Nutr Bras. 2025;24(1):1367–1379
doi:10.62827/nb.v24i1.3058

REVISÃO

Efeitos do consumo de alimentos ultraprocessados na gestação: uma revisão integrativa

Effects of consumption of ultra-processed foods during pregnancy: an integrative review

Paula Letícia Garrido Feitosa1, Daniele Rodrigues Carvalho Caldas1

1Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA), Teresina, PI, Brasil

Recebido em: 8 de abril de 2025; Aceito em: 29 de abril de 2025.

Correspondência: Paula Letícia Garrido Feitosa, paula-garrido09@hotmail.com

Como citar

Feitosa PLG, Caldas DRC. Efeitos do consumo de alimentos ultraprocessados na gestação: uma revisão integrativa. Nutr Bras. 2025;24(1):1367–1379.doi:10.62827/nb.v24i1.3058

Resumo

Introdução: Os padrões de consumo entre gestantes no Brasil acompanham as tendências da transição nutricional. Observa-se, assim, o aumento da ingestão de açúcares e gorduras adicionados, bem como do consumo de doces e alimentos ultraprocessados. Tais padrões alimentares favorecem o surgimento de doenças crônicas não transmissíveis e reduzem a qualidade da dieta (nutricional e alimentar), além de afetarem diretamente a saúde da mãe e do feto. Objetivo: Analisou-se as evidências que abordassem as consequências da presença de alimentos ultraprocessados na alimentação de mulheres grávidas e sua relação com o fornecimento adequado de nutrientes essenciais para esta fase da vida. Métodos: Revisão integrativa de literatura realizada através da busca nas bases de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) e Scientific Electronic Library Online (Scielo). Resultados: Foram selecionados 10 artigos, divididos em três categorias: Os malefícios do consumo de alimentos ultraprocessados durante a gestação; Fatores de risco associados ao alto consumo de alimentos ultraprocessados por gestantes; O consumo de alimentos ultraprocessados por gestantes brasileiras e sua associação com a qualidade nutricional. Conclusão: Verifica-se um elevado consumo de alimentos ultraprocessados entre gestantes. Entre os fatores de risco, destacam-se: baixa escolaridade, sedentarismo, menor idade e baixa renda familiar. Este cenário representa uma preocupação para a saúde pública, pois dietas ricas em alimentos ultraprocessados podem gerar diversos prejuízos à saúde materna e fetal, além de implicar maiores custos para os sistemas de saúde no futuro.

Palavras-chave: Alimentos Ultraprocessados; Nutrição; Gestantes.

Abstract

Introduction: Consumption patterns among pregnant women in Brazil follow the trends of nutritional transition. Thus, there is an increase in the intake of added sugars and fats, as well as the consumption of sweets and ultra-processed foods. Such eating patterns favor the emergence of chronic non-communicable diseases and reduce the quality of the diet (nutritional and dietary), in addition to directly affecting the health of the mother and fetus. Objective: To analyze the evidence that addresses the consequences of the presence of ultra-processed foods in the diet of pregnant women and its relationship with the adequate supply of essential nutrients for this stage of life. Methods: Integrative literature review carried out by searching the Latin American and Caribbean Literature in Health Sciences (LILACS), Virtual Health Library (BVS) and Scientific Electronic Library Online (Scielo) databases. Results: Ten articles were selected, divided into three categories: The harms of consuming ultra-processed foods during pregnancy; Risk factors associated with high consumption of ultra-processed foods by pregnant women; Consumption of ultra-processed foods by Brazilian pregnant women and its association with nutritional quality. Conclusion: There is a high consumption of ultra-processed foods among pregnant women. Risk factors include low education level, sedentary lifestyle, younger age and low family income. This scenario is a concern for public health, as diets rich in ultra-processed foods can cause several harms to maternal and fetal health, in addition to implying higher costs for health systems in the future.

Keywords: Processed; And Nutrition; Pregnant Women.

Introdução

Os padrões de consumo entre gestantes no Brasil seguem as tendências temporais da transição nutricional, com isso, houve a diminuição do consumo de frutas e hortaliças, além do aumento da ingestão de açúcares e gorduras adicionados e o consumo de doces e alimentos ultraprocessados [1]. De acordo com Carreira et al. tais padrões alimentares, principalmente aqueles constituídos por alimentos ultraprocessados, favorecem o surgimento de doenças crônicas não transmissíveis, reduzindo a qualidade geral da dieta (nutricional e alimentar), além de afetar diretamente o estado de saúde da mãe e do indivíduo no início da vida, associando-se a um maior potencial pró-inflamatório da dieta materna [2].

