Nutr Bras. 2024;23(6):1241-1253
doi:10.62827/nb.v23i6.3051

ARTIGO ORIGINAL

Sistematização do cuidado em nutrição nos protocolos de dispensação de fórmulas enterais nos municípios paranaenses, Brasil

Systematization of nutritional care in enteral formula dispensing protocols in municipalities in Parana, Brazil

Camila Luiza Luft1, Elis Sizanoski Teixeira2, Gisele Arruda1, Ketlyn Lucyani Olenka Rizzotto1, Mariana Abe Vicente Cavagnari1, Gabriela Datsch Bennemann1, Emilaine Ferreira dos Santos3, Caryna Eurich Mazur1

1Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Francisco Beltrão, PR, Brasil

2Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil

3Centro Universitário Campo Real, Guarapuava, PR, Brasil

Recebido em: 26 de fevereiro de 2025; Aceito em: 11 de março de 2025.

Correspondência: Caryna Eurich Mazur, carynanutricionista@gmail.com

Como citar

Luft CL, Teixeira ES, Arruda G, Rizzotto KLO, Cavagnari MAV, Bennemann GD, Santos EF, Mazur CE. Sistematização do cuidado em nutrição nos protocolos de dispensação de fórmulas enterais nos municípios paranaenses, Brasil. Nutr Bras. 2024;23(6):1241-1253.doi:10.62827/nb.v23i6.3051

Resumo

Introdução: Indivíduos em nutrição enteral domiciliar (NED) necessitam de cuidados específicos, incluindo a orientação de cuidadores e o acompanhamento nutricional baseado em protocolos e regulamentações. Objetivo: Avaliou-se o conteúdo encontrado nos protocolos de dispensação de fórmulas enterais de todos os municípios do estado do Paraná, e a sistematização desses. Métodos: Trata-se de um estudo documental com abordagem sistemática, fundamentado no Processo de Cuidado em Nutrição (PCN) da Associação Brasileira de Nutrição. Foram avaliadas as seguintes etapas: 1. Avaliação/Reavaliação; 2. Diagnóstico; 3. Intervenção; e 4. Monitoramento/Aferição. Além disso, foi analisada a relação da existência de protocolo com os dados socioeconômicos e demográficos dos municípios. Resultados: Dos 399 municípios paranaenses, 159 (39,8%) utilizam algum protocolo para o fornecimento de NED, dos quais apenas 83 (20,8%) foram acessados e avaliados. Destes, 32 (38,6%) municípios possuíam protocolos próprios, elaborados por servidores municipais, enquanto 51 (61,4%) utilizavam protocolos disponibilizados pelas regionais de saúde. Conclusão: Observou-se que os municípios que adotavam protocolos apresentavam fatores socioeconômicos mais elevados, além de contar com um maior número de nutricionistas envolvidas. Todos os fatores do PCN estavam presentes, embora com variações nas informações, destacando a importância da sistematização para garantir orientações uniformes e facilitar o acesso de profissionais de saúde.

Palavras-chave: Assistência Domiciliar; Nutrição Enteral; Registros Eletrônicos de Saúde.

Abstract

Introduction: Individuals on home enteral nutrition (HEN) require specific care, including guidance from caregivers and nutritional monitoring based on protocols and regulations. Objective: The content found in the enteral formula dispensing protocols of all municipalities in the state of Paraná was evaluated, as well as their systematization. Methods: This is a documentary study with a systematic approach, based on the Nutrition Care Process (PCN) of the Brazilian Nutrition Association. The following steps were evaluated: 1. Assessment/reassessment; 2. Diagnosis; 3. Intervention; and 4. Monitoring/measurement. In addition, the relationship between the existence of a protocol and the socioeconomic and demographic data of the municipalities was analyzed. Results: Of the 399 municipalities in Paraná, 159 (39.8%) use some protocol for the provision of HEN, of which only 83 (20.8%) were accessed and evaluated. Of these, 32 (38.6%) municipalities had their own protocols, developed by municipal employees, while 51 (61.4%) used protocols provided by regional health departments. Conclusion: It was observed that municipalities that adopted protocols had higher socioeconomic factors, in addition to having a greater number of nutritionists involved. All PCN factors were present, although with variations in the information, highlighting the importance of systematization to ensure uniform guidelines and facilitate access by health professionals.

