Nutr Bras. 2024;23(1):717-726
doi:10.62827/nb.v23i1.3005

ARTIGO ORIGINAL

Avaliação nutricional e consumo de alimentos ultraprocessados por crianças menores de 24 meses de idade

Nutritional assessment and consumption of ultra processed foods y children under 24 months of age

Louyse Sulzbach Damázio¹, Jessica Domingos Darolt¹, Schaiany de Jesus Cancelier¹

1Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), Criciúma, SC, Brasil

Recebido em: 16 de janeiro de 2024; Aceito em: 21 de maio de 2024.

Correspondência: Louyse Sulzbach Damázio, louyse3@hotmail.com

Como citar

Damázio LS, Darolt JD, Cancelier SJ. Avaliação nutricional e consumo de alimentos ultraprocessados por crianças menores de 24 meses de idade. Nutr Bras. 2024;23(1):717-726. doi:10.62827/nb.v23i1.3005

Resumo

Introdução: A nutrição infantil é um aspecto crucial do desenvolvimento saudável das crianças, influenciando diretamente sua saúde física, crescimento e bem-estar geral. Avaliar o estado nutricional e os padrões alimentares das crianças em idade pré-escolar torna-se fundamental para identificar possíveis deficiências nutricionais e promover intervenções adequadas para garantir um crescimento e desenvolvimento adequados. Objetivo: O objetivo deste estudo foi avaliar o estado nutricional e o consumo alimentar de ultraprocessados de crianças até 24 meses. Métodos: A pesquisa foi conduzida no mês de março de 2023 em creches localizadas em Orleans (Santa Catarina). A amostra foi composta por crianças com idades entre 4 e 24 meses, matriculadas em duas creches municipais, duas creches privadas e uma creche filantrópica. Para avaliar o estado nutricional, foram utilizadas as curvas de crescimento estabelecidas pelo Ministério da Saúde. Quanto ao consumo alimentar, foram coletadas informações por meio de questionários aplicados aos responsáveis. Resultados: A análise dos dados antropométricos demonstrou que uma proporção significativa das crianças apresentou IMC, altura e peso adequados para suas respectivas idades, conforme as curvas de crescimento estabelecidas pelo Ministério da Saúde. No entanto, também foram identificados casos de desvios nutricionais, como baixo peso e excesso de peso. Quanto ao consumo alimentar, observou-se uma frequência relativamente alta de consumo de alimentos ultraprocessados. Conclusão: O estudo revela a presença de alimentos ultraprocessados na dieta de crianças em creches, destacando a importância de conscientização e políticas públicas para promover uma alimentação saudável nessa faixa etária.

Palavras-chave: Ingestão de alimentos; estado nutricional; ultraprocessados.

Abstract

Introduction: Child nutrition is a crucial aspect for the healthy development of children, directly influencing their physical health, growth and general well-being. Assessing the nutritional status and eating patterns of preschool children is essential to identify possible nutritional deficiencies and provide appropriate guidelines to ensure adequate growth and development. Objective: The objective of the study is to evaluate the nutritional status and food consumption of ultra-processed children at 24 months. Methods: A survey was carried out in March 2023 in daycare centers located in Orleans (Santa Catarina). The exhibition was made up of children aged between 4 and 24 months, enrolled in two municipal daycare centers, two private daycare centers and a philanthropic daycare center. It provides nutritional status and is used as a crescent curve for the Ministry of Health. Regarding food consumption, information was collected through questionnaires administered to those responsible. Results: An analysis of anthropometric data demonstrated that a significant proportion of children presented the appropriate BMI, height and weight for their respective ages, according to the conditional growth curves by the Ministry of Health. However, cases of nutritional deviations were also identified, such as underweight and overweight. Regarding food consumption, there is a relatively high frequency of consumption of ultra-processed foods. Conclusion: The study reveals the presence of ultra-processed foods in the diet of children in daycare centers, highlighting the importance of awareness and public policies to ensure healthy eating in this age group.

Keywords: Food intake; nutritional status; ultra-processed.

Introdução

Os padrões alimentares estão mudando rapidamente na maioria dos países. As principais mudanças envolvem a substituição de alimentos in natura ou minimamente processados por produtos industrializados prontos para o consumo [1]. Esta rápida mudança tem acontecido por vários fatores, dentre eles podemos destacar a globalização, o desenvolvimento socioeconômico, a influência das mídias, a inserção da mulher no mercado de trabalho e o aumento excessivo da palatabilidade.

