RELATO DE CASO
Efeitos de um protocolo de fisioterapia neurofuncional em uma paciente com paraparesia tropical: relato de caso
Effects of a neurofunctional physiotherapy protocol on a patient with tropical paraparesis: a case report
Kelly Soares Farias1, Guilherme Silva Pinto1
1Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Paraíba, PB, Brasil
Recebido em: 17 de janeiro de 2024; Aceito em: 12 de março de 2024
Correspondência: Kelly Soares Farias, kll.soares1@gmail.com
Como citar
Farias KS, Pinto GS. Efeitos de um protocolo de fisioterapia neurofuncional em uma paciente com paraparesia tropical: relato de caso. Fisioter. Bras. 2024;25(1):1248-1258. doi: 10.62827/fb.v25i1.8q31
Objetivo: avaliar os efeitos da fisioterapia neurofuncional em uma paciente com paraparesia espástica tropical (PET). Metodologia: relato de caso, realizado com uma paciente do sexo feminino, com diagnóstico de PET, atendida na Clínica Escola de Fisioterapia, da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). A paciente foi avaliada pela ficha do setor de neurofuncional da Clínica Escola e pelo questionário de qualidade de vida SF-36. Após estabelecimento do diagnóstico cinético-funcional e dos objetivos terapêuticos, foi submetida a 10 sessões de fisioterapia, 2 vezes por semana, com duração de 60 minutos. O protocolo consistiu em treino aeróbico, de fortalecimento muscular para os membros inferiores e treino funcional. A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da referida instituição e aprovada sob o número do parecer 5.618.377. Resultados: A paciente, de 38 anos, possui o diagnóstico desde os 24 anos de idade. Apresenta marcha espástica e deambula com auxílio de muletas. É independente funcional em determinadas tarefas e é motivada e participativa com o tratamento. Após o protocolo de fisioterapia neurofuncional, apresentou aumento da amplitude de movimento na adução e extensão de quadril, na flexão de joelho, e ganho de força muscular na extensão de quadril e flexão de joelho e, ainda, uma pequena melhora do equilíbrio estático. Quanto à qualidade de vida, houve pequena melhora nos domínios vitalidade e capacidade funcional. Conclusão: Este estudo de caso reforça a importância do estabelecimento de protocolos para indivíduos com PET, bem como o seu delineamento com ênfase nas necessidades individuais.
Palavras-Chave: parapesia espática; infecções por HTLV-I; modalidade de fisioterapia.
Objective: To evaluate the effects of neurofunctional physiotherapy on a patient with Paraparesis Tropical Spastic (TSP). Methods: The case study (qualitative and analytical) was developed in the Clínica Escola de Fisioterapia (CEF), of the Universidade Estadual da Paraiba (UEPB) and was carried out in a female patient, who has the diagnosis of TSP and is being attended regularly at CEF. The patient was assessed using the neurofunctional sector form at the CEF and the SF-36 quality of life questionnaire. After establishing the physiotherapeutic diagnosis and therapeutic objectives, the patient underwent 10 physiotherapy sessions, twice a week, lasting 60 minutes. The protocol consisted of aerobic training, muscle strengthening for the lower limbs and functional training. The study was submitted to the Research Ethics Committee of the institution and approved under number 5,618,377. Results: The patient, 38 years old, had been diagnosed since the age of 24. She has a spastic gait and walks with the aid of crutches. She is functionally independent in certain tasks and is motivated and participative in treatment. After the protocol, she showed an increase in range of motion in hip adduction and extension, knee flexion, and a gain in muscle strength in hip extension and knee flexion, as well as a subtle improvement in static balance. The results of the quality-of-life questionnaire showed a subtle improvement in the vitality and functional capacity domains. Conclusion: This case study reinforces the importance of establishing protocols for individuals with TSP with an emphasis on individual needs.
Keywords: paraparesis tropical spatic; HTLV-I infections; physical therapy specialty.