Keywords: Home Nursing; Enteral Nutrition; Electronic Health Records.

Introdução

A alimentação e a nutrição são determinantes fundamentais da saúde e da vida humana. Partindo do princípio de que a Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) tem como objetivo assegurar o direito de todos ao acesso regular e permanente a uma alimentação adequada, o Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequada (DHANA) busca garantir esse acesso de forma contínua, permanente e irrestrita. No contexto da terapia nutricional domiciliar, a SAN é direcionada a indivíduos com necessidades alimentares especiais, considerando não apenas seu bem-estar físico, social e ambiental, mas também a qualidade de vida do indivíduo e de sua família [1,2].

A terapia nutricional (TN) compreende um conjunto de procedimentos terapêuticos para manutenção ou recuperação do estado nutricional por meio de nutrição parenteral ou enteral. A nutrição enteral é o tratamento recomendado para pacientes com trato gastrointestinal funcionante, porém com impossibilidade de alimentação total pela via oral [3]. Práticas como a Terapia Nutricional Enteral na assistência domiciliar, também chamada de terapia nutricional enteral domiciliar (TNED), tornaram-se frequentes e proporcionam maior qualidade de vida, uma vez que integra o indivíduo em seu ambiente social e familiar, garantindo a SAN e o DHANA [4,5,6].

As Redes de Atenção à Saúde (RAS) do Sistema Único de Saúde (SUS) recomendam a elaboração e gestão de protocolos com o objetivo de organizar o fluxo de pacientes, promover a qualidade do cuidado e estabelecer critérios para o atendimento e a dispensação de insumos. Na TNED, esses protocolos contribuem para o uso adequado de fórmulas especiais e o manejo racional dos recursos públicos, fundamentando-se nos mecanismos disponíveis, na realidade local e em evidências científicas atualizadas [1,7].

O planejamento educacional é uma etapa fundamental nos protocolos de planejamento de alta hospitalar, sendo parte das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Esse processo envolve todos os participantes, incluindo a equipe de saúde hospitalar, os pacientes, seus familiares e a equipe de saúde responsável pela assistência domiciliar. O planejamento educacional assegura a adequação da TNED, auxilia nas atividades da vida diária e contribui para a melhoria da qualidade de vida do paciente [3,5].para que o processo de planejamento educacional entre profissionais e cuidadores se inicie, é necessário conhecer o tipo de TN que será indicada na alta hospitalar, ter estabelecido quem será o responsável pelo cuidado domiciliar e quando será a data da alta para planejamento da desospitalização [3,8].

Os métodos operacionais alternativos, durante o atendimento nutricional na área clínica, podem comprometer a qualidade do serviço, limitando a atuação profissional e, muitas vezes, gerando transtornos e falhas no processo. Nesse contexto, surge a necessidade de sistematização desses métodos, com o objetivo de padronizar as etapas do atendimento clínico-nutricional. A sistematização visa identificar o problema, a etiologia e a intervenção proposta, garantindo que todo o processo seja executado sem falhas. Essa padronização assegura que mudanças de profissionais, troca de escalas de trabalho e alterações na rotina não comprometam o funcionamento do serviço. Além disso, oferece uma direção ao profissional envolvido, permitindo-lhe sistematizar o trabalho e priorizar a atenção ao paciente e à sua família [9].

Um método de padronização que vem enriquecendo o atendimento nutricional é o Processo de Cuidado em Nutrição (PCN). O PCN é uma sistematização desenvolvida pela Academy of Nutrition and Dietetics (AND), estudada desde o ano de 1970, publicada no ano de 2001, conta com quatro etapas desenvolvidas para solucionar problemas nutricionais e fornecer cuidados seguros e de qualidade aos pacientes. Foi implementada no Brasil por meio da Associação Brasileira de Nutrição (ASBRAN) no ano de 2014 [10]. O PCN é desenvolvido em quatro etapas distintas, mas inter-relacionadas, sendo elas: 1 – Avaliação Nutricional; 2 – Diagnóstico Nutricional; 3 – Intervenção Nutricional; 4 – Monitoramento e Aferição Nutricional, nas quais, cada etapa contém subdivisões definidas [10,11].

