ARTIGO ORIGINAL
Perfil antropométrico e indicadores de saúde de homens e mulheres brincantes de quadrilha do interior do Amazonas
Anthropometric profile and health indicators of men and women quadrille dancers in the interior of Amazonas
Bruno Neves1, Sandy Amaral1, Adriane Bernardes1, Paula Talina2, Nayana Henrique3, Marcelo Marques3
1Núcleo de Ensino Superior de São Sebastião do Uatumã, Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Manaus, AM, Brasil
2Faculdade de Educação Física e Fisioterapia, Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Manaus, AM, Brasil
3Faculdade de Educação Física, Escola Superior de Ciências da Saúde, Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Manaus, AM, Brasil
Recebido em: 29 de Agosto de 2025; Aceito em: 16 de Setembro de 2025.
Correspondência: Marcelo Marques, marcelodsmarquess@gmail.com
Como citar
Neves B, Amaral S, Bernardes A., Talina P, Henrique N, Marques M. Perfil antropométrico e indicadores de saúde de homens e mulheres brincantes de quadrilha do interior do Amazonas. Nutr Bras. 2025;24(3):1521-1530. doi:10.62827/nb.v24i3.3074
Introdução: A caracterização antropométrica de uma população é importante tanto para o desempenho de suas tarefas motoras como também parte da vigilância em saúde. Contudo, poucos estudos investigam indivíduos das cidades do interior do estado do Amazonas. Objetivo: Traçou-se o perfil antropométrico e analisou-se indicadores de saúde de brincantes de quadrilha do município de São Sebastião do Uatumã, AM. Métodos: A coleta foi realizada no local de ensaio da quadrilha, antes do início das atividades e organizada em etapas [identificação, estatura, composição corporal (índice de massa corporal – IMC, taxa de gordura corporal – TCG), circunferências (relação cintura/quadril – RCQ e relação cintura/estatura – RCE)]. Resultados: A amostra foi composta por 171 brincantes de quadrilhas de ambos os sexos, sendo 82 homens (20,9 ± 5,8 anos; 167,3 ± 6,9 cm; 64,4 ± 13,23 kg; IMC: 22,9 ± 3,9 kg/m2; TGC: 19,6 ± 7,3 %; RCQ: 0,83 ± 0,06 u.a.; RCE: 0,45±0,05 u.a.) e 89 mulheres (19,9 ± 6,5 anos; 156,0 ± 6,6 cm; 57,2 ± 13,0 kg; IMC: 23,5 ± 4,1 kg/m2; taxa de gordura corporal: 28,1 ± 8,9 %; RCQ: 0,7 ± 0,05 u.a.; RCE: 0,45±0,05u.a.). Conclusão: Jovens adultos brincantes de quadrilha apresentaram todos os parâmetros dentro ou abaixo do que preconiza a literatura, sugerindo assim, que esta população parece saudável e com bons indicadores de saúde.
Palavras-chave: Dança; antropometria; Promoção do Bem Estar.
Introduction: The anthropometric characterization of a population is important both for the performance of their motor tasks and for health surveillance. However, few studies investigate individuals from cities in the interior of the state of Amazonas. Objective: Describe the anthropometric profile and health indicators of quadrilha dance participants in the municipality of São Sebastião do Uatumã, Amazon, Brazil. Methods: Data collection was carried out at the rehearsal dance site. Before the start of activities, the dancers were organized into stages [identification, height, body composition (body mass index - BMI, body fat rate - GFR), circumferences (waist-to-hip ratio - WHR and waist-to-height ratio - WHtR)] to collect the data. Results: The sample consisted of 171 quadrilha dancers participants of both sexes, 82 men (age: 20.9 ± 5.8 years old; height: 167.3 ± 6.9 cm; body mass 64.4 ± 13.23 kg; BMI: 22.9 ± 3.9 kg/m2; TGC: 19.6 ± 7.3 %; WHR: 0.83 ± 0.06 a.u.; WHtR: 0.45 ± 0.05 a.u.) and 89 women (age: 19.9 ± 6.5 years old; height: 156.0 ± 6.6 cm;body mass: 57.2 ± 13.0 kg; BMI: 23.5 ± 4.1 kg/m2; GFR: 28.1 ± 8.9 %; WHR: 0.7 ± 0.05 a.u.; WHR: 0.45 ± 0.05 a.u.). Conclusion: Young adults quadrilha dancers presented all parameters within or below what is recommended in the literature, thus suggesting that this population appears healthy and with good health indicators.
