ARTIGO ORIGINAL
Desenvolvimento e análise psicométrica do teste de percepção háptica da mão por meio de relevos e formas geométricas (HP-rg)
Development and psychometric analysis of the hand haptic perception test using geometric shapes and reliefs (HP-rg)
Fátima Aparecida Caromano1, Tatiana Calissi Petri1, Thiago Henrique da Silva1, Juliana Aparecida Rhein Telles1, Jéssica Cândido Jerônimo da Costa1, Mariana Callil Voos2
1Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), São Paulo, SP, Brasil
2Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde, Departamento Teorias e Métodos em Fisioterapia e Fonoaudiologia (PUC), São Paulo, SP, Brasil
Recebido em: 27 de julho de 2024; Aceito em: 30 de agosto de 2024.
Correspondência: Fátima Aparecida Caromano, caromano@usp.br
Como citar
Caromano FA, Petri TC, Silva TH, Telles JAR, Costa JCJ, Voos MC. Desenvolvimento e análise psicométrica do teste de percepção háptica da mão por meio de relevos e formas geométricas (HP-rg). Fisioter Bras.2024;25(4):1588-1601. doi:10.62827/fb.v25i4.1013
Introdução: Existem poucos instrumentos validados para avaliar a percepção háptica da mão para discriminar entre biomarcadores de processamento sensorial típicos e atípicos. Assim, é necessário desenvolver um teste viável e psicometricamente validado para avaliar a percepção háptica da mão. Objetivo: Desenvolver um teste economicamente viável e validado psicometricamente para avaliar a percepção háptica da mão e discriminar entre biomarcadores de processamento sensorial típicos e atípicos. Métodos: Desenvolvimento de testes e análise psicométrica. Sete especialistas desenvolveram o teste, 10 profissionais de saúde participaram da validade de construto, 56 estudantes da análise de usabilidade e 100 pessoas da comunidade da análise de confiabilidade e consistência interna. Resultados: O Teste de Percepção Háptica da Mão foi desenvolvido com 6 atividades-teste com formas geométricas em alto relevo com três níveis de dificuldade. Sua aplicação, preparação e o material utilizado no desenvolvimento foram descritos quanto à replicabilidade. Os especialistas consideraram o teste relevante e tecnicamente bem desenhado e descrito. A análise de usabilidade mostrou que os participantes compreenderam o propósito e uso do teste. Os coeficientes de correlação intraclasse variaram de 0,88 a 0,99, apresentaram boa confiabilidade nas análises intra e interexaminadores e o alfa de Cronbach (alfa= 0,8) foi alto. A análise fatorial confirmatória superior a 0,60, mostrou boa estrutura interna. Conclusão: Esta pesquisa resultou na elaboração do Teste Háptico de Percepção Manual com figuras geométricas em relevo (HP-rg), com diferentes níveis de dificuldade, utilizando materiais padronizados, acessíveis e de fácil acesso, utilizável por estudantes, apresentou validade de construto e confiabilidade, e foi adequado para uso clínico e uso em pesquisa. Seu diferencial é a forma detalhada e sistematizada de avaliar a habilidade háptica no reconhecimento de figuras geométricas.
Palavras-chave: Percepção de tato; percepção de forma; avaliação em saúde; interpretação estatística de dados; mão.
Introduction: There are few validated instruments for assessing haptic hand perception to discriminate between typical and atypical sensory processing biomarkers. Thus, it is required to develop a feasible, psychometrically validated test to evaluate haptic hand perception. Objective: To develop an economically viable and psychometrically validated test to assess haptic hand perception and discriminate between typical and atypical sensory processing biomarkers. Methods: Test development and psychometric analysis. Seven experts developed the test, 10 health professionals participated in construct validity, 56 students in usability analysis and 100 people of the community in reliability and internal consistency analysis. Results: The Hand Haptic Perception Test was developed with 6 test activities with geometric shapes in high relief, with three levels of difficulty. The application, preparation and the materials used in its development has been described in terms of replicability. Experts considered the test relevant and technically well designed and described. Usability analysis showed that participants understood the test purpose and use. Intraclass correlation coefficients ranged from 0.88 to 0.99, showed good reliability in intra- and inter-examiner analyses and Cronbach’s alpha (alfa= 0.8) was high. Confirmatory factor analysis greater than 0.60, showed good internal structure. Conclusion: This research resulted in the development of the Hand Haptic Perception Test with geometric figures in relief (HP-rg), with different levels of difficulty, using standardized, accessible and easily accessible materials, usable by students, that presented construct validity and reliability, and was suitable for clinical use and use in research. Its differential is the detailed and systematic way of evaluating the haptic ability in the recognition of geometric figures.