Considerando a importância da garantia da SAN e do DHANA na TNED, torna-se essencial conhecer os protocolos de dispensação de fórmulas para as pessoas que necessitam dessa terapia. Avaliou-se o conteúdo dos protocolos para o fornecimento de fórmulas de TNED e analisar a sistematização desses protocolos, de acordo com o PCN, nos municípios do Estado do Paraná.

Métodos

Trata-se de um estudo analítico documental, no qual foram adotadas concepções de documentos, como protocolos, manuais e regulamentos, como prática discursiva, considerando que ‘discurso’ e ‘prática’ são dimensões indissociáveis da ação política. Os dados foram coletados de dezembro de 2022 a março de 2023 por uma única pesquisadora, previamente treinada.

Para abranger todos os 399 municípios paranaenses, foram investigados os sites das prefeituras municipais, com o intuito de consultar o material referente aos protocolos de TNED.

Para o desenvolvimento da pesquisa e a realização das análises e reflexões previstas em relação ao tema, a metodologia consistiu em cinco etapas. Primeiramente, foi realizada uma pesquisa exploratória, que envolveu a busca por materiais orientadores. Em seguida, foram investigados os protocolos nos sites das prefeituras, com a averiguação necessária junto às Secretarias de Saúde e equipes multiprofissionais de cada município. Para obter uma análise geral dos protocolos pesquisados e determinar a inclusão ou exclusão de municípios, conforme a existência de protocolo, foi feita a seleção dos municípios, seguido da leitura aprofundada dos protocolos existentes e da extração dos dados necessários com base no PCN. Para complementar os dados da pesquisa, foram analisadas variáveis econômicas e sociodemográficas dos municípios, incluindo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), Produto Interno Bruto (PIB) e número de nutricionistas em cada município. Nessa busca, foram utilizados os sites do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para acessar o número populacional (Censo Brasileiro de 2020) [12], IDH (Censo Brasileiro de 2010) [13] e PIB (Censo Brasileiro de 2020) [14], além do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) [15], disponível no site do Ministério da Saúde, para conhecer o número de nutricionistas cadastrados no SUS em cada município. Por fim, após o levantamento dos dados, foram realizadas estatísticas descritiva e inferencial para mensurar os resultados obtidos.

Para investigação do conteúdo encontrado nos protocolos, foi utilizado como referência o PCN com quatro passos distintos e interrelacionados: 1 – A avaliação/Reavaliação em Nutrição é a coleta de informações, como história relacionada à alimentação e nutrição; dados bioquímicos, testes e procedimentos clínicos; medidas antropométricas, achados físicos focados em nutrição e história do paciente; 2 – Diagnóstico em Nutrição são os dados coletados durante a avaliação em nutrição que guiam o nutricionista na seleção do diagnóstico em nutrição apropriado; 3 – Intervenção em Nutrição, no qual o profissional seleciona a intervenção voltada para a etiologia do problema, e objetiva avaliar os sinais e sintomas do diagnóstico; 4 – Monitoramento/Aferição em Nutrição é o passo final do processo, no qual se utiliza para determinar o progresso do paciente.

Para análise estatística foram consideradas as frequências absolutas e relativas, valores de tendência central (média, mediana, mínimo, máximo e desvio-padrão). Para associação das variáveis econômicas e sociodemográficas foi utilizado o teste de Mann-Whitney e foram considerados significantes quando o valor de p foi menor que 5%. As análises foram conduzidas nos softwares Microsoft Excel® e SPSS® versão 22.0. Para elaboração do mapa geoespacial foi utilizado o programa Quantum GIS (QGIS®).

Os documentos são considerados de acesso público e sua análise dispensa, dessa forma, a aprovação em Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, de acordo com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde n.º 510/2016 ou municipais.

Resultados

De acordo com os critérios utilizados, dos 399 municípios analisados, 159 (39,8%) contam com protocolo de dispensação de fórmulas enterais. Destes, foi possível acessar o conteúdo de 83 (20,8%). Ou seja, de todos os municípios do estado que possuem algum protocolo, foi possível ter acesso a 52,2% deles. Destes 83 municípios classificados, 32 (38,6%) possuem protocolo próprio, desenvolvido pela equipe municipal, e 51 (61,4%) utilizam protocolo da Regional de Saúde da qual ele faz parte.

