Fisioter Bras. 2024;25(3):1456-1468
doi:10.62827/fb.v25i3.1002

ARTIGO ORIGINAL

Barreiras à mobilização precoce percebidas pela equipe multiprofissional de uma unidade de terapia intensiva

Barriers to early mobilization perceived by the multidisciplinary team of an intensive care unit

Adrieli Raíssa Lira Ribeiro1, João Marques Ferreira Neto1, André Rodrigues Carvalho1, Laís Sousa Santos de Almeida1, Luana Gabrielle de França Ferreira2

1Hospital Universitário do Piauí (HU-UFPI), Teresina, PI, Brasil

2Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPar), Parnaíba, PI, Brasil

Recebido em: 30 de junho de 2024; Aceito em: 24 de julho de 2024.

Correspondência: Adrieli Raíssa Lira Ribeiro, adrieli_liraribeiro@hotmail.com

Como citar

Ribeiro ARL, Neto JMF, Carvalho AR, Almeida LSS, Ferreira LGF. Barreiras à mobilização precoce percebidas pela equipe multiprofissional de uma unidade de terapia intensiva. Fisioter Bras. 2024;25(3):1456-1468. doi:10.62827/fb.v25i3.1002

Resumo

Objetivo: Identificar as principais barreiras à mobilização precoce segundo a percepção dos profissionais de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Métodos: Estudo transversal, realizado com uma equipe multiprofissional atuante em UTI de um Hospital Público de Teresina-PI. Os participantes da pesquisa incluíram médicos, enfermeiros, fonoaudiólogos e fisioterapeutas, os quais disponibilizaram-se questionário autoaplicável adaptado de Capozzoli (2021), referente à mobilização precoce e identificação das barreiras relacionadas ao paciente, instituição e equipe. Resultados: Participaram 42 profissionais, sendo 13 técnicos de enfermagem, 10 fisioterapeutas, 9 enfermeiros, 7 médicos e 3 fonoaudiólogos. Predominou o sexo feminino (32 entrevistados, 76,2%), sendo a média de idade de 36 ± 6,4 anos. Toda a equipe demonstrou estar informada sobre do que se tratava a mobilização precoce, sendo as principais barreiras apontadas a instabilidade hemodinâmica em relação ao paciente, a falta de materiais em relação ao hospital e a não prioridade à mobilização precoce em relação à equipe multiprofissional principal. Conclusão: As principais barreiras para a mobilização precoce, segundo a percepção dos profissionais pesquisados, deste estudo foram a instabilidade hemodinâmica (barreira mais limitante de forma geral), a falta de equipamentos da instituição e a falta de prioridade para mobilização.

Palavras-chave: Mobilização Precoce; Barreiras ao Acesso aos Cuidados de Saúde; Unidade de Terapia Intensiva.

Abstract

Objective: to identify the main barriers to early mobilization according to the perception of professionals in an Intensive Care Unit (ICU). Methods: Cross-sectional study, carried out with a multidisciplinary team working in the ICU of a Public Hospital in Teresina-PI. The research participants included doctors, nurses, speech therapists and physiotherapists, who provided a self-administered questionnaire adapted from Capozzoli (2021), regarding early mobilization and identification of barriers related to the patient, institution and team. Results: 42 professionals participated, including 13 nursing technicians, 10 physiotherapists, 9 nurses, 7 doctors and 3 speech therapists. Females predominated (32 interviewees, 76.2%), with an average age of 36 ± 6.4 years. The entire declared team is informed about what early mobilization was about, with the main barriers being hemodynamic instability in relation to the patient, the lack of materials in relation to the hospital and the lack of priority to early mobilization in relation to the main multidisciplinary team. Conclusion: The main barriers to early mobilization, according to the perception of the professionals surveyed, in this study were hemodynamic instability (the most limiting barrier in general), the lack of equipment at the institution and the lack of priority for mobilization.

Keywords: Early Ambulation; Barriers to Access of Health Services; Intensive Care Units.

