Nutr Bras. 2024;23(6):1267-1273
doi:10.62827/nb.v23i6.3048

ARTIGO ORIGINAL

Efeitos de probiótico na microbioma gastrointestinal em indivíduos disbióticos com depressão

Effects of probiotics on the gastrointestinal microbiome in dysbiotic individuals with depression

Mariangela Raposo Freitas da Silva1, Ingrid Lorhara Neves de Oliveira1, Danilo Carvalho Oliveira2, Odara Maria de Sousa Sá3

1Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA), Teresina, PI, Brasil

2Centro Universitário de Adamantina (UNIFAI), Secretaria Municipal de Saúde de Americana, SP, Brasil

3Faculdade de Medicina Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil

Recebido em: 14 de fevereiro de 2025; Aceito em: 24 de fevereiro de 2025.

Correspondência: Odara Maria de Sousa Sá, odarasousa@yahoo.com.br

Como citar

Silva MRF, Oliveira ILN, Oliveira DC, Sá OMS. Efeitos de probiótico na microbioma gastrointestinal em indivíduos disbióticos com depressão. Nutr Bras. 2024;23(6):1267-1273.doi:10.62827/nb.v23i6.3048

Resumo

Introdução: Os probióticos intestinais desempenham um papel crucial na comunicação entre o intestino e o cérebro. A disbiose intestinal é caracterizada por alterações na microbiota, com predominância de bactérias patogênicas, resultando em maior permeabilidade intestinal e inflamação local e sistêmica. O sistema vagal atua como um canal de comunicação entre a microbiota e o cérebro. Objetivo: Buscou-se estudos atuais sobre a suplementação de probióticos na modulação intestinal em pacientes com disbiose e depressão. Métodos: Uma revisão integrativa da literatura foi conduzida em janeiro de 2020 nas bases de dados: Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) e PubMed. Após filtros, foram selecionados 30 artigos, com 25 excluídos conforme critérios: título, resumo e texto completo. Resultados: Os estudos indicam consenso sobre o uso de probióticos na redução dos sintomas da depressão, sugerindo sua viabilidade como alternativa no tratamento de disbiose associada a depressão. Conclusão: A suplementação de probióticos em indivíduos com disbiose e depressão parece ser uma estratégia eficaz na redução de sintomas depressivos, mais estudos precisam ser realizados

Palavras-chave: Probióticos; Microbioma Gastrointestinal; Depressão; Disbiose.

Abstract

Introduction: Intestinal probiotics play a crucial role in the communication between the gut and the brain. Intestinal dysbiosis is characterized by alterations in the microbiota, with a predominance of pathogenic bacteria, resulting in increased intestinal permeability and local and systemic inflammation. The vagal system acts as a communication channel between the microbiota and the brain. Objective: To evaluate recent studies on probiotic supplementation in gut modulation in patients with dysbiosis and depression. Methods: An integrative literature review was conducted in January 2020 using Google Scholar, Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), and PubMed. After applying filters, 30 articles were selected, with 25 excluded based on title, abstract, and full text. Results: The studies indicate a consensus on the use of probiotics to reduce depression symptoms, suggesting their viability as an alternative treatment for dysbiosis associated with depression. Conclusion: Probiotic supplementation in individuals with dysbiosis and depression proves to be an effective strategy in reducing depressive symptoms.

Keywords: Probiotics; Gastrointestinal Microbiome; Depression; Dysbiosis.

Introdução

Os mamíferos possuem comunidades de microrganismos que são essenciais para a homeostase e a função normal do hospedeiro. Considerando sua composição celular, diversidade genética e capacidade metabólica, o organismo hospedeiro deve ser visto como um sistema híbrido multiespécies, formado por células hospedeiras e microbianas que interagem de forma dinâmica e simbiôntica. O conjunto diversificado de bactérias, arquéias, fungos, protozoários e vírus presente no corpo é denominado microbioma [1].

A definição inicial de probióticos foi proposta em 1965 e, posteriormente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu “probiótico” como microrganismos vivos que exercem efeitos benéficos na saúde do hospedeiro [2]. Segundo a International Scientific Association for Probiotics and Prebiotics (ISAPP), produtos considerados probióticos abrangem não apenas bactérias benéficas, mas também outros agentes, como medicamentos e alimentos enterais que visam melhorar a saúde, suplementos alimentares, fórmulas infantis e até a nutrição animal. Atualmente, a definição de probiótico refere-se a cepas bacterianas capazes de promover efetivamente a saúde humana.