O HTLV-1 é um retrovírus ontogenético humano, endêmico de áreas tropicais [1]. Na maioria dos casos, os indivíduos infectados permanecem assintomáticos por muito tempo ou não apresentam sintomatologia clínica ao longo da vida [2,3]. Entretanto, o HTLV-1 pode causar leucemia-linfoma de células T adultas (ATTL), doenças inflamatórias, infecciosas e graves polineuropatias, entre elas a paraparesia espástica tropical (PET) [4].
A PET tem como sintomatologia a fraqueza dos membros inferiores, dor lombar, podendo afetar também os esfíncteres vesical e intestinal [4].
Sua prevalência ainda é questionada, pois estima-se que a maior parte dos casos são subnotificados. O Brasil, em números absolutos, é o país que tem o maior número de casos de HTLV- 1, tornando-se assim uma região endêmica [1]. Sua transmissão pode ocorrer de forma transversal, de mãe para filho, via sexual ou transfusão e contato com hemoderivados [4]. Quanto ao diagnóstico clínico, é necessário o teste sorológico imuno enzimático, baseado em reação antígeno-anticorpo [3].
A PET pode ter uma progressão rápida, com a perda de funcionalidade independente como o equilíbrio dinâmico e a coordenação motora nos primeiros três meses após diagnóstico [5] ou ter uma progressão lenta, com alterações na velocidade da marcha, na distância percorrida, no passo, passada e cadência da marcha [6].
Não há cura para esta condição clínica e o paciente acometido é submetido a uma terapêutica paliativa, com tratamentos medicamentosos e não medicamentosos [6]. Quanto ao tratamento não medicamentoso, a fisioterapia tem papel importante para a reabilitação e como estratégia de otimizar a qualidade de vida dos pacientes [7].
De acordo com a Classificação Internacional de Funcionalidade e Incapacidade (CIF), é importante analisar o indivíduo como um todo, englobando a estrutura e função, atividade e participação e ainda, os fatores contextuais, como as características pessoais e ambientais [8].
Após a avaliação, e analisando os níveis de funcionalidade e incapacidade, elabora-se o diagnóstico cinético funcional e, em seguida, um protocolo único para realização da reabilitação do indivíduo PET. Uma vez que na fisioterapia várias abordagens podem ser utilizadas, pode-se utilizar técnicas isoladas, combinadas ou associadas [7], visando melhora de amplitude de movimento, força e coordenação dos membros inferiores e tronco, aumento de conscientização da musculatura do CORE, e assim, otimização do nível de atividade e participação [8].
Assim, os protocolos de exercício devem ser preparados conforme as condições de cada paciente [9]. Podem variar de 1 a 5 vezes por semana, com duração de 30 a 60 minutos, com uma a três séries com oito a quinze repetições [7, 10]. A intensidade deve ser moderada, respeitando o limiar do paciente, uma vez que treinos de alta intensidade podem desencadear respostas pró-inflamatória [11]. Assim, a conduta deve ser monitorada através da escala de esforço de BORG [9].
Atualmente, há poucos trabalhos que abordam a execução de protocolos fisioterapêuticos na reabilitação da PET, assim, verificou-se os efeitos da fisioterapia neurofuncional em uma paciente com PET, regularmente atendida na clínica escola de fisioterapia da UEPB.
Trata-se de um estudo experimental e descritivo, realizado na Clínica Escola de Fisioterapia, da Universidade Estadual da Paraíba (CEF-UEPB).
O estudo foi realizado em uma paciente do sexo feminino, 38 anos de idade, com o diagnóstico de PET, usuária regular da CEF-UEPB.
A avaliação da paciente foi realizada utilizando a ficha de avaliação neurológica da CEF-UEPB, complementada por exames adicionais e pelo questionário SF-36 para acessar sua qualidade de vida.
O questionário SF-36, instrumento da Organização Mundial de Saúde (OMS) é um questionário genérico de avaliação de qualidade de vida cuja estrutura pode ser dividida em 8 escalas ou domínios: Capacidade funcional, Aspectos Físicos, Dor, Estado Geral de Saúde, Vitalidade, Aspectos Sociais, Aspectos Emocionais e Saúde Mental. O resultado é expresso numa pontuação de 0-100 para cada uma das oito escalas [12].
