ARTIGO ORIGINAL
A avaliação do estado nutricional e fatores associados a desnutrição em crianças com câncer da Casa de Maria
Evaluation of nutritional status and factors associated with malnutrition in children with cancer at Casa de Maria
Isadora Maria Morais Pires1, Stephany Luiza de Sousa Passos1, Daniele Rodrigues Carvalho Caldas1
1Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA), Teresina, PI, Brasil
Recebido em: 17 de Junho de 2025; Aceito em: 26 de Agosto de 2025.
Correspondência: Daniele Rodrigues Carvalho Caldas, danielerccaldastrabalho@gmail.com
Como citar
Pires IMM, Passos SLS, Caldas DRC. A avaliação do estado nutricional e fatores associados a desnutrição em crianças com câncer da casa de maria. Nutr Bras. 2025;24(3):1548-1559. doi:10.62827/nb.v24i3.3069
Introdução: O câncer infantil, ao comprometer o metabolismo e a ingestão alimentar, associa-se frequentemente ao risco de desnutrição, agravado por fatores sociais e pelos efeitos adversos do tratamento oncológico. Objetivo: Avaliou-se o estado nutricional e identificou-se fatores associados à desnutrição em crianças e adolescentes com câncer atendidos por uma instituição de apoio em Teresina–PI. Métodos: Estudo transversal com 20 participantes entre 2 e 18 anos. Coletaram-se dados sociodemográficos, antropométricos (peso, estatura, Índice de Massa Corporal, circunferência corporal), alimentares (recordatório de 24h e questionário comportamental) e de ingestão de macro e micronutrientes. Resultados: A maioria apresentou estado nutricional eutrófico, embora 14,3% (1) das meninas estivessem com baixo peso. Verificou-se alta prevalência de aversão alimentar 85% (17) e ingestão insuficiente de vitamina A 34,92% (7) da recomendação), enquanto o consumo de zinco ultrapassou os limites adequados 180% (20). A ingestão calórica apresentava desequilíbrio, com baixa proporção de carboidratos e consumo elevado de proteínas e lipídios. Conclusão: A presença de uma nutricionista atuante na instituição foi essencial para manter o estado nutricional adequado, apesar das adversidades clínicas e sociais. Os resultados evidenciam a importância de intervenções nutricionais individualizadas e continuadas para otimizar a resposta terapêutica e a qualidade de vida desses pacientes.
Palavras-chave: Sobreviventes ao Câncer; Estado Nutricional; Desnutrição; Avaliação Nutricional; Saúde da Criança.
Introduction: Childhood cancer, by compromising metabolism and food intake, is often associated with the risk of malnutrition, aggravated by social factors and the adverse effects of cancer treatment. Objective: The nutritional status was assessed and factors associated with malnutrition were identified in children and adolescents with cancer treated at a support institution in Teresina, Piauí. Methods: Cross-sectional study with 20 participants aged 2 to 18 years. Sociodemographic, anthropometric (weight, height, Body Mass Index, body circumference), dietary (24-hour recall and behavioral questionnaire), and macro and micronutrient intake data were collected. Results: The majority presented a normal nutritional status, although 14.3% (1) of the girls were underweight. There was a high prevalence of food aversion 85% (17) and insufficient vitamin A intake 34.92% (7) of the recommended intake), while zinc consumption exceeded the adequate limits 180% (20). Caloric intake was unbalanced, with a low proportion of carbohydrates and high consumption of proteins and lipids. Conclusion: The presence of a nutritionist working at the institution was essential to maintain adequate nutritional status, despite clinical and social adversities. The results highlight the importance of individualized and continuous nutritional interventions to optimize the therapeutic response and quality of life of these patients.
Keywords: Cancer Survivors; Nutritional Status; Malnutrition; Nutritional Assessment; Child Heatlh.
O câncer infantojuvenil geralmente é embrionário e crescimento descontrolado de células anormais, geralmente afeta o sistema sanguíneo e os tecidos de sustentação e pode ocorrer em qualquer local do corpo. Diante desse cenário, estimou-se 7.930 novos casos da doença em crianças e adolescentes até os 19 anos de idade, no Brasil. Sendo os tipos mais recorrentes na população infantojuvenil os que atingem os glóbulos brancos (como as leucemias), que correspondem a 28%, os tumores do sistema nervoso central 26% e os linfomas com 8% [1].
Uma infinidade de causas está diretamente associada ao câncer infantil e, em certos tipos histológicos, a suscetibilidade genética desempenha um papel significativo. Vários fatores contribuem para essa correlação, entre os fatores de risco estão familiares acometidos por retinoblastoma, síndromes genéticas, exposição a radiações ionizantes e não ionizantes, uso de drogas citotóxicas como ciclofosfamida e etoposídeo, além do vírus Epstein-Barr, entre vários outros fatores [2].