Os alimentos ultraprocessados passam por várias etapas e técnicas de processamento até estarem prontos para o consumo. Nessas etapas, são incluídos ingredientes como sal, açúcar, óleos e gorduras e substâncias de uso exclusivamente industrial [1]. A mudança no padrão alimentar não ocorreu apenas entre a população adulta, mas também na população infantil. Alguns estudos mostram que porção significativa do valor energético consumido por crianças e adolescentes provém de alimentos ultraprocessados [3]. No entanto, estes alimentos, quando inseridos na infância, podem gerar uma série de prejuízos. Dentre eles, a redução da proteção imunológica e desencadeamento de processos alérgicos, dificultando a digestão e absorção de nutrientes, ou seja, pode prejudicar o crescimento e desenvolvimento da criança. Podemos citar também a obesidade e surgimento de doenças crônicas não transmissíveis, visto que o aumento do consumo de ultraprocessados é uma das principais causas da atual pandemia destas doenças [2].

Apesar disso, alguns alimentos ultraprocessados são vistos como saudáveis e são oferecidos com frequência às crianças. Todavia, todos contêm aditivos como corantes, conservantes e adoçantes, e são considerados não saudáveis, além de prejudicar a aceitação dos alimentos in natura [1]. E as crianças que ingerem estes produtos, geralmente possuem baixa ingestão de frutas, verduras, legumes e cereais. Isso acontece por diversos motivos, dentre eles a falta de informação dos responsáveis sobre a idade adequada para a introdução desses alimentos. Atualmente, não há recomendações relacionadas a quantidade e frequência do consumo destes alimentos na alimentação infantil [4].

Com base nisso, esse artigo investigou-se o estado nutricional e o consumo alimentar de ultraprocessados em crianças de até 24 meses de idade de diferentes creches na região do Sul Catarinense.

Métodos

Estudo transversal, realizado em março de 2023, incluiu crianças com idades entre 4 e 24 meses. Foi conduzido em duas creches públicas, duas privadas e uma filantrópica no município de Orleans/SC, com alunos de ambos os sexos.

A população em estudo foi composta por crianças de quatro a vinte e quatro meses de vida. A amostra foi não probabilística, constituída por alunos menores de vinte e quatro meses matriculados nas creches mencionadas.

Como critério de inclusão, a criança deveria estar matriculada em uma das creches participantes do estudo, visando focar na população-alvo relevante para a pesquisa. Além disso, foi considerado essencial que os responsáveis pelas crianças concordassem em participar do estudo, garantindo assim o consentimento informado e ético. Essa decisão foi tomada para garantir a integridade dos dados e o respeito aos direitos das crianças e suas famílias. Outros critérios pertinentes de inclusão podem ter sido estabelecidos com base nos objetivos específicos do estudo e nas características da população-alvo, como faixa etária e ausência de condições médicas graves ou limitações que pudessem interferir na participação. Esses critérios foram considerados para assegurar a qualidade e a relevância dos resultados obtidos.

Como instrumento para a coleta de dados, foram utilizados dois questionários desenvolvidos pelas pesquisadoras, baseados no formulário de marcadores de consumo alimentar (SISVAN), a fim de avaliar o estado nutricional e consumo alimentar de crianças menores de dois anos. No primeiro questionário constavam perguntas como sexo, idade, peso, comprimento, peso ao nascer, amamentação, introdução alimentar e dados maternos. No segundo questionário, havia perguntas relacionadas à frequência alimentar de alimentos ultraprocessados, tais como presunto, salame, salsicha, margarina, requeijão, dentre outros. Os dados antropométricos foram obtidos através de informações referidas (peso ao nascer, peso atual e comprimento) pelos responsáveis ao preencher o questionário.

Para as análises dos indicadores antropométricos, incluindo o Índice de Massa Corporal (IMC), altura para a idade e peso para a idade, foram utilizadas as curvas de crescimento estabelecidas pelo Ministério da Saúde. Essas curvas, baseadas em pesquisas e estudos populacionais, fornecem referências importantes para a avaliação do desenvolvimento infantil e a detecção de possíveis desvios nutricionais. Ao utilizar as curvas do Ministério da Saúde, buscamos garantir a consistência e a confiabilidade dos resultados, bem como facilitar a interpretação dos dados em contexto nacional.

