • Autoeficácia na relação sexual dolorosa (PISES):(p=0,001)* • Sintomas depressivos (BDI-II):(p=0,002)* |
65% |
MARINA LOPES et al. 2020 BRASIL |
Verificar efeitos da fisioterapia nas complicações ginecológicas e na QV das mulheres após tratamento do CA de Colo de útero (CCU) |
Função do Assoalho Pélvico: • Ficha de Avaliação Cinesiológico-funcional da Musculatura do Assoalho Pélvico (AVCF-MAP). • Escala de Oxford modificada. • Exame físico para verificação de possíveis alterações anatômicas. • Escala Common Terminology Criteria for Adverse Events (CTCAE) para verificação da estenose vaginal. Qualidade de vida: Questionário de QV: The Função Sexual: • Questionário de função sexual: Female Sexual FunctionIndex (FSFI) |
Conscientização diafragmática: Terapia manual: alongamento do períneo TMAP: Fibras tipo II: 15X Endurance: 10X (6-8seg) com repouso de 10 seg e progressão de 15, 20 e 30 segundos no decorrer do tratamento. Dilatadores vaginais: Associados ao TMAP, por período não informado. |
Total: n = 16 Tempo de intervenção: 6 semanas GAM (Grupo Ambulatorial Misto): n = 10 Frequência: 3 x semana (com supervisão 1 x semana) GDE (Grupo Domiciliar Exclusivo): n = 6 Frequência: 3 x semana sem supervisão. |
Houveram melhorias em relação aos parâmetros estudados (estenose vaginal; ressecamento vaginal; encurtamento vaginal; estreitamento vaginal dispareunia; diminuição da libido e dor pélvica), porém, o resultado não foi significativo, demonstrando apenas valores percentuais superiores no GAM. Em relação as complicações ginecológicas, os resultados estatisticamente significativos foram em relação à melhora da funcionalidade do AP (Endurance, potência e força musculares); na função sexual (lubrificação e dor); e na qualidade de vida. Entretanto, o tratamento ambulatorial se mostrou mais eficaz quando comparado ao domiciliar. Avaliação funcional da MAP pré e pós tratamento: • Endurance: GAM (p=0,0001)* / GDE (p=0,04)* • Potência: GAM (p=0,02)* / GDE (p=0,61) • Grau de força: GAM (p=0,002)* / GDE (p=0,09) Escore do FSFI pré e pós tratamento: • Desejo: GAM (p=0,14) / GDE (p=0,57) • Excitação: GAM (p=0,14) / GDE (p=0,51) • Lubrificação: GAM (p=0,13) / GDE (p=0,02)* • Orgasmo: GAM (p=0,32) / GDE (p=0,57) • Satisfação: GAM (p=0,07) / GDE (p=0,33) • Dor: GAM (p=0,002)* / GDE (p=0,10) Qualidade de vida pré e pós-tratamento: • GAM (p=0,58) / GDE (p=0,05)* |
50% |
CYR MP et al. 2020 CANADÁ |
Desenvolver uma intervenção fisioterapêutica do AP e avaliar sua viabilidade e aceitabilidade em sobreviventes de câncer ginecológico com dispareunia,e impacto relacionado na QV. |
Função do Assoalho Pélvico: • Avaliação com um oncologista ginecológico que realizou um exame ginecológico padronizado. Função Sexual: • Questionário de função sexual: Female Sexual Function Index (FSFI) • Escala numérica NRS para avaliar a intensidade média da dor durante a relação sexual. |
• Educação: 1 sessão com parceiros;manejo da dispareunia (uso de lubrificante e hidratante vaginais). • Terapia Manual: Aplicação externa e intravaginal. • Biofeedback: Por sonda intravaginal • Exercícios domiciliares: Respiração; exercícios do MAP (5x semana); uso de dilatadores ou alongamento manual (3x semana). |
Total: n = 31 Tempo de intervenção: 12 semanas Frequência: 6 x semana (com supervisão 1 x na semana) |
Os achados suportam a hipótese de que a fisioterapia multimodal do AP é uma intervenção viável e aceitável para tratar mulheres com dispareunia após câncer ginecológico. O estudo também demonstrou melhorias estatisticamente e clinicamente significativas na dor, função sexual, sintomas de disfunção do AP e impacto relacionado na QV. Efeitos na intensidade da dor, qualidade da dor e função sexual: • Intensidade da dor (NRS):(p=0,001)* • Qualidade da dor (MPQ):(p=0,001)* • Funcionamento sexual (FSFI):(p=0,001)* Desejo (p=0,001)* Satisfação (p=0,001)* Dor (p=0,001)* • Frequência de atividades sexuais com penetração vaginal (por mês): (p=0,001)* Disfunção do AP e impacto relacionado na QV: • Sintomas vaginais (ICIQ-VS):(p=0,001)* • Impacto geral na QV (ICIQ-VS):(p=0,001)* |
65% |
Legenda – AP: Assoalho Pélvico; AVCF-MAP: Ficha de Avaliação Cinesiológico-funcional da Musculatura do Assoalho Pélvico; BDI-II: Beck Depression Inventory-II; BIS: Body Investiment Scale; CCU: Câncer de Colo de Útero; CTCAE: Common Terminology Criteria for Adverse Events; FMAP: Fisioterapia Multimodal do Assoalho Pélvico; FSDS-R: The Female Sexual Distress Scale-Revised; FSFI: Female Sexual Function Index; GAM: Grupo Ambulatorial Misto; GDE: Grupo Domiciliar Exclusivo; MAP: Músculos do Assoalho Pélvico; NRS: Numeric Rating Scale; PCS: Pain Catastrophizing Scale; QV: Qualidade de Vida; TMAP: Treinamento Muscular do Assoalho Pélvico; WHOQOL-bref: The World Health Organization Quality of Life
Para esta revisão foram selecionados quatro artigos que versam sobre a atuação da fisioterapia em mulheres com dispareunia pós câncer ginecológico. Os estudos incluídos foram publicados entre 2017 e 2022. Desses, a qualidade de vida e a função sexual foram as medidas mais frequentes nessas pacientes e apresentaram, em geral, melhoras expressivas nos parâmetros relacionados à dor, qualidade de vida e na função sexual em todos os domínios.