O estado nutricional está relacionado com o desenvolvimento, tratamento e recuperação de patologias, e para isso o estado nutricional é avaliado através de diferentes métodos e técnicas para melhor identificar o estado nutricional e desenvolver planos nutricionais e de tratamento.
Para as crianças, as medidas antropométricas incluem peso, altura, perímetro branquial, perímetro cefálico, perímetro torácico, perímetro abdominal, dobras cutâneas, algumas relações entre proporções corporais (SS/SI, envergadura/altura), indicadores (altura/idade, peso/idade, peso /altura, relação cintura-quadril), IMC, escores de peso/idade e altura/idade e alguns percentis. Ao avaliar o EN de um paciente, o nutricionista deve seguir os critérios mais adequados à situação de cada paciente [3].
Sabe-se que o estado nutricional é um fator de extrema importância para a recuperação do paciente e que os efeitos adversos do tratamento e o fator psicológico influência de modo direto. Portanto, é imprescindível uma avaliação nutricional adequada e precisa, a fim de estabelecer um plano terapêutico eficaz a criança em tratamento oncológico. Sendo assim, pesquisas que avaliam os fatores associados ao desenvolvimento da desnutrição nesse público são importantes, pois visam contribuir com a melhora na qualidade de vida e possibilitam a construção de condutas nutricionais mais adequadas a essa população. Ainda sobre esse aspecto, a perda de peso rápida e quadros de depleção nutricional deixa o organismo vulnerável aumentando dessa maneira a morbidade.
Avaliou-se, o estado nutricional, antropométrico e entender os fatores associados a desnutrição em crianças e adolescentes com câncer do Lar de Maria em Teresina-PI.
Este é um estudo do tipo transversal, realizado na Casa de Maria, uma instituição de apoio a crianças com câncer localizada em Teresina, no estado do Piauí, Nordeste do Brasil. A população do estudo foi composta por 20 crianças e adolescentes residentes na casa de apoio durante o período da pesquisa.
Foram incluídas no estudo crianças com idade entre 2 e 18 anos, que frequentavam regularmente a Casa de Maria, possuíam diagnóstico clínico confirmado de câncer, estavam em tratamento oncológico e cujos responsáveis legais assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Também foi obtido o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) das crianças que concordaram em participar. Foram excluídas da pesquisa as crianças que não possuíam diagnóstico de câncer, aquelas com comprometimento cognitivo severo que impossibilitava o entendimento das orientações e o seguimento das etapas do estudo, bem como aquelas cujos responsáveis não aceitaram participar.
A coleta de dados ocorreu após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA). Inicialmente, foi realizada uma reunião com os responsáveis das crianças para apresentação dos objetivos, procedimentos e esclarecimentos sobre a pesquisa, bem como para a assinatura do TCLE e do TALE.
Os dados coletados incluíram informações sociodemográficas (idade, sexo, renda familiar, moradia e localidade) e informações clínicas (tipo de câncer e tipo de tratamento realizado). Foram realizadas avaliações antropométricas, incluindo aferição de peso e estatura, utilizando balança digital da marca Omron, com capacidade máxima de 150 kg e precisão de 100g, e estadiômetro acoplado. Também foram aferidas as medidas de circunferência do pescoço, cintura e quadril. Com esses dados, foi calculado o Índice de Massa Corporal (IMC), além da classificação dos indicadores de IMC para idade (IMC/I) e estatura para idade (E/I), de acordo com os padrões e curvas de crescimento da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Além disso, foi aplicado um recordatório alimentar de 24 horas, registrado na ficha de coleta, com o objetivo de identificar o consumo alimentar habitual dos participantes, bem como possíveis aversões alimentares, hábitos e comportamentos relacionados à alimentação e ingestão hídrica.
O presente estudo seguiu todos os princípios éticos recomendados, estando aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFSA, sob o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 66059222.7.0000.5602. As informações obtidas foram registradas de forma anônima, utilizando códigos numéricos para garantir a privacidade e o sigilo dos participantes.
Para a análise dos dados, as informações foram codificadas e transcritas em um banco de dados elaborado no programa Microsoft Excel 2016, onde foram realizadas análises descritivas, com cálculo de frequências absolutas e relativas, além de medidas de tendência central, como média e desvio padrão, quando aplicável.