Há evidências que mostram os fatores mais comuns relacionados ao consumo dos alimentos ultraprocessados durante a gestação, são eles: idade, tabagismo, raça, escolaridade, renda, estado nutricional pré-gestacional, paridade, assim como o recebimento de orientações sobre alimentação saudável durante o pré-natal [3]. Conforme o Guia Alimentar para a População Brasileira, os alimentos são classificados baseados na natureza, extensão e finalidade do processamento industrial, dividindo-se em alimentos in natura e minimamente processados, ingredientes culinários, alimentos processados e alimentos ultraprocessados [4].

Os alimentos ultraprocessados consistem em produtos industrializados feitos com componentes retirados ou derivados de alimentos naturais, perdendo grande parte de suas propriedades originais [5]. Além disso, Carreira et al. [2] destacam que esses alimentos costumam conter aditivos químicos, como corantes, aromatizantes, emulsificantes, que modificam as características sensoriais do alimento. O alto consumo desses alimentos na gestação, correlaciona-se à obesidade materna, aumento de peso gestacional e da gordura corporal, tendo como consequências o maior risco para parto cesáreo, macrossomia fetal e recém-nascidos grandes para a idade gestacional [4].

Estudos têm demonstrado que uma nutrição adequada durante a gestação é fundamental para a prevenção de desfechos gestacionais negativos. Diante disso, a alimentação da gestante deve ser caracterizada pela ingestão de alimentos variados, especialmente aqueles de origem vegetal, como frutas, legumes e verduras, bem como seguir as recomendações nutricionais e orientações dietéticas vigentes, para assim, suprir as necessidades e garantir o desenvolvimento adequado do feto durante este importante período do ciclo de vida [6].

Analisou-se as evidências disponíveis que abordassem as consequências da presença de alimentos ultraprocessados na alimentação de mulheres grávidas e sua relação com o fornecimento adequado de nutrientes essenciais para esta fase da vida.

Metodologia

Tipo de estudo

Realizou-se uma revisão integrativa da literatura, utilizando pesquisa bibliográfica e análise de dados secundários de publicações e pesquisas específicas sobre o assunto: Efeitos do consumo de alimentos ultraprocessados na gestante. A revisão integrativa foi realizada por meio das seguintes etapas:

Identificação do tema e seleção da questão de partida

O tema do estudo determinou a estratégia PECO, consiste em uma abreviação para paciente ou população (P), exposição (E), comparação (C), e desfecho ou resultado (O). Esta estratégia foi aplicada para o desenvolvimento da questão norteadora desta revisão integrativa da literatura: Quais são as consequências do consumo dos alimentos ultraprocessados durante a gestação? Conforme o quadro 1.

Quadro 1 - Elementos de estratégia PECO e descritores utilizados - Teresina, PI, Brasil, 2025

Elementos

DeCS

MeSH

P

Incidência

Incidência

Incidence

Gestantes

Gestantes

Pregant women

E

Consumo de alimentos ultraprocessados

Consumo de alimentos ultraprocessados

Consumption of ultraprocessed foods

C

-

-

-

O

Doenças crônicas não transmissíveis

Doenças crônicas não transmissíveis

Chronic noncommunicable diseases

Obesidade

Diabetes

Hipertensão

Baixo peso ao nascer

Fonte: A autora segunda as bases de dados, 2025.

Os termos utilizados no processo de busca serão classificados e combinados na base de dados, resultando em estratégias específicas para cada ferramenta de busca.

Quadro 2 - Estratégias de busca utilizadas nas bases de dados BVS, LILACS e Scielo - Teresina, PI, Brasil, 2025

Base de Dados

Estratégia de busca

Achados

Filtrados

Selecionados

BVS

consumo de alimentos ultraprocessados AND gestantes AND nutrição AND ( type:(“article”)) AND (year_cluster:[2020 TO 2025])

25

20

4

LILACS

(Consumo de alimentos ultraprocessados) AND (Gestante)

22

19

7

Scielo

(Consumo de alimentos ultraprocessados) AND (Nutrição da Gestante)

4

2

2

Fonte: Dados da Pesquisa, 2025.

Estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão

Os critérios de inclusão do presente estudo foram artigos disponíveis na íntegra, online e em português, inglês e/ou espanhol, publicados entre os anos 2020 à 2025; bem como outras pesquisas de forma atemporal nas bases de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) e Scientific Electronic Library Online (Scielo). A estratégia de busca por artigos publicados nas bases de dados citadas foi a utilização dos descritores: Consumo de alimentos ultraprocessados e gestantes.. Os critérios de exclusão foram: artigos não originais, que não atendessem à temática da pesquisa, artigos que não estivessem disponíveis na íntegra, artigos incompletos e com teor duvidoso.

Fonte: Autoria própria segundo as bases de dados, 2025.

Figura 1 - Fluxograma de identificação, seleção e inclusão dos estudos da revisão integrativa

Identificação dos estudos pré-selecionados e selecionados

A análise da seleção dos estudos foi realizada em duas fases. Na primeira etapa, os artigos foram pré-selecionados conforme os critérios de inclusão e exclusão, bem como a estratégia de operação e busca de cada base de dados. Na segunda etapa, os artigos foram selecionados após a filtragem; em seguida, os dados passaram por uma análise, assim como pela elaboração de uma tabela que resumisse os artigos para a leitura na íntegra.

Resultados

A partir dos estudos levantados, estabeleceram-se variáveis pertinentes para a observação das produções científicas referentes à pesquisa, conforme apresentado na Tabela 1.

Tabela 1 - Distribuição das produções científicas segundo o ano de publicação, abordagem metodológica e bases de dados, Teresina, 2025

VARIÁVEIS

n

%

ANO DE PUBLICAÇÃO

2024

2023

01

05

11,11

55,55

2022

01

11,11

2021

01

11,11

2020

03

33,33

Total

ABORDAGEM METODOLÓGICA

11

100,00

Quantitativa

06

77,77

Qualitativa

Quanti-quali

04

01

44,44

11,11

Total

11

100,00

BASES DE DADOS

SCIELO

02

22,22

LILACS

BVS

TOTAL

06

04

11

66,66

44,44

100,00

Fonte: Banco de dados da BVS, 2025.

Conforme a Tabela 1, foi possível observar que o ano de 2023 se destacou com a maioria das publicações, e que a abordagem metodológica predominante foi a quantitativa.

Os onze artigos foram organizados segundo o ano de publicação, o título, a revista, a base de dados e o tipo de estudo, como pode ser observado no Quadro 3.

Quadro 3 - Caracterização dos artigos segundo o ano, autor, título e principais resultados. Teresina- Pi, 2025

Autor/ Ano

Título

Tipo de Estudo

Principais resultados

SCHUBBE et al., 2024

Ultra-processed food consumption during pregnancy and newborn weight

Estudo prospectivo, quantitativo

Os resultados demonstram uma tendência de associação positiva entre o peso de recém-nascidos grandes para idade gestacional e o consumo de alimentos ultraprocessados durante a gestação, sendo que o maior consumo de alimentos ultraprocessados está associado à renda familiar entre R$ 1.000 e R$ 3.000.

FRAGA; THEME; BASTOS, 2023

Factors associated with ultra-processed foods consumption in a cohort of Brazilian pregnant women.

Estudo de coorte prospectivo, quantitativo

A prática de atividade física no lazer antes e durante a gestação é um fator potencialmente modificável associado ao menor consumo desses alimentos. Uma alimentação pouco saudável antes e durante a gestação pode ter consequências negativas para a saúde da mãe e do feto.

OLIVEIRA et al., 2023

Impacto do consumo de alimentos ultraprocessados na qualidade da alimentação de gestantes brasileiras atendidas na atenção primária à saúde

Estudo transversal, qualitativo

Uma maior ingestão de alimentos ultraprocessados impacta negativamente a qualidade nutricional da dieta e empobrece a ingestão de nutrientes por gestantes. A redução do consumo de alimentos ultraprocessados pode melhorar amplamente a adesão às diretrizes alimentares em gestantes e promover a saúde materna e neonatal.

MARIANO et al., 2023

Alimentos ultraprocessados e a qualidade nutricional da dieta de gestantes brasileiras

Estudo transversal, qualitativo

Os resultados mostram que o maior consumo de alimentos ultraprocessados está associado à redução da qualidade nutricional da dieta de gestantes brasileiras.

AMARAL et al., 2023

Associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e imagem corporal, estado nutricional e atividade física de gestantes na Atenção Primária à Saúde

Estudo transversal qualitativo

As gestantes apresentaram alto consumo de alimentos ultraprocessados. Ter imagem corporal negativa, menor nível de atividade física, estado nutricional pré-gestacional elevado são condições que influenciaram o consumo desses alimentos.