Keywords: Dancing; Anthropometry; Health Promotion.
Entre as políticas públicas nacionais de monitoramento e promoção da saúde, acompanhar as condições de saúde e identificar as regiões de maior risco segue sendo uma prioridade no Brasil. Em 2023 foi possível observar as maiores frequências de excesso de peso (índice de massa corporal - IMC ≥ 25 kg/m2) entre as mulheres em Manaus (64,5%) quando comparadas às outras capitais e Distrito Federal. Ainda, a frequência de homens com obesidade (IMC ≥ 30 kg/m2) coloca Manaus no 4º lugar entre as Capitais e Distrito Federal (26,4%) [1].
Contudo, ao buscarmos analisar o cenário de forma mais pontual, parece não ser possível identificar com clareza se estes indicadores se confirmam fora da capital do Amazonas. Considerando que existem divergências econômicas, culturais e de comportamentos de vida que influenciam diretamente estes e outros indicadores [2], a região norte pode apresentar discrepâncias entre as localidades rurais e a capital.
Não raro, a principal via de acesso às áreas mais distantes do Amazonas é a fluvial, e possivelmente em decorrência deste e de outros fatores, a literatura regional ainda apresenta estudos relativamente escassos sobre indicadores de saúde dos diferentes segmentos e grupos populacionais mais distantes da capital do Amazonas [3]. Ainda, a maioria dos estudos com estas populações é voltado para análises do estado/perfil nutricional de escolares, adultos e idosos [2-6].
Estabelecer o perfil/estado nutricional da população é fundamental para a epidemiologia e para a implantação de políticas públicas mais assertivas. Contudo, agregar outros indicadores (p.ex., perfil antropométrico) pode trazer ainda mais benefícios para o direcionamento de ações futuras, principalmente em municípios menos populosos como São Sebastião do Uatumã, que no último censo populacional apresentou pouco mais de 11 mil habitantes [7].
Os estudos supracitados, bem como outros com objetivos similares, adotam técnicas padronizadas de dimensionamento do corpo humano. A cineantropometria é uma perspectiva da antropologia física definida epistemologicamente como um conjunto de supostos teóricos que explicam as relações entre a estrutura morfofuncional e a disponibilidade potencial de eficiência de movimento transitivo de uma atividade física especializada (p.ex., dança) [8]. Parte da cineantropometria, a antropometria, é um conjunto de processos de mensuração do corpo humano que pode oferecer indicadores gerais de mudanças nos estilos de vida, na nutrição, nos níveis de atividade física [9] e informações específicas sobre a análise da compleição física, como por exemplo a forma, a proporcionalidade e a composição corporal [10].
Como demonstrado em diversos estudos, a composição corporal interfere diretamente no desempenho motor e na capacidade de trabalho dos seres humanos [10]. Competições de danças típicas como as quadrilhas são eventos grandiosos, extremamente disputados e acompanhados pela população das cidades do Amazonas. Assim, traçar o perfil antropométrico dos brincantes de quadrilha pode contribuir não apenas para agregar novos dados a literatura científica do tema, mas também para melhor desempenho motor dos brincantes durante as apresentações. Assumimos ainda que municiar os órgãos de saúde locais com dados reais dos indivíduos envolvidos no estudo pode trazer informações relevantes para políticas públicas direcionadas a população do município.
Traçou-se o perfil antropométrico e analisou-se indicadores de saúde de brincantes de quadrilha do município de São Sebastião do Uatumã, no Amazonas.
