ARTIGO ORIGINAL
Conhecimento sobre rotulagem nutricional por profissionais da atenção primária à saúde de um município do Sul Catarinense
Knowledge about nutritional labeling by primary health care professionals in a municipality in southern Santa Catarina
Gabrielle de Jesus Milak1, Paula Rosane Vieira Guimarães1, Alessandra Zanette Ghisi Frassetto1, Marco Antônio da Silva1
1Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), Criciúma, SC, Brasil
Recebido em: 15 de Maio de 2025; Aceito em: 23 de Maio de 2025.
Correspondência: Paula Rosane Vieira Guimarães, paulag@unesc.net
Como citar
Milak GJ, Guimarães PRV, Frassetto AZG, Silva MA. Conhecimento sobre rotulagem nutricional por profissionais da atenção primária à saúde de um município do Sul Catarinense. Nutr Bras. 2025;24(2):1394-1406 doi:10.62827/nb.v24i2.3060
Introdução: Rotulagem nutricional refere-se às informações constantes no rótulo de alimentos embalados e comercializados para orientar os consumidores sobre a composição nutricional de um alimento ou produto alimentício, incluindo a quantificação do valor energético e dos principais nutrientes presentes no produto, bem como da adição de açucares e da presença de sódio e gorduras saturadas. Objetivo: Avaliou-se o conhecimento de profissionais de Unidades Básicas de Saúde de um município do Sul Catarinense sobre a nova rotulagem nutricional. Métodos: Pesquisa descritiva, transversal e quantitativa com amostra intencional de 30 colaboradores cadastrados na Secretaria Municipal de Saúde com dados obtidos por meio de um questionário virtual. Resultados: Dos participantes, 86,7% (26) eram mulheres, 50% solteiros, 40% (12) recebiam mais de cinco salários-mínimos. Tinham o hábito de ler rótulos antes da compra 70% (21) e relataram compreender as informações nutricionais 86,7% (26), embora apenas 17,2% (5) afirmaram orientar sempre os pacientes sobre o tema. Perceberam as mudanças implementadas na nova rotulagem 80% (24), tinham condições de saúde que exigiam dietas específicas 33,3% (10) e 70% (21) confiam nas informações declaradas nos produtos. Os profissionais destacam a relevância da rotulagem frontal para identificar nutrientes críticos como sódio, açúcar e gordura saturada, principalmente para consumidores com restrições alimentares. Conclusão: Apesar do reconhecimento da importância da rotulagem na educação alimentar, existe a necessidade de capacitações contínuas para aprimorar a abordagem prática desses profissionais, especialmente na Atenção Primária à Saúde (APS), reforça-se a relevância do nutricionista nesse contexto, evidenciando a necessidade de sua ampliação na APS para promover escolhas alimentares mais conscientes e eficazes.
Palavras-chave: Rotulagem Nutricional; Unidade Básica de Saúde; Atenção Primária à Saúde.
Introduction: Nutritional labeling refers to the information on the label of packaged and marketed foods to guide consumers about the nutritional composition of a food or food product, including the quantification of the energy value and main nutrients present in the product, as well as the addition of sugars and the presence of sodium and saturated fats. Objective: The knowledge of professionals from Basic Health Units in a municipality in the South of Santa Catarina about the new nutritional labeling was evaluated. Methods: This was a descriptive, cross-sectional, and quantitative study with a purposive sample of 30 professionals registered with the Municipal Health Department. Data were collected through an online questionnaire. Results: Among the participants, 86.7% (26) were women, 50% were single, and 40% (12) reported earning more than five minimum wages. A total of 70% (21) reported having the habit of reading food labels before purchasing, and 86.7% (26) stated they understood the nutritional information. However, only 17.2% (5) reported consistently advising patients on the topic. A total of 80% (24) noticed the changes implemented in the new labeling system, 33.3% (10) had health conditions requiring specific diets, and 70% (21) trusted the information provided on product labels. The professionals emphasized the importance of front-of-package labeling in identifying critical nutrients such as sodium, sugar, and saturated fat, particularly for consumers with dietary restrictions. Conclusion: Despite recognizing the importance of labeling in nutrition education, there is a need for ongoing training to enhance the practical approach of these professionals, especially in Primary Health Care (PHC). The role of the nutritionist is reinforced in this context, highlighting the need to expand their presence in PHC to promote more conscious and effective dietary choices.