A parte pesquisa de campo ocorreu por meio de intervenções fisioterapêuticas na CEF-UEPB e se deu através de 15 sessões, realizadas em dois meses, divididas em 2 intervenções por semana, com duração aproximada de 60 minutos. Sendo as três primeiras intervenções destinadas à avaliação e as duas últimas, à reavaliação. Cada intervenção foi dividida em três blocos:
Bloco 1 - exercícios aeróbicos/cardiovasculares: 5 minutos de realizados no cicloergômetro, em membros superiores ou membros inferiores.
Bloco 2 - cinesioterapia: 40 minutos de exercícios de mobilidade, bilateralmente, com foco para os membros inferiores (Tabela I).
Tabela I - Descrição dos exercícios do bloco 2: Cinesioterapia
Exercício |
Posição |
Descrição |
1. Extensão de joelhos |
Sedestação |
Resistido: peso de 0,5kg, 3x8; |
2. Flexão de quadril |
Decúbito dorsal |
Resistido: peso de 0,5kg, 3x8; |
3. Adução de quadril |
Decúbito dorsal |
Resistido: peso de 0,5kg, 3x8; |
4. Abdução de quadril |
Decúbito dorsal |
Resistido: peso de 0,5kg, 3x8; |
5. Rotação interna do quadril |
Decúbito dorsal |
Ativo assistido, 3X8 |
6. Rotação externa do quadril |
Decúbito dorsal |
Passivo. 3x8 |
7. Dorsiflexão |
Decúbito dorsal |
Passivo. 3x8 |
8. Flexão plantar |
Decúbito dorsal |
Passivo. 3x8 |
9. Extensão de quadril |
Decúbito ventral |
Passivo. 3x8 |
10. Flexão joelho |
Decúbito ventral |
Passivo. 3x8 |
Fonte: dados da pesquisa.2023.
Bloco 3 - movimentos funcionais - 10 minutos de exercícios funcionais. de sentar e levantar e marcha estacionária com o apoio leve do terapeuta ou das barras paralelas (Tabela II).
Tabela II - Descrição dos exercícios do bloco 3: Movimentos funcionais
Exercício |
Descrição |
Sentar e levantar |
Em sedestação - quadril, joelho e tornozelo fletidos a 90 graus, com o apoio leve do terapeuta pelo antebraço; 3X8, intercalando com 5 segundos em posição ortostática, sem apoio. |
Marcha estacionária |
Com apoio leve do terapeuta, 1 minuto |
Fonte: dados da pesquisa.2023.
Todos os exercícios foram realizados respeitando a percepção subjetiva do esforço da participante, por meio da escala modificada de Borg. Na qual a participante classificou o seu esforço de 0 (nenhum esforço) a 10 (máximo esforço, exaustão) durante o exercício. Aqui, utilizamos os escores entre 4 e 5 - leve a moderado.
A análise dos dados foi realizada por meio de estatística descritiva, e os resultados apresentados em frequência absoluta, média e desvio padrão.
Para a análise dos escores da SF-36 foram aplicadas as orientações de Ciconelli e colaboradores [12], sendo zero o pior escore e cem, o melhor.
A pesquisa está de acordo com a resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UEPB, sob o número do parecer 5.618.377. A participante só foi incluída na pesquisa após ser devidamente esclarecida sobre os objetivos do estudo e após concordar voluntariamente em participar, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
A paciente, do sexo feminino, 38 anos de idade, artesã, parda, solteira, com ensino médio completo, com diagnóstico clínico de PET desde 2008 (CID 10- G11.4), sem histórico de doenças associadas, sem uso periódico de medicação e com uma irmã com o mesmo diagnóstico, apresentou, como queixa principal, a dificuldade de andar.
Segundo a paciente, no período da sua adolescência, seus familiares perceberam que ela teve uma perda progressiva de equilíbrio e caia frequentemente, momento em que se iniciou o uso de muletas para sua locomoção. Foi nesta época que ela perdeu parte da independência para fazer suas atividades de vida diárias. A partir desse momento, a Agente Comunitária de Saúde do seu bairro a encaminhou para o posto de saúde, onde recebeu o diagnóstico de PET com 24 anos de idade e, desde então, é atendida no setor de Neurofuncional da CEF-UEPB, sendo assídua e comprometida aos atendimentos.
