Nutr Bras. 2024;23(6):1274-1283
doi:10.62827/nb.v23i6.3050

REVISÃO

O impacto de dietas de baixo carboidrato (low carb) em pacientes com diabetes tipo 1: uma revisão de literatura

The impact of low-carbohydrate diets (low carb) on patients with type 1 diabetes: a literature review

Thais Cachuté Paradella1, Fernando Augusto Cervantes Garcia de Sousa2

1Universidade Estadual Paulista (Unesp) São José dos Campos, SP, Brasil

2Prefeitura Municipal de Jacareí, SP, Brasil

Recebido em: 26 de fevereiro de 2025; Aceito em: 10 de março de 2025.

Correspondência: Thais Cachuté Paradella, thais.paradella@unesp.br

Como citar

Paradella TC, Sousa FACG. O impacto de dietas de baixo carboidrato (low carb) em pacientes com diabetes tipo 1: uma revisão da literatura. Nutr Bras. 2024;23(6):1274-1283.doi:10.62827/nb.v23i6.3050

Resumo

Introdução: Dietas com restrição de carboidratos vem se tornando populares, porém ainda não há uma definição sobre sua real eficácia em diferentes grupos. Objetivo: Realizou-se uma revisão de literatura sobre o impacto das dietas com restrição de carboidratos (low carb) em pacientes com diabetes tipo 1 (DM1). Métodos: Foram levantados artigos na base de dados PubMed, publicados entre 2021 e 2025, utilizando as palavras-chave “diabetes” e “low carbohydrate diet”. Apenas ensaios clínicos (randomizados e não randomizados) com acesso aberto à versão completa em inglês foram incluídos. A análise seguiu os critérios PRISMA para garantir a qualidade metodológica. Resultados: Inicialmente, 262 artigos foram identificados, dos quais 11 foram selecionados para análise. Observou-se grande variação nos estudos, incluindo diferenças na idade dos pacientes, duração da dieta e tempo de diagnóstico de DM1. De maneira geral, os estudos indicaram uma melhora na hemoglobina glicada dos pacientes após a adoção da dieta low carb, embora alguns resultados divergentes questionem esse achado. Não houve mudanças significativas no perfil lipídico dos participantes, mas algumas deficiências minerais, como cálcio e magnésio, foram observadas. Conclusão: Apesar de alguns estudos sugerirem benefícios no controle glicêmico com a dieta low carb, não há consenso sobre sua eficácia em pacientes com DM1, o que destaca a necessidade de mais pesquisas controladas e de longo prazo para validar esses resultados e investigar os possíveis riscos e benefícios dessa abordagem dietética.

Palavras-chave: Diabetes do Tipo 1; Dieta com Restrição de Carboidratos; carboidrato.

Abstract

Introduction: Low-carbohydrate diets have become popular, but there is still no consensus on their real effectiveness in different groups. Objective: A literature review was conducted on the impact of low-carbohydrate diets on patients with type 1 diabetes (T1D). Methods: Articles were retrieved from the PubMed database, published between 2021 and 2025, using the keywords “diabetes” and “low carbohydrate diet.” Only clinical trials (randomized and non-randomized) with open access to the full text in English were included. The analysis followed PRISMA criteria to ensure methodological quality. Results: Initially, 262 articles were identified, and 11 were selected for analysis. A significant variation was observed across the studies, including differences in patient age, diet duration, and T1D diagnosis time. Overall, the studies indicated an improvement in hemoglobin A1c after adopting the low-carb diet, although some divergent results question this finding. No significant changes were observed in the lipid profile of participants, but some mineral deficiencies, such as calcium and magnesium, were noted. Conclusion: Although some studies suggest benefits in glycemic control with the low-carb diet, there is no consensus on its effectiveness in patients with T1D, highlighting the need for more controlled, long-term research to validate these results and investigate the potential risks and benefits of this dietary approach.

Keywords: Type 1 Diabetes; Carbohydrate-Restricted Diet; Carbohydrate.