Keywords: Food labeling; Health Centers; Primary Health Care.
A rotulagem nutricional constitui um elemento essencial no processo de comunicação entre a indústria de alimentos e os consumidores, fornecendo informações sobre a composição nutricional dos produtos. Esse recurso busca apoiar escolhas alimentares mais conscientes e saudáveis, destacando o valor energético, os principais nutrientes presentes, bem como a adição de açúcares, sódio e gorduras saturadas [1]. Regulamentada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), a rotulagem nutricional passou por diversas atualizações desde sua obrigatoriedade em 2001, alinhando-se às diretrizes internacionais da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Codex Alimentarius [2].
A mais recente atualização, conhecida como “nova rotulagem nutricional”, foi implementada em 2020 e trouxe mudanças significativas, como a obrigatoriedade da rotulagem frontal (figura 1). Esse modelo, representado por uma lupa com o aviso “alto em”, tem como objetivo facilitar a identificação de nutrientes críticos, como sódio, açúcar e gorduras saturadas, auxiliando consumidores a reconhecer produtos potencialmente prejudiciais à saúde [2,3].

Fonte: Anvisa, 2022.
Figura 1- Modelos de rotulagem frontal
No contexto da saúde pública, a rotulagem nutricional se insere como uma ferramenta relevante na prevenção de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), que são responsáveis por cerca de 70% das mortes globais e 74% das mortes no Brasil, com destaque para doenças cardiovasculares, câncer e diabetes [4,1]. Para enfrentar esse desafio, o Ministério da Saúde estabeleceu metas estratégicas no Plano de Ações 2021-2030, incluindo a promoção de uma alimentação adequada e saudável, a redução do consumo de alimentos ultraprocessados e o fortalecimento da Educação Alimentar e Nutricional (EAN) [5,6]
A Atenção Primária à Saúde (APS), principal porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS), desempenha um papel fundamental nesse processo, sendo o espaço onde os profissionais de saúde têm a oportunidade de orientar os usuários sobre escolhas alimentares e a leitura de rótulos. Nesse contexto, a capacitação desses profissionais é essencial para potencializar o impacto da EAN e promover a autonomia dos usuários na tomada de decisões alimentares [7].
Considerando a relevância da rotulagem nutricional como ferramenta educativa e a necessidade de preparo dos profissionais de saúde, este estudo avaliou o conhecimento de profissionais de Unidades Básicas de Saúde de um município do Sul Catarinense sobre a nova rotulagem nutricional, investigando seu uso nas práticas de EAN.
Pesquisa transversal, com amostragem não probabilística intencional e coleta de dados primários a partir de ambiente virtual, que avaliou o conhecimento de profissionais de Unidades Básicas de Saúde de um município do Sul Catarinense sobre a nova rotulagem nutricional de alimentos. A amostra foi constituída por 173 profissionais da área da saúde vinculados à Secretaria de Saúde de um município do Sul Catarinense. O instrumento de coleta de dados incluiu um questionário, elaborado pela autora, contendo variáveis socioeconômicas e sobre o conhecimento de rotulagem nutricional.
Foram incluídos como participantes da pesquisa os profissionais da área da saúde com idade acima de 18 anos, que aceitaram participar da pesquisa, concordaram com os termos do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido da Pesquisa e responderam o formulário de pesquisa. Foram excluídos todos os indivíduos que não atenderam a todos os critérios de inclusão. A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) do município permitiu a realização da pesquisa a partir da assinatura de Carta de Aceite.
O projeto foi submetido à apreciação e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas com seres humanos da UNESC com Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) no. 82023424.2.0000.019 e parecer n. 7.043.644. Por ser uma pesquisa com coleta de dados remoto, o TCLE e o instrumento de coleta de dados foram inseridos em um ambiente virtual, pela plataforma Google Forms, gerando-se um link de acesso. Atendendo a Lei Geral de Proteção de Dados, o link foi encaminhado para Secretaria de Saúde do município e esta enviou o acesso aos profissionais das unidades básicas de saúde (UBSs). Os participantes da pesquisa inicialmente recebiam um convite para participar da pesquisa, com informações essências, como objetivos e variáveis a serem pesquisadas. Ao aceitar participar da pesquisa, visualizava o TCLE e concordando com o termo, tinha acesso ao questionário.
