ARTIGO ORIGINAL
Avaliação funcional das fraturas periarticulares do joelho atendidas no Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IOT-HC-FMUSP): estudo transversal retrospectivo
Functional evaluation of periarticular knee fractures treated at the Orthopedics and Traumatology Institute of the University of São Paulo Medical School (IOT-HC-FMUSP): retrospective cross-sectional study
Aline Ferreira Guimarães Gubolin1, Silvia Ferreira Andrusaitis1, Cleidneia Clemente da Silva1, Pérola Grinberg Plapler1, Érica Aparecida Gomes da Silva1, Bruna Paloma do Nascimento1
1Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IOT-HCFMUSP), São Paulo, SP, Brasil
Recebido em: 06 de fevereiro de 2024; Aceito em: 12 de julho de 2024.
Correspondência: Aline Ferreira Guimarães Gubolin, aline.guimaraes@hc.fm.usp.br
Como citar
Gubolin AFG, Andrusaitis SF, Silva CC, Plapler PG, Silva ÉAG. Avaliação funcional das fraturas periarticulares do joelho atendidas no Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IOT-HC-FMUSP): estudo transversal retrospectivo. Fisioter Bras. 2024;25(3):1507-1519.doi:10.62827/fb.v25i3.1006
Objetivo: avaliar a capacidade funcional em pacientes com fraturas periarticulares do joelho atendidos no IOT – HC-FMUSP, determinando o mecanismo de trauma e o tipo de fratura mais frequente, bem como associar como a gravidade das fraturas influenciam nas questões funcionais. Métodos: estudo transversal retrospectivo que avaliou 21 pacientes com fraturas periarticulares do joelho (distais de fêmur, patelar, planalto tibial) tratadas cirurgicamente, com idade entre 18 a 59 anos. Os pacientes foram submetidos a uma avaliação que incluiu verificação por goniometria da amplitude de movimento do joelho, teste Timed up ad Go, teste Sit to Stand e questionário Lysholm. Resultados: Os resultados gerais das fraturas foram: TUG: 9,96 ± 4,06; STS: 10,7 ± 3,6 e a escala Lysholm 58,05 ± 24,62 (52% ruim). Os resultados individuais das fraturas foram: Amplitude de movimento de extensão (P: 0 ± 0; DF: 2,5 ± 5; PT: 0,57 ± 1,50) e flexão (P: 137 ± 2,89; DF: 103 ± 13,7; PT: 126 ± 9,79); Timed up and Go (P: 9,51 ± 1,79; DF: 11,7 ± 7,8; PT: 9,55 ± 3,1); Sit to stand (P: 9 ± 3; DF: 10,8 ± 6,4; PT: 11 ± 2,88); Lysholm (P: 54 ± 42,2; DF: 48,3 ± 24,9; PT: 61,7 ± 21,6). As fraturas periarticulares do joelho mais recorrentes foram as fraturas do planalto tibial, 66,7% do total, seguidas pelas fraturas distais do fêmur, 19%, e fraturas da patela, 14,3%. O mecanismo de trauma mais recorrente foi o acidente de veículo automotor, 48% dos casos, onde os homens foram os mais acometidos, 62% dos pacientes. Conclusão: Observou-se que os pacientes com fraturas menos graves, em sua maioria sem lesões associadas, tiveram melhores resultados nos testes funcionais. Os indivíduos com fraturas distais do fêmur apresentaram os piores resultados com relação à capacidade funcional em todas as avaliações, ADM, na Escala Lysholm e nos testes TUG e STS, em comparação às demais fraturas, do planalto tibial e da patela.
Palavras-chave: Fraturas do joelho; patela; fraturas do planalto tibial; fraturas femorais distais; reabilitação.