Introdução

Estima-se que 8% a 9% da população brasileira seja afetada pelo diabetes, correspondendo a aproximadamente 16,8 milhões de pessoas. Esse número posiciona o Brasil como o quarto país com maior prevalência da doença. Dentre esses casos, acredita-se que 5% a 10% sejam de diabetes tipo 1 (DM1), que afeta principalmente crianças e adolescentes [1].

O diabetes tipo 1 (DM1) é uma doença autoimune caracterizada pela ausência de produção de insulina pelo pâncreas, representando um grande desafio para os pacientes, especialmente crianças e adolescentes ao redor do mundo. O controle inadequado da glicemia pode levar ao desenvolvimento de complicações, como retinopatia diabética, doenças cardiovasculares e renais, entre outras [2].

O tratamento do DM1 inclui alimentação balanceada, monitoramento regular da glicemia e administração de insulina. Contudo, ajustar corretamente a dose de insulina necessária após a ingestão de carboidratos é um desafio para muitos pacientes. A contagem de carboidratos, ferramenta fundamental nesse processo, frequentemente apresenta dificuldades práticas, resultando no uso inadequado de insulina e em um controle glicêmico insatisfatório [3].

Segundo Kirstensen et al. [4] pessoas com DM1 frequentemente cometem erros de estimativa ao calcular o teor de carboidratos em suas refeições, especialmente quando a quantidade ingerida é alta, apresentando uma margem de erro de cerca de 10%. Nesse contexto, a redução do consumo de carboidratos pode minimizar o risco de descompasso entre alimentos e insulina.

Com a popularização das dietas com restrição de carboidratos (low carb), especialmente nos Estados Unidos, muitos pacientes diabéticos passaram a adotar esse padrão alimentar. A redução na ingestão de carboidratos, associada ao aumento do consumo de proteínas, facilita o controle glicêmico [5]. O sucesso desse tipo de dieta no manejo da obesidade e do diabetes tipo 2 também tem despertado o interesse de médicos e pacientes em relação aos possíveis benefícios no DM1 [6].

As dietas low carb são caracterizadas por um consumo de carboidratos inferior a 26% da ingestão energética total diária [7]. Em teoria, essas dietas poderiam atenuar a hiperglicemia pós-prandial [8] e reduzir as doses de insulina necessárias para o controle glicêmico [5].

Entretanto, as evidências científicas que sustentam os benefícios das dietas low carb em reduzir as flutuações glicêmicas no DM1 ainda são limitadas e pouco robustas [4,5]. Além disso, poucos ensaios clínicos investigaram quais tipos de dietas são seguros, viáveis e aceitáveis para pessoas com DM1 [9].

Realizou-se uma revisão de literatura sobre o impacto das dietas com restrição de carboidratos em pacientes com DM1, analisando a literatura científica disponível em uma base de dados de grande abrangência. A proposta é alcançar uma conclusão sobre esse tema relevante e atual.

Métodos

A pergunta que guiou essa revisão de literatura foi se haveria impacto glicêmico relevante em pacientes com diabetes do tipo 1 após adotarem alimentação com restrição de carboidratos. No intuito de sanar essa questão, durante 30 dias a base de dados Pubmed foi consultada por um pesquisador, utilizando as palavras-chaves “diabetes” e “low carbohydrate diet”. Adotou-se os critérios PRISMA [10]. Os critérios para inclusão/exclusão dos artigos foram os descritos a seguir: período de publicação dos últimos 5 anos, acesso gratuito ao texto completo e inclusão apenas de ensaios clínicos, tanto randomizados quanto não randomizados. Foram excluídos livros, documentos, revisões, revisões sistemáticas e meta-análises, além de publicações que não possuíam acesso aberto ou estavam em idiomas diferentes do inglês. Dessa forma, os critérios de inclusão adotados foram ensaios clínicos randomizados e não randomizados, com acesso aberto à versão completa e publicados em inglês.