Destaca-se a 8ª Regional de Saúde de Francisco Beltrão, sudoeste do estado, a qual contempla 27 municípios com protocolo, sendo que o município sede possui um próprio. Seguido da 10ª Regional de Saúde de Cascavel, oeste do estado, com 25 municípios. A 2ª Regional de Saúde de Curitiba e Região Metropolitana, leste do estado, com 25 municípios, e a 15ª Regional de Maringá, norte do estado, com 11 municípios que possuem protocolo. Dentre as macrorregiões do Paraná, destaca-se Cascavel/Oeste, com 65 municípios que possuem protocolo (Figura 1).

Mapa

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Elaborado pelas autoras, 2025.

Figura 1 - Mapa do estado do Paraná com comparação entre os municípios que dispõem e não de protocolo de dispensação de fórmulas enterais

A atualização dos protocolos implica em uma maior sistematização e na inclusão de informações recentes. Com base nisso, dentre os 83 protocolos acessados, 55,3% são referentes aos últimos cinco anos.

A análise comparativa entre a existência de um protocolo e os índices socioeconômicos dos municípios, como o IDH, PIB e o número de nutricionistas, revelou que, nos municípios com protocolo, a média é de aproximadamente 2 nutricionistas por município, enquanto nos municípios sem protocolo, a média é de 1 nutricionista. Em relação ao PIB, os municípios com protocolo apresentaram uma média de R$ 38.578,10, enquanto nos municípios sem protocolo, a média foi de R$ 32.162,57. Quanto ao IDH, os municípios com protocolo tiveram uma média de 0,716, enquanto os municípios sem protocolo apresentaram uma média de 0,703. Os valores da análise estatística estão disponíveis na Tabela 1.

Tabela 1 - Desenvolvimento socioeconômico, nutricionistas e ano de publicação dos municípios com e sem protocolo

Variáveis

Municípios que possuem protocolo

Valor de p*

Sim (no 159)

Não (no 240)

Mediana (min-max)

Mediana (min-max)

No de Habitantes

14.006,00

(1.280 – 1.871,789)

7.960,00

(1.315 – 28.632,3)

<0,001

IDH

0,716

(0,546 – 0,823)

0,703

(0,546 – 0,791)

0,03

PIB

38.578,10

(12.145,28 – 134.901,01)

32.162,57

(13.586,44 – 125.803,78)

<0,001

No de Nutricionistas

2,00 (0 – 264)

1,00 (0 – 36)

<0,001

*valor de p referente ao teste Mann-Whitney.

Fonte: As autoras, 2025.

O número populacional também variou, tendo uma mediana de 14.006 munícipes nas cidades com protocolo (mínimo 1.280 máximo 1.871.789) sendo a capital do estado Curitiba com o maior número populacional, enquanto a média dos municípios que não possuem protocolo fica em 7.960 habitantes (mínimo de 1.315 e máximo de 14.006).

Nos resultados obtidos nos protocolos acessados, 36 municípios (43,4%) possuem apenas 1 nutricionista em seu quadro funcional. Vale ressaltar que 2 municípios (2,4%) não contam com nenhum nutricionista, sendo eles Jundiaí do Sul e Nova Esperança do Sudoeste. Dentre os 83 protocolos analisados com base no PCN, 79 (95,2%) incluem documentação que abrange todos os ciclos da vida, desde a infância até a terceira idade. As informações detalhadas dos protocolos, conforme o PCN, estão apresentadas na Tabela 2.