Keywords: Touch perception; form perception; health evaluation; data interpretation; hand.
A percepção tátil ocorre pelo tato e é mediada por receptores cutâneos da pele [1]. Quando associada à ativação simultânea de receptores cinestésicos, é denominada percepção háptica e contribui para a percepção de posição e movimentos dos membros [2,3,4]. Experimentos com adultos saudáveis mostraram que as pontas dos dedos detectam um aumento de 1 μm (micrômetro) em uma superfície uniforme durante o exame háptico, enquanto sua sensibilidade de discriminação tátil é de 1 mm [5,6].
As últimas décadas experimentaram um interesse crescente na percepção tátil das mãos, muito se deve aos avanços tecnológicos e a necessidade da interação entre a mão humana e objeto ou interface hápticas [5]. A mão apresenta altos graus de liberdade, precisão, fusão de diferentes feedbacks sensoriais, sua mimetização e representa um desafio [7,8].
A avaliação da atividade háptica do ponto de vista experimental, implica em controlar diferentes variáveis, como por exemplo, força, tipo, intensidade e duração do estímulo, tipos e número de receptores envolvidos, bem como estratégia adotada para a captação e percepção sensorial.
Vários autores investigaram a função háptica do relevo na percepção de objetos por meio da exploração com e sem visão [9,10,11]. Klatzky e Lederman (2011), apontaram que a visão deveria ser controlada em experimentos que com relevo [12]. Por outro lado, pesquisa realizada por Mueller et al. (2013), realizada com 98 voluntários em 36 tarefas, não aponta diferença em relação ao desempenho cronometrado na identificação de objetos na situação com e sem informação visual, na qual ambos os grupos se comportam de maneira equivalente, a acurácia perceptiva não se alterou quando os movimentos exploratórios estavam associados ou não à visão. Contudo, aponta que o tempo de exploração variou com a idade e a complexidade da tarefa [5]. Helbig [13] em seu estudo sobre a integração ideal das informações de formas, pela visão e toque, demonstrou que as duas modalidades combinadas são mais confiáveis do que uma ou outra sozinha. Theurel et al. (2012) indicaram que à orientação espacial também pode impactar no reconhecimento de objetos. Objetos apresentados na posição horizontal parecem ser mais facilmente identificados do que aqueles apresentados em outras posições [14].
A avaliação da percepção háptica também se baseia no reconhecimento de formas geométricas, aprendidas na infância, no ambiente circundante, nas atividades de vida diária e na pré-escola, e são estímulos facilmente reconhecíveis [14,15]. Kalenine et al. (2010) mostraram que crianças pré-escolares reconhecem mais facilmente triângulos do que quadriláteros, tanto na exploração visual como na exploração háptica [11]. Seus resultados corroboram os achados de Mueller et al. (2013), que utilizaram linhas, pontos e figuras geométricas para avaliar o efeito da observação de movimentos de exploração na percepção háptica. Encontraram melhor desempenho em termos de erros (e) e tempo médio de exploração (tex) na percepção de figuras curvas (e = 1; tex = 13,5 s) em comparação com figuras angulares, como triângulos (e = 1; tex = 21,1 s) e quadrados (e = 20; tex = 43,6 s) [5].