Resultados

Os pacientes com menos de 18 anos foram instruídos a seguir a dieta low carb acompanhado pelos seus pais [5] e participaram de um workshop antes de ingressarem no estudo. Métodos educacionais sobre dieta foram avaliados em Ewers et al [3] e Isaksson et al [11].

Outro fator relevante foi a adoção de critérios de exclusão, que impediram a participação de candidatos com histórico individual ou familiar de compulsão alimentar, pois, segundo os autores, a restrição de carboidratos poderia aumentar os riscos de comportamentos compulsivos ou outras doenças mentais [2, 5, 7, 8]. Além disso, foram considerados inaptos participantes com histórico de hipercolesterolemia, doenças vasculares preexistentes, grande variação de peso (>10%) recente ou episódios recentes de hipoglicemia ou cetoacidose graves [2,9].

Nem todos os estudos analisaram pacientes jovens com DM1. No estudo de Lejk et al. [12], por exemplo, a média de idade foi de 16 anos. Já no estudo de Al-Sari et al.[13] participaram 10 adultos com idade média de 43 anos (±13,8) e 24 anos de diagnóstico de DM1. O estudo de Kirstensen et al. [4] avaliou pacientes adultos com média de idade de 50 anos e 25 anos de diagnóstico de DM1. No estudo de Turton et al. [2], a idade variou entre 18 e 70 anos, com menos de 6 meses de diagnóstico. O estudo de Seckiner et al. [7] analisou 17 pacientes com idade média de 29 anos e mais de um ano de diagnóstico de DM1.

Outro critério de exclusão citado em Duffus et al. [8] foi o valor da hemoglobina glicada: pacientes com valores menores que 7% foram excluídos devido ao risco elevado de hipoglicemia, enquanto aqueles com HbA1c acima de 10% foram excluídos devido ao maior risco de cetoacidose [7,8]. No estudo de Turton et al. [2], pacientes com HbA1c de 7% não foram excluídos.

Nos estudos, a dieta low carb variou entre 50-80 g de carboidratos diários, sem restrição calórica [5]. Algumas pesquisas adotaram valores menores, como 25-75 g [2] e 45-75 g [9], enquanto outras limitaram a ingestão a um percentual das necessidades energéticas diárias [12]. No estudo de Levran et al. [5], o plano nutricional foi composto por 20% de carboidrato, 25% de proteína e 55% de gordura. Outros estudos estabeleceram limites de 25% [8] e 30% [7, 11] da ingestão calórica diária para carboidratos, comparando com dietas ricas em carboidratos (50%) e um grupo controle sem prescrição dietética específica [8]. O estudo de Al-Sari et al. [13] comparou dietas com menos de 100 g e mais de 250 g de carboidratos por dia.

No estudo de Kirstensen et al. [4], a dieta low carb foi limitada a 100 g diários, com alto consumo de gordura (1,4 g/kg/dia) e proteína (1,8 g/kg/dia), atingindo uma média de 145 g de gordura e 126 g de proteína por dia, garantindo isocaloricidade entre os diferentes grupos.

Os pacientes foram submetidos a exames físicos (peso, IMC) e bioquímicos (perfil lipídico, função renal e hepática) antes e depois dos estudos [2,4,5,8,12]. Foram analisados marcadores como HbA1c, colesterol total, LDL, HDL [2,4,5,8,12], além de proteína C-reativa, ureia, creatinina, eletrólitos e vitaminas [2,5,12].

A administração de insulina variou entre os estudos. No estudo de Levran et al [5], 18 dos 20 participantes usavam bomba de insulina, enquanto dois utilizavam injeções. Em Al-Sari et al. [13], todos usavam bomba de insulina, assim como nos estudos de Turton et al. [2], Kirstensen et al. [7] Lejk et al. [12]. Já em Hall et al. [6], os pacientes usavam tanto bomba de insulina quanto múltiplas doses diárias. No estudo de Seckiner et al. [7], nenhum paciente utilizava bomba, apenas múltiplas doses de insulina, o mesmo ocorrendo em Ewers et al. [3].