OLIVEIRA et al., 2023

Consumo de alimentos in natura, processados e ultraprocessados de gestantes atendidas pela Estratégia Saúde da Família no oeste da Bahia

Estudo de coorte, transversal, quantitativo

Neste estudo, foi possível compreender que o consumo da maiori dos nutrientes analisados foi inadequado segundo as recomendações para gestantes, destacando-se o elevado consumo de sódio proveniente dos alimentos processados e, em segundo lugar, de ultraprocessados.

PACHECO et al., 2022

Estado nutricional e hábitos alimentares de gestantes de uma comunidade socialmente vulnerável

Pesquisa de campo, transversal, quantitativo

Entre as gestantes, houve alto consumo de alimentos açucarados, industrializados e ricos em gordura saturada, o que pode ser preocupante, pois esses alimentos quando consumidos em excesso podem ser prejudiciais para a saúde materna-fetal.

GRACILIANO; SILVEIRA; OLIVEIRA, 2021

Consumo de alimentos ultraprocessados reduz a qualidade global da dieta de gestantes.

Estudo transversal, quanti-qualitativo

Este trabalho fornece evidências de que a proporção de consumo de ultraprocessados determina a qualidade nutricional geral da dieta de gestantes atendidas pela rede básica de saúde e reforça a urgente necessidade de remodelação dos sistemas alimentares, para a adoção de melhores estratégias de educação alimentar e nutricional para a população

PEREIRA et al., 2020

Maternal and Sociodemographic Factors Influence the Consumption of Ultraprocessed and Minimally-Processed Foods in Pregnant Women.

Estudo transversal, analítico e descritivo, qualitativo

Os resultados do presente estudo sugerem que ser a gravidez na adolescência e ter fumado durante a gestação influenciam no aumento do consumo de alimentos ultraprocessados, o que, consequentemente, pode impactar na qualidade das escolhas alimentares das gestantes.

BECKER et al., 2020

Can the pregnant woman’s food intake be influenced by her clinical condition during pregnancy?

Estudo transversal, aninhado em estudo de coorte, quantitativo

Apesar do alto consumo energético, observamos que as gestantes com diagnóstico de diabetes apresentaram padrão alimentar mais saudável.

CAMPOS et al., 2020

Consumo de processados e ultraprocessados por gestantes

De um município do tocantins

Estudo transversal, quantitativo

O consumo de alimentos ultraprocessados por gestantes, mostrou elevadas prevalências de inadequações de consumo dietético de ferro (86,7%) e ácido fólico (96,7%), sendo que a maioria das gestantes não alcançou os níveis de ingestões recomendados na gestação.

Fonte: Autoria própria segundo as bases de dados, 2025.

Discussão

Após a leitura e análise profunda dos artigos selecionados para a discussão da pesquisa, destacaram-se três categorias por similaridade semântica, sendo elas: os malefícios do consumo de alimentos ultraprocessados durante a gestação; fatores de risco associados ao alto consumo de alimentos ultraprocessados por gestantes; e o consumo de alimentos ultraprocessados por gestantes brasileiras e sua associação com a qualidade nutricional.

Os malefícios do consumo de alimentos ultraprocessados durante a gestação

Mariano et al. [7] afirmam que uma alimentação saudável é de extrema importância para o desenvolvimento de uma gestação segura e saudável, além de melhorar a qualidade de vida da gestante. Por isso, o acompanhamento e planejamento nutricional são primordiais durante essa fase tão importante e delicada. De acordo com o Guia alimentar para a população brasileira a base da alimentação, em qualquer fase da vida, deve ser composta por alimentos in natura ou minimamente processados. Pois, esses grupos possuem um maior valor nutricional.

Contudo, os achados de Oliveira et al. [8] mostram que as gestantes que participaram da pesquisa têm uma menor proporção desses alimentos na sua dieta quando comparado com alimentos processados e ultraprocessados. Corrobora os achados de Pacheco et al. [9] ao mostrarem que as gestantes possuem um elevado consumo de alimentos industrializados e açucarados e ricos em gorduras saturadas. Os dados são preocupantes, uma vez que o alto consumo desses alimentos podem afetar negativamente a saúde da mãe do bebê.

Ademais, os autores evidenciaram que as participantes possuem um elevado consumo de sódio proveniente de alimentos processados e ultraprocessados. Tal fato chama a atenção, uma vez que o consumo excessivo ou insuficiente de sódio está relacionado a problemas hipertensivos na gestação [8].