Como apresentado na tabela 1, amostra da pesquisa foi composta por 20 crianças e adolescentes, com idades entre 2 e 18 anos, predominando o sexo masculino (65%). Observou-se que a maior parte das famílias (85%) apresentava renda mensal de até um salário-mínimo, residindo majoritariamente em imóveis próprios (70%) e em áreas urbanas (95%). Quanto à escolaridade dos responsáveis, 60% possuíam apenas o ensino fundamental completo. Do ponto de vista clínico, a leucemia foi o tipo de câncer mais prevalente (55%), seguida por outras neoplasias como linfoma de Hodgkin, tumor de fígado e tumores do sistema nervoso central. A quimioterapia constituiu o tratamento predominante (65%), sendo associada, em menor escala, à radioterapia e ao uso de medicamentos orais.
Tabela 1 – Caracterização dos participantes da pesquisa
|
VARIÁVEL |
Nº |
% |
|
SEXO |
||
|
Feminino Masculino |
7 13 |
35 65 |
|
IDADE |
||
|
0 a 5 6 a 12 13 a 18 |
11 3 6 |
55 15 30 |
|
RENDA FAMILIAR |
||
|
Até um salário-mínimo Maior que um salário-mínimo |
17 3 |
85 15 |
|
MORADIA |
||
|
Alugada Própria Cedida |
2 14 4 |
10 70 20 |
|
LOCALIDADE |
||
|
Zona Rural Zona Urbana |
1 19 |
5 95 |
|
ESCOLARIDADE |
||
|
Analfabeto Ensino Fundamental Incompleto Ensino Fundamental Completo Ensino Médio Incompleto Ensino Médio Completo Ensino Superior Incompleto Ensino Superior Completo |
- 8 12 - - - - |
- 40 60 - - - - |
|
TIPOS DE CÂNCER |
||
|
Leucemia Medula Óssea Linfoma de Hodgkin Tumor Wilson Fígado Cérebro Pescoço Tórax |
11 2 1 1 1 2 1 1 |
55 10 5 5 5 10 5 5 |
|
TIPOS DE TRATAMENTO |
||
|
Quimioterápico Radioterápico Quimioterapia e radioterapia Comprimidos Acompanhamento controle |
13 1 2 3 1 |
65 5 10 15 5 |
Fonte: Dados da pesquisa, 2025.
No quadro 1, relacionado ao estado nutricional, os indicadores antropométricos demonstraram que a maioria dos participantes estavam dentro do estado nutricional de eutrofia, tanto pelo IMC quanto pelos índices peso/idade. Contudo, 14,3% das meninas apresentaram baixo peso.
Quadro 1 – Estado nutricional
|
VARIÁVEL |
SEXO |
|||
|
IMC |
MASCULINO |
FEMININO |
||
|
Nº |
% |
Nº |
% |
|
|
Baixo Peso |
- |
- |
1 |
14,3 |
|
Estrófico |
10 |
76,9 |
4 |
57,1 |
|
Excesso de Peso |
3 |
23,1 |
2 |
28,6 |
|
P/I |
||||
|
Baixo Peso |
- |
- |
1 |
14,3 |
|
Adequado |
10 |
76,9 |
4 |
57,1 |
|
Excesso de Peso |
3 |
23,1 |
2 |
28,6 |
|
E/I |
||||
|
Baixa estatura |
- |
- |
- |
- |
|
Adequado |
13 |
100 |
7 |
100 |
Fonte: Dados da pesquisa, 2025.
Na avaliação do comportamento alimentar, 85% relataram aversão a alimentos, 45% realizavam refeições diante de dispositivos eletrônicos e apenas 55% manifestaram bom apetite. Quanto aos hábitos alimentares, observou-se consumo reduzido de alimentos ultraprocessados, como refrigerantes, biscoitos recheados, bombons, salgadinhos e macarrão instantâneo, enquanto a ingestão hídrica foi classificada como normal em 70% dos casos, conforme a tabela 2.