A maioria dos estudos utilizou monitoramento contínuo de glicemia (Medtronic, FreeStyle Libre, Dexcom D6), exceto Isaksson et al. [11], no qual os pacientes mediam a glicose sete vezes ao dia e registravam os resultados.

Estudos comparando dietas low carb e ricas em carboidratos [4] mostraram que a dose de insulina basal permaneceu inalterada, mas a dose de insulina bolus foi maior nos grupos com maior ingestão de carboidratos. No estudo de Levran et al. [5], uma paciente abandonou a dieta low carb por considerá-la “difícil de lidar”, mas, em geral, a adesão foi alta.

A dieta low carb levou a alterações significativas na ingestão de macro e micronutrientes [5], reduzindo o consumo calórico em 65% e resultando em deficiências de ferro, cálcio, vitamina B1 e folato.

Os estudos relataram redução da HbA1c [2, 5, 9], enquanto Hall et al. [6] e Seckiner et al. [7] não encontraram diferenças significativas. Não foram relatados episódios severos de hipoglicemia. O perfil lipídico permaneceu inalterado em vários estudos [2, 4, 5, 8], mas Al-Sari et al. [13] encontrou aumento do HDL sem elevação significativa do colesterol total. Kirstensen et al. [4] demonstrou que dietas low carb/high fat e low carb/high protein resultaram em melhor controle glicêmico.

No estudo de Levran et al. [5], a redução dos carboidratos foi associada à diminuição de fibras, ferro, cobre, potássio, magnésio, selênio e vitaminas do complexo B. No entanto, não houve alterações significativas na função renal e hepática após a dieta low carb.

Em síntese, os estudos levantados nesta pesquisa analisaram os efeitos da dieta low carb em pacientes com DM1, considerando critérios rigorosos de inclusão e exclusão, como histórico de compulsão alimentar e doenças vasculares. A ingestão de carboidratos variou entre 25 e 100 g diários, com diferentes composições de macronutrientes, enquanto a administração de insulina e o monitoramento glicêmico também diferiram entre eles. Embora a adesão tenha sido, em geral, elevada, algumas dificuldades foram relatadas. Os resultados apontaram redução da HbA1c em alguns casos, sem impacto significativo no perfil lipídico ou na função renal e hepática, mas com diminuição na ingestão de fibras e micronutrientes. Além disso, observou-se que a necessidade de insulina bolus foi maior nos grupos com maior consumo de carboidratos. Um resumo dos estudos avaliados é apresentado no quadro 1.

Quadro 1 - Estudos selecionados

Estudo

Ano

Faixa etária avaliada

Tempo de avaliação

Dieta low carb

Principais resultados

Ewers et al. [3]

2024

Adultos

6 meses

-

Redução no HbA1c.

Hall et al. [6]

2024

≥18 anos

12 semanas

50 a 100 g/dia

Não houve diferença significativa na redução do HbA1c, na variabilidade glicêmica, tempo gasto na faixa euglicêmica ou abaixo da faixa.

Kristensen
et al. [4]

2024

22 a 70 anos

1 semana

<100 g/dia

Menor variabilidade glicêmica.

Não houve diferença significativa entre os grupos em relação à glicose média.

Seckiner
et al. [7]

2024

29,7 anos (em média)

4 semanas

30% da ingestão calórica diária

Não houve diferença significativa.

Igudesman et al. [9]

2023

19 a 30 anos

9 meses

45 a 75 g/dia

Redução do peso e da HbA1c, no entanto, não houve diferença significativa em relação à demais dietas testadas.

Levran et al. [5]

2023

15 a 19 anos

6 meses

50 a 80 g/dia

Redução do consumo de carboidratos, energia e alimentos ultraprocessados.

Diminuição do IMC z-score e da circunferência da cintura.

Melhora no HbA1c (redução de 8,1% para 7,7%).

Redução na ingestão de ferro, cálcio, vitamina B1 e folato.