A coleta de dados ocorreu somente após a aprovação do comitê de Ética da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), tendo como base a resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde que dispõe sobre pesquisa com seres humanos, sendo garantido o sigilo da identidade dos participantes e a utilização dos dados somente para esta pesquisa científica e publicações dela derivadas. O número de aceite do projeto foi 65835922.6.0000.0119.

Os indivíduos que participaram da pesquisa foram convidados a participar mediante esclarecimento detalhado de todos os procedimentos (objetivos do estudo e sobre a coleta de dados) e somente foram incluídos após assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A análise de dados foi conduzida utilizando o software estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences). As medidas descritivas, como média e desvio padrão, foram utilizadas para resumir e descrever as características da amostra, incluindo variáveis como idade, IMC e outros parâmetros antropométricos. Além disso, para variáveis categóricas, como a presença de determinadas condições de saúde ou o consumo alimentar, foram calculadas frequências e porcentagens.

Resultados

A Tabela 1 apresenta uma descrição detalhada das características sociodemográficas e do ambiente familiar das crianças participantes do estudo, divididas de acordo com a instituição de creche frequentada. Os dados fornecem insights valiosos sobre a composição da amostra e o contexto socioeconômico em que as crianças estão inseridas.

Tabela 1 - Características sociodemográficas e de saúde em crianças até 24 meses de uma cidade AMREC, Criciúma - Santa Catarina (2023)

Filantrópica (n=7)

Municipal (n=44)

Particular (n=18)

Idade em meses

17,4±3,7

16,5±4,8

19,4±4,9

6 a 11 meses

-

11 (33,3%)

-

12 a 24 meses

7 (100%)

33 (66,6%)

18 (100%)

Residência

Área urbana

5 (71,4%)

35 (79,5%)

14 (77,7%)

Área rural

2 (28,5%)

9 (20,4%)

4 (22,2%)

Quantas pessoas residem na casa

2 pessoas

1 (14,2%)

1 (2,2%)

-

3 a 4 pessoas

3 (42,8%)

33 (75%)

16 (88,8%)

Mais de 5 pessoas

3 (42,8%)

10 (22,7%)

2 (11,1%)

Qual foi o último ano de estudo que o chefe da família estudou

Fundamental incompleto

1 (14,2%)

3 (6,8%)

-

Fundamental completo

1 (14,2%)

3 (6,8%)

1 (5,5%)

Ensino médio incompleto

2 (28,5%)

10 (22,7%)

-

Ensino médio completo

2 (28,5%)

9 (20,4%)

2 (11,1%)

Superior incompleto

-

7 (15,9%)

3 (16,6%)

Superior completo

1 (14,2%)

12 (27,2%)

11 (61,1%)

Pós-graduação

-

-

1 (5,5%)

Amamentação

Não foi amamentado

2 (28,5%)

12 (27,2%)

2 (11,1%)

Continua sendo amamentado

1 (14,2%)

8 (18,1%)

3 (16,6%)

Até quatro meses

2 (28,5%)

4 (9%)

3 (16,6%)

Até seis meses

1 (14,2%)

11 (25%)

8 (44,4%)

Até um ano

-

7 (15,9%)

1 (5,5%)

Até um ano e meio

1 (14,2%)

2 (4,5%)

1 (5,5%)

Doença até o momento

Não

1 (14,2%)

31 (70,4%)

11 (61,1%)

Alergia a proteína do leite de vaca

-

2 (4,5%)

3 (16,6%)

Alergia a carne de porco

1 (14,2%)

-

-

Asma

-

1 (2,2%)

1 (5,5%)

Intolerância à lactose

1 (14,2%)

1 (2,2%)

1 (5,5%)

Refluxo

-

1 (2,2%)

-

Outros

4 (57,1%)

8 (18,1%)

2 (11,1%)

Anemia ferropriva

Sim

-

2 (4,5%)

3 (16,6%)

Não

7 (100%)

42 (95,4%)

15 (83,3%)

Suplemento de ferro

Sim

7 (100%)

40 (90,9%)

14 (22,2%)

Não

-

4 (9%)

4 (77,7%)

Outros suplementos

Vitamina D

5 (71,4%)

22 (50%)

12 (66,6%)

Fonte: os autores (2023)

Os dados antropométricos das crianças participantes do estudo, apresentados na Tabela 2, são fundamentais para compreender a distribuição do Índice de Massa Corporal (IMC) para a idade, altura para a idade e peso para a idade.