Após avaliação inicial, foi possível realizar o diagnóstico cinético funcional: hiperreflexia patelar, redução da amplitude do movimento dos membros inferiores, paraparesia, hipertonia espástica de quadril, joelho e tornozelo, déficit de equilíbrio estático e dinâmico e falta da coordenação motora do calcanhar joelho. Apresenta marcha espástica e deambula com auxílio de muletas. Sua residência é um ambiente barreira, uma vez que apresenta escadas e cômodos pequenos. É independente em determinadas tarefas, como calçar sapatos e a sua renda vem do artesanato (crochê). Apresenta boas relações familiares, com os profissionais que a assistem e é motivada e participativa com o tratamento.
Em seguida, elaborou-se os objetivos da conduta fisioterapêutica a curto prazo: melhorar a condição cardiovascular, aumentar a amplitude de movimento dos membros inferiores, fortalecer os músculos dos membros inferiores, viabilizar a bipedestação com auxílio/ toque leve do terapeuta, treinar a marcha estacionária, a marcha anterógrada, orientar quanto à realização das atividades de vida diária.
Como exposto abaixo, 2 meses após a avaliação, houve melhora na amplitude dos movimentos do quadril: adução e flexão, onde, na avaliação realizava-se parcialmente e, na reavaliação, passou a realizar, e na extensão do quadril, que passou a realizar parcialmente (não realizava anteriormente); nos movimentos do joelho: passou a realizar parcialmente a flexão. Não houve mudança na amplitude dos movimentos do tornozelo. (Quadro I)
Quadro I - Amplitude de Movimento
AVALIAÇÃO |
REAVALIAÇÃO |
||||
Quadril |
Rotação Interna |
D:RP |
E:RP |
D:RP |
E:RP |
Rotação Externa |
D:RP |
E:RP |
D:RP |
E:RP |
|
Abdução |
D:RP |
E:RP |
D:RP |
E:RP |
|
Adução |
D:RP |
E:RP |
D:R |
E:R |
|
Flexão |
D:RP |
E:RP |
D:R |
E:R |
|
Extensão |
D:NR |
E:NR |
D:RP |
E:RP |
|
Joelho |
Flexão |
D:NR |
E:NR |
D:RP |
E:RP |
Extensão |
D:R |
E:R |
D:R |
E:R |
Fonte: dados da pesquisa, 2023.
Legenda: ADM: (D) direita (E) esquerda (F) força (R) realiza (RP) realiza parcialmente (NR) não realiza
Quanto à força muscular, houve melhora na extensão do quadril e na flexão do joelho (Quadro II).
Quadro II - Força Muscular - pela escala de Oxford
AVALIAÇÃO |
REAVALIAÇÃO |
||||
Quadril |
Rotação Interna |
D: 3 |
E:3 |
D:3 |
E:3 |
Rotação Externa |
D:3 |
E:3 |
D:3 |
E:3 |
|
Abdução |
D:3 |
E:3 |
D:3 |
E:3 |
|
Adução |
D:3 |
E:3 |
D:3 |
E:3 |
|
Flexão |
D:3 |
E:3 |
D:3 |
E:3 |
|
Extensão |
D:1 |
E:1 |
D:3 |
E:3 |
|
Joelho |
Flexão |
D:1 |
E:1 |
D:3 |
E:3 |
Extensão |
D:3 |
E:3 |
D:3 |
E:3 |
Fonte: dados da pesquisa, 2023.
Legenda: 0: contração muscular não visível; 1: contração muscular visível com ou sem indício de movimento; 2: movimentos dos membros, mas não em relação à gravidade; 3: movimento do membro contra a gravidade, mas sem resistência
Quanto à coordenação motora, não houve melhora no teste de calcanhar joelho, na qual a paciente continuou realizando com incoordenação.