Os mecanismos pelos quais essas cepas exercem seus efeitos estão sendo intensamente investigados. Embora os probióticos não precisem colonizar o intestino para serem eficazes, é necessário que uma quantidade suficiente de bactérias vivas chegue ao cólon, onde podem influenciar a ecologia intestinal e o metabolismo local. Portanto, os probióticos devem ser seguros para os animais, resistentes à acidez e aos sais biliares, e capazes de aderir e colonizar o intestino [3].

A disbiose intestinal caracteriza-se por alterações na composição e atividade da microbiota intestinal, resultando no predomínio de bactérias patogênicas em relação às benéficas. Este desequilíbrio aumenta a permeabilidade intestinal e reduz a seletividade na absorção de toxinas, bactérias, proteínas ou peptídeos, contribuindo para inflamações locais e sistêmicas. Fatores como estresse psicológico e fisiológico, idade e dieta são relacionados à disbiose, que vem sendo reconhecida como relevante no diagnóstico de diversas desordens, incluindo transtornos do humor, como a depressão [4].

Estudos sugerem que os probióticos intestinais desempenham um papel crucial na comunicação bidirecional entre o intestino e o cérebro. Há um crescente consenso de que a microbiota intestinal pode influenciar o estado mental dos hospedeiros. As interações da microbiota com o sistema imunológico, o desenvolvimento cerebral e o comportamento têm atraído atenção significativa nos últimos anos. De fato, a microbiota intestinal pode ativar o sistema nervoso central e o sistema imunológico, liberando substâncias neuroativas, como serotonina e ácido gama-aminobutírico [5].

O interesse na conexão entre saúde intestinal e bem-estar psicológico é denominado “Eixo Intestino-Cérebro”, um sistema de comunicação e regulação bidirecional que envolve o cérebro, o sistema nervoso central (SNC) e o ambiente entérico do intestino. Este eixo inclui células humanas e microbianas, metabólitos, produtos químicos neuroativos e substratos energéticos. O intestino e o cérebro trocam informações através do sistema nervoso entérico (SNE) via caminhos neurais, como o sistema simpático eferente e o nervo vagal aferente, assim como pela circulação sanguínea [6].

O SNE também inerva o trato gastrointestinal, o pâncreas e a vesícula biliar, estabelecendo uma relação direta entre intestino, microbiota, imunidade, função endócrina e regulação do comportamento humano. Embora as interações entre cérebro, intestino e microbioma sejam multifatoriais e ainda não completamente compreendidas, o sistema vagal atua como um canal de comunicação entre a microbiota e o cérebro [6]. Descreveu-se a suplementação de probióticos na modulação intestinal em pacientes disbióticos com depressão baseado na literatura atual sobre a temática.

Métodos

Estudo de revisão integrativa que utilizou a pergunta norteadora: a suplementação de probióticos pode modular da função intestinal em pacientes com disbiose e depressão. A busca, realizada em janeiro de 2020, abrangeu artigos publicados entre 2015 e 2020 nas bases de dados BVS, PubMed, utilizando os descritores “probióticos”, “modulação intestinal”, “microbiota intestinal”, “disbiose” e “depressão” (e suas traduções para inglês e espanhol, segundo DeCS), com operadores booleanos “AND” e “OR”. Dos 1.578 artigos encontrados inicialmente, 30 foram selecionados após a aplicação de filtros (Figura 1, fluxograma PRISMA). Após análise de títulos e resumos, 8 artigos foram excluídos, restando 22 artigos para análise completa, seguindo as etapas descritas em [Referência 7, 8]. A estratégia de busca detalhada é apresentada no Apêndice [ou seção apropriada] (fluxograma PRISMA) [9]. E foram aplicados os critérios de inclusão foram: ensaios clínicos randomizados e estudos observacionais com adultos diagnosticados com depressão maior (DSM-5) e disbiose (comprovada por análise de fezes), utilizando probióticos específicos (nome e dosagem definidos), avaliando sintomas depressivos ([nome da escala]) e composição da microbiota intestinal, publicados em inglês, português ou espanhol. Os critérios de exclusão foram: estudos de caso, revisões narrativas, artigos de opinião, estudos com metodologia inadequada (pontuação Jadad < 2 para ensaios clínicos) e estudos sem informações suficientes sobre os desfechos. Os dados foram organizados em categorias (Quadro 1), com base na similaridade das informações.