Turton et al. [2]

2023

18 a 70 anos

16 semanas

25 a 75 g/dia

Redução do HbA1c (de 7,7% para 7,1%, ou 61 para 54 mmol/mol).

Diminuição no uso diário de insulina (de 65 para 49 U/dia).

Aumento no tempo dentro da faixa-alvo de glicose (de 59% para 74%).

Melhora na qualidade de vida.

Nenhuma mudança na frequência de episódios de hipoglicemia ou cetoacidoses.

Duffus et al. [8]

2022

13 a 21 anos

12 semanas

-

Nenhuma diferença significativa nos parâmetros, lipídicos ou de qualidade de vida.

Al-Sari et al. [13]

2021

43 anos (em média)

12 semanas

<100 g/dia

Possível redução da dislipidemia.

Isaksson et al. [11]

2021

48,6 anos (em média)

12 meses

40% da ingestão calórica diária

Não houve diferença significativa em relação à área sob a curva da glicose, níveis médios de glicose, variabilidade glicêmica ou tempo na faixa de glicose.

Lejk et al. [12]

2021

10 a 17 anos

6 dias

30% da ingestão calórica diária

Melhor controle glicêmico.

Discussão

Os estudos que investigam a relação entre dietas low carb e pacientes com DM1 apresentam grande variação metodológica, o que inviabiliza uma análise estatística consistente dos dados. A começar pela definição da dieta low carb, os critérios variam amplamente: alguns estudos estabelecem um consumo diário de carboidratos entre 25 g e 75 g, com um limite de 20 g por refeição [2], enquanto outros adotam intervalos como 45-75 g [9], 50-80 g [5], 50-100 g [6] e menos de 100 g por dia [13]. Há ainda abordagens baseadas na ingestão calórica, limitando a participação dos carboidratos a 25% do total diário [8].

Outro fator de variação entre os estudos é o tempo de intervenção, que oscila entre 12 meses [11], 6 meses [5], 3 meses ou 12 semanas [2,6,8,12], 4 semanas [7], 1 semana [4] e até 3 dias [12]. Turton et al. [2] apontam que um período superior a 12 semanas permitiria avaliar melhor a manutenção dos efeitos da intervenção. Além disso, a faixa etária dos participantes também varia: alguns estudos focam em crianças e adolescentes com DM1 [5,8], enquanto outros analisam apenas adultos [2,13]. Lejk et al. [12] destacam a ausência de recomendações sobre a segurança dessa dieta para crianças com DM1.

A redução do consumo de carboidratos demonstrou eficácia na diminuição da hemoglobina glicada em alguns estudos [5, 12]. No entanto, essa abordagem também reduziu a ingestão de nutrientes essenciais, como vitaminas do complexo B, magnésio, cálcio e cobre. Em particular, Levran et al. [5] observaram uma queda de 30% na ingestão de vitaminas hidrossolúveis após 6 meses de dieta low carb. Além disso, mesmo com a inclusão de castanha-do-pará na alimentação, houve uma redução de 30% nos níveis de selênio, mineral essencial para diversas funções fisiológicas. Assim, a suplementação vitamínica pode ser necessária, caso os exames séricos indiquem deficiências.

O monitoramento de longo prazo dos pacientes adeptos da dieta low carb deve incluir avaliações periódicas dos níveis de folato, tiamina, selênio, magnésio, cálcio e cobre, com exames a cada 6 meses e suplementação quando necessário [5]. Entre os principais desafios apontados pelos pacientes que abandonaram os estudos está a dificuldade de aderência à dieta, considerada excessivamente restritiva e onerosa em termos de regras adicionais ao tratamento do DM1. Duffus et al. [8] afirmam que a adesão é particularmente difícil para adolescentes e adultos, opinião contestada por Levran et al. [5], que observaram boa aderência em adolescentes. Turton et al [2]. ressaltam que a abordagem multidisciplinar e a capacitação dos profissionais de saúde podem ser fundamentais para aumentar a adesão e garantir a segurança nutricional.