Os dados foram digitados e tabulados utilizando o programa SPSS versão V.21. Estão apresentados em gráficos e/ou tabelas. A análise realizada foi descritiva apresentando frequência absoluta, frequência relativa, média e desvio padrão, quando aplicado.
O estudo foi realizado em um município no sul de Santa Catarina, com população estimada em 17 mil habitantes e economia baseada na agricultura e indústria cerâmica. O município possui 10 Unidades Básicas de Saúde (UBS), que contam com 173 colaboradores, entre médicos, enfermeiros, técnicos e outros profissionais de saúde, garantindo uma ampla cobertura dos serviços de saúde da atenção primária. Dos 173 profissionais convidados, 30 (17,3%) participaram. Na tabela 1 observou-se maioria do sexo feminino 86,7% (26), adultos (100%), solteiros 50% (15) ou casados 46,7% (14), com predominância de graduação completa 43,3% (13). Em relação à renda, 40% (12) recebiam acima de cinco salários mínimos, e 53,3% (16) destinavam entre 20% a 40% da renda à compra de alimentos, sendo que 60% (18) eram responsáveis por essa tarefa.
Tabela 1 - Características socioeconômicas da população estudada em um município do Sul Catarinense
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Variáveis |
n = 30 |
(%) |
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Sexo Feminino Masculino |
26 4 |
86,7 13,3 |
|
Número de pessoas no domicílio 1 2 3 4 5 6 |
3 1 10 12 3 1 |
9,9% 3,3% 33,3% 40% 10% 3,3% |
|
Estado Civil Solteiro Casado União Estável Divorciado Viúvo |
15 14 1 - - |
50 46,7 3,3 - - |
|
Escolaridade Ensino médio/Técnico incompleto ou em andamento Superior Incompleto/Andamento Superior Completo Mestrado ou Especialização Doutorado ou Pós-Doutorado |
6 6 13 4 1 |
20 20 43,3 13,3 3,3 |
|
Renda Familiar (salário mínimo) Até 1 Entre 1 e 2 Entre 2 e 3 Entre 3 e 4 Entre 4 e 5 Acima de 5 |
2 7 5 4 12 |
6,7 23,3 16,7 13,3 40 |
|
% da renda destinado à compra de alimentos Até 20% Entre 20% e 40% Entre 40% e 60% Entre 60% e 80% Acima de 80% |
3 16 10 1 - |
10 53,3 33,3 3,3 - |
|
Responsável pela compra dos alimentos Sim Não |
18 12 |
60 40 |
Fonte: Elaborado pela autora (2024), Criciúma, SC.
Quanto a compreensão e hábito de leitura da rotulagem nutricional, na tabela 2 70% (21) relataram ler os rótulos dos alimentos regularmente antes da compra, e 93,3% (28) reconheceram a importância dessa prática para escolhas alimentares.
Tabela 2 - Hábito de leitura, importância e entendimento de rótulos alimentares por profissionais da atenção primária à saúde de um município do Sul Catarinense
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Variáveis |
n = 30 |
(%) |
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Costuma ler o rótulo dos alimentos antes de comprar? |
||
|
Sim |
21 |
70 |
|
Não |
9 |
30 |
|
Considera a leitura dos rótulos dos alimentos importante para a escolha dos produtos alimentícios? |
||
|
Sim |
28 |
93,3 |
|
Não |
2 |
6,7 |
|
Entende as informações presentes nos rótulos dos alimentos? |
||
|
Sim |
26 |
86,7 |
|
Não |
4 |
13,3 |
Fonte: Elaborado pelos autores (2024), Criciúma, SC.
Com as atualizações da RDC 429/2020 e IN 75/2020, 80% (24) dos participantes perceberam mudanças nos rótulos, como a inclusão da rotulagem frontal e a padronização da tabela nutricional. Essas alterações foram avaliadas positivamente por facilitarem a identificação de nutrientes críticos, como açúcares adicionados, gorduras saturadas e sódio. O gráfico 1 reforça essa percepção e no gráfico 2, 86,7% (26) relataram já ter deixado de comprar produtos devido às informações nos rótulos, demonstrando que as novas regras têm potencial para influenciar escolhas alimentares mais conscientes.
Gráfico 1 - Percepção das mudanças dos rótulos.

Gráfico 2 - Influência do rótulo na compra de alimentos

Fonte: Elaborado pelos autores (2024). Fonte: Elaborado pelos autores (2024).