Objective: to evaluate the functional capacity in patients with periarticular fractures of the knee treated at the IOT-HC-FMUSP, determining the mechanism of trauma and the most frequent type of fracture, as well as associating how the severity of fractures influences functional issues. Methods: a retrospective cross-sectional study evaluating 21 patients with surgically treated periarticular knee fractures (femur distal, patellar, tibial plateau), aged between 18 and 59 years. The patients underwent an assessment that included goniometry verification of knee range of motion, Timed up and Go test, Sit to Stand test and Lysholm questionnaire. Results: The overall results of the fractures were: TUG: 9.96 ± 4.06; STS: 10.7 ± 3.6 and the Lysholm scale 58.05 ± 24.62 (52% poor). The individual results of the fractures were: Range of motion in extension (P: 0 ± 0; DF: 2.5 ± 5; PT: 0.57 ± 1.50) and flexion (P: 137 ± 2.89; DF: 103 ± 13.7; PT: 126 ± 9.79); Timed up and Go (P: 9.51 ± 1.79; FD: 11.7 ± 7.8; PT: 9.55 ± 3.1); Sit to stand (P: 9 ± 3; FD: 10.8 ± 6.4; PT: 11 ± 2.88); Lysholm (P: 54 ± 42.2; FD: 48.3 ± 24.9; PT: 61.7 ± 21.6). It was observed that patients with less severe fractures, mostly without associated injuries, had better results in the functional tests. Conclusion: Individuals with distal femoral fractures had the worst results in terms of functional capacity in all assessments, ROM, the Lysholm Scale and the TUG and STS tests, compared to the other fractures, of the tibial plateau and patella. The most recurrent periarticular knee fractures were tibial plateau fractures, 66.7% of the total, followed by distal femur fractures, 19%, and patellar fractures, 14.3%. The most recurrent mechanism of trauma was motor vehicle accidents (48% of cases), and men were the most affected ,62% of patients.
Keywords: Knee fractures; patella; tibial plateau fractures; femoral fractures distal; rehabilitation.
O manejo das fraturas que envolvem regiões articulares é desafiador e pode apresentar resultados adversos no quesito capacidade funcional. As fraturas na região do joelho compreendem as distais do fêmur, proximais de tíbia e patelar. Os objetivos do tratamento cirúrgico englobam o alinhamento do membro inferior, redução anatômica da superfície articular e fixação estável para permitir a movimentação precoce. As complicações mais comuns são pseudoartrose, retardo de consolidação e falha de implante, podendo gerar a diminuição da funcionalidade dos indivíduos. [1,2,3]
As fraturas distais de fêmur incluem fraturas diafisárias, metafisárias e intra-articulares. Em sua maioria, decorrem de lesões de alta energia, geralmente devido a trauma axial associado a forças em varo, valgo ou rotacional. Dentre as fraturas de fêmur, as fraturas da região distal representam de 4 a 7% dos casos, com uma incidência anual estimada de 8,7/100.000 por ano. [4,5]
O planalto tibial corresponde a aproximadamente 1% de todas as fraturas, por ação de traumas de baixa energia, como queda ao solo ou traumas de alta energia, como atropelamentos. O mecanismo pode se caracterizar por forças compressivas coronais indiretas ou forças compressivas axiais diretas. [5,6]
Representando 0,5-1,5% de todas as lesões musculoesqueléticas, as fraturas patelares são raras, em sua maioria causada por um trauma direto no joelho flexionado. O objetivo do tratamento é a reconstrução do mecanismo extensor e a reconstrução anatômica da superfície articular. O tipo de tratamento depende do tipo de fratura, dentre eles a fixação com banda de tensão, que ainda é a técnica mais utilizada. [5,7,8]
A literatura é escassa quanto à avaliação da capacidade funcional dos indivíduos que obtiveram o diagnóstico de fratura periarticular do joelho. As diversas possibilidades de tratamento cirúrgico para estas fraturas e os diferentes mecanismos de trauma, além da variabilidade do tipo de fratura, têm impacto direto sobre a capacidade funcional dos indivíduos, bem como a influência da gravidade das fraturas desempenho funcional. Foi avaliada a capacidade funcional dos pacientes com fraturas periarticulares do joelho, através de testes funcionais, amplitude de movimento articular e escala funcional, bem como identificados os tipos de fratura e seus mecanismos de trauma.
Trata-se de um estudo transversal retrospectivo, cujos dados dos pacientes foram obtidos por um pesquisador a partir da análise de prontuários catalogados no IOT-HC-FMUSP. Os registros utilizados foram de pacientes que deram entrada no pronto-socorro do Instituto no período proposto.
Os critérios de inclusão eram indivíduos de ambos os sexos, com idade de 18 a 59 anos, submetidos ao tratamento cirúrgico das fraturas periarticulares do joelho no período de janeiro de 2018 a dezembro de 2022. Como critérios de exclusão, prontuários incompletos que impossibilitaram o contato com o paciente e recusa em participar do estudo.
Os indivíduos foram contatados por aplicativo de mensagens de texto (WhatsApp®) e convidados a responder um questionário estruturado pela plataforma Formulários Google contendo a escala Lysholm, e o TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) enviado em formato de link. Aqueles que, por algum motivo, não conseguiram responder ao formulário eletrônico, foram entrevistados através do contato telefônico. Além do questionário, os pacientes foram convidados a comparecer ao ambulatório de fisioterapia do IOT para realizar uma avaliação física.