Tabela 2 - Dados antropométricos de crianças até 24 meses de uma cidade AMREC, Criciúma - Santa Catarina (2023)

Crianças até 24 meses (n=69)

IMC

Abaixo de Z0

6 (8,6%)

Z0

35 (50,7%)

Acima de Z0

28 (40,5%)

Altura para idade

Abaixo de P50

21 (30,4%)

P50

35 (50,7%)

Acima de P50

13 (18,8%)

Peso para a idade

Abaixo de P50

5 (7,2%)

P50

46 (66,6%)

Acima de P50

18 (26%)

Fonte: os autores (2023)

A análise detalhada presente na Tabela 3 oferece uma visão abrangente sobre a frequência alimentar de alimentos ultraprocessados entre as crianças avaliadas. Diversos alimentos são relatados como oferecidos pelo menos uma vez por semana, destacando-se o macarrão industrializado como o mais ofertado. Outros alimentos também são mencionados, como o pão de forma, iogurte e bolacha água e sal.

Por outro lado, vários alimentos foram assinalados como ‘nunca’ ou ‘menos de 1x por mês’ pela maioria dos responsáveis, demonstrando uma variação significativa nos padrões de consumo alimentar das crianças participantes do estudo. Esses dados são essenciais para compreender a composição da dieta dessas crianças e possíveis impactos na saúde e nutrição.

Tabela 3 - Consumo de alimentos ultraprocessados de crianças até 24 meses de uma cidade AMREC, Criciúma - Santa Catarina (2023)

Alimentos

Crianças (n=69)

Nunca

Menos de 1x no mês

1 a 3x no mês

1x por semana

2x a 4x por semana

1x por dia

2x ou mais por dia

Achocolatado

53 (76,8%)

3 (4,3%)

3 (4,3%)

5 (7,2%)

4 (5,8%)

-

1 (1,4%)

Açúcar adicionado em café, chá, leite

35 (50,7%)

10 (14,4%)

8 (11,5%)

2 (2,9%)

6 (8,7%)

2 (2,9%)

6 (8,7%)

Apresuntado

63 (91,3%)

2 (2,9%)

2 (2,9%)

1 (1,4%)

1 (1,4%)

-

-

Bacon

61 (88,4%)

5 (7,2%)

1 (1,4%)

1 (1,4%)

1 (1,4%)

-

-

Batata frita palito

20 (28,9%)

21 (30,4%)

13 (18,8%)

13 (18,8%)

2 (2,9%)

-

-

Biscoito de arroz

50 (72,4%)

5 (7,2%)

5 (7,2%)

4 (5,8%)

4 (5,8%)

-

1 (1,4%)

Bolacha de água e sal

28 (40,5%)

13 (18,8%)

6 (8,7%)

5 (7,2%)

11 (15,9%)

3 (4,3%)

3 (4,3%)

Bolacha recheada

40 (57,9%)

10 (14,4%)

6 (8,7%)

6 (8,7%)

3 (4,3%)

2 (2,9%)

2 (2,9%)

Bolacha sem açúcar

43 (62,3%)

7 (10,1%)

9 (13%)

3 (4,3%)

5 (7,2%)

-

2 (2,9%)

Cachorro quente

51 (73,9%)

11 (15,9%)

6 (8,7%)

-

1 (1,4%)

-

-

Chocolate ao leite

44 (63,7%)

13 (18,8%)

7 (10,1%)

3 (4,3%)

2 (2,9%)

-

-

Farinha láctea

44 (63,7%)

6 (8,7%)

3 (4,3%)

2 (2,9%)

-

7 (10,1%)

7 (10,1%)

Iogurte industrializado com corante e açúcar

28 (40,5%)

5 (7,2%)

11 (15,9%)

7 (10,1%)

14 (20,2%)

4 (5,8%)

-

Macarrão industrializado

15 (21,7%)

7 (10,1%)

10 (14,4%)

18 (26,9%)

16 (23,1%)

2 (2,9%)

1 (1,4%)

Macarrão instantâneo

41 (59,4%)

9 (13%)

10 (14,4%)

7 (10,1%)

1 (1,4%)

-

1 (1,4%)