Quanto aos elementos em destaque na nova rotulagem, no gráfico 3, os nutrientes mais observados foram açúcares totais 66,7% (20), sódio 63,3% (19) e gorduras totais e saturadas 56,7% (17). A rotulagem frontal destacou-se para 33,3% (10) dos entrevistados, evidenciando o impacto de alertas como “alto teor de açúcar”. Aspectos visuais, como contraste de cores, foram apontados como relevantes por 3,3% (1) dos participantes, reforçando a importância do design na legibilidade dos rótulos.
Gráfico 3 - Declarações obrigatórias presentes na tabela nutricional consideradas importantes para a manutenção de uma alimentação saudável, segundo os profissionais da atenção primária à saúde de um município do Sul Catarinense

Fonte: Elaborado pelos autores (2024), Criciúma, SC.
Ao serem questionados sobre deixar de comprar algum alimento devido às informações presentes nos rótulos, 86,7% (26) dos participantes afirmaram que já tomaram essa decisão, enquanto 13,3% (4) negaram ter feito isso. Sobre as dificuldades na leitura e compreensão dos rótulos alimentares, os resultados indicam que a maior parte dos profissionais 33,3% (10) considera a letra pequena como o principal fator que dificulta a leitura e interpretação dos rótulos nutricionais.
Tabela 3 - Influência das informações nutricionais no consumo, dificuldades na leitura/interpretação do rótulo, segundo os profissionais da atenção primária à saúde de um município do Sul Catarinense
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Questões |
n=30 |
% |
|
Deixou de comprar algum alimento por causa das informações nos rótulos. |
26 |
86,7 |
|
Não teve dificuldade na leitura/interpretação |
5 |
16,6 |
|
Dificuldades na utilização de termos técnicos |
2 |
6,7 |
|
Dificuldades pela letra pequena |
10 |
33,3 |
|
Informações em excesso |
5 |
16,7 |
|
Contraste de cores dificultava a leitura |
1 |
3,3 |
|
Dificuldade na quantidade por porção |
5 |
16,7 |
Fonte: Elaborado pelos autores (2024), Criciúma, SC.
Quanto a prática de orientação sobre rotulagem na UBS, o gráfico 4, foram 29 respondentes, mostrou que apenas 17,2% (5) dos profissionais afirmaram orientar sempre sobre leitura de rótulos, enquanto 37,9% relataram fazê-lo ocasionalmente.
Gráfico 4 - Frequência de orientação sobre como ler rótulos de alimentos, pelos profissionais da atenção primária à saúde de um município do Sul Catarinense

Fonte: Elaborado pelos autores (2024), Criciúma, SC.
Os resultados obtidos evidenciam aspectos importantes sobre a compreensão e utilização da rotulagem nutricional por profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS). Este estudo é um dos primeiros a analisar o tema em relação à nova rotulagem nutricional e seu papel como ferramenta de Educação Alimentar e Nutricional (EAN), mesmo que essa estratégia já se incorpore de forma indireta na Matriz para Organização dos Cuidados em Alimentação e Nutrição na Atenção Primária à Saúde, do Ministério da Saúde [8].
A predominância feminina em ambos os estudos pode estar relacionada à maior responsabilidade pelas compras de alimentos, como também ao maior interesse na leitura e compreensão de rótulos nutricionais. Esses achados estão alinhados com estudos que indicam que as mulheres costumam assumir maior controle sobre a escolha de alimentos para o lar, o que pode explicar o interesse mais frequente na leitura de rótulos [10,11,12].
Quanto à escolaridade, os profissionais de saúde avaliados possuíam graduação completa, valor que se aproxima dos encontrados em estudo [9] realizado com participantes de feiras de saúde. No entanto, no presente estudo, houve uma maior percentagem de participantes com ensino médio/técnico incompleto ou em andamento , em comparação com os que concluíram o ensino médio no estudo [9] referido acima. Essa diferença pode ser explicada pelo fato de que o presente estudo envolveu profissionais de saúde, que tendem a ter um nível de escolaridade mais elevado, visto que a compreensão sobre rotulagem nutricional varia de acordo com o nível de escolaridade [13].