A escala Lysholm é utilizada para verificar os sintomas relacionados ao joelho. Essa escala inclui aspectos básicos da escala de Larson, que avalia as condições do indivíduo para caminhar, correr, saltar e agachar, introduzindo, o sintoma instabilidade e correlacionando-o com determinada atividade. A escala é composta por oito questões, com alternativas de respostas fechadas, cujo resultado final, é expresso de forma nominal e ordinal, sendo “excelente” de 95 a 100 pontos; “bom”, de 84 a 94 pontos; “regular”, de 65 a 83 pontos e “ruim”, quando os valores forem iguais ou inferiores a 64 pontos [9].
A avaliação da amplitude de movimento (ADM) foi realizada através de goniometria, com os indivíduos posicionados em decúbito dorsal, onde foram avaliados os movimentos ativos de flexão (0º à 140º) e extensão (140º à 0º) do joelho [10].
Para avaliação da capacidade funcional dos membros inferiores (MMII) foi utilizado o teste “Timed Up And Go” (TUG), também conhecido como teste de levantar e andar. Para a realização do teste, o indivíduo é orientado a levantar-se de uma cadeira padronizada e, após o comando verbal, andar 3 metros, virar-se, andar de volta à cadeira e se sentar. O cronômetro é disparado pelo primeiro movimento anterior do tronco e cessado quando o indivíduo senta na cadeira e apoia as costas. Indivíduos que realizam o teste em menos de 10 segundos são capazes e independentes nas atividades de vida diárias (AVDs). Pontuações abaixo de 20 segundos podem significar relativa independência nas AVDs e marcha com velocidade funcional. Já aqueles que levam 30 segundos ou mais são considerados dependentes na maioria das AVDs e na capacidade de mobilidade [11].
O teste de sentar e levantar da cadeira (Sit to Stand), foi desenvolvido para avaliar o condicionamento de força muscular dos membros inferiores. O avaliado inicia o teste sentado em uma cadeira de altura padrão, que precisa estar encostada na parede para evitar deslizes, com o tronco ereto (sem apoiar no encosto da cadeira), pés apoiados no chão e braços cruzados no tronco. Ao comando “Atenção, já!”, o avaliado executa o maior número possível de movimentos de sentar e levantar da cadeira durante 30 segundos. Aqueles que realizarem menos de 10 repetições são classificados com baixa força muscular e mobilidade nos membros inferiores, aqueles que executarem 10 ou mais repetições apresentam força muscular apropriada assim como mobilidade funcional [12].
Todos os dados obtidos foram tabulados em uma planilha do Excel, que após análise descritiva, determinou os valores como média ± desvio padrão amostral (DPA), incluindo a mediana dos participantes de acordo com os grupos.
Os pacientes tinham um tempo mínimo de lesão de 6 meses e no momento da avaliação já haviam recebido alta do serviço fisioterapêutico. A figura 1 representa o fluxograma deste estudo, elaborado de acordo com os critérios PRISMA.
Figura 1 - Fluxograma
Os dados coletados durante a análise dos prontuários estão dispostos na tabela 1.
Tabela 1 - Dados dos pacientes
Nº Paciente |
Sexo |
Idade |
Fratura |
Lado Acometido |
Mecanismo de Trauma |
|
1 |
M |
28 |
DF Exp |
Esquerdo |
Acidente de veículo automotor |
|
2 |
M |
53 |
DF |
Esquerdo |
Queda de altura |
|
3 |
F |
49 |
PT Exp |
Direito |
Atropelamento |
|
4 |
M |
37 |
P |
Esquerdo |
Queda da própria altura |
|
5 |
M |
58 |
DF |
Direito |
Queda da própria altura |
|
6 |
M |
33 |
PT |
Direito |
Acidente de veículo automotor |
|
7 |
M |
24 |
PT |
Esquerdo |
Acidente de veículo automotor |
|
8 |
M |
50 |
PT |
Esquerdo |
Acidente de veículo automotor |
|
9 |
M |
28 |
PT |
Esquerdo |
Acidente de veículo automotor |
|
10 |
M |
55 |
PC |
Esquerdo |
Acidente de veículo automotor |
|
11 |
F |
29 |
PT |
Esquerdo |
Atropelamento |
|
12 |
F |
48 |
P |
Direito |
Queda de altura |
|
13 |
F |
29 |
PT |
Esquerdo |
Acidente de veículo automotor |
|
14 |
M |
45 |
DF |
Direito |
Acidente de veículo automotor |
|
15 |
F |
28 |
PT |
Direito |
Atropelamento |
|
16 |
M |
28 |
PT |
Esquerdo |
Acidente de veículo automotor |
|
17 |
F |
28 |
PT |
Esquerdo |
Queda de altura |
|
18 |
F |
38 |
PT |
Esquerdo |
Queda da própria altura |
|
19 |
F |
31 |
PT |
Esquerdo |
Acidente de veículo automotor |
|
20 |
M |
33 |
PT |
Esquerdo |
Queda da própria altura |
|
21 |
M |
50 |
PT |
Direito |
Trauma esportivo |
|
Média |
38,19 |
|||||
Mediana |
33 |
|||||
DPA |
11,02 |
DPA: Desvio Padrão Amostral; F: Feminino; M: Masculino; EXP: exposta; P: Patela; PC: Patela cominuta; DF: Distais de fêmur; PT: Planalto tibial
A figura 2 apresenta os mecanismos de trauma encontrados no estudo, evidenciando o acidente de veículo automotor como o mais prevalente.