Introdução

A mobilização precoce é uma intervenção com o potencial de melhorar a qualidade dos cuidados oferecidos na terapia intensiva. Inúmeros estudos mostram que esta prática é segura e viável, com baixa taxa de eventos adversos, resultando em melhorias significativas nos quadros de delirium, redução na dependência de ventilação mecânica, melhora na capacidade funcional dos pacientes e redução do tempo de internação [1-3].

O imobilismo decorrente da internação prolongada, associado a fatores como idade, gravidade da doença, tipo de admissão (aguda/eletiva) e outros podem piorar o quadro clínico do paciente. Dentre esses fatores, pode-se citar a sepse, hiperglicemia, uso de corticosteroides, benzodiazepínicos e bloqueadores musculares podem ocasionar alterações osteomusculares transitórias ou permanentes, bem como afetar a funcionalidade do indivíduo em até 5 anos após a alta hospitalar [4-5].

Nesse contexto, a mobilização precoce desempenha um papel fundamental tanto no bem-estar físico como geral do paciente, assumindo grande importância na sua execução com a participação de toda equipe multiprofissional nesse processo [4]. Entretanto, apesar dos seus benefícios, a realização efetiva da mobilização precoce ainda não é amplamente realizada em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). Estudos multicêntricos internacionais em mobilização na UTI evidenciam baixa prevalência de mobilização fora do leito, principalmente nos pacientes sob ventilação mecânica (VM) [5].

Ainda que o arsenal de evidências seja suficiente e os profissionais reconheçam os benefícios da mobilização precoce, sua aplicação é percebida como desafiadora, levando a uma lacuna entre evidência e prática clínica, onde são encontradas barreiras, classificadas de acordo com os fatores que estão relacionadas, tais como barreiras relacionadas ao paciente, a instabilidade hemodinâmica e o nível de consciência reduzido; barreiras relacionadas a equipe, como a indisponibilidade e deficiência de comunicação; e barreiras relacionadas a instituição, como a falta de equipamentos, espaço insuficiente e a ausência de protocolos [5-7].

Dentre dessas classificações, pode-se notar a presença de fatores modificáveis, ou seja, aqueles que podem ser resolvidos pela equipe ou pela própria instituição, além dos fatores não modificáveis, os quais não dependem do profissional ou da instituição, mas do estado clínico do paciente [5-6].

Assim, questiona-se qual o conhecimento sobre a mobilização precoce de uma equipe de saúde e quais as principais barreiras apontadas para a prática da mobilização precoce em uma UTI de hospital público do nordeste brasileiro. Dessa forma, o objetivo deste estudo é identificar as principais barreiras que limitam a execução da mobilização precoce através de um questionário sobre conhecimento e barreiras à prática de mobilização precoce, afim de proporcionar medidas para a ampliação desta conduta na rotina desses profissionais com mais segurança e conhecimento.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal realizado com a equipe multiprofissional atuante na UTI do Hospital Universitário da Universidade Federal do Piauí (HU-UFPI), localizado na cidade de Teresina-PI. A pesquisa ocorreu após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) com Certificado de Apresentação e Apreciação Ética (CAAE) 55567022.7.0000.8050. A pesquisa esteve de acordo com as normas da resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

A população e amostra foram os profissionais atuantes nessa UTI durante os turnos manhã e tarde, compreendendo fisioterapeutas, enfermeiros, técnicos de enfermagem, fonoaudiólogos e médicos, sendo assim 54 profissionais, número baseado na escala disponibilizada para essa pesquisa pela assistência administrativa do setor em questão. Desses 54 profissionais, 42 aceitaram participar do estudo.

A coleta foi realizada entre os meses de abril e maio de 2022, com critério de inclusão os profissionais da saúde atuantes durante o dia na UTI Geral do HU-UFPI. Os critérios de exclusão foram: profissionais que estivessem de férias, atestado ou afastados da assistência durante o momento da coleta de dados, aqueles que desistiram de preencher de forma completa o instrumento da pesquisa e os que tiveram indisponibilidade de tempo para participar devido a demanda da assistência do setor durante a coleta de dados.