No que se refere à responsabilidade pela compra de alimentos, o presente estudo declararam ser os principais responsáveis, uma percentagem um pouco menor do que a encontrada no estudo [9] com participantes de feiras de saúde. Essa ligeira variação pode ser atribuída ao perfil demográfico de cada grupo. Contudo, ambos os estudos demonstram que a responsabilidade pela compra de alimentos está fortemente ligada à compreensão da rotulagem nutricional, especialmente entre os indivíduos que possuem maior escolaridade e são os principais responsáveis pelas decisões.
A escolaridade mostrou-se determinante na compreensão da rotulagem, dado este que reforça a associação entre níveis educacionais mais elevados e maior facilidade em interpretar rótulos [13].
A maioria dos participantes afirmaram ter costume de ler os rótulos dos alimentos antes da compra, o que demonstra um bom nível de atenção a esses detalhes no momento da escolha dos produtos. Em comparação, num estudo [14] para avaliar o hábito de leitura e entendimento dos rótulos alimentares, realizado em um supermercado de rede localizado no estado de São Paulo, com 300 indivíduos, apenas 33,6% dos entrevistados relataram ler rótulos de alimentos regularmente, e 35,7% raramente, evidenciando que, ao longo dos anos, a conscientização sobre a importância da leitura de rótulos pode ter aumentado. Entretanto, em outro estudo [15] do mesmo ano realizado em um mercado no estado do Paraná, com participação de 200 consumidores selecionados aleatoriamente, os resultados já mostram que 68,5% afirmaram ter o hábito de ler as informações nutricionais contidas nos rótulos dos alimentos.
Além disso, os participantes do presente estudo consideram importante a leitura dos rótulos para a escolha dos alimentos, o que também se alinha aos achados em um estudo [16] realizado em supermercados e hipermercados na Bahia, em que parcela significativa dos consumidores reconhecia o valor das informações nutricionais, embora relatassem dificuldades na compreensão. Neste estudo, os entrevistados relataram entender as informações presentes nos rótulos, enquanto no estudo [16] anterior destacaram que muitos consumidores enfrentam desafios com termos técnicos e formatação. Esses dados sugerem uma evolução tanto na percepção quanto na compreensão dos rótulos, reforçando que a população atual tem um nível mais elevado de conscientização sobre a rotulagem nutricional.
A RDC 429/2020 [17] e a IN 75/2020 [18] sobre rotulagem nutricional foram implementadas com o objetivo de tornar as informações nos rótulos de alimentos mais acessíveis e fáceis de compreender. Essas normas visam aumentar a transparência, ajudando os consumidores a fazer escolhas alimentares mais conscientes. Entre as mudanças, está a padronização das Tabelas de Informação Nutricional, agora com letras pretas sobre fundo branco, além da inclusão obrigatória de novos itens, como a declaração de açúcares totais e adicionados, e valores energéticos por 100g ou 100ml. Outra novidade foi a rotulagem nutricional frontal, que destaca os nutrientes críticos diretamente na frente das embalagens para facilitar a identificação. Essas alterações visam simplificar a comparação entre produtos e melhorar a compreensão do consumidor [7].
Os participantes da pesquisa tiveram boa percepção das mudanças nos rótulos dos alimentos nos últimos anos, esse resultado sugere que as regulamentações, como a RDC 429/2020 [17] e a IN 75/2020 [18], tiveram um impacto significativo na percepção dos consumidores. A maioria declarou estar atenta às modificações como a rotulagem frontal e o novo formato das tabelas nutricionais.
Essa percepção está diretamente relacionada ao fato dos entrevistados terem o costume de ler os rótulos antes de adquirir os produtos e serem os responsáveis pelas compras de alimentos. Assim, pode-se observar a ligação entre o hábito de leitura de rótulos e a identificação das mudanças recentes. Em contrapartida, os 20% que não notaram alterações podem ter essa percepção limitada pela menor frequência de leitura dos rótulos ou pelo fato de não serem responsáveis pelas compras. Esses resultados reforçam a importância da conscientização sobre as informações nutricionais e o papel da leitura de rótulos para a compreensão das alterações.
O fato dos elementos do rótulo nutricional considerados mais importantes para a manutenção de uma alimentação saudável ter o foco nos açúcares e no sódio reflete as diretrizes nutricionais amplamente aceitas, que recomendam a redução do consumo desses componentes para prevenir doenças crônicas como obesidade, hipertensão e diabetes [19]. Em comparação com um estudo [20] realizado em um Instituto Federal no Sul do país com 79 participantes de 18 a 45 anos, mostrou diferença entre as prioridades dos profissionais de saúde e os hábitos dos consumidores em geral.