Figura 2 -Tipos de mecanismos de trauma
O resultado da análise geral a partir da idade dos participantes, tipo de fratura e o mecanismo de trauma, foi associado com os testes funcionais: TUG que obteve média de 9,96 ± 4,06, Sit to Stand com média de 10,7 ± 3,6 e a escala Lysholm 58,05 ± 24,62 evidenciado na tabela 2.
Tabela 2 - Resultado geral das fraturas periarticulares do joelho
Nº Paciente |
Idade |
Fratura |
Mecanismo de Trauma |
TUG |
Sit to Stand |
Lysholm |
||
1 |
28 |
Exposta do fêmur distal |
AA |
23,4 |
4 |
19 |
Ruim |
|
2 |
53 |
Distal do fêmur |
QA |
8,4 |
8 |
53 |
Ruim |
|
3 |
49 |
Exposta do planalto tibial |
ATRO |
10,5 |
9 |
28 |
Ruim |
|
4 |
37 |
Patela |
QPA |
7,45 |
12 |
100 |
Excelente |
|
5 |
58 |
Distal do fêmur |
QPA |
7,8 |
19 |
79 |
Regular |
|
6 |
33 |
Planalto tibial |
AA |
11,3 |
5 |
66 |
Regular |
|
7 |
24 |
Planalto tibial |
AA |
12,8 |
10 |
93 |
Bom |
|
8 |
50 |
Planalto tibial |
AA |
7 |
12 |
89 |
Bom |
|
9 |
28 |
Planalto tibial |
AA |
5,81 |
16 |
39 |
Ruim |
|
10 |
55 |
Cominuta da patela |
AA |
10,5 |
6 |
45 |
Ruim |
|
11 |
29 |
Planalto tibial |
ATRO |
8,7 |
11 |
84 |
Bom |
|
12 |
48 |
Patela |
QA |
10,59 |
9 |
17 |
Ruim |
|
13 |
29 |
Planalto tibial |
AA |
8,39 |
13 |
68 |
Regular |
|
14 |
45 |
Distal do fêmur |
AA |
7,36 |
12 |
42 |
Ruim |
|
15 |
28 |
Planalto tibial |
ATRO |
6,45 |
10 |
59 |
Ruim |
|
16 |
28 |
Planalto tibial |
AA |
7,67 |
11 |
24 |
Ruim |
|
17 |
28 |
Planalto tibial |
QA |
17,52 |
8 |
53 |
Ruim |
|
18 |
38 |
Planalto tibial |
QPA |
7,78 |
12 |
66 |
Regular |
|
19 |
31 |
Planalto tibial |
AA |
9,78 |
10 |
46 |
Ruim |
|
20 |
33 |
Planalto tibial |
QPA |
8 |
11 |
79 |
Regular |
|
21 |
50 |
Planalto tibial |
TE |
12 |
16 |
70 |
Regular |
|
Média |
38,19 |
9,96 |
10,7 |
58,05 |
||||
Mediana |
33 |
8,4 |
11 |
59 |
||||
Desvio |
11,02 |
4,06 |
3,6 |
24,62 |
||||
Padrão |
||||||||
Amostral |
AA: acidentes de veículos automotores; QA: Queda de altura; ATRO: Atropelamento; QPA: Queda da própria altura; TE: Trauma esportivo.
A maioria dos pacientes analisados nesse estudo (62%) eram do sexo masculino e 38% do sexo feminino, com média de idade entre 38,19 ± 11,02. Estes dados são semelhantes aos apresentados em outros estudos [2,13]. No estudo de Jagdev et al. [14], 85% dos pacientes com fraturas do planalto tibial eram do sexo masculino, e a média de idade era de 41,28 anos, variando de 20 a 73 anos. Ermutlu et al. [2] avaliaram o tratamento das fraturas periarticulares do joelho com uma amostra de 27 pacientes e deste, um total de 56,2% eram do sexo masculino com uma média de 48,1 anos, a faixa etária avaliada foi de 18 a 75 anos [2,14].