Mariano et al. [7] afirmam que entre as diversas consequências do elevado consumo de alimentos ultraprocessados está o desenvolvimento de diabete mellitus gestacional. Além disso, a alta ingestão de alimentos ultraprocessados pode desenvolver processos inflamatórios na dieta enquanto os alimentos in natura e minimamente processados tem uma ação anti-inflamatória [10]. Os autores também trazem a obesidade e aumento da gordura corporal do bebê como consequências de um consumo elevado desses alimentos.

Baseado no exposto, Pereira et al. [11] afirmam que as gestantes que não tiveram acompanhamento nutricional ou não receberam orientações sobre nutrição na gestação tiveram menos chances de desenvolver hábitos saldáveis. Nesse sentido, é de suma importância que durante o pré-natal os profissionais desenvolvam ações de educação em saúde, palestras educativas e campanhas de conscientização sobre hábitos saudáveis na gestação.

A atuação do profissional da saúde ao repassar conhecimento e orientações para a gestante sobre hábitos nutricionais adequados e saudáveis durante as consultas de pré-natal é fundamental, pois pode proporcionar mudanças positivas na vida das gestantes e do bebê [11].

Fatores de risco associados ao alto consumo de alimentos ultraprocessados por gestantes

A pesquisa de Fraga, Theme e Bastos [12] analisou um conjunto de fatores que contribuem para um elevado consumo de alimentos ultraprocessados pelas gestantes. Os autores evidenciaram que gestantes com baixa escolaridade, maior paridade e que não possuem práticas regulares antes da gestação são mais propensas a consumirem alimentos ultraprocessados. Além disso, o estudo destaca a idade como um fator protetor, pois mulheres mais velhas tendem a optar por alimentos in natura e minimamente processados.

Corroborando com os achados acima, Becker et al. [13] destacam em suas pesquisas que gestantes com maior escolaridade e renda tendem a ter uma alimentação mais saudável durante a gestação e puerpério. Ademais, esse grupo é mais suscetível a rejeitar alimentos ultraprocessados e pobres em nutrientes. O estudo também mostra a importância da orientação e aconselhamento nutricional para a gestante desenvolver hábitos saudáveis.

Nesse sentido, é importante que o profissional esteja atento ao perfil alimentar e sociodemográfico das gestantes atendidas, com o objetivo de elaborar intervenções e aconselhamentos que atendam às necessidades das gestantes de forma individual. Dessa forma, para gestantes de baixa renda, sugere-se a elaboração de dietas que se encaixem no orçamento familiar dessa gestante, além de orientações em uma linguagem mais simples e direta [13].

No que concerne a idade, o estudo de Pereira et al. [11] evidencia que mulheres mais velhas tendem a reduzir o consumo de alimentos ultraprocessados e possuem uma “consciência nutricional” maior do que mulheres mais jovens. As gestantes mais jovens que participaram da pesquisa possuem um consumo elevado de refrigerante, salgadinhos, pizza e batata frita, o que infere em um hábito alimentar prejudicial para o binômio materno-fetal.

Outro quesito analisado por Fraga, Theme e Bastos [12] foi que as gestantes que não praticavam atividades físicas regulares antes da gravidez são mais propensas a consumirem alimentos ultraprocessados. O estudo constatou que a prática regular de atividade física antes da gravidez é um importante preditor de atividade física durante a gestação. Corrobora-se o estudo de Amaral et al. [14] ao destacar um consumo maior desses alimentos por gestantes que não praticavam atividades físicas.

Schubbe et al. [10] relataram que gestantes menos escolarizadas a relatam um maior consumo de alimentos ultraprocessados. Nesse sentido, compreende-se que uma alimentação inadequada pode estar relacionada àfalta de conhecimento sobre a importância de hábitos alimentares saudáveis e acesso a essas informações. Dessa forma, reforçar a importância do consumo de alimentos in natura, minimamente processados, com baixas calorias como carnes, frutas, fibras, verduras e grãos ao invés de alimentos ultraprocessados como salsinha e frios é primordial para a adesão de hábitos alimentares saudáveis [9].

Em síntese, Amaral et al. [14] reforçam a importância de um acompanhamento nutricional adequado durante todo o pré-natal. Esse acompanhamento permite que o profissional identifique os fatores de risco para uma alimentação inadequada e a partir disso, desenvolva medidas de intervenção e oriente mudanças nos hábitos da gestante, incluindo dieta e prática de exercícios físicos. Ademais, a identificação dos fatores de risco também é importante no desenvolvimento de medidas de controle e incentivo a práticas saudáveis durante o pré-natal.