Margarina

59 (85,5%)

6 (8,7%)

1 (1,4%)

1 (1,4%)

1 (1,4%)

-

1 (1,4%)

Mortadela

55 (79,7%)

4 (5,8%)

5 (7,2%)

-

3 (4,3%)

2 (2,9%)

-

Pão de forma

14 (20,2%)

14 (20,2%)

10 (14,4%)

14 (20,2%)

14 (20,2%)

3 (4,3%)

-

Pizza

47 (68,1%)

17 (24,6%)

3 (4,3%)

1 (1,4%)

1 (1,4%)

-

-

Presunto

61 (88,4%)

2 (2,9%)

2 (2,9%)

-

3 (4,3%)

1 (1,4%)

-

Requeijão

46 (66,6%)

10 (14,4%)

9 (13%)

3 (4,3%)

1 (1,4%)

-

-

Refrigerante

63 (91,3%)

-

2 (2,9%)

2 (2,9%)

1 (1,4%)

1 (1,4%)

-

Salame

52 (75,3%)

6 (8,7%)

7 (10,1%)

2 (2,9%)

1 (1,4%)

1 (1,4%)

-

Salgadinho de milho ou soja

42 (60,8%)

5 (7,2%)

8 (11,5%)

11 (15,9%)

2 (2,9%)

1 (1,4%)

-

Salsicha

51 (73,9%)

7 (10,1%)

7 (10,1%)

4 (5,8%)

-

-

-

Suco em pó

48 (69,5%)

4 (5,8%)

2 (2,9%)

5 (7,2%)

7 (10,1%)

1 (1,4%)

2 (2,9%)

Suco industrializado

41 (59,4%)

10 (14,4%)

7 (10,1%)

4 (5,8%)

4 (5,8%)

2 (2,9%)

1 (1,4%)

Toicinho

69 (100%)

-

-

-

-

-

-

Fonte: os autores (2023)

Discussão

Verificou-se que os alimentos ultraprocessados são introduzidos muito cedo na alimentação infantil, sendo que estes alimentos não são recomendados para a faixa etária estudada. Outros estudos mostram resultados semelhantes. Um estudo analisou o consumo alimentar de crianças brasileiras a partir dos dados do SISVAN, no período de 2015 a 2021. Na faixa etária de 6 a 23 meses (135.274 crianças), 29% dos analisados consumiam bebidas adoçadas, 12% consumiam hambúrguer e/ou embutidos; 21% consumiam macarrão instantâneo, salgadinho de pacote ou biscoito salgado e 25% consumiam biscoito recheado, doces ou guloseimas [5].

Um outro estudo semelhante foi realizado com o objetivo de avaliar o consumo de ultraprocessados em crianças de 6 a 23 meses, no período de 2015 a 2021, na cidade de Bom Despacho, Minas Gerais. Notou-se que o consumo de hambúrguer e/ou embutidos chegou a 25% em 2015 e 2018. Em 2016, 2017 e 2019, o consumo ficou entre 15 e 20%. Em relação ao consumo de bebidas adoçadas, as porcentagens ficaram bem próximas entre os anos avaliados, atingindo a média de 25% – sendo estes os mais consumidos quando comparadas as médias de consumo de todos os alimentos ultraprocessados analisados. Nesse mesmo estudo, foi observada uma redução no consumo ultraprocessados em geral nos anos de 2020 e 2021. No entanto, os autores também destacam que esses alimentos não deveriam ser consumidos em nenhuma quantidade, especialmente antes dos dois anos de vida [6].

Na mesma linha de pesquisa, no ano de 2022 foi realizado um estudo que constatou que o ultraprocessado mais consumido no Brasil entre crianças de 6 a 23 meses são as bebidas adoçadas. Os autores também reforçam que as bebidas adoçadas são ricas em calorias e apresentam um valor nutricional reduzido. E como o consumo destas bebidas não traz saciedade, é comum que o consumo seja alto, aumentando as calorias ingeridas e gerando assim, um possível excesso de peso [7].

Alguns autores apontam que alimentos ultraprocessados, quando são introduzidos na infância, reduzem a proteção imunológica e podem desencadear processos alérgicos, dificultando a digestão e a absorção de nutrientes, prejudicando, assim, o crescimento e o desenvolvimento da criança [2].