Neste estudo, os pacientes do sexo masculino apresentaram o predomínio de mecanismo de trauma de alta energia, em específico os acidentes com veículos automotores (moto e carro), corroborando com o estudo de Pesch et al. [15], Lliopoulos et al. [13] e a revisão sistemática de Claireaux et al. [16]. Todos citam ainda que a predominância de fraturas na população feminina ocorre em traumas de baixa energia, caracterizadas por quedas da própria altura associada ao diagnóstico de osteoporose. De acordo com os autores, as fraturas periarticulares do joelho geralmente afetam uma faixa etária mais jovem em seus anos produtivos de vida e, portanto, têm um impacto socioeconômico negativo importante [13,15,16].
Segundo Neumann [17], a amplitude de movimento varia com a idade e o sexo; mas, em geral, o joelho saudável move-se de 130º a 150º graus de flexão a 0º de extensão. Estes valores correspondem a uma ADM considerada dentro da normalidade para os valores da articulação do joelho [17,18]. A limitação da ADM do joelho é uma complicação pós-operatória e afeta a curto e longo prazo a funcionalidade dos indivíduos com fraturas periarticulares do joelho [17,18]. A limitação da amplitude de movimento da articulação do joelho, além de influenciar nos níveis de funcionalidade individual, influencia também na qualidade de vida e questões socioeconômicas dos pacientes após a cirurgia. A função motora e flexibilidade reduzida contribuem para incapacidade funcional [6,19,20].
No presente estudo, 38% dos participantes tiveram lesões associadas, incluindo outras fraturas, lesões meniscais, ligamentares e ferimentos corto-contusos. Assim, também, foram os dados de Lee et al. também relataram diversos casos de lesões associadas. Visto que as fraturas periarticulares do joelho são em sua maioria associadas a traumas de alta energia, é comum que muitos pacientes apresentem estas lesões associadas [19]. O que pode agravar o quadro geral do indivíduo, incluindo o seu processo de reabilitação, visto que, o joelho é composto por diversos estabilizadores dinâmicos e estáticos. Muitas vezes as lesões associadas são de um ou mais componentes estabilizadores do próprio joelho, influenciando no desempenho funcional do indivíduo, como os casos de lesões ligamentares e dos meniscos. No presente estudo, alguns casos apresentaram fraturas em outras regiões do corpo, o que pode influenciar diretamente no padrão de marcha, como por exemplo, fraturas de fêmur proximal ou de pelve [19,21].
Os pacientes responderam ao questionário Lysholm (Tabela 2), onde foi avaliada a média e DPA das fraturas periarticulares do joelho de forma geral. O questionário avalia a função e os sintomas do joelho. A pontuação média da tabela 2 foi de 58,05 ± 24,62 considerado ruim. O resultado “ruim” representou a maioria dos pacientes (52%), seguido pelo resultado “regular” (29%), “bom” (14%) e “excelente” (5%). Esses resultados são semelhantes aos encontrados por Kraus et al. [21], que concluíram que 71,8% apresentaram resultados regulares ou ruins, com pontuação média de 73 ao avaliarem fraturas do planalto tibial. Os autores concluíram que, nas fraturas mais graves, uma porcentagem maior apresentou resultados regulares ou ruins (78,9%) em comparação com as fraturas menos graves. Ebrahimzadeh et al. [22] tiveram resultados ainda mais preocupantes, com pontuação média de 62 pontos, representando o resultado “ruim” na escala. Este estudo avaliou fraturas do planalto tibial e distais de fêmur [21,22].
Assim, com base nos nossos dados e na maioria dos estudos encontrados, observamos que grande parte dos pacientes com fraturas periarticulares do joelho apresentam resultados funcionais pouco favoráveis após a lesão, sendo que para as fraturas de patela a avaliação da escala Lysholm é pouco estudada [20,23].
Durante o TUG neste estudo, o tempo médio de realização do teste (Tabela 2) foi de 9,96 ± 4,06 (segundos), indicando que esses pacientes, em geral, são capazes e independentes nas AVDs. Esses resultados se assemelham com os de Naude et al. [24], os quais obtiveram a média de 9,0 ± 2,7 (segundos) no teste. Este teste é amplamente utilizado para avaliar o risco de quedas em idosos, a sua utilização para avaliação funcional das fraturas periarticulares do joelho é pouco expressiva na literatura, mas devido as suas características atende aos objetivos propostos por este estudo [24].