Tabela 2 - Categorias de padronização no processo de cuidado em nutrição nos municípios paranaenses que possuem protocolo de dispensação de fórmulas de nutrição enteral

Categoria

Frequência

%

Protocolos de municípios analisados

83

Avaliação e Reavaliação

História relacionada a Alimentação e Nutrição

41

49,4%

Medidas Antropométricas

51

61,4%

Dados Bioquímicos, Testes e Procedimentos Clínicos

39

47%

Achados físicos focados na Nutrição

36

43,4%

História do paciente

44

53%

Instrumentos de avaliação e monitoramento

50

60,2%

Diagnóstico

Ingestão

14

16,9%

Clínica

76

91,6%

Comportamental/Ambiental

42

50,6%

Intervenção

Oferta de alimentos e/ou nutrientes

83

100%

Educação em Nutrição

40

48,2%

Aconselhamento em Nutrição

72

86,7%

Coordenação do Cuidado em Nutrição por Nutricionista

76

91,6%

Ação em Nutrição Baseada na população

39

47%

Monitoramento/aferição

História relacionada a Alimentação e Nutrição

66

79,5%

Medidas Antropométricas

50

60,2%

Dados Bioquímicos, Testes e Procedimentos Clínicos

37

44,6%

Achados físicos focados na Nutrição

35

42,2%

Instrumentos de avaliação e monitoramento

49

59%

Fonte: As autoras, 2025.

A respeito da forma de avaliação dos pacientes, 41 municípios (49,4%) tem no formulário um local para registrar a história do paciente relacionada a sua alimentação e nutrição. Enquanto 51 (61,4%) contam com a avaliação de medidas antropométricas, 39 (47%) com os dados bioquímicos, testes e procedimentos clínicos e 36 (43,4%) também contam com avaliação física com enfoque na saúde clínica-nutricional. Além disso, 53% dos protocolos contam com local para descrição da história de vida do paciente, para saber sobre suas condições socioeconômicas, hábitos de vida e rotina.

É possível observar que as informações com dados bioquímicos e avaliação física ultrapassam 40% dos protocolos analisados, sendo que são fatores imprescindíveis em uma avaliação nutricional e acompanhamento do estado de saúde geral do paciente. Junto disso, é constatado que 60,2%, ou seja, 50 municípios, contam com algum instrumento de avaliação e monitoramento, ou seja, alguma ficha, prontuário, formulário ou documento para essa finalidade.

Para o diagnóstico do paciente, apenas 14 protocolos (16,9%) possuem descrição ou local para caracterização da ingestão alimentar do paciente. Se tratando de um protocolo que atende pessoas em TNED. O diagnóstico clínico é outra informação importante no momento da avaliação do paciente que receberá TN, tendo esse dado em 91,6% dos protocolos. Assim como o diagnóstico comportamental e ambiental do paciente, no qual consta em 50,6% dos protocolos analisados.

Durante a análise da intervenção municipal na dispensação de fórmulas e suplementos que constam no documento, é possível constatar que 100% dos municípios realizam a oferta dos alimentos ou nutrientes solicitados pelos pacientes que se enquadram nos critérios de inclusão.

A educação alimentar e nutricional, aconselhamento e coordenação também são intervenções realizadas pelos profissionais de saúde. Quando se trata de educação nutricional, 40 municípios (48,2%), contam com assuntos e conteúdos educacionais relacionados ao cuidado do paciente em domicílio, enquanto 72 (86,7%) contam com o tópico de aconselhamento, que assim como a educação nutricional, visa instruir o paciente e seus cuidadores.

Se tratando da coordenação do cuidado em Nutrição, a dieta caseira ou com alimentos ou ainda artesanal é uma estratégia para alcançar as necessidades nutricionais do paciente. Com base nisso, 45,7% dos 83 documentos analisados contam com orientação para fornecimento de dieta artesanal e apenas 6% descrevem exemplos dessas preparações. Enquanto 91,6% dos protocolos contam com a coordenação do cuidado em nutrição para os profissionais responsáveis.

O monitoramento do paciente em TNED é realizado pela equipe de saúde por meio de visitas para acompanhar a evolução do quadro clínico do paciente e a necessidade da utilização dos alimentos ou suplementos disponibilizados. Junto disso, se faz necessário a utilização de instrumentos, assim como os da avaliação do paciente. Ao analisar esse tópico, obteve-se como resultados que 79,5% dos protocolos possuem local para descrição da história do paciente relacionada à alimentação e sua evolução com o acompanhamento.