Um estudo [11] mostrou que 36,7% dos consumidores raramente observam informações nutricionais nos rótulos, e apenas 20,3% verificam o teor de sódio, o que sugere um baixo nível de conscientização sobre os riscos associados ao consumo excessivo de sódio e açúcares. Essa discrepância destaca a necessidade de políticas educativas que aumentem o entendimento dos consumidores sobre a importância de monitorar esses nutrientes. Por outro lado, elementos como a porção (33,3%) e a fibra alimentar (40%) foram menos mencionados, o que está em consonância com os achados do referido estudo, que também identificaram uma menor atenção a esses aspectos. Embora a fibra alimentar seja amplamente reconhecida por seus benefícios à saúde digestiva e cardiovascular, a baixa prioridade atribuída a ela sugere uma lacuna na valorização desse componente, mesmo entre os profissionais de saúde. Isso pode indicar a necessidade de reforçar a educação sobre os benefícios das fibras na prevenção de doenças crônicas.
A atenção ao valor energético e às proteínas reflete a importância atribuída ao controle calórico e ao equilíbrio proteico na dieta. Além disso, a relevância atribuída às gorduras trans está alinhada com as recomendações de saúde pública, que buscam limitar o consumo desse tipo de gordura devido ao seu impacto negativo sobre o risco de doenças cardiovasculares. Sendo assim, os resultados reforçam a necessidade de rótulos nutricionais que forneçam informações claras e priorizem os nutrientes mais relacionados aos riscos e benefícios para a saúde. Isso pode facilitar o uso dessas informações tanto no aconselhamento nutricional por parte dos profissionais quanto na promoção de escolhas alimentares mais informadas pela população [21].
A orientação de seus pacientes/usuários a respeito da leitura de rótulos nutricionais, mostrou que essa ocorre apenas ocasionalmente. Esses dados indicam que a prática de orientar sobre rótulos ainda não está completamente integrada no atendimento rotineiro das UBS. A variação na frequência de orientação também pode refletir diferenças no conhecimento ou confiança dos profissionais em relação ao tema, ressaltando a importância de capacitações específicas para melhorar a compreensão e a habilidade de transmitir. Segundo o Ministério da Saúde [22,17], a rotulagem nutricional é uma ferramenta essencial de saúde pública, pois facilita a escolha de alimentos mais saudáveis pela população, ao mesmo tempo que promove o conhecimento e a autonomia nas decisões alimentares.
Este estudo se propôs a investigar o conhecimento dos profissionais da Atenção Primária à Saúde sobre a nova rotulagem nutricional, tema ainda pouco explorado na literatura nacional. O trabalho também permite evidenciar lacunas no uso prático da rotulagem nas orientações aos usuários. A compreensão sobre rotulagem por parte dos profissionais de saúde é estratégica, pois atuam como multiplicadores de informação qualificada. Como limitação, tem-se o tamanho reduzido da amostra, o que impede a generalização dos resultados; no entanto, a pesquisa abre caminhos para investigações mais amplas em diferentes contextos. Como potencialidade, destaca-se a contribuição direta para o aprimoramento das políticas de capacitação em EAN e para a valorização do nutricionista no fortalecimento da APS, ampliando o alcance de práticas alimentares saudáveis e conscientes.
Embora a maioria dos profissionais de saúde reconheçam a importância da rotulagem nutricional, ainda enfrentam desafios na compreensão e na aplicação dessas informações na prática clínica. Sendo assim, o fortalecimento de capacitações específicas e a promoção da rotulagem clara e acessível são fundamentais para integrar esse recurso às ações de EAN nas UBSs, com aprimoramento de uma análise crítica dos rótulos alimentares, na qualificação dos profissionais para uma orientação mais eficaz na APS.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse de qualquer natureza.
Fontes de financiamento
Não houve financiamento.
Contribuição dos autores
Concepção e desenho da pesquisa: Milak GJ, Silva MA; Coleta de dados: Milak GJ; Análise e interpretação dos dados: Milak GJ, Silva MA, Guimarães PRV; Redação do manuscrito: Milak GJ; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Frassetto AZG, Silva MA, Guimarães PRV.
Referências
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