Também foi aplicado o teste Sit to Stand, que foi desenvolvido para avaliar força muscular dos membros inferiores. A média foi de 10,7 ± 3,6 movimentos de sentar e levantar no período de 30 segundos. A maioria dos pacientes foi capaz de realizar 10 ou mais movimentos sem dificuldade, evidenciando um bom nível de força muscular nos membros inferiores, de acordo com as médias apresentadas por Bohannon et al. [25] onde indivíduos com idade entre 30-39 anos realizaram uma média de 6.1 ± 1.4 movimentos [25].
Patela
As fraturas da patela totalizaram 3 participantes avaliados, 2 do sexo masculino e 1 do sexo feminino. A ADM desses pacientes tratados cirurgicamente apresentou melhor média em comparação com as fraturas distais de fêmur e do planalto tibial, com 137 ± 2,89 (graus) de flexão e 0 ± 0 (graus) em extensão.
O teste TUG obteve média de 9,51 ± 1,79 (segundos) considerando a melhor pontuação com 7,45 segundos. O Sit to Stand pontuou uma média de 9 ± 3 (execuções), um número considerado baixo devido ao bom desempenho no teste TUG e boa avaliação de ADM do joelho. Estes resultados podem ser explicados pelo trauma ocorrido em uma região articular causando Inibição Muscular Artrogênica (IMA) e a capacidade do indivíduo de compensar os movimentos durante a marcha e manter uma velocidade razoável, mas ao recrutar a função da articulação do joelho o resultado é pouco satisfatório.
O questionário Lysholm alcançou uma média de 54 ± 42,2 (pontos), neste teste a pontuação máxima foi alcançada apenas por um indivíduo. O resultado “excelente” foi atingido pelo mesmo participante que teve a maior pontuação no teste Sit to Stand com 12 execuções realizadas. As outras pontuações no questionário foram consideradas “ruins”, sendo uma com 17 pontos e outra com 45 pontos, demonstrando déficit para tarefas funcionais.
Distal do Fêmur
Nas fraturas distais de fêmur (N=4), observamos resultados menos satisfatórios nos quesitos avaliados. O saldo para estas fraturas foi totalmente negativo ao se analisar as médias.
A ADM pontuou abaixo da média normal para a articulação do joelho. A extensão do joelho resultou média de 2,5 ± 5 (graus) e flexão com 103 ± 13,7 (graus).
O teste TUG apresentou uma média de 11,7 ± 7,8 (segundos). O melhor tempo marcado no TUG foi de 7,36 segundos e este mesmo participante obteve 42 pontos na escala Lysholm, considerado um resultado “ruim” do ponto de vista funcional.
Os resultados do teste Sit to Stand obtiveram média de 10,8 ± 6,4 (execuções), onde o maior número foi de 19 execuções feitas pelo mesmo participante que foi citado anteriormente por obter a pior ADM dentre os avaliados.
A média geral para as fraturas distais de fêmur ficou entre 48,3 ± 24,9 (pontos) na escala Lysholm e atingiu resultados classificados como “ruim” em 3 avaliações e “regular” em 1 avaliação.
Planalto tibial
A ADM do joelho dos indivíduos apresentou média de 0,57 ± 1,50 (graus) de extensão e 126 ± 9,79 (graus) de flexão. Obana et al. [6] relatam que os indivíduos que passaram por cirurgia de fixação das fraturas do planalto tibial, apresentaram ADM para flexão do joelho de 127º, um número próximo ao observado neste estudo. Lee et al. (2019) obtiveram resultados semelhantes, com a média de flexo-extensão de 128º à 3,2°. Já Evangelopoulos et al. [20] relataram que a mobilidade estava prejudicada em 45,5% de seus pacientes [6,19,20].
O TUG apresentou média de 9,55 ± 3,1 (segundos). Para Bohannon et al. [25] o TUG de 8 segundos é considerado um bom resultado.
O Sit to Stand resultou em média de 11 ± 2,88 (execuções) e 2 participantes realizaram 16 execuções, sendo que um deles, apresentou uma pontuação de 39 na escala Lysholm, considerada “ruim”, este paciente em particular teve uma fratura subtrocantérica à direita associada à fratura do planalto tibial esquerdo, o que pode ter influenciado o resultado da sua capacidade funcional.
O questionário Lysholm apresentou média de 61,7 ± 21,6 (pontos), 5 participantes com resultados classificados como “regular”, 3 classificados como “bom” e 6 classificados como “ruim”. O restante apresentou variação entre a média de pontos. Apenas 1 participante declarou não ter feito reabilitação fisioterapêutica, sendo que a ADM de flexão estava dentro da normalidade, mas apresentava extensão incompleta e obteve pontuação de 24 na escala Lysholm, refletindo déficit funcional nas tarefas diárias.