Observou-se uma melhora no teste de equilíbrio de Romberg, no qual a paciente passou a ficar 30 segundos na postura de bipedestação com os olhos abertos, mas com instabilidade. Como esperado, a reavaliação da marcha anterógrada foi igual à avaliação: instável com muletas (Quadro 3). Outro resultado positivo foi em relação à marcha lateral, que começou a ser executada de forma instável, com muletas.
Quanto à qualidade de vida, durante o período da reavaliação, a paciente apresentou um adoecimento e ficou indisposta. Os resultados da reavaliação nos domínios limitação por aspecto físico, dor, aspectos sociais e limitação por aspectos emocionais, apresentaram uma redução. Os escores melhoraram no domínio capacidade funcional e vitalidade (Quadro III).
Quadro III - Questionário de qualidade de vida pela Escala SF-36
Avaliação |
Reavaliação |
|
Capacidade funcional |
15 |
20 |
Limitação por aspecto físico |
100 |
25 |
Dor |
84 |
62 |
Estado geral em saúde |
87 |
87 |
Vitalidade |
75 |
85 |
Aspectos sociais |
100 |
87,5 |
Limitação |
66,6 |
33 |
Saúde mental |
68 |
68 |
Fonte: dados da pesquisa,2023.
Este trabalho teve como objetivo principal avaliar os efeitos de um protocolo de fisioterapia neurofuncional em uma paciente com PET. Os principais achados, depois de um protocolo de 10 sessões de atendimento, 2x por semana, com 60 minutos de duração foram: (1) aumento da amplitude de movimento do quadril (extensão), joelho (na flexão), (2) aumento na força muscular do quadril e do joelho, (3) melhora do equilíbrio estático (através do teste de Romberg) e manutenção do equilíbrio dinâmico.
Os protocolos fisioterapêuticos direcionados para a população acometida com PET ainda são bem escassos. Não há consenso acerca da existência de programas específicos de recuperação sensório-motora comprovadamente eficazes [7,13]. Assim, foi proposta uma conduta de acordo com o diagnóstico cinético funcional da paciente, que incluiu exercícios cardiorrespiratórios, cinesioterapia e movimentos funcionais.
De acordo com a Quadro 1 e 2, a paciente apresentou limitações em relação à amplitude de movimento e à força muscular dos membros inferiores e consequentemente, prejuízo nos equilíbrios estático e dinâmico. Segundo Neto e colaboradores [14], os exercícios ativos e/ou passivos preservam a integridade articular e são indicados em todos os atendimentos fisioterapêuticos. Programas cinesioterapêuticos contínuos, com resistência, promovem aumento da amplitude de movimento, ganho de força muscular e redução de tônus [15] e, uma vez que ativam a memória motora, que conforme se realizam constantes repetições dos mesmos movimentos, proporciona-se a sua aprendizagem e melhor desempenho [14, 15]
O treino de marcha deve ser estimulado sempre que possível, através do treino de força muscular, da marcha anterógrada, lateral, retrógrada, em rampas, em barras paralelas ou com suporte de peso corporal [15]. De acordo com a paciente aqui em estudo, que apresentou muita dificuldade para transferências e locomoção, os treinos de fortalecimento muscular, de sentar e levantar e de marcha estacionária foram a proposta para otimização desta atividade.
Aqui, houve evolução do equilíbrio estático, que foi mensurado por meio do teste de equilíbrio de Romberg. Na avaliação, a paciente não conseguiu realizar o teste, e na reavaliação, a paciente conseguiu realizar o teste e permaneceu sozinha, sem apoio durante 30 segundos, apesar da instabilidade. Importante destacar que a perda de equilíbrio são fatores importantes em relação à capacidade de vestir-se e de permanecer em posição ortostática [10].
As alterações motoras não resultam apenas na falta de independência e de autonomia, também causam alteração importante na vida em comunidade, nas atividades de lazer, no trabalho e no estudo, por isso a importância de se avaliar a qualidade de vida da população acometida com condições clínicas de saúde [5].