O consumo de alimentos ultraprocessados por gestantes brasileiras e sua associação com a qualidade nutricional

A pesquisa de Oliveira et al. [8] mostra que o aumento excessivo de peso e a dificuldade de perder peso no pós-parto estão relacionados ao alto consumo de alimentos ultraprocessados. Ademais, o excessivo consumo desses alimentos está associado ao surgimento de inúmeras patologias durante a gestação como doenças hipertensivas e diabetes mellitus. Assim, nota-se a urgência do desenvolvimento de ações de educação em saúde voltadas para o ensino e orientação nutricional desse público.

Somado a isso, a pesquisa de Graciliano, Silveira e Oliveira [15] analisou o perfil nutricional de gestantes de uma UBS do nordeste brasileiro e evidenciou um menor consumo de comidas tradicionais (arroz, feijão, raízes e vegetais) e um aumento excessivo do consumo de alimentos ultraprocessados. Esse padrão alimentar traz preocupações para a comunidade da saúde, pois uma alimentação inadequada durante o período gestacional pode provocar mudanças no ambiente intrauterino e comprometer contrariamente negativamente o desenvolvimento fetal.

A pesquisa de Oliveira et al. [16] também destaca uma relação inversa do elevado consumo de alimentos ultraprocessados pelas gestantes e a qualidade da dieta e saúde do binômio materno-fetal. Além do aumento do consumo de alimentos ultraprocessados, o estudo verificou uma redução significativa de alimentos frescos e minimamente processados. Entre esses alimentos, destaca-se frutas, legumes, vegetais, sementes, alimentos ricos em fibras, feijão e carne, que ofertam nutrientes essenciais para a gestante e o bebê.

Ademais, Campos et al. [17] observaram uma alta prevalência em suas pesquisas de ganho de peso gestacional insuficiente, que se relacionou diretamente com o elevado consumo de proteínas e lipídios oriundos de alimentos ultraprocessados. Outra constatação da pesquisa foi que as gestantes tiveram um declínio no estado nutricional, tendenciando para um baixo peso. Somado a isso, Becker et al. [13] evidenciaram que a contribuição energética dos alimentos ultraprocessados é menor, quando comparado à alimentos saudáveis.

As limitações desta pesquisa estão relacionadas à escassez de publicações que abordem os efeitos do consumo de alimentos ultraprocessados durante a gestação, bem como à limitada combinação de descritores que contemplem essa temática. Diante disso, recomenda-se a realização de novos estudos científicos sobre o tema, com o objetivo de investigar os principais efeitos do consumo desses alimentos em gestantes, assim como os fatores de risco associados.

O aprofundamento do conhecimento científico sobre o assunto pode subsidiar orientações mais eficazes quanto à importância da alimentação saudável no período pré-natal, com um enfoque não apenas nutricional, mas também multiprofissional. Além disso, contribuirá para o rastreamento dos principais fatores de risco relacionados ao consumo elevado de alimentos ultraprocessados por gestantes, fortalecendo a base para futuras investigações científicas na área.

Considerações finais

Os estudos revelaram que o elevado consumo de alimentos ultraprocessados se relaciona de forma inversa com o consumo de alimentos que são fontes de nutrientes essenciais para as gestantes, aumentando o risco de desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, tanto para as gestantes quanto para seus filhos. Nesse sentido, é de suma importância o desenvolvimento de políticas públicas que englobem essas gestantes, oferecendo suporte, facilidade para acessar os serviços de saúde e, bem como o desenvolvimento de ações que alertem a população em geral sobre os malefícios do consumo de alimentos ultraprocessados e incentivem a população a consumir produtos in natura e minimamente processados. Sugere-se também o desenvolvimento de novas pesquisas com base populacional e que foquem em evidências relacionadas à situação nutricional, dieta e consumo de alimentos ultraprocessados pelas gestantes.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse de qualquer natureza.

Fontes de financiamento

Financiamento Próprio.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Feitoza PLG, Caldas DRC; Coleta de dados: Feitoza PLG; Análise e interpretação dos dados: Feitoza PLG, Caldas DRC; Análise estatística: Feitoza PLG, Caldas DRC; Redação do manuscrito: Feitoza PLG; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Caldas DRC.

Referências

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