Discussão

Com base nos resultados obtidos a partir da presente pesquisa, observa-se que a grande maioria dos municípios paranaenses não contam com um protocolo específico para dispensação de fórmulas de TNED. A implementação de protocolos municipais, ou de um único disponibilizado pelas regionais de saúde estaduais, auxilia no serviço prestado pelos profissionais da área da saúde, além de otimizar os custos com pacientes que já receberam alta, controlando o material e subsídios distribuídos.

A presente pesquisa assume uma importância significativa ao influenciar a implementação de novos protocolos sistematizados no campo das políticas públicas, especialmente que envolvem saúde e nutrição. Além disso, a literatura científica reforça a relevância do uso de protocolos e rotinas sistematizadas na TN. A Sociedade Brasileira de Nutrição Enteral e Parenteral (BRASPEN), em 2019, atualizou suas diretrizes reforçando a relevância da implementação de protocolos institucionais para adequado manejo da TNE nos hospitais [9,16].

Em comparação com uma pesquisa também realizada no estado do Paraná nos anos de 2019 e 2020 sobre a utilização de documentos para acompanhamento nutricional de pacientes em TNED, dos 172 profissionais responsáveis nos municípios, 168 (98,2%) relataram realizar algum tipo de registro dos atendimentos (em prontuários, relatórios ou fichas específicas do serviço). Além disso, o mesmo estudo traz como resultado que os municípios que fizeram uso de protocolos assistenciais específicos em TNED apresentaram planejamento de custos, menor número de demandas judiciais nessa modalidade de cuidado, maior foco em capacitações específicas e discussão de pautas pertinentes à nutrição enteral domiciliar nos conselhos municipais de saúde [17].

É notório que há uma diferenciação sociodemográfica entre os municípios que possuem e não possuem protocolo de dispensação de TNED, especialmente nos municípios com menor número de habitantes, PIB, IDH, e baixo número de nutricionistas. Nesses locais, a falta de um protocolo é mais evidente. A ausência de recursos financeiros e estruturais, combinada com indicadores socioeconômicos mais baixos, pode resultar em uma lacuna no acesso a serviços, a programas e a política de TNED municipal. Da mesma forma, esses municípios podem enfrentar desafios adicionais para implementar protocolos de TNED, que ressalta a importância de abordar as desigualdades sociais e oferecer suporte adequado a essas cidades mais vulneráveis no sentido de haver uma política nacional e estadual bem estruturadas.

Diante dos resultados obtidos neste trabalho, chama atenção a aparente dissociação entre as práticas de avaliação nutricional e número de nutricionistas responsáveis nos municípios com protocolos. Observar a existência e utilização de um protocolo para acompanhamento nutricional, e não contar com um profissional capacitado para executá-lo é contraditório. Pois conforme a Lei 8234/1991 a ausência de um/a nutricionista implica na falta de um profissional capaz de prescrever e orientar o planejamento alimentar adequado e saudável, sendo atividade privativa do nutricionista [18].

Ainda, se tratando da presença do Nutricionista no Cuidado em Nutrição, Neves et al. [19] evidenciam que as práticas de atenção nutricional (AN) são majoritariamente executadas por médicos(as) de família e profissionais de enfermagem nos serviços de Atenção Primária à Saúde (APS), nas regiões investigadas. Na qual, o (a) nutricionista ainda ocupa uma posição coadjuvante na execução de ações de alimentação e nutrição. Este achado corrobora com os dados da literatura sobre a inserção do (a) nutricionista na APS que, segundo estudos, segue proporcionalmente inferior à observada em outros pontos das RAS [20]. Recentemente, houve a publicação de portaria do Ministério da Saúde que institui o nutricionista como profissional de referência dentro das equipes multiprofissionais da APS [21].

A contratação de nutricionistas desempenha um papel crucial na implementação dos protocolos, pois além da prescrição da fórmula, esse profissional desempenha um papel educativo fundamental, além do acompanhamento e evolução dos pacientes sob seus cuidados, que contribuem para a melhora da qualidade de vida, SAN e garantia do DHANA.

Destaca-se que poucos protocolos trazem orientações detalhadas sobre a utilização de dietas caseiras/artesanais, apesar de existirem questões sanitárias e microbiológicas, sabe-se que a dimensão humana do alimento nesse tipo de dieta é melhor do que nas industrializadas. Tal modalidade está pautada no DHANA, que promove a SAN [4].