A equipe multiprofissional foi convidada a participar do estudo em seu local de trabalho em horário de intervalo da intrajornada, após aceitarem a participação e assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Esses profissionais foram orientados sobre como preencher o questionário, o tempo médio para responder e de devolução para o pesquisador, bem como sobre a importância do estudo.

Os participantes que aceitaram participar receberam duas vias do TCLE uma para sua posse, outra para devolução ao pesquisador entrevistador, e uma via do questionário de pesquisa. Nos casos de dúvidas sobre o instrumento da pesquisa, foram repetidas as mesmas orientações do início, para que não houvesse influência do pesquisador sobre as respostas dos participantes.

Em seguida, foi aplicado o questionário, com instrumentação baseada na versão em português usado por Capozzoli [6], a qual se baseou em um estudo canadense [8]. Trata-se de um questionário autoaplicável e composto por três componentes principais: o glossário, a caracterização dos participantes do estudo e os questionamentos referentes às barreiras. Inicialmente foram apresentadas as definições dos termos de maior importância para conhecimento do participante, como conceito de fraqueza muscular adquirida na UTI, mobilização precoce e tipos de mobilizações. O objetivo de acrescentar esses conceitos ao questionário seria torná-lo autoexplicativo, diminuindo as dúvidas do entrevistado e, com isso, propiciar maior confiabilidade aos resultados obtidos.

A segunda parte do questionário tratava da identificação do participante. Nela, o participante respondeu perguntas sobre idade, profissão e nível de formação. A terceira era constituída dos questionamentos referentes à mobilização precoce e às barreiras relacionadas ao paciente, à instituição e à equipe. Todas as perguntas fora de múltipla escolha, variando de 3 a 12 alternativas, mas caso o participante tivesse preferência pela alternativa “outros”, deveria justificar sua resposta no tópico para respostas abertas.

Os dados foram organizados em planilha no programa Microsoft Excel® versão 8.0 e posteriormente exportados para o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS®) versão 22.0, sendo as variáveis descritas por meio de porcentagem, média e desvio padrão. A análise dos dados de frequência foi feita pelos testes de associação Qui-Quadrado e teste exato de Fisher. Foi considerado um intervalo de confiança de 95% e nível de significância de 5% (p < 0,05).

Resultados

Participaram do estudo 42 profissionais, sendo 23,8% (10) fisioterapeutas, 7,1% (3) fonoaudiólogos, 16,7% (7) médicos; 52,4% de equipe de enfermagem, sendo 9 enfermeiros e 13 técnicos de enfermagem. A maioria dos entrevistados foram do sexo feminino (76,2%), com média de idade de 36 ± 6,4 anos. O nível de formação mais frequente foi a especialização latu sensu, com 66,7%, de tempo de experiência em UTI, com média de 8,2 ± 5,2 anos e de atuação no presente hospital de 4,8 ± 3,3 anos. Além disso, contabilizaram-se 19% (8) diaristas, 59,5% (25) plantonistas e 21,4% (9) residentes.

A Tabela 1 a seguir apresenta os resultados da verificação da percepção dos profissionais sobre a mobilização precoce, conhecimento do tema, importância do procedimento, quando deve ser iniciada a mobilização precoce e os responsáveis pela execução dessa mobilização.

Tabela 1 - Comparação das respostas obtidas entre as equipes da reabilitação, enfermagem e medicina, sobre o nível de conhecimento da mobilização precoce e a classificação dessa conduta em termos de execução na UTI do Hospital pesquisado

Conhecimento sobre mobilização precoce na UTI

Reabilitação

% (n)

Enfermagem

% (n)

Medicina

% (n)

p-valor*

Nível de conhecimento sobre a mobilização precoce

Nenhum

Já ouviu falar, mas não sabe do que se trata

7,7% (1)

27,3% (6)

42,9 (3)

0,183

Conhece sobre o assunto

92,3% (12)

172,7% (6)