Outro aspecto relevante é que alguns estudos promoveram a dieta low carb restringindo alimentos ultraprocessados, o que pode ter contribuído para os resultados positivos [2, 12]. Além disso, o tempo de diagnóstico do DM1 pode ter influenciado os resultados: Turton et al. [2] estudaram pacientes com menos de 6 meses de diagnóstico, enquanto Levran et al. [5] analisaram indivíduos com mais de 10 anos da doença. A experiência no manejo do diabetes pode impactar a adesão à dieta e a contagem de carboidratos.

A maioria dos estudos utilizou sensores de monitoramento contínuo de glicemia, com exceção de Isaksson et al. [11], e alguns incluíram pacientes com bombas de insulina, dispositivos que ajustam automaticamente a liberação do hormônio para manter a glicemia estável [4, 6]. Embora a hemoglobina glicada continue sendo uma métrica essencial, o indicador “tempo no alvo” (TIR – time in range) tem se mostrado mais fidedigno para avaliar a estabilidade glicêmica. No entanto, alguns estudos não encontraram diferenças significativas no TIR ao comparar dietas low carb com dietas convencionais [4,9]. Já Seckiner et al. [7] utilizaram a frutosamina como parâmetro, que reflete as variações glicêmicas das últimas 2-3 semanas, e não encontraram diferenças relevantes entre os grupos estudados.

Um dos receios com a dieta low carb é o potencial aumento do colesterol devido ao maior consumo de gorduras. Pacientes com DM1 apresentam risco elevado para doenças cardiovasculares, sendo esse o principal fator de morbidade e mortalidade nesse grupo [11]. Estudos indicam que esses indivíduos podem apresentar menor quantidade de esfingolipídeos e fosfatidilcolinas, compostos que auxiliam na redução da dislipidemia [13]. No entanto, não foi encontrada confirmação estatística de que a dieta low carb tenha aumentado o colesterol total ou o risco cardiovascular dos participantes [11]. Turton et al. [2] sugerem que muitos pacientes já fazem uso de medicamentos para controle do colesterol, o que pode ter mascarado eventuais elevações no LDL. Além disso, a análise detalhada das subfrações do LDL pode ser mais relevante do que a medição total, considerando que o LDL pequeno e denso é um marcador mais preciso do risco cardiovascular.

Uma limitação apontada nos estudos é a falta de controle rigoroso sobre a composição exata das refeições, sendo os registros baseados apenas em estimativas de macronutrientes consumidos pelos pacientes. Embora os participantes tenham recebido orientações e dietas prescritas, o ambiente alimentar não era controlado, o que pode ter afetado os resultados. Como alternativa, Hall et al. [6] sugerem que pesquisas futuras incorporem refeições padronizadas para avaliar de forma mais precisa os impactos da dieta.

Por fim, Igudesman et al. [9] destacam que ainda há lacunas no conhecimento sobre dietas experimentais para pacientes com DM1, exigindo mais pesquisas para compreender as barreiras e benefícios dessa abordagem. Assim, o impacto das dietas low carb em DM1 segue um tema inconclusivo, devido à grande variabilidade metodológica e aos resultados divergentes encontrados na literatura científica atual.

Conclusão

A análise dos estudos revelou que, embora alguns indiquem melhora glicêmica em pacientes com DM1 que seguiram uma dieta com restrição de carboidratos por determinado período, outros não encontraram diferenças significativas entre dietas low carb e aquelas sem restrição de carboidratos. Assim, não é possível afirmar que a restrição de carboidratos melhora o controle glicêmico nesses pacientes. Além disso, devido à grande variação metodológica entre os estudos, há uma necessidade evidente de pesquisas mais padronizadas para se chegar a uma conclusão definitiva sobre o tema.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse de qualquer natureza.

Fontes de financiamento

Financiamento próprio.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Paradella TC; Coleta de dados: Paradella TC; Análise e interpretação dos dados: Paradella TC; Análise estatística: Sousa FACG; Redação do manuscrito: Paradella TC, Sousa FACG; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Sousa FACG.

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