Na pesquisa realizada na cidade de Bom Despacho, Minas Gerais, foi constatado que apesar de a maioria das crianças apresentarem IMC dentro da normalidade, os dados mostram valores acima de 30% para peso elevado na maioria dos anos [6].

No estudo feito em 2019, para elaborar o Atlas da Obesidade Infantil no Brasil, foi possível notar que 18,9% das crianças abaixo de 2 anos possuem excesso de peso, sendo 120 mil crianças com obesidade e 168 mil crianças com sobrepeso. Neste mesmo estudo, ao analisar crianças menores de 6 meses de vida, apenas 54% estavam em aleitamento materno exclusivo [8]. A recomendação atual, segundo a OMS, é que a criança seja amamentada já na primeira hora de vida e por 2 anos ou mais. Nos primeiros 6 meses, a recomendação é que ela receba somente leite materno.

Sendo assim, os resultados obtidos revelaram a importância de uma abordagem nutricional adequada nessa faixa etária crucial do desenvolvimento infantil.

Conclusão

Embora o estudo tenha fornecido informações sobre o estado nutricional e o consumo alimentar de crianças em creches, é importante reconhecer algumas limitações. Primeiramente, o tamanho da amostra pode ser considerado relativamente pequeno, o que pode restringir a generalização dos resultados para uma população maior de crianças. Além disso, a amostra foi coletada exclusivamente de creches específicas, o que pode limitar a representatividade dos resultados para outras populações infantis.

O estudo também pode ter sido suscetível a viés de seleção, pois as crianças e as creches participantes foram selecionadas de forma não aleatória. Ademais, podem ter ocorrido erros de medição na avaliação do estado nutricional e no registro do consumo alimentar, afetando a precisão dos resultados.

Por fim, o estudo pode ter sido afetado por limitações metodológicas, como falta de padronização na coleta de dados ou na aplicação de instrumentos de avaliação.

O consumo de alimentos ultraprocessados está presente na alimentação das crianças menores de dois anos, sejam elas alunas de creches públicas, privadas ou filantrópica. Conclui-se que é de fundamental importância envolver pais, profissionais de saúde, escolas e comunidade na conscientização sobre a importância da alimentação adequada nessa fase da vida. Também sugere-se maior incentivo por parte do governo em relação a alimentação infantil, por meio de políticas públicas.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse de qualquer natureza.

Fontes de financiamento

Financiamento próprio.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: DAMÁZIO LS, DAROLT JD, CANCELIER SJ; Análise e interpretação dos dados: DAMÁZIO LS, DAROLT JD, CANCELIER SJ; Redação do manuscrito: DAMÁZIO LS, DAROLT JD, CANCELIER SJ; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: DAMÁZIO LS.

Referências

1. Brasil. Ministério da Saúde. Guia alimentar para a população brasileira. Brasília; 2014.

2. Lopes WC, Pinho LD, Caldeira AP, Lessa AC. Consumption of ultra-processed foods by children under 24 months of age and associated factors. Rev Paul Pediatr. 2020;38:1-8.

3. Beserra JB, Soares NIDS, Marreiros CS, Carvalho CMRG, Martins MCC, Freitas BJSA, et al. Crianças e adolescentes que consomem alimentos ultraprocessados possuem pior perfil lipídico? Uma revisão sistemática. Ciênc Saúde Colet. 2020;25(12):4979-4989.

4. Sombra PV, Sampaio RMM, Silva FR, Pinto FJM. Alimentação complementar e ingestão de alimentos industrializados em crianças menores de três anos. Saúde Desenvolv Hum. 2017;5(3):45-51.

5. Ferreira RMM. Análise do consumo de alimentos industrializados durante a infância e elaboração de material para educação alimentar e nutricional [dissertação]. Rio Verde: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano; 2021. 143 f.

6. Silva CC, Chaves GC, Silva JLN, Carvalho R, Gomes APS. Consumo de alimentos ultraprocessados por crianças menores de dois anos no município de Bom Despacho, MG [Trabalho de Conclusão de Curso]. Bom Despacho: Centro Universitário Una de Bom Despacho; 2022. 14 f.

7. Lucena N, Silva R, Bezerra M, Oliveira G. Marcadores do consumo de alimentos ultraprocessados em crianças. Rev Ciênc Plur. 2022;8(2):1-18.

8. Brasil. Ministério da Saúde. Atlas da obesidade infantil no Brasil. Brasília; 2019.