57,1% (4)

Visão sobre a importância da mobilização precoce no cuidado do paciente

Crucial, deve ser prioridade máxima no cuidado

38,5% (5)

77,3% (17)

100% (7)

0,007

Muito importante, deve ser prioridade no cuidado

38,5% (5)

13,6% (3)

Importante, deve ser prioridade no cuidado

23,1% (3)

9,1% (2)

Um pouco importante no cuidado

Não é de grande importância

Mínima importância no cuidado

Sem importância para o cuidado

Momento em que a mobilização deve ser iniciada no paciente

Logo que possível após a admissão na UTI

84,6% (11)

54,5% (12)

71,4% (5)

0,197

Logo que o estado cardiorrespiratório tenha estabilizado

46,2% (6)

63,6% (14)

85,7% (6)

0,222

Logo que o paciente é extubado

9,1% (2)

Logo que estiver sem todas as infusões de drogas vasoativas

18,2% (4)

Logo que o paciente estiver consciente e puder cooperar

13,6% (3)

Logo que as infusões de sedativos forem descontinuadas

13,6% (3)

Logo que estiver pronto para ser transferido para fora da UTI

4,5% (1)

Como a UTI está em termos de mobilização dos seus pacientes

Ruim

7,7% (1)

31,8% (7)

42,9% (3)

0,588

Regular

30,8% (4)

63,6% (14)

42,9% (3)

Boa

46,2% (6)

4,5% (1)

14,3% (1)

Excelente

15,4% (2)

Responsabilidade pela execução da mobilização precoce

Fisioterapeuta

9,1% (2)

0,857

Fisioterapeuta com apoio da equipe multiprofissional

92,3% (12)

77,3% (17)

85,7% (6)

Qualquer profissional

7,7% (1)

13,6% (3)

14,3% (1)

Não sabe opinar

Fonte: Os autores, 2024. *Teste exato de Fisher.

A Figura 1 a seguir apresenta os resultados obtidos sobre a percepção da equipe em relação as maiores barreiras relacionadas ao paciente, equipe e instituição, bem como os resultados com maior frequência de respostas. A barreira prevalente, apontada de forma unânime pelos participantes da pesquisa, foi a instabilidade clínica relacionada ao paciente.

Figura 1 - Comparação das respostas obtidas pela equipe multiprofissional em relação as barreiras para a mobilização precoce existentes na UTI no Hospital pesquisado.

A Figura 2 a seguir demonstra os resultados obtidos da percepção dos profissionais sobre as barreiras especificamente relacionadas ao paciente. A instabilidade clínica (hemodinâmica, respiratória e outras) foi a barreira mais assinalada por todas as equipes pesquisadas. Não houve diferença estatística, entre os profissionais, sobre a percepção das barreiras relacionadas aos pacientes.

Figura 2 - Comparação das respostas obtidas pela equipe multiprofissional em relação as barreiras para a mobilização precoce relacionadas aos pacientes existentes na UTI no Hospital pesquisado.

A Figura 3 a seguir apresenta os resultados sobre as barreiras relacionadas à instituição (HU-UFPI). Como destaque, citam-se a falta de equipamentos suficientes e a necessidade de ordens médicas para iniciar a mobilização. Não houve diferença estatística sobre a percepção das barreiras relacionadas à instituição entre os profissionais pesquisados.

Figura 3 - Comparação das respostas obtidas pela equipe multiprofissional em relação as barreiras para a mobilização precoce relacionadas a instituição existentes na UTI no Hospital pesquisado.

A Figura 4 a seguir demonstra a percepção dos profissionais sobre as barreiras relacionadas especificamente à equipe de saúde. Destacam-se, nesse item, a limitação da na “mobilização não ser percebida como prioridade no cuidado”, assim como a equipe reduzida para mobilizar os pacientes. Cita-se, ainda, que houve diferença estatística significativa na percepção entre as equipes médica, de reabilitação e de enfermagem, no que concerne à “falta de comunicação nas visitas multiprofissionais” (p = 0,037), e sobre “percepções conflitantes sobre o cabimento da mobilização” (p = 0,037).