Embora o conhecimento sobre a percepção háptica tenha crescido significativamente, o alto custo dos instrumentos de avaliação restringe sua inserção na prática clínica [16], levando em conta que alterações hápticas podem ocorrer em diversas doenças que afetam o sistema nervoso, como na Doença de Parkinson [17], acidente vascular cerebral (AVC) [18], crianças com transtorno do desenvolvimento da coordenação (TDC) [19] entre outras. Considerando as necessidades básicas quanto à avaliação da percepção háptica das mãos, Nascimento et al. (2016), desenvolveram um instrumento de avaliação com seis domínios: alto-relevo, baixo-relevo, barognosia, compressibilidade, textura e percepção de forma. Porém, alguns aspectos de sua metodologia, baseados na literatura, podem comprometer a reprodutibilidade do teste [16].
Desenvolvemos um teste háptico para avaliar habilidades da mão na exploração de figuras em alto e baixo relevos, com figuras em formas geométricas, com construção dos materiais testes economicamente viáveis, para caracterização da função háptica da mão, com intuito que diferencie estados típicos e atípicos e que supra as necessidades clínicas e de pesquisa em relação à esta habilidade. O teste foi submetido à análise de confiabilidade, usabilidade e de consistência interna. O teste foi denominado Teste de Percepção Háptica da Mão: formas geométricas em relevo (HP-rg).
Este estudo incluiu o desenvolvimento de um teste de avaliação funcional, análise psicométrica e estudo de validação de instrumento com desenho prospectivo realizado no Laboratório de Fisioterapia e Comportamento do Curso de Fisioterapia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FMUSP, CAAE(s): 82392018.4.0000.0065 e 89792218.5.0000.0065. Todos os participantes deram consentimento informado antes de sua inclusão no estudo. As informações dos participantes permaneceram confidenciais.
De acordo com as recomendações da American Psychological Association- STANDARDS (2014), foram realizadas 1. Desenvolvimento de testes, 2. Análise de validade de construto, 3. Análise de usabilidade, 4. Análise de confiabilidade e consistência interna [20]. O experimento anterior serviu de base para o experimento subsequente. A fase 1 contou com sete pesquisadores (3 doutores e 4 mestrandos). Para a fase 2, foram selecionados dez profissionais de saúde de acordo com os critérios de seleção de especialistas de Fehring (1986) [21]. Na fase 3 participaram 56 estudantes e na fase 4 foi recrutada uma amostra de conveniência composta por 100 adultos saudáveis para análise de validade e confiabilidade do teste.
Procedimentos por experimento
– Fase 1: desenvolvimento do teste
Foram realizadas reuniões quinzenais pelo período de um ano para discussão da literatura que fundamenta os testes hápticos, planejamento, desenvolvimento e testes de protótipos com materiais acessíveis, de forma a construir um teste que avaliasse a percepção háptica da mão, aplicado de forma padronizada e gerando pontuação.
– Fase 2: Validade do construto
O perito recebeu o temo de consentimento livre e esclarecido, o teste e seu manual, o formulário para caracterização do perito [21] e um questionário com escala tipo Likert para análise e avaliação da prova, da ficha de registro e do manual (sendo 1=muito ruim, 2=ruim, 3=regular, 4=bom, 5=muito bom). A categorização das respostas foi realizada para cada critério avaliado [22].
– Fase 3: Análise de usabilidade
Nessa fase, estudantes de graduação com idade entre 18 e 35 anos, receberam e assinaram o temo de consentimento livre e esclarecido e em seguida foram divididos aleatoriamente em dois grupos, o estudo foi realizado em dois dias. No primeiro dia, um grupo de 31 pessoas realizou a análise, e o segundo grupo de 25 pessoas, realizou no segundo dia.
A análise de usabilidade foi feita pelo método direto, no qual os participantes puderam entrar em contato com o material, conhecer o conteúdo do teste e interagir com o material. Após esse período, responderam ao questionário de usabilidade e ao teste de interação [23].
O estudo de usabilidade foi dividido em três etapas sequenciais: 1. Experimentação e estudo, 2. Questionário de usabilidade e 3. Teste de interação quatro (4) perguntas sobre o teste, 4 perguntas relacionadas à quatro (4) vídeos relacionados à simulação de aplicação do teste, quatro (4) perguntas relacionadas à quatro (4) imagens sobre a avaliação do teste e preenchimento da ficha de registro e a pontuação e uma (1) pergunta sobre a adoção do teste na prática clínica.