Tabela 2 – Alimentação das crianças que participaram da pesquisa
|
VARIÁVEIS |
Nº |
% |
|
COME BRINCANDO |
||
|
Sim Não Às vezes Nunca |
1 19 - - |
5 95 - - |
|
COME ASSISTINDO |
||
|
Sim Não Às vezes Nunca |
7 9 4 - |
35 45 20 - |
|
COME BEBENDO |
||
|
Sim Não Às vezes Nunca |
8 12 - - |
40 60 - - |
|
MASTIGA RÁPIDO |
||
|
Sim Não Às vezes Nunca |
3 10 7 - |
15 50 35 - |
|
AVERSÃO ALIMENTAR |
||
|
Sim Não Às vezes Nunca |
17 3 - - |
85 15 - - |
|
PREFERÊNCIA ALIMENTAR |
||
|
Sim Não Às vezes Nunca |
14 6 - - |
75 25 - - |
|
INTOLERÂNCIA ALIMENTAR |
||
|
Sim Não Às vezes Nunca |
- 20 - - |
- 100 - - |
|
BOM APETITE |
||
|
Sim Não Às vezes Nunca |
10 6 4 - |
55 25 20 - |
|
INGESTÃO HÍDRICA |
||
|
Normal Regular Insuficiente |
15 4 1 |
70 25 5 |
|
FUNCIONAMENTO DO INTESTINO |
||
|
Normal Irregular |
17 3 |
85 15 |
|
CONSOME SALGADINHO |
||
|
Sim Não Às vezes Nunca |
- 17 3 - |
- 85 15 - |
|
CONSOME BISCOITO RECHEADO |
||
|
Sim Não Às vezes Nunca |
- 17 3 - |
- 85 15 - |
|
CONSOME REFRIGERANTES |
||
|
Sim Não Às vezes Nunca |
- 19 1 - |
- 95 5 - |
|
CONSOME BOMBONS |
||
|
Sim Não Às vezes Nunca |
1 15 4 - |
5 70 25 - |
|
CONSOME MACARRÃO INSTANTÂNEO |
||
|
Sim Não Às vezes Nunca |
- 20 - - |
- 100 - - |
Fonte: Dados da pesquisa, 2025.
No quadro 2, apresenta a relação à ingestão de macronutrientes, observou-se que o percentual médio de carboidratos (45,56%) esteve abaixo das recomendações, enquanto o consumo de proteínas (21,32%) e lipídios (32,58%) superou os valores recomendados pelas DRIs. A ingestão proteica, em gramas por quilo de peso, esteve dentro ou acima da faixa desejável (1,5–2,0 g/kg/dia).
Quadro 2 – Ingestão de macronutrientes
|
NUTRIENTE |
RECOMENDAÇÃO (%) |
MÉDIA ± DESVIO PADRÃO (%) |
|
CHO |
50 – 60 |
45,56 ± 5,48 |
|
PTN LIP |
10 – 15 20 - 30 |
21,32 ± 4,72 32,58 ± 10,61 |
Fonte: Dados da pesquisa, 2025.
Na análise dos micronutrientes, a ingestão de vitamina A foi substancialmente inferior à recomendação (178,49 mcg/dia, correspondente a 34,92%), enquanto o consumo de zinco ultrapassou a faixa adequada, com média de 11,39 mg/dia (aproximadamente 180% da recomendação).
Quadro 3 – Ingestão e adequação do consumo de micronutrientes
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NUTRIENTE |
CONSUMO MÉDIO DIÁRIO/MEDIANA |
% ADEQUAÇÃO |
|
Zinco (mg) |
11,39 ± 5,59 |
180,09 (193,00) |
|
Vitamina A (mcg) |
178,49 ± 98,56 |
34,92 (33,42) |
Fonte: Dados da pesquisa, 2025.
A análise da amostra evidenciou um cenário de vulnerabilidade socioeconômica relevante, com a maioria das famílias vivendo com até um salário-mínimo e os responsáveis apresentando baixa escolaridade. Esse perfil impacta diretamente na segurança alimentar e na adesão às orientações nutricionais, conforme apontado pelo Consenso Nacional de Nutrição Oncológica [4], que destaca a correlação entre condições socioeconômicas precárias e maior risco de desnutrição em crianças com câncer.
A predominância de leucemia como diagnóstico oncológico entre os participantes está em conformidade com dados do Instituto Nacional de Câncer [5], que apontam essa neoplasia como a mais incidente em crianças e adolescentes no Brasil. A quimioterapia, tratamento predominante entre os avaliados, está frequentemente associada a efeitos colaterais que afetam negativamente o estado nutricional, como náuseas, vômitos, alterações do paladar e perda de apetite [6;7].
Ainda que os resultados antropométricos indiquem prevalência de eutrofia, é importante considerar que essa condição pode ser reflexo da atuação direta e contínua da nutricionista da instituição. Intervenções precoces e individualizadas são fundamentais para a manutenção do estado nutricional durante o tratamento oncológico [8;9]. Entretanto, o achado de baixo peso em 14,3% das meninas sugere a necessidade de maior atenção individualizada, visto que alguns estudos relatam maior vulnerabilidade nutricional entre o sexo feminino durante tratamentos prolongados [10].