São Sebastião do Uatumã é um município do interior do Estado do Amazonas, situando-se na margem esquerda do Uatumã, afluente do Rio Amazonas, 6 metros acima do nível do mar, distando 247 km a leste de Manaus, capital do estado. Tem área de 10.741 km2 e uma população de 11.670 habitantes, o que configura uma densidade demográfica de 1,1 hab./km2 [7].
A obtenção dos dados foi dividida em 4 estações de coleta. Antes de passarem pela primeira estação, todos os participantes foram orientados acerca dos objetivos e métodos da pesquisa, bem como informados que não teriam quaisquer prejuízos e ganhos oriundos da pesquisa, e, ainda, que seus dados permaneceriam em sigilo. Após dirimidas possíveis dúvidas, todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, de acordo com as normas do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade do Estado do Amazonas e declaração de Helsinki.
A coleta de dados foi realizada em agosto de 2023, sendo fruto de um projeto conjunto entre a Secretaria Municipal de Saúde do município de São Sebastião do Uatumã e a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) com o intuito de caracterizar as condições de saúde do município. A equipe de coleta de dados foi composta por nutricionistas, professores e acadêmicos de Educação Física.
Participaram da pesquisa 171 brincantes de quadrilha sendo 82 homens (20,9 ± 5,8 anos) e 89 mulheres (19,9 ± 6,5 anos) residentes na área urbana (sede do município). Estes foram convidados a participar a partir de contatos entre os pesquisadores e as lideranças das agremiações. Os critérios de inclusão foram, (i) ser residente na sede do município; (ii) estar participando dos ensaios das quadrilhas; e (iii) apresentar limitação física e/ou psicológica que impossibilitasse a coleta dos dados. Os critérios de exclusão foram, (i) ter idade acima de 60 anos; (ii) não frequentar os ensaios regularmente; e (iii) ter praticado atividade física de moderada a alta intensidade no dia da coleta dos dados. O n amostral foi não probabilístico e sim por conveniência.
Os ensaios das 3 agremiações ocorriam todas as noites, normalmente a partir das 21h em quadras poliesportivas da cidade. Após a concordância das lideranças das agremiações, a equipe de coleta ia até o local de ensaio 1h antes do início das coletas para montar as estações e organizar a dinâmica de trabalho. De acordo com a ordem de chegada e após as orientações éticas, cada participante era convidado a iniciar sua participação na pesquisa passando por cada uma das 4 etapas (identificação, estatura, composição corporal, circunferências).
Cada ficha de identificação foi numerada para preservar a confidencialidade de cada voluntário (p.ex., ID001), contendo apenas idade e data de nascimento. A estatura e a massa corporal foram aferidas de acordo com a Sociedade Internacional para o Avanço da Cineantropometria [11]. A determinação da estatura (em cm, com precisão de 1 mm) foi aferida utilizando um estadiômetro portátil com haste própria em plástico com escala métrica e com base de metal fixada no solo. Os participantes foram posicionados de costas voltadas para o estadiômetro, com a cabeça orientada no plano de Frankfurt.
A composição corporal [massa corporal (kg), taxa de gordura corporal – TGC (%), gordura visceral (u.a.), gordura subcutânea (%), peso sem gordura (kg) e peso muscular(kg)] foi realizada em balança eletrônica de bioimpedância (Balmak®, myFit, Brasil). Os voluntários estavam descalços e com roupas de treino adequadas (leves e confortáveis). A circunferência da cintura foi mesurada no ponto médio entre a face externa da última costela flutuante e a crista ilíaca (ponto de menor perímetro). A circunferência do quadril foi verificada no perímetro de maior extensão entre o quadril e as nádegas. Ambas as medidas foram coletadas em cm por meio de uma fita metálica flexível, inextensível, com precisão de 1 cm, de acordo com as técnicas convencionais [12,13].