Os quatro passos do PCN são fundamentais para melhorar a consistência e a qualidade do atendimento clínico nutricional. A padronização proporcionada por esses passos é essencial para a estruturação do planejamento em nutrição [10]. A busca pela integralidade da AN é relevante em todas as áreas de atuação do nutricionista. Embora o PCN seja predominantemente voltado para a nutrição clínica hospitalar, o nutricionista pode se beneficiar da sistematização desse cuidado em diferentes pontos da RAS. No entanto, é necessário considerar a regionalização e a educação continuada dos profissionais para garantir a eficácia da implementação do PCN. Nesta pesquisa, observou-se que o diagnóstico clínico e a oferta de alimentos e/ou nutrientes foram os itens do PCN mais contemplados nos protocolos.

Neste contexto, com o objetivo de melhorar a comunicação e a implementação adequada do PCN, contribuindo também para a referência e contrarreferência, a utilização de prontuário eletrônico pode ser uma ferramenta relevante para a gestão da informação e registros em saúde. Em uma pesquisa realizada em Curitiba, capital do estado do Paraná, no ano de 2013, foi proposta a criação de um protocolo eletrônico para TNED. Os autores destacam que, ao migrar de um formato físico para o eletrônico, o prontuário torna-se mais acessível, facilitando o compartilhamento de informações entre os profissionais de saúde, reduzindo erros de interpretação e garantindo a continuidade do cuidado nas redes. Além disso, os autores reiteram que o prontuário eletrônico permite a integração de dados, a geração de relatórios epidemiológicos e a tomada de decisões baseadas em evidências [22]. A adoção de um protocolo eletrônico resulta em maior eficiência no registro e na organização das informações clínico-nutricionais, beneficiando nutricionistas, demais profissionais de saúde, gestores, pacientes e seus familiares.

O presente estudo possui algumas limitações importantes. Primeiramente, cabe ressaltar, que sua abrangência é regional, sendo realizada apenas no estado do Paraná. Portanto, os resultados obtidos podem não ser generalizáveis para outras regiões ou populações. Ademais, a dificuldade de acesso aos protocolos e o contato com os profissionais responsáveis podem ter influenciado na obtenção dos dados completos e precisos. Outra limitação relevante foi a escassez de estudos semelhantes na literatura, o que dificultou a comparação dos resultados e a contextualização dos achados. Apesar dessas limitações, o estudo se mostrou notório, pois traz dados recentes referente aos programas e políticas públicas que compreende a TNED nos municípios paranaenses.

Conclusão

A sistematização dos protocolos em TNED tem como objetivo padronizá-los, assegurando que todos os documentos contenham dados relevantes sobre o paciente, de forma a garantir que nenhuma informação essencial para o cuidado do paciente ou para os profissionais envolvidos seja perdida. Foi possível observar a necessidade de uma padronização baseada no PCN, para que todas as informações a respeito do quadro clínico, necessidades nutricionais e socioeconômicas do paciente sejam consideradas. Porém, foi observado que no estado do Paraná, a maioria dos municípios não possuem protocolo, e dos que possuem grande parte não solicitam as mesmas informações.

Ressalta-se a necessidade de realizar estudos voltados à sistematização dos serviços, especialmente no campo da alimentação e nutrição, com ênfase no PCN. Essa questão se torna ainda mais relevante quando se considera que o acompanhamento deve ser pautado na integralidade do cuidado em diferentes pontos das RAS.

Conflitos de interesse

As autoras declaram não ter conflitos de interesse de qualquer natureza.

Fontes de financiamento

Financiamento próprio.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Luft CL, Teixeira ES, Mazur CE; Coleta de dados: Luft CL, Mazur CE; Análise e interpretação dos dados: Luft CL, Teixeira ES, Mazur CE; Análise estatística: Mazur CE; Redação do manuscrito: Luft CL, Teixeira ES, Mazur CE; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Luft CL, Teixeira ES, Rizzotto KLO, Cavagnari MAV, Bennemann GD, Santos EF, Mazur CE.

Referências

1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Cadernos de Atenção Domiciliar: Volume 3: Cuidados na Terapia Nutricional. 1. ed., 1. reimpr. Brasília: Ministério da Saúde; 2015.