Dentre os estudos apresentados, três abordaram a dor em seus desfechos [4,5,12]. Todos utilizaram técnicas como terapia manual para alongamento e liberação da fáscia, TMAP para promover força, resistência, coordenação e relaxamento dos MAP, e o uso de dilatadores vaginais graduados. Além disso, todos apresentaram exercícios domiciliares semelhantes aos das sessões de tratamento e também a respiração lenta e profunda com o objetivo de garantir concentração e percepção corporal. Ratificando esses achados, o estudo conduzido por Delgado et al. [14] declaram que a terapia manual tem se mostrado uma técnica eficaz na diminuição das aderências, promovendo a normalização do tônus muscular, melhorando o aumento da circulação sanguínea, da flexibilidade muscular e do fluxo linfático. A pesquisa realizada por Martin et al. [15] ressalta que a respiração lenta e profunda em comparação à respiração rápida, produz efeitos analgésicos em pacientes saudáveis submetidos à dor induzida, o que condiz com nossos achados. O estudo de Busch et al. [16] também sugere que a forma de respirar influencia no processamento autonômico e da dor, indicando que a respiração lenta e profunda em conjunto com o relaxamento é uma característica importante na modulação da excitação simpática e percepção da dor.
Em relação à função sexual, três estudos obtiveram resultados significativos [4,5,12] especialmente nos domínios lubrificação e dor. Da mesma forma, outras pesquisas [17,18], evidenciaram a melhora da função sexual após a fisioterapia, concluindo que os recursos fisioterapêuticos trazem resultados positivos em um curto período de tempo. Corroborando esta afirmação, o estudo conduzido por Tomen et al. [19] demonstrou que a fisioterapia pélvica promove efeito significativo sobre a qualidade de vida e satisfação sexual em mulheres com vaginismo, que também é caracterizada como desordem sexual. O estudo de Batista et al. [20] correlacionou a disfunção sexual com força muscular do assoalho pélvico, pois avaliou mulheres que apresentavam algum tipo de alteração sexual e nenhuma possuía força dos MAP igual ou superior ao grau 4 na escala de Oxford modificada.
Um único estudo conduzido por Cyr et al [4] avaliou os resultados psicossexuais relacionados a intervenção fisioterapêutica, constatando um incremento estatisticamente significativo na melhora dos sintomas de sofrimento sexual, preocupação com a imagem corporal, ansiedade e catastrofização da dor, autoeficácia da relação sexual dolorosa e sintomas depressivos dessas pacientes. Os resultados obtidos por Moraleida et al. [21] apontam o fisioterapeuta como um grande aliado para exercer um impacto positivo sobre as incapacidades e restrições sociais de indivíduos que apresentam disfunções.
Além desses desfechos, a melhora na continência urinária foi outro resultado estatisticamente significativo constatado nos estudos e, conforme os achados de Olivetto et al [22], os recursos fisioterapêuticos exercem um papel fundamental no auxílio do tratamento de pacientes com incontinência urinária principalmente para melhorar a qualidade de vida e o fortalecimento do assoalho pélvico. Desta forma, estudos sugerem que o tratamento fisioterapêutico para as disfunções sexuais poderia ser implementado no cuidado multidisciplinar do câncer, o que torna cada vez mais importante a inclusão desse profissional nessas equipes [13,23].
Finalmente, em termos metodológicos, de acordo com o Checklist Downs and Black, três estudos apresentaram escores moderados [4,12,13] e apenas um com escore insatisfatório [5]. Dentre os indicadores de qualidade ausentes, destacam-se fatores de confusão, falta de estimativas da variabilidade aleatória dos dados dos principais achados, relatos de efeitos adversos, características dos participantes perdidos, a incapacidade de determinar a origem dos participantes, a omissão dos fatores de confusão nas análises e a falta de confiabilidade dos principais desfechos tratados.
A escassez de publicações sobre o tema limita os resultados da presente revisão, bem como o pequeno número amostral dos estudos selecionados, o que evidencia a necessidade de novas pesquisas nessa área.
Os estudos avaliados nesta revisão sugerem que a fisioterapia promove melhorias para mulheres com dispareunia após câncer ginecológico. A funcionalidade dos MAP, a função sexual, os fatores psicossexuais e a QV foram os desfechos com maior relevância e que podem ser sustentados ao longo do tempo. Apesar de todas as pesquisas demonstrarem bons resultados, foram encontrados fatores limitantes como a escassez de literatura e o pequeno número amostral. Os escores moderados ou insuficientes demonstram a necessidade de mais estudos, com delineamentos mais robustos, para confirmar estes achados.
Conflito de interesses
Os autores declaram não ter conflitos de interesse de qualquer natureza.
Fontes de financiamento
Financiamento próprio.
Contribuições dos autores
Concepção e desenho da pesquisa: Lima DC, Furlanetto MP. Obtenção de dados: Lima DC, Furlanetto MP. Análise e interpretação dos dados: Lima DC, Farias MP, Silva YP, Furlanetto MP. Análise estatística: Lima DC. Redação do manuscrito: Lima DC. Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Lima DC, Farias MP, Silva YP, Furlanetto MP.
Referências
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