A funcionalidade e a incapacidade são fruto de uma interação dinâmica entre as condições de saúde (doenças, lesões e deficiência) e os fatores contextuais (fatores ambientais e pessoais) [5], neste contexto, o processo de reabilitação exige estratégias de prevenção e de apoio, a fim de permitir um nível ótimo de funcionalidade enquanto interagindo com o ambiente. E cada paciente é um ser individual com história de vida própria, que pode influenciar de forma decisiva nas incapacidades acarretadas por uma doença e, por consequência na sua reabilitação [5].
A OMS prioriza a atenção integral à saúde e define qualidade de vida como “a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações” [5]. A qualidade de vida relaciona-se como a percepção do indivíduo quanto ao seu estado físico, funcional, emocional e social. Sendo assim, avaliar esta variável é relevante para mensurar o impacto da condição clínica na vida do indivíduo. Aqui, optou-se pela SF-36 (Quadro 3), que é um questionário bem desenhado e suas propriedades de medida, como reprodutibilidade, validade e suscetibilidade a alterações já foram bem demonstradas em indivíduos com PET [10]. Como esperado e de acordo com a literatura [8,9,10], esta população apresenta queixas importantes quanto à qualidade de vida, principalmente nos componentes: físico, mental e emocional, onde as alterações se dão principalmente por aspectos físicos, pois a limitação na capacidade funcional leva a piora da qualidade de vida.
Este trabalho destaca os desafios enfrentados pelos pacientes com PET (Paraparesia Espástica Tropical), enfatizando o impacto significativo na mobilidade e na qualidade de vida devido ao déficit motor progressivo dos membros inferiores. A pesquisa ilumina um aspecto crucial: a variação individual na manifestação clínica da doença.
Um dos pontos fortes marcantes deste trabalho é a argumentação a favor do desenvolvimento de protocolos fisioterapêuticos específicos de tratamento, ajustados às diversas fases da doença. Ao propor uma abordagem personalizada, que considera a frequência, intensidade e duração das intervenções, o estudo não somente reconhece a inevitável progressão da PET, mas também traça uma rota para mitigar seus impactos mais graves desde o diagnóstico precoce até o tratamento adequado.
Além disso, o estudo incorpora as diretrizes da CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde), ressaltando a importância de identificar tanto as barreiras quanto os facilitadores para a inclusão social e a melhoria da qualidade de vida desses pacientes. Ao fazer isso, os resultados apresentados não se limitam ao tratamento físico do paciente; eles ampliam o escopo de cuidado para abranger as necessidades psicossociais, enfatizando um tratamento holístico e integrado.
Conflito de interesses:
Não há conflito de interesses.
Financiamento:
Sem financiamento.
Contribuição dos autores
Concepção e desenho da pesquisa: Farias, KS; Coleta de dados: Pinto, GS; Análise e interpretação dos dados: Farias, KS e Pinto, GS; Redação do manuscrito: Faria, KS e Pinto, GS; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Farias, KS.
Referências
1. Gessain A, Cassar O. Epidemiological Aspects and World Distribution of HTLV-1 Infection. Front Microbiol. 2012 Nov 15;3:388.Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23162541/. DOI: 10.3389/fmicb.2012.00388.
2. Takatani M, Crispim ME, Fraiji N, Stefani MM, Kiesslich D. Clinical and laboratory features of HTLV-I asymptomatic carriers and patients with HTLV-I-associated myelopathy/tropical spastic paraparesis from the Brazilian Amazon. Rev Inst Med Trop Sao Paulo. 2017 Apr 3;59:e5. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28380116/. DOI: 10.1590/S1678-9946201759005.
3. Gonzalez Trujillo F, Parra Cortes K, Álvarez Pareja Y, Onate J. Human T-cell Lymphotropic Virus Type I Associated with Amyotrophic Lateral Sclerosis Syndrome: Immunopathological Aspects and Treatment Options. Cureus. 2020 Apr 3;12(4):e7531. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32377479/. DOI: 10.7759/cureus.7531.
4. Eusebio-Ponce E, Anguita E, Paulino-Ramirez R, Candel FJ. HTLV-1 infection: An emerging risk. Pathogenesis, epidemiology, diagnosis and associated diseases. Rev Esp Quimioter. 2019 Dec;32(6):485-496. Epub 2019 Oct 25. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31648512/. PMID: 31648512; PMCID: PMC6913074.