2. Brasil. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Departamento de Atenção Básica. 1. ed., 1. reimpr. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.

3. Matsuba CS, Serpa LF, Pereira SRM. Diretriz BRASPEN de enfermagem em terapia nutricional oral, enteral e parenteral. BRASPEN Journal [Internet]. 2021; supl. 3:2–62. Disponível em: http://dx.doi.org/10.37111/braspenj.diretrizenf2021

4. Mazur CE, et al. Home enteral nutrition therapy: interface between human right to adequate food and food security and nutrition. DEMETRA [Internet]. 2014;9(3). Disponível em: http://dx.doi.org/10.12957/demetra.2014.10345

5. Thieme RD, Schieferdecker MEM, Ditterich RG. Older adults undergoing home enteral nutrition therapy: integration of national public policy and municipal programs. Rev Bras Geriatr Gerontol [Internet]. 2020;23(6). Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1981-22562020023.200157

6. Bischoff SC, et al. ESPEN practical guideline: home enteral nutrition. Clin Nutr [Internet]. 2022;41(2):468–88. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.clnu.2021.10.018

7. Silva KC, Delduque MC. Acesso a fórmulas nutricionais no Sistema Único de Saúde. Rev Direito Sanit [Internet]. 2020;20(2):155–76. Disponível em: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9044.v20i2p155-176

8. Korai A, et al. A systematic review and quality appraisal of guidelines and recommendations for home enteral tube feeding in adults. Eur J Clin Nutr [Internet]. 2024. Disponível em: https://doi.org/10.1038/s41430-024-01500-1

9. Van Aanholt D, et al. Diretriz Brasileira de Terapia Nutricional Domiciliar. BRASPEN Journal. 2018;33(supl. 1):37–46.

10. Associação Brasileira de Nutrição. Manual orientativo: sistematização do cuidado de nutrição. Fidelix MSP, organizadora. São Paulo: ASBRAN; 2014.

11. Lacey K, Pritchett E. Nutrition Care Process and Model: ADA adopts road map to quality care and outcomes management. J Am Diet Assoc [Internet]. 2003;103(8):1061–72. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/s0002-8223(03)00971-4

12. Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). IBGE cidades. Diretoria de Pesquisas. Coordenação de Contas Nacionais. PIB per capita, 2020.

13. Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). IBGE cidades. Diretoria de Pesquisas. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD. Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), 2010.

14. Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). IBGE cidades. Diretoria de Pesquisas. Coordenação de População e Indicadores Sociais. Estimativas da população residente, 2020.

15. Brasil. Ministério da Saúde (Org.). DATASUS. CNES - Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. 2019. Disponível em: https://cnes.datasus.gov.br/

16. Verotti W. Diretriz BRASPEN de terapia nutricional no paciente com câncer. Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (BRASPEN). SBNPE; 2019.

17. Teixeira ES. Terapia nutricional enteral domiciliar: sistematização do cuidado e características profissionais dos nutricionistas atuantes nos municípios paranaenses. [Dissertação de Mestrado]. Universidade Federal do Paraná; 2020.

18. Brasil. Lei nº 8.234, de 17 de setembro de 1991. Regulamenta a profissão de nutricionista e determina outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 set. 1991.

19. Neves JA, et al. Atenção nutricional na Atenção Primária à Saúde: um estudo comparativo de duas macrorregiões do estado de São Paulo, Brasil. Cad Saúde Colet [Internet]. 2023;31(2). Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1414-462x202331020411

20. Jaime PC, et al. Um olhar sobre a agenda de alimentação e nutrição nos trinta anos do Sistema Único de Saúde. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2018;23(6):1829–36. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018236.05392018

21. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 635, de 22 de maio de 2023. Institui, define e cria incentivo financeiro federal de implantação, custeio e desempenho para as modalidades de equipes multiprofissionais na Atenção Primária à Saúde. Disponível em: https://bvs.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2023/prt0635_22_05_2023.html

22. Schieferdecker MEM, et al. Criação de protocolo eletrônico para terapia nutricional enteral domiciliar. ABCD Arq Bras Cir Dig [Internet]. 2013;26(3):195–9. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-67202013000300008