Os valores de massa corporal e estatura foram utilizados para o cálculo do índice de massa corporal (IMC kg/m2). Como cutpoint do IMC, foi adotado o novo modelo cálculo de IMC para classificação de obesidade, que leva em consideração a TCG e foi validado com jovens adultos brasileiros sendo 25,24kg/m2 para homens e 28,38kb/m2 para mulheres [14].
Os perímetros da cintura e do quadril foram utilizados para calcular a relação cintura-quadril (RCQ = medida da cintura/quadril). A literatura estabelece valores máximos de até 0,9 u.a. para homens e 0,85 u.a. para as mulheres como limítrofes para menor risco a saúde [15,16]. Por fim, os dados da estatura e da cintura foram utilizados para o cálculo da relação cintura-estatura (RCE = medida da cintura/altura) que foi considerada adequada (p.ex., baixo risco a saúde) quando menor que 0,5 u.a. para ambos os sexos [16,17].
Os dados contínuos (idade, estatura, massa corporal, IMC, TGC, gordura visceral, gordura subcutânea, peso sem gordura, peso muscular, circunferências, RCQ e RCE) foram apresentados em média em desvio padrão (m ± dp) e os dados categóricos (sexo) em frequências e percentuais. O teste de Shapiro-wilk foi adotado para testar a normalidade de distribuição dos dados. Quando confirmada a distribuição normal, o teste t de student de uma amostra foi aplicado para comparar as médias de IMC, RCQ e RCE com os valores preconizados na literatura [15-18]. Todas as análises foram realizadas no Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 27 para o MAC OSX (IBM, Armonk, NY, USA) e o nível de significância foi estabelecido em 5%.
As agremiações de quadrilha em São Sebastião do Uatumã apresentam-se com 30 pares de brincantes, perfazendo um total de 180 indivíduos. Nossa amostra foi composta de 171 brincantes (95% do total), sendo 82 homens (47,9%; 20,9 ±5,8 anos; 167,3 ± 6,9 cm; 64,4 ± 13,3 kg) e 89 mulheres (52,0%; 19,9 ± 6,5 anos; 156,0 ± 6,6 cm; 57,2 ± 13,0 kg).
Para as medidas e variáveis antropométricas, homens (TGC = 19,6 ± 7,3%; gordura visceral = 6,9 ± 5,3 kg; gordura subcutânea = 13,2 ± 4,6 kg; peso sem gordura = 50,3 ± 6,9; peso muscular = 26,6 ± 4,9; circunferência da cintura = 75,9 ± 9,1 cm; circunferência do quadril = 91,3 ± 7,9 cm) e mulheres (TGC = 28,1 ± 8,9%; gordura visceral = 6,8 ± 4,4 kg; gordura subcutânea = 20,7 ± 17,2 kg; peso sem gordura = 40,0 ± 5,9 kg; peso muscular = 19,8 ±3,1; circunferência da cintura = 71,0 ± 8,8 cm; circunferência do quadril = 93,2 ± 9,6cm) apresentaram valores esperados para a população adulta.
A tabela 1 apresenta os valores de média e desvio padrão (m±dp) de variáveis antropométricas de interesse no desfecho primário comparadas a valores preconizados na literatura especializada [14-17].
Tabela 1 - Média das variáveis indicativas de risco de desenvolver doenças comparadas aos valores preconizados na literatura para jovens adultos brasileiros
|
Variável |
Homens m(±dp) |
p -valor*(IC95%) |
Mulheres m(±dp) |
p -valor*(IC95%) |
|
IMC (kg/m2) |
22,9 ± 3,9 |
<0,001(-3,1; -1,4) |
23,5 ± 4,1 |
< 0,001(-5,7; -3,9) |
|
RCQ (u.a.) |
0,83 ± 0,06 |
<0,001(-93,1; -93,1) |
0,76 ± 0,05 |
< 0,001(-89,2; -89,2) |
|
RCE (u.a.) |
0,45 ± 0,05 |
<0,001(-0,05; - 0,03) |
0,45 ± 0,05 |
<0,001(-0,05; - 0,03) |
Legenda: IMC = índice de massa corporal; RCQ = relação cintura-quadril; RCE = relação cintura-estatura; u.a. = unidades arbitrárias; * = comparações com valores preconizados.