Figura 4 - Comparação das respostas obtidas pela equipe multiprofissional em relação as barreiras para a mobilização precoce relacionadas a equipe existentes na UTI no Hospital pesquisado.

Discussão

Neste estudo, todos participantes da equipe multiprofissional mostraram conhecimento sobre mobilização precoce e sua importância. Com relação ao questionamento do momento que deve ser iniciada a mobilização precoce, a equipe da reabilitação em relação às demais categorias profissionais, indicou que essa conduta deve ser iniciada logo após a admissão do paciente. Em relação à avaliação da execução da mobilização precoce na UTI deste hospital, a equipe de enfermagem e da reabilitação avaliaram essa conduta como boa, já a equipe médica classificou entre ruim e regular.

Ao serem questionados sobre o responsável pela execução da mobilização precoce, todas as categorias afirmaram que o responsável pela conduta é o fisioterapeuta, com apoio da equipe multiprofissional. As principais barreiras para a mobilização precoce identificadas segundo a percepção da equipe foram: relacionadas ao paciente, especificamente a instabilidade clínica; relacionadas à instituição, destacando-se a falta de equipamentos para a execução da mobilização e às relacionadas com a equipe, onde a mobilização não foi vista como prioridade no cuidado.

Em relação ao nível de conhecimento da equipe multiprofissional sobre a mobilização precoce e a sua importância, toda a equipe mostrou-se informada sobre o assunto. Corroborando como esses achados, um estudo realizado em 46 UTIs de HUs de toda a rede de saúde do Canadá, contatou que dois terços dos entrevistados (67,2%) relataram estar familiarizados com a literatura relacionada a mobilização precoce na UTI [9]. Corrobora esses dados um estudo brasileiro realizado em seis UTIs de dois HUs, onde a equipe entrevistada, (médicos, enfermeiros e fisioterapeutas) demonstraram possuir conhecimento dos potenciais benefícios e atitudes favoráveis à mobilização precoce na UTI [7].

Ao serem questionados sobre quando deve ser iniciada a mobilização precoce na UTI, a equipe da reabilitação deste estudo se sobressaiu em relação às demais categorias, indicando que a conduta deve ser iniciada após a admissão do paciente. Em um estudo realizado em quatro hospitais (dois na cidade de Santos e dois HUs de grande porte em São Paulo), onde 47 fisioterapeutas foram entrevistados a respeito das barreiras para a mobilização precoce, obteve-se um padrão de respostas semelhante a esta pesquisa, onde a maioria dos profissionais se dividiu entre as opções “logo que possível após a admissão na UTI” e “logo que o estado cardiorrespiratório do paciente tenha estabilizado” [6].

Assim sendo, as Diretrizes Brasileiras de Mobilização Precoce em Unidade de Terapia Intensiva (2019) detalham as principais dúvidas a respeito desse assunto e recomendam que a mobilização precoce deve ser iniciada a partir das primeiras 48h em pacientes com ventilação mecânica. Indica ainda, que se trata de uma técnica segura e pouco frequente a eventos adversos, principalmente alterações hemodinâmicas e/ou respiratórias, sendo essas reversíveis com a interrupção da terapia [4].

Ao avaliarem sobre a qualidade da mobilização precoce na UTI do hospital em estudo, as respostas mais frequentes foram as da equipe de enfermagem e da reabilitação, que classificaram a conduta como boa. Já equipe médica classificou a conduta em questão como ruim e regular. Essa classificação “meio-termo” mostra-se subentendida segundo a percepção dos profissionais da UTI deste estudo, onde a mobilização precoce ainda é pouco vista e realizada de forma fragilizada nesse setor, com pouca visibilidade pela equipe multiprofissional, a qual não considera a conduta como excelente.