– Fase 4: Confiabilidade e consistência interna
Para a fase de validação de instrumento psicométrico, foram recrutados estudantes universitários destros, saudáveis, com idade entre 18 e 35 anos (n=100 voluntários). Cinquenta participantes tiveram seus dados de avaliação reanalisados para determinar a confiabilidade intra e interexaminadores e consistência interna. Posteriormente, foi realizada a validade de construto por meio de análise fatorial exploratória e confirmatória utilizando dados da amostra total. A avaliação da lateralidade foi realizada para confirmar a dominância manual. A avaliação sensorial tátil foi aplicada pelo teste do monofilamento de Semmes-Weinstein. Após essa triagem, os voluntários foram avaliados pelo Teste de Percepção Háptica da Mão: formas geométricas em relevo (HP-rg).
O software IBM SPSS Statistics versão 1.0.0-2843 foi utilizado para avaliação de confiabilidade. A análise estatística da confiabilidade intra e interxaminadores foi avaliada considerando um nível de significância de p < 0,05. Valores de ICC abaixo de 0,74 foram considerados não aceitáveis, valores entre 0,75 e 0,9 indicam boa confiabilidade e valores maiores que 0,90 indicam confiabilidade excelente. Para análise de consistência interna foi avaliado o alfa de Cronbach. Para este procedimento foi utilizado o software estatístico RStudio Versão 1.0.143 e o software IBM SPSS Statistics Versão 1.0.0-2843, para validade de construto. Além disso, a análise fatorial confirmatória foi estabelecida por meio do pacote Amos, Versão 25.0.0 (IBM SPSS Statistics).
– Fase 1: Desenvolvimento de testes
Foi desenvolvido um conjunto de atividades testes com seis atividades em alto-relevo e outras seis, em espelho, para baixo-relevo com foco na avaliação da percepção háptica da mão. O teste foi denominado Teste de Percepção Háptica da Mão: formas geométricas em relevo (HP-rg). Foram utilizados materiais simples e de fácil aquisição, permitindo acesso e replicabilidade [24]. As peças das atividades-teste foram confeccionadas em MDF (Medium Density Fiberboard) quadrado de 13 x 13 cm e 3 mm de espessura [16,25,26]. As bases das atividades-teste foram feitas em MDF e posteriormente adesivadas com vinil branco fosco para uniformizar a textura das peças. Na sequência, foram inseridas as folhas de vinil cortadas com as figuras geométricas medindo de 4 a 31 cm² de área, confeccionadas em papel adesivo com espessura de 0,3 mm para a peça com relevo mais grosso e 0,1 mm para a peça com menor relevo (Figura 1) [5,6].
Figura 1 - Peças do teste em alto relevo à esquerda e baixo relevo à direita
Foram determinados os critérios de avaliação: replicação, localização, proporção e direção, que são utilizados na análise de desempenho juntamente com o tempo utilizado em cada atividade de teste. O teste deve ser realizado em ambiente calmo, na situação examinador/examinado, utilizando mesa de escritório e duas cadeiras sem braços que permitam o posicionamento dos membros superiores, com flexão de cotovelo em ângulo de 90º sobre a mesa, o examinado deve estar bem posicionado.
Para avaliação, o examinador deve seguir o roteiro do teste sem fazer qualquer tipo de comentário durante a execução para não influenciar o examinado. Deve posicionar a peça do teste com o desenho voltado para cima, centralizada sobre um antiderrapante e dar o comando para o examinado posicionar a venda para bloqueio visual e realizar o teste. Após a exploração, o examinado é orientado a retirar a venda e reproduzir a figura percebida com a maior precisão possível, por meio de um desenho em uma folha de papel (Figura 2) [16,27,28].