Os valores de IMC, RCQ e RCE da amostra investigada foram menores tanto para os homens quanto para as mulheres quanto comparados aos valores de referência preconizados na literatura (p < 0,001 para todas as comparações).
O objetivo deste estudo foi traçar o perfil antropométrico e analisar indicadores de saúde de brincantes de quadrilha do município de São Sebastião do Uatumã, no Amazonas. Como hipótese, esperávamos que o perfil antropométrico e percentuais da população estudada se encontre dentro dos escores pré-estabelecidos para a população brasileira, tanto para os homens como para as mulheres.
As medidas de TGC, gordura visceral, gordura subcutânea, peso sem gordura, peso muscular, circunferência da cintura, circunferência do quadril aferidas nesta amostra apresentaram valores dentro do esperado para ambos os sexos. É pertinente destacar que os índices corporais são constituídos pela relação matemática entre duas ou mais dimensões antropométricas observadas no mesmo avaliado e que estabelecem valores de referência, ajustados por sexo, idade ou outras condições específicas, usados para avaliar as condições de saúde dos grupos populacionais [18,19].
Em um estudo com amostra similar [20], dados obtidos pela análise de impedância bioelétrica apresentaram valores médios de TGC de 16,73 ± 5,51% para homens e de 26,09 ± 6,97% para mulheres bem como 63,47±6,78 kg de peso sem gordura para homens e de 41,91±3,62 kg para mulheres. Foram avaliados jovens adultos paulistanos fisicamente ativos [21], o que pode explicar a diferença da TCG e do peso sem gordura quando comparados a nossa amostra, dado que o amazonense tende a ter estatura média menor que os nascidos em São Paulo (homens amazonenses 1,69; homens paulistanos = 1,72; mulheres amazonenses = 1,57; mulheres paulistas = 1,61) [22].
Documentos clássicos sugerem que a gordura visceral e a subcutânea podem causar prejuízo ao metabolismo de carboidratos e lipídios, bem como produção exacerbada de fatores potencializadores da síndrome metabólica [23]. Dentre os diferentes tecidos que funcionam como depósitos de gordura corporal, o tecido adiposo visceral é o mais metabolicamente ativo e o tecido adiposo subcutâneo o que possui maior massa total. Somados, ambos têm papel preponderante na relação entre adiposidade central e dislipidemias, resistência insulínica, diabetes mellitus tipo 2 e doenças cardiovasculares [22,23].
Parece não existir consenso na literatura acerca de uma concentração ideal de gordura visceral e subcutânea, contudo, é bem-aceita a ideia de quanto menos, melhor. No nosso estudo, a gordura visceral dos homens e das mulheres apresentaram valores baixos. Especificamente quanto a gordura subcutânea, os homens ainda apresentam valores tidos como aceitáveis, por outro lado, as mulheres da nossa amostra apresentaram altos valores desta variável. Tal indicativo pode ser preocupante, dado que a pele é o maior órgão do corpo humano e ter gordura sob a mesma indica distribuição de gordura por todo o corpo, levando a mais processos inflamatórios.
Há muito se sabe que as pessoas diferem em relação à localização da gordura corpórea. Homens, em particular, tendem a ter maior proporção de gordura abdominal, conferindo-lhes o chamado padrão masculino ou androide de distribuição de gordura. As mulheres, por outro lado, tendem a ter maior quantidade de gordura na região glútea e por isso tem maiores perímetros dos quadris, apresentando o padrão feminino ou ginoide de distribuição de gordura corporal. Este padrão pode ser avaliado pela razão abdominal/glútea, que é obtida pela RCQ [24]. Vale destacar que outros autores relatam que 57% da variância da RCQ é explicada pelo gênero, 10% pelo IMC e 6% pela idade [25].