O comportamento alimentar observado reforça o impacto do tratamento oncológico na dinâmica alimentar dessas crianças. A alta prevalência de aversão alimentar (85%) pode estar relacionada aos efeitos adversos da quimioterapia sobre os sentidos do paladar e olfato, o que compromete a aceitação de alimentos e a variedade da dieta [7]. O hábito de se alimentar diante de telas, relatado por 45% dos participantes, está associado a menor percepção de saciedade e maior risco de ingestão inadequada de nutrientes [11].
Apesar dessas limitações comportamentais, o consumo de ultraprocessados foi baixo entre os participantes, o que pode refletir tanto restrições socioeconômicas quanto orientações nutricionais bem conduzidas na instituição. O consumo hídrico adequado também é um ponto positivo, essencial para a função renal, digestiva e imunológica dos pacientes em tratamento.
Em relação à ingestão de macronutrientes, a média de carboidratos (45,56%) ficou abaixo do recomendado pelas Dietary Reference Intakes [12], o que pode comprometer o fornecimento energético necessário ao organismo durante a terapia oncológica. Já a ingestão elevada de proteínas (21,32%) e lipídios (32,58%) pode refletir tanto a aceitação seletiva de alimentos quanto estratégias nutricionais para manutenção da massa magra. Contudo, o consumo acima da faixa ideal, especialmente de gorduras, deve ser acompanhado, pois pode aumentar o risco de complicações metabólicas [13].
Quanto aos micronutrientes, a deficiência de vitamina A identificada é preocupante, considerando seu papel na manutenção da imunidade e da integridade epitelial. Estudos, já haviam relatado níveis inadequados desse micronutriente em pacientes oncológicos pediátricos, reforçando a vulnerabilidade dessa população [14]. Por outro lado, o excesso de ingestão de zinco, com adequação de aproximadamente 180% da recomendação, pode representar risco de toxicidade, além de interferir na absorção de outros minerais, como o cobre [15;16].
A coexistência de deficiência de vitamina A e excesso de zinco ilustra um padrão alimentar desequilibrado, possivelmente influenciado por seletividade alimentar, uso não monitorado de suplementos e limitação no acesso a uma dieta variada. Este achado reforça a necessidade de acompanhamento nutricional contínuo e personalizado, com ênfase não apenas na quantidade, mas na qualidade da ingestão alimentar [17;18].
Assim, os dados desta pesquisa corroboram a literatura ao evidenciar que o estado nutricional de crianças com câncer é influenciado por múltiplos fatores – clínicos, comportamentais e socioeconômicos. A presença de um profissional nutricionista na instituição se mostra fundamental para prevenir e manejar alterações nutricionais, promovendo o cuidado integral e contribuindo diretamente para melhores desfechos terapêuticos.
A alta prevalência de aversões alimentares, preferências restritivas e alterações na ingestão de macro e micronutrientes observadas entre os participantes indica a urgência de estratégias nutricionais individualizadas e continuadas. Estas devem considerar não apenas os parâmetros clínicos e antropométricos, mas também o contexto psicossocial em que essas crianças estão inseridas.
Nesse sentido, o estudo contribui de maneira significativa ao demonstrar que a intervenção nutricional precoce, embasada em diagnósticos precisos e acompanhamento contínuo, pode favorecer a manutenção do estado nutricional adequado e, consequentemente, melhorar a resposta ao tratamento, a qualidade de vida e o prognóstico desses pacientes.
Esse estudo permitiu uma compreensão aprofundada sobre a realidade nutricional de crianças em tratamento oncológico, apresenta a relevância da avaliação do estado nutricional como ferramenta essencial na condução do cuidado clínico e humanizado. Os achados reforçam que, além do impacto fisiológico da própria doença e das terapias antineoplásicas, fatores sociais, econômicos e comportamentais também exercem influência significativa sobre o estado nutricional desse público.
Ressalta-se, a importância da continuidade de estudos que explorem a intersecção entre oncologia pediátrica e nutrição, a fim de subsidiar práticas profissionais mais sensíveis, assertivas e alinhadas às reais necessidades dessa população tão vulnerável. Investir em cuidados nutricionais é investir em esperança, dignidade e melhores desfechos terapêuticos.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
Fonte de financiamento
Esta pesquisa possui financiamento da instituição Centro Universitário Santo Agostinho, realizada por meio do PIBIC.
Contribuição dos autores
Concepção e desenho da pesquisa: Pires IMM, Passos SLS, Caldas DRC; Obtenção de dados: Pires IMM, Passos SLS; Análise e interpretação dos dados: Pires IMM, Passos SLS, Caldas DRC; Redação do manuscrito: Pires IMM, Passos SLS; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Caldas DRC.
Referências
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