(A) Primeira linha, sequência de palpação da peça com a figura em relevo, utilizando o dedo indicador, mais dedos e realizando a exploração com a mão inteira. (B) Segunda linha, indivíduo realizando exploração háptica do corpo de prova por meio de bloqueio visual, reproduzindo em seguida a figura percebida, por meio de desenho em folha de papel. (Imagem dos autores)
Figura 2 - Sequência de aplicação do Teste
– Fase 2: Validade do construto
O teste foi avaliado por 7 mulheres e 3 homens com idade variando de 39 a 58 anos, média de 43 anos (±13), com pontuação média na escala de Fehring21 de 11 pontos (±2,9), variando entre 8 e 16 pontos, o qual considera experiência acadêmica, clínica e em pesquisa. Em relação ao tempo de formação, a média foi de 20,1 anos (± 12), que variou de 9 a 33 anos. Todos os avaliadores eram professores universitários das áreas de fisioterapia, terapia ocupacional, educação física e neurologia.
A nota média geral atribuída ao teste foi de 4,59 na escala Likert [22], indicando satisfação com o teste. O manual de teste teve pontuação média de 4,56 e os itens com maior pontuação foram os itens 1 (Aparência geral do manual), 2 (Conteúdo geral do manual) e 5 (Relevância das figuras), com pontuação média de 4,7. Os itens com menor pontuação foram o item 8 (Informações suficientes para aplicação do teste sem treinamento) e o item 9 (Informações suficientes para replicação do teste sem treinamento), com pontuação média de 4,3 pontos. Sugestões relevantes e viáveis, totalizando 13, foram acatadas e incorporadas ao teste, manual ou formulário de coleta de dados. A análise de constructo mostrou que o teste é pertinente e tecnicamente viável.
– Fase 3: Análise de usabilidade
1. Experimentação e estudo: Participaram 56 estudantes regularmente matriculados em cursos universitários da área da saúde, sendo 34 mulheres e 21 homens, com idade média de 24 anos (± 5,6) e tempo médio de estudo de 14,8 anos (± 6,4). O estudo foi realizado em dois dias, e os 56 participantes foram divididos aleatoriamente em dois grupos, devido à capacidade física do local de estudo (sala de aula). Um grupo de 31 pessoas compôs o grupo no primeiro dia e o segundo grupo com 25 pessoas realizou a avaliação no segundo dia. O tempo de avaliação não variou estatisticamente entre os grupos, sendo Grupo 1: 2 horas e 10 minutos e Grupo 2: 1 hora e 55 minutos, (teste t de Student, com p<0,005). Todos os alunos consideraram a ficha de avaliação totalmente relevante.
2. Questionário de usabilidade: Os resultados indicaram que o teste é uma ferramenta utilizável, a partir do estudo de seu manual e familiaridade com os materiais das atividades do teste, mesmo sem treinamento prévio. A maioria dos participantes 76,8%, considera-o fácil de usar, embora indiquemos fortemente o treinamento simulado de aplicação.
3. Teste de Interação: Na etapa do teste de interação, apenas um participante errou a questão 1. Nas questões 2 e 3, os participantes acertaram 100%. Na questão 4, dois participantes erraram. Todos receberam feedback. Após os participantes assistirem aos vídeos com simulação da aplicação do teste, houve 100% de acerto nas questões. Em três das quatro questões apresentadas relacionadas à adequação das situações de teste apresentadas em imagens, as respostas foram unânimes e indicam a compreensão da avaliação com 100% de acertos. Na última questão, referente à possibilidade de adoção do teste na prática clínica, 100% dos participantes responderam positivamente à adoção do teste.
– Fase 4: Confiabilidade e consistência interna
Foram avaliados 100 voluntários, 65 mulheres e 35 homens, com idade variando de 18 a 33 anos, com média de 23,2 (± 4,1) anos. Não houve registro de perdas amostrais, desistências ou perda de dados.