Observou-se que, na maioria dos casos, os pacientes com fraturas menos graves, em sua maioria sem lesões associadas, tiveram melhores resultados nos testes funcionais.
Ao comparar com as outras fraturas do joelho analisadas neste estudo, observou-se que a ADM de extensão das fraturas distais do fêmur foram as que obtiveram a pior ADM, seguida do planalto tibial. As fraturas de patela tiveram o resultado considerado normal para extensão do joelho. O pior resultado geral da média de ADM para flexão do joelho foi observado nas fraturas distais do fêmur. As fraturas do planalto tibial obtiveram ADM pouco abaixo da normalidade e as fraturas de patela obtiveram média dentro da normalidade para ADM do joelho, em flexão.
A maioria dos pacientes realizou reabilitação, mas 52% (N=11 dos avaliados tiveram um resultado “ruim” na escala Lysholm, o serem questionados sobre o grau de dificuldade para realização de tarefas funcionais. Onze participantes apresentaram ADM de flexão menor que 130 graus (52%), contra 48% com ADM acima dos 130 graus para flexão.
De acordo com as médias individuais de cada fratura para o teste TUG, apenas as fraturas do fêmur distal demonstraram resultado abaixo do favorável.
Novos estudos, com o objetivo de avaliar o impacto das fraturas de joelho no desempenho funcional com número maior de indivíduos avaliados e com maior homogeneidade dos casos, devem ser estimulados, a fim de que programas de reabilitação mais bem estruturados possam ser implementados nos serviços de saúde.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver nenhum conflito de interesse.
Fontes de financiamento
Financiamento próprio.
Contribuição dos autores
Concepção e desenho da pesquisa: Silva EAG, Gubolin AFG, Andrusaitis SF; Coleta de dados: Silva EAG, Nascimento BP; Análise estatística: Silva EAG, Nascimento BP; Redação do manuscrito: Silva EAG, Nascimento BP, Gubolin AFG, Andrusaitis SF; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Gubolin AFG, Andrusaitis SF, Clemente CA, Plapler PG.
Referências
1. Norris GR, Checketts JX, Scott JT, Vassar M, Norris BL, Giannoudis PV.Prevalence of Deep Surgical Site Infection After Repair of Periarticular Knee Fractures: A Systematic Review and Meta-analysis. JAMA Netw Open. 2019 Aug 2;2(8):e199951. doi: 10.1001/jamanetworkopen. 2019.9951. Erratum in: JAMA Netw Open. 2019 Oct 2;2(10):e1913513. PMID: 31441940; PMCID:PMC6714463.
2. Ermutlu C, Göksel F, Eken G. Treatment of Periarticular Fractures of the Knee Using the Less Invasive Stabilization System: A Retrospective Clinical Trial.Cureus. 2020 Apr 22;12(4):e7773. doi: 10.7759/cureus.7773. PMID: 32461848; PMCID: PMC7243630.
3. Kidiyoor B, Kilaru P, Rachakonda KR, Joseph VM, Subramaniam GV, Sankineani SR, Nugur A, Gurava Reddy AV. Clinical outcomes in periarticular knee fractures with flexible fixation using far cortical locking screws in locking plate: a prospective study. Musculoskelet Surg. 2019 Aug;103(2):149-153. doi:10.1007/s12306-018-0553-9. Epub 2018 Jul 2. PMID: 29968233.
4. Elsoe R, Ceccotti AA, Larsen P. Population-based epidemiology and incidence of distal femur fractures. Int Orthop. 2018 Jan;42(1):191-196. doi: 10.1007/s00264-017-3665-1. Epub 2017 Nov 7. PMID: 29116356.
5. Clínica ortopédica - Tarcisio Eloy Pessoa de Barros Filho, Olavo Pires de Camargo, Gilberto Luis Camanho. – Barueri, SP: Manole, 2012.
6. 6. Obana KK, Lee G, Lee LSK. Characteristics, Treatments, and Outcomes of Tibial Plateau Nonunions: A Systematic Review. J Clin Orthop Trauma. 2020 Dec19;16:143-148. doi: 10.1016/j.jcot.2020.12.017. PMID: 33717949.
7. Müller, E.C., Frosch, KH. Patellafrakturen. Chirurg 90, 243–254, 2019. https://doi.org/10.1007/s00104-019-0797-4.
8. Lo CH, Chen CH. Comparison of minimally invasive percutaneous fixation and open reduction internal fixation for patella fractures: a meta-analysis. J Orthop Surg Res. 2021 Aug 17;16(1):506. doi: 10.1186/s13018-021-02612-1. PMID: 34404423; PMCID: PMC8369684.