De acordo com os dados da nossa pesquisa, os homens e as mulheres estudados apresentam RCQ e RCE abaixo dos valores preconizados na literatura, o que indica menor risco de desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis. Por fim, é importante indicar que a distribuição corporal tem forte determinação genética, mas fatores como sexo, idade, e outros comportamentais, como tabagismo e atividade física, podem ser determinantes [26]. Isso explica o fato de que os homens podem apresentar uma RCQ maior comprado com as mulheres de acordo com as medidas preconizadas na literatura. De acordo com nossos dados e a autora citada acima talvez o fato de população do estudo serem jovens adultos fisicamente ativos contribui para termos o resultado que sugerem baixos riscos para doenças crônicas.
Existem três limitações conhecidas para a utilização do IMC: a correlação com a estatura, (mesmo baixa, ainda é significativa), com a massa livre de gordura, na qual não se diferencia da massa gorda (principalmente nos homens) e com a proporcionalidade corporal (relação tamanho das pernas/tronco) [27]. Neste sentido, é consenso que o IMC é uma medida que pode superestimar a gordura corporal em atletas ou pessoas com constituição muscular maior. No sentido oposto, o IMC pode não ser exato em indivíduos jovens e ainda em desenvolvimento.
Considerando a idade média da amostra neste estudo e os outros dados de composição corporal, o fato de serem jovens adultos praticantes de atividade física (p.ex., dançar quadrilha diariamente) pode ter promovido perca de massa corporal impactando assim nos valores de IMC. Recentemente, um grupo de pesquisadores renomados publicaram uma proposta atualizada de classificação da composição corporal que pode ser adotada como critérios adicionais ao IMC, diminuindo assim o nível de erro da medida individual para abordagens mais sólidas e políticas em saúde mais assertivas [28].
Até onde nossas pesquisas indicaram, este trabalho é o primeiro a explorar o perfil de brincantes de danças folclóricas do interior do Amazonas, o que o faz agregar um pouco mais de conhecimento ao corpo científico do tema. Por outro lado, o presente trabalho apresentou limitações que devem ser listadas. O local das coletas (quadras poliesportivas) apresentava desafios quanto ao controle do espaço e organização das ações, com muitos brincantes transitando, além de outras pessoas para acompanhar os ensaios. Ao considerarmos que a validade interna de um estudo pode ser ameaçada por erros na avaliação (controle do ambiente de coleta), cabe aos pesquisadores considerar e evitar esses erros em estudos futuros [29]. Os indicadores de saúde analisados podem ser considerados como medidas indiretas que nos permitem estimar com algum grau de segurança a possibilidade de prevalência de doenças. Estudos futuros poderiam, se viável, adotar medidas mais diretas (p.ex., aferir pressão arterial, frequência cardíaca, índice glicémico) para estimar com maior precisão os indicadores de saúde propostos.
De acordo os achados, os jovens adultos brincantes de quadrilha estudados apresentaram todos os parâmetros dentro ou abaixo do que preconiza a literatura, sugerindo assim, que esta população parece saudável e com bons indicadores de saúde. Ainda, a prática regular de atividade física por parte desta população parece ter papel preponderante nestes achados, diferenciando-os das estimativas dos inquéritos populacionais que colocam os cidadãos da capital do Amazonas como fisicamente inativos e com sobrepeso.
Agradecimentos
Agradecemos as 3 agremiações de brincantes de quadrilha que se disponibilizaram a participar do estudo. Agradecemos ainda a Secretaria Municipal de Saúde pelo apoio nas coletas dos dados ofertando pessoal qualificado e materiais adequados aos objetivos do estudo.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
Fonte de financiamento
Não houve financiamento para este estudo.
Contribuição dos autores
Concepção e desenho da pesquisa: Marques M; Obtenção de dados: Neves B, Amaral S, Bernardes A.; Análise e interpretação dos dados: Talina P, Marques M, Henrique N; Redação do manuscrito: Neves B, Amaral S, Bernardes A; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Marques M, Henrique N.
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