A maioria dos resultados indica excelente confiabilidade. Os valores do coeficiente de correlação intraclasse (ICC) variaram de 0,88 a 0,98 nas análises intraexaminador e interexaminador. Considerando todo o instrumento, o valor do alfa de Cronbach foi de 0,8, valor classificado como alto para um conjunto de componentes. As cargas fatoriais de 4 dos 6 componentes apresentaram valores superiores a 0,60. A análise fatorial confirmatória apresentou diversos índices que evidenciam uma estrutura interna adequada. (Tabelas 1 e 2)
Tabela 1 - Valores de coeficiente de correlação intraclasse (ICC) e Alfa de Cronbach, parciais por figura/relevos e totais por figuras
Valores da análise de confiabilidade por figura |
||||||
Variável |
Circulares |
triangulares |
quadrangulares |
|||
(figuras em alto e baixo relevos) |
||||||
Escores |
Figuras 1.1 |
Figuras 1.2 |
Figuras 2.1 |
Figuras 2.2 |
Figuras 3.1 |
Figuras 3.2 |
Escore ICC parcial (intraexaminador) |
0,94 |
0,88 |
0,94 |
0,95 |
0,98 |
0,96 |
Escore ICC parcial (interexaminadores) |
0,92 |
0,88 |
0,92 |
0,98 |
0,96 |
0,92 |
Escore ICC total (intraexaminador) |
0,96 |
0,97 |
0,98 |
|||
Escore ICC total (interexaminadores) |
0,95 |
0,98 |
0,97 |
Tabela 2 - Cargas fatorais e comunalidades dos componentes
Item |
Cargas Fatorais |
Comunalidades |
1.1 |
0,622 |
0,387 |
1.2 |
0,389 |
0,151 |
2.1 |
0,709 |
0,503 |
2.2 |
0,510 |
0,260 |
3.1 |
0,638 |
0,406 |
3.2 |
0,641 |
0,411 |
– Fase 1: desenvolvimento de testes
Para que o teste fosse de fácil acesso e economicamente viável, foram utilizados materiais simples e de fácil aquisição e sua construção foi descrita em manual [24].
Incluímos como estímulos figuras geométricas das categorias círculos, triângulos e quadriláteros [10,13], por serem facilmente reconhecidas por crianças de 5 anos, conforme demonstrado por Theurel et al. (2012), Pinet & Gentaz (2007), Henriques et al. (2004), que demonstraram serem figuras reconhecidas por crianças a partir dos 5 anos [14,29,30]. As figuras em formas geométricas foram impressas em papel adesivo, que, destacadas, foram fixadas na base de MDF. De acordo com os achados de Louw, Kappers e Koenderink (2000) que avalia o limiar de discriminação de adultos jovens, entre uma superfície plana e uma superfície gaussiana e encontra como resultados a percepção de 1μm para os perfis mais estreitos até 8 mm para no perfil mais largo, foram incluídas espessuras de 0,3mm para a peça com relevo mais espesso, e 0,1mm para a peça com relevo menor [5,6,9,31].
Quanto ao posicionamento da figura na peça, adotou-se a orientação horizontal para as figuras fáceis, e para as complexas as figuras foram inclinadas, conforme indicado no estudo de Theurel (2012) [14].
A nomeação da forma palpada, testa a percepção do examinado sobre apenas um aspecto da geometria do objeto, nesta pesquisa outros aspectos como localização, direção e são consideradas proporções do valor [9,14,31,32]. Esses aspectos foram considerados para tornar o teste um instrumento com níveis de dificuldade e fornecer medidas de acuidade de sensibilidade háptica, uma vez que a identificação háptica de objetos fornece informações sobre a funcionalidade da percepção tátil, mas com exploração ativa [9,33].
– Fase 2: Validade do construto
A avaliação por especialistas da área de avaliação, que incluiu pesquisadores e/ou professores das áreas de fisioterapia, terapia ocupacional, educação física e neurologia e a incorporação das sugestões feitas por eles, permitiu o refinamento do teste para sua aplicação clínica e na pesquisa, considerando todos os aspectos relevantes envolvidos na avaliação do sistema háptico [16,21,34].