De acordo com este achado, a literatura descreve estudos onde mais de 80% dos médicos indicam que a mobilização precoce deveria ocorrer rotineiramente por meio de protocolos realizados pela equipe multiprofissional, a menos que o paciente apresente alguma contraindicação para tal conduta, assim como estariam dispostos a reduzir a sedação dos pacientes para permitir a eficácia da sua realização [10]. A literatura, ainda, sugere que protocolos de mobilização aumentam a mobilidade e benefícios funcionais aos pacientes [1-4], entretanto, a carga de trabalho da equipe de enfermagem em UTI é reconhecidamente elevada, podendo impactar na segurança e na qualidade dos cuidados prestados e pouco contribuindo para a execução da técnica [11].

No quesito sobre a responsabilidade pela execução da mobilização precoce, todas as categorias tiverem a mesma percepção, afirmando que a responsabilidade da mobilização precoce é do fisioterapeuta, com o apoio da equipe multiprofissional. Corroborando com esse achado, as Diretrizes Brasileiras de Mobilização Precoce em Unidade de Terapia Intensiva, descreve que a equipe multidisciplinar deve ser responsável em identificar as indicações e as contraindicações para realização da mobilização precoce, mas cabe ao fisioterapeuta definir o melhor modelo de intervenção, sua intensidade, periodicidade, continuidade ou interrupção, objetivando diminuir o tempo de internação e devolver à funcionalidade desses pacientes [4].

Dentre as barreiras encontradas neste estudo, a mais prevalente foram àquelas relacionadas ao paciente, especificamente a instabilidade clínica, que inclui a hemodinâmica, respiratória, dentre outras. Essa barreira também foi relevante nos estudos realizados em São Paulo e Santos, e em um outro estudo realizado no Canadá. [6,9]. Dessa forma, a maior limitação para a realização da mobilização precoce é a instabilidade hemodinâmica, sendo a hipertensão arterial por exemplo, com pressão arterial sistólica > 170mmHg, considerada contraindicação [4]. A instabilidade hemodinâmica é um fator não modificável, segundo uma revisão que reúne artigos buscando encontrar as principais barreiras à mobilização precoce e estratégias para contorná-las, sendo os autores aconselham a realização de reuniões interprofissionais para discussão dos casos, abordagens segmentadas, protocolos, aplicação de critérios de segurança, evitar mobilização até duas horas após aumento de vasopressores e realizar uma avaliação concludente do paciente [12].

Em relação às barreiras relacionadas a instituição, destacou-se a menção sobre a falta de equipamentos para a mobilização. Análogo a estudos encontrados na literatura, onde a falta de equipamentos também é vista como barreira, tem-se ainda além da falta de tempo e apoio dos demais profissionais da equipe [11,12]. Nesse sentindo, esses estudos trazem como sugestão a realização de treinamento sobre o uso de equipamentos com a equipe multiprofissional, deixando todos os profissionais cientes do uso e dos objetivos de cada aparelho [6,13]. Dessa forma, evita-se desinformações das outras categorias profissionais, que no caso deste estudo, ao serem questionadas com relação ao uso desses equipamentos nesta UTI, o resultado encontrado contradiz com a realidade do setor, o qual possui equipamentos de alta tecnologia e que são usados diariamente pela equipe de fisioterapia nos pacientes que possuem indicação.

Neste estudo, a mobilização não foi vista como prioridade no cuidado, indicada como a principal barreira relacionada à equipe. Esse resultado pode estar diretamente relacionado com o item “equipe reduzida para mobilizar”, a qual foi a segunda barreira mais indicada. Nesse contexto, tempo e equipe necessária para mobilizar pacientes críticos podem ser impedimentos importantes para a realização de mobilização precoce dentro da UTI, além de constituírem uma preocupação frequentemente reportada quando se considera a melhoria da qualidade para uma maior aceitação da mobilidade [14,15,16]. Dados semelhantes foram encontrados em um estudo realizado no Canadá, onde 311 profissionais, incluindo médicos e fisioterapeutas, em 46 UTIs, apontaram a falta de prioridade para mobilização, preocupação com a segurança e pessoal limitado para mobilizar rotineiramente pacientes [9].