5. Ministério vida saúde (Brasil); Secretaria de vigilância em saúde, departamento de doenças de condições crônicas e infecções sexualmente transmissíveis. Brasília, DF, 2012. 104p, Available from: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2021/guia-de-manejo-clinico-da-infeccao-pelo-htlv.
6. Araujo A, Bangham CRM, Casseb J, Gotuzzo E, Jacobson S, Martin F, Penalva de Oliveira A, Puccioni-Sohler M, Taylor GP, Yamano Y. Management of HAM/TSP: Systematic Review and Consensus-based Recommendations 2019. Neurol Clin Pract. 2021 Feb;11(1):49-56. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33968472/. DOI: 10.1212/CPJ.0000000000000832.
7. Sá KN, Macêdo MC, Andrade RP, Mendes SD, Martins JV, Baptista AF. Physiotherapy for human T-lymphotropic virus 1-associated myelopathy: review of the literature and future perspectives. J Multidiscip Healthc. 2015 Feb 23;8:117-25. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25759588/. DOI: 10.2147/JMDH.S71978.
8. Colla, L. Peternella, N. F. Mendes, V. C. F. Proposta De Tratamento Fisioterapêutico Para Uma Paciente Portadora De Paraparesia espástica tropical: Estudo de caso. ResUNINGÁ. Maringá. V.18, n.3, pg:17-20, Jun.2014. Available from: https://revista.uninga.br/uningareviews/article/view/1518.
9. Fonseca, M. Y. De Souza, R. B. L. Pinto, S. D. Percepção subjetiva de esforço vê recuperação da fadiga pós-sessão fisioterapeutica em pacientes com paresia espástica tropical. FisioterBras. Belém, v.21, n.6, pg:549-559, Jan.2021. Available from: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-1283603. DOI: https://doi.org/10.33233/fb.v21i6.4022.
10. Coutinho I de J, Galvão-Castro B, Lima J, Castello C, Eiterer D, Grassi MFR. Impacto da mielopatia associada ao HTLV/paraparesia espástica tropical (TSP/HAM) nas atividades de vida diária (AVD) em pacientes infectados pelo HTLV-1. Acta Fisiátr. [Internet]. 9 de março de 2011;18(1):6-10. Available from: https://www.revistas.usp.br/actafisiatrica/article/view/103458. DOI: https://doi.org/10.5935/0104-7795.20110001.
11. Kuppuswamy A. The fatigue conundrum. Brain. 2017 Aug 1;140(8):2240-2245. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28899013/. DOI: 10.1093/brain/awx153.
12. Ciconelli, RM; Ferraz, MB; Santos, W; Meinão, I; Quaresma, MR. Tradução para a língua portuguesa e validação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida SF-36 (Brasil SF-36). Rev Bras Reumatol., São Paulo, v. 39, n. 3, p. 143-150, Mai-Jun. 1999.Available from: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/lil-296502.
13. Castro-Costa, CM; Araújo, QCA; Mena-Barreto, M; Oliveira, ACP. Guide of Clinical management of HTLV patient: neurological aspects. Arq. Neuro-Psiquiatr. 63 (2b), Jun 2005, Available from: https://www.researchgate.net/publication/7687134_Guide_of_clinical_management_of_HTLV_patient_neurological_aspects. DOI: https://doi.org/10.1590/S0004-282X2005000300036.
14. Neto, IF; Mendonça, RP; Nascimento, CA; Mendes, SM; Sá, KN.Fortalecimento muscular em pacientes com HTLV-I e sua Influência no desempenho funcional: um estudo piloto. Revista Pesquisa em Fisioterapia, v. 2, n. 2, 2012. Available from: https://www.researchgate.net/publication/285225532_fortalecimento_muscular_em_pacientes_com_htlv-i_e_sua_influencia_no_desempenho_funcional_um_estudo_piloto. DOI:10.17267/2238-2704rpf.v2i2.96
15. Kisner, C; Colby, L. Exercícios Terapêuticos - Fundamentos e Técnicas, Ed. Manole, SP, 6ed, 2015.