– Fase 3: Análise de usabilidade
Usabilidade é um conceito que pode ser entendido como a medida em que um sistema, produto ou serviço pode ser utilizado por usuários específicos de forma eficaz, segura e com satisfação, ou seja, um atributo de qualidade que avalia a facilidade de uso e interação entre um produto ou serviço e um usuário e engloba 5 componentes de qualidade: (1) aprendizado, que está relacionado à facilidade do usuário desde o primeiro contato com o produto para conseguir realizar as tarefas propostas, (2) eficiência, que é a rapidez de execução da tarefa, a capacidade de executar a tarefa com (3) proficiência, mesmo após um período de não utilização, a (4) quantidade e o impacto dos erros cometidos pelo usuário do produto e o quão (5) agradável é usar o produto, corroboram o objetivo de desenvolver um teste de fácil aplicação e replicação do teste, tornando-o acessível [23,24] .
A avaliação da usabilidade durante a concepção do teste, apesar da complexidade de sua análise, nos ajudou a refinar o desenvolvimento do teste, além de entender sua adoção por futuros profissionais. Para esta análise foram implementadas medidas mais amplas, em três etapas sequenciais, considerando experimentação e estudo, questionário de usabilidade e teste de interação [35].
– Fase 4. Confiabilidade e consistência interna
Do ponto de vista psicométrico, faltam instrumentos com fortes evidências de validação. Uma revisão de literatura realizada por Mazella et al. (2016) mostraram que os testes hápticos representam uma área em evolução e que a maior parte destes instrumentos são destinados à população com deficiência visual [36].
Os resultados das análises psicométricas determinam as fases subsequentes do desenvolvimento do instrumento. Se essas análises revelarem propriedades psicométricas claras e de alta qualidade, os pesquisadores poderão concluir com segurança a construção do instrumento de medição. Por outro lado, as análises psicométricas revelam frequentemente aspectos que confirmam que os instrumentos podem e devem ser aprimorados [37].
O Teste de Percepção Háptica da Mão: formas geométricas em relevo (HP-rg) foi desenhado para gerar respostas com alto grau de confiabilidade, a fim de se tornar preciso em estudos que envolvam percepção háptica.
Dentre os testes recentes que avaliaram a percepção háptica e o tato, as propriedades psicométricas validam o instrumento por meio de outras estratégias como a validade convergente e discriminante, que se baseiam em interpretações muito subjetivas e gerais dos pesquisadores, não existe um método considerado padrão e mais adequado para avaliar a convergência. e validade discriminante. Para esta pesquisa optou-se pela análise fatorial, que permite analisar as relações entre muitas variáveis [38,39].
O HP-rg apresentou confiabilidade e validade de construto. No caso de pessoas jovens e saudáveis que apresentem um nível de escolaridade significativo, torna-se viável a utilização deste instrumento, que deverá ter novas análises de validade em outras populações. A estrutura interna do teste é homogênea e seus componentes avaliam com precisão a percepção tátil.
Esta pesquisa resultou na elaboração de um teste háptico de percepção manual com figuras geométricas em relevo, com diferentes níveis de dificuldade, utilizando materiais padronizados, acessíveis e de fácil acesso, utilizável por estudantes, apresentou validade de construto e confiabilidade, e foi adequado para uso clínico e uso em pesquisa. Seu diferencial é a forma detalhada e sistematizada de avaliar a habilidade háptica no reconhecimento de figuras geométricas.
O teste pode auxiliar na contextualização e compreensão clínica da percepção háptica.
Os estudos de continuidade implicam a descrição e criação de uma forma de avaliação das estratégias motoras e do tempo de execução das atividades testes e caracterização do desempenho numa amostra saudável da população em diferentes faixas etárias. Estas análises permitirão complementar a avaliação do teste e obter dados de referência sobre estados típicos e atípicos por faixa etária, bem como estabelecer parâmetros para comparações intra e interindividuais.
Conflito de interesses
Sem conflitos de interesse.
Fontes de financiamento
Sem financiamento mas com suporte da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- Brasil (CAPES) - Código de financiamento 001.
Contribuições dos autores
Concepção e desenho da pesquisa: Caromano FA; Coleta de dados: Petri TC; Silva TH, Telles JAR, Costa JCJ; Análise e interpretação dos dados: Petri TC, Silva TH, Voos MC, Caromano FA; Análise estatística: Voos MC; Silva TH; Redação do manuscrito: Petri TC, Silva TH; Caromano FA. Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Caromano FA.
Referências
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