Dessa forma, uma alternativa encontrada por algumas instituições é alterar esta percepção de todas as categorias de saúde envolvidas no cuidado do paciente crítico, revendo a prioridade das rotinas diárias de cuidado, para inclusão da mobilidade, a criação e a implementação de uma equipe treinada e dedicada à mobilização na UTI [13,17,18]. Equivalente ao que acontece na UTI deste estudo, a qual diariamente a equipe de fisioterapia avalia os pacientes e seleciona através das indicações e contraindicações baseadas no protocolo de mobilização da instituição aquele que está ou não apto para a mobilização.

Entretanto, as barreiras encontradas nas UTIs são multifatoriais, sendo complexo discutir soluções globais para as mesmas, pois cada hospital, equipe e paciente possuem suas individualidades. Entretanto, é evidente a importância de uma equipe treinada com foco na melhora clínica do paciente para tomada de decisão, buscando facilitar o processo com o objetivo de promover qualidade no atendimento assistencial. Assim sendo, é fundamental a implementação, na unidade, de um fluxograma descrevendo a avaliação clínica do paciente correlacionando as responsabilidades da equipe durante o processo, incluindo não apenas o fisioterapeuta, mas também o médico, enfermeiro e técnico de enfermagem no processo de retirada do leito, garantindo ao paciente, com isso, segurança e melhor qualidade no procedimento [١٣,١٧,١٨].

Este estudo teve como limitação o perfil de alguns profissionais recém-formados e residentes inseridos recentemente na UTI pesquisada, que pode acarretar na pouca familiaridade com o local de trabalho e um entrosamento insuficiente com a equipe, podendo repercutir em partes dos resultados. Outro fator limitante foi relacionada a equipe de fisioterapia atuante no período noturno, a qual não participou deste estudo, pelo fato da coleta de dados ter ocorrido durante o dia, o que pode ter influenciado em alguns aspectos importantes nos resultados relacionados a percepção da fisioterapia no questionário aplicado. No entanto, a decisão por abordar apenas profissionais diurnos ocorreu pelo fato de ser nesse período que ocorrem os procedimentos de mobilização dos pacientes por parte da fisioterapia. Pode-se citar também como limitação, as respostas às questões de conhecimento sobre mobilização precoce, visto que o instrumento utilizado era autoexplicativo com definições e conceitos sobre essa mobilização o que pode ter auxiliado os profissionais de alguma forma e repercutido nos resultados sobre o conhecimento do assunto.

Conclusão

As principais barreiras para a mobilização precoce, segundo a percepção dos profissionais deste estudo, foram a instabilidade clínica, a falta de equipamentos da instituição e a falta de prioridade para mobilização, sendo, de forma geral, a instabilidade clínica a barreira mais limitante, caracterizada por uma barreira não modificável. Entretanto, as demais barreiras identificadas relacionadas com a instituição e com a equipe são classificadas como modificáveis, portanto dependem da equipe e da própria instituição para serem superadas. Logo, a partir destes dados, sugere-se estratégias como mais treinamento das equipes de saúde e a existência de um protocolo institucional acessível capaz de integrar toda a equipe em relação aos prós e contras da conduta em questão, constituindo, assim, formas de reduzir as barreiras modificáveis identificadas neste estudo, deixando mais evidente a prática de mobilização precoce dentro da UTI.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse de qualquer natureza.

Fontes de financiamento

Financiamento próprio.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Ribeiro ARL, Ferreira LGF; Obtenção de dados: Ribeiro ARL, Ferreira Neto JM, Carvalho AR; Análise e interpretação dos dados: Ribeiro ARL, Almeida LSS, Ferreira LGF; Análise estatística: Ribeiro ARL, Ferreira LGF; Obtenção de financiamento: Ribeiro ARL, Ferreira LGF; Redação do manuscrito: Ribeiro ARL, Ferreira Neto JM, Almeida, LSS, Ferreira LGF; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Ribeiro ARL, Ferreira LGF.

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