9. Peccin MS, Ciconelli R, Cohen M. Questionário específico para sintomas do joelho Lysholm Knee Scoring Scale: tradução e validação para a língua portuguesa. Acta Ortopédica Brasileira. 2006;14(5):268-72. https://doi.org/10.1590/S1413-78522006000500008
10. Marques, AP. Manual de goniometria. 2a ed. Barueri: Manole; 2003. 81 p.11
11. Cabral ALL. Tradução e validação do teste timed up and go e sua correlação com diferentes alturas da cadeira [tese]. Brasília: Universidade Católica de Brasília; 2011.
12. Santana FS, Nascimento DC, Freitas DPM, Miranda RF, Muniz LF, Santos Neto L et al. Avaliação da capacidade funcional em pacientes com artrite reumatoide: implicações para a recomendação de exercícios físicos. Rev Bras Reumatol. 2014;54(5):378-85. doi.org/10.1016/j.rbr.2014.03.021
13. Lliopoulos E, Galanis N. Physiotherapy after tibial plateau fracture fixation: A systematic review of the literature. SAGE Open Med. 2020 Oct14;8. Doi: 10.1177/2050312120965316.
14. Jagdev SS, Pathak S, Kanani H, Salunke A. Functional outcome and incidence of osteoarthritis in operated tibial plateau fractures. Arch Bone Jt Surg.2018;6(6):508-16. PMC6310186.
15. Pesch S, Kirchhoff K, Biberthaler P, Kirchhoff C. Patellafrakturen [Patellar fractures]. Unfallchirurg. 2019 Mar;122(3):225-237. doi: 10.1007/s00113-019-0611-2.
16. Claireaux_HA, Searle_HKC, Parsons_NR, Gri!in_XL. Interventions for treating fractures of the distal femur in adults. Cochrane Database of Systematic Reviews 2022, Issue 10. doi.org/10.1002/14651858.CD010606.pub3.
17. Neumann, Donald. Cinesiologia do aparelho musculoesquelético: fundamentos para reabilitação. 3º ed. Rio De Janeiro: Editora Elsevier Ltda, 2018.
18. Li J, Zhang J, Zhao K, Zhu Y, Meng H, Jin Z, Ye D, Chen W, Zhang Y. Incidence and risk factors for decreased range of motion of the knee joint after surgery for closed tibial plateau fracture in adults. J OrthopSurg Res. 2021 Sep 7;16(1):549. doi: 10.1186/s13018-021-02700-2.
19. Lee KW, Yang DS, Hwang JY, Kim KJ, Choy WS. Arthroscopic assessment of cartilage healing status after treatment of tibial plateau fracture. Indian J Orthop. 2019;3(2):257-62. doi: 10.4103/ortho.IJOrtho_190_17.
20. Evangelopoulos D, Chalikias S, Michalos M, Vasilakos D, Pappa E, Zisis K et al. Medium-term results after surgical treatment of high-energy tibial plateau fractures. J Knee Surg. 2020;33(4):394-8. DOI: 10.1055/s-0039-1677822.
21. Kraus TM, Abele C, Freude T, Ateschrang A, Stöckle U, Stuby FM, Schröter S. Durationof incapacity of work after tibial plateau fracture is affected by work intensity.BMCMusculoskeletDisord.2018;19(1):281. doi.org/10.1186/s12891-018-2209-1.
22. Ebrahimzadeh MH, Birjandinejad A, Moradi A, FathiChoghadeh M, Rezazadeh J, Omidi-Kashani F. Clinical instability of the knee and functional differences following tibialplateau fractures versus distal femoral fractures. Trauma Mon. 2015;20(1):e21635. doi: 10.5812/traumamon.21635.
23. Wei X, Wang Z, Lu Y, Sun J, Riehl J. Surgical Treatment for Avulsion Fractures of the Anterolateral Ligament Associated with Periarticular Fractures of the Knee. J Knee Surg. doi: 10.1055/s-0041-1735311. Epub 2021 Sep 10.
24. Naude JJ, Manjra MA, Birkholtz F, Barnard AC, Tetsworth K, Glatt V, Hohmann E. Functional outcomes and quality of life following complex tibial fractures treated withcircular external fixation: a comparison between proximal, midshaft, and distal tibial fractures. Strategies Trauma LimbReconstr. 2021;16(1):32-40. doi:10.5005/jp-journals-10080-1506C.
25. Bohannon RW, Bubela DJ, Magasi SR, Wang YC, Gershon RC. Sit-to-stand test: Performance and determinants across the age-span. Isokinet Exerc Sci. 2010;18(4):235-240. doi: 10.3233/IES-2010-0389.