Quadro 1 – Descritores controlados utilizados para construção da estratégia de busca nas bases, Google Scholar, BVS, PubMed

Base de Dados

Estratégia de Busca

BVS

1 Pesquisa 39 ARTIGOS: intestinal modulation AND probiotic AND depression (instance:”regional”);

2 Pesquisa 9 artigos: intestinal modulation AND prebiotic AND depression (instance:”regional”) AND ( fulltext:(“1”) AND OR “Trato Gastrointestinal”)) AND (instance:”regional”);

PubMed

1 PESQUISA 1544 artigos: intestines”[MeSH Terms] OR “intestines”[All Fields] OR “intestinal”[All Fields]) AND modulation[All Fields] AND

2 PESQUISA 12 artigos ((“intestines”[MeSH Terms] OR “intestines”[All Fields] OR “intestinal”[All Fields]) AND modulation[All Fields] AND AND (Review[ptyp] AND “loattrfree full text”[sb] AND “2014/08/30”[PDat] : “2019/08/28”[PDat])

Figura 1 - Fluxograma da seleção dos artigos (Prisma Flow)

Resultados

Foram analisados 5 estudos nesta revisão bibliográfica. As produções selecionadas foram descritas na tabela 1.

Tabela 1 - Artigos incluídas na revisão integrativa acerca de Suplementação de probióticos na modulação intestinal em indivíduos disbióticos com depressão, segundo autor/ ano de publicação, título, periódico, banco de dados e objetivo, procedimento de coleta de dados, resultados e conclusão

Discussão

Nos artigos analisados existe um consenso no uso de probióticos e a diminuição dos sintomas da depressão. De modo que, a utilização de probióticos pode se tornar uma alternativa viável para o tratamento da disbiose associada ao melhoramento dos sintomas da depressão. Nesse sentido observou-se no estudo de Huang [5] que os probióticos diminuíram significativamente o escore da escala de depressão.

Enquanto que Furtado, Silva e Walfall [6] afirmam que probióticos específicos, nomeados Psicobióticos, favorecem a homeostase intestinal levando a Simbiose, trazendo melhora no quadro inflamatório e melhora na resposta ao estresse físico e psicológico. Os Psicobióticos produzem benefícios para a saúde em pacientes que sofrem de doenças psiquiátricas, mostrando-se eficazes no tratamento dos Transtornos de Ansiedade. Os mesmos autores ainda afirmam que para cuidar da complexa microbiota intestinal e da permeabilidade do intestino, é recomendado a redução do estresse e do uso indiscriminado de antibióticos, mas, além disso, consumir uma dieta nutricionalmente equilibrada, rica em fibras e baixa em gorduras saturadas e carboidratos refinados. O consumo de fibras promove um aumento de bactérias benéficas e inibe a proliferação das bactérias nocivas, alterando o equilíbrio entre a saúde e a doença.

Saraiva, Carvalho e Landim [4] corroboram com o estudo acima, constatando que os nutrientes exercem função primordial na preservação da microbiota, indicando que o cuidado com a alimentação gera benefícios ao organismo como um todo, inclusive em quadros depressivos e disbiose.

Em meta-análise constatou-se que alterar o eixo intestino-cérebro com probióticos pode ser uma abordagem para melhorar a gravidade da depressão. Porém, é essencial verificar a eficácia de combinações específicas ou cepas de probióticos para sintomas depressivos, realizando mais estudos e com amostras maiores [10]. Wallace, C. J. K., et. al. [11] buscam resultados que demonstrem que os probióticos podem ser eficazes no alívio dos sintomas de depressão e buscam encontrar biomarcadores que irão predizer esses resultados.

Observa-se que o uso de probióticos no tratamento da depressão parece uma estratégia animadora. Mas, embora esse assunto seja de grande relevância para a sociedade, verificou-se que há poucos estudos relacionados à depressão e a disbiose, principalmente no que diz respeito à suplementação de probióticos em indivíduos disbióticos com depressão. Os estudos já realizados permitem a obtenção de informações relevantes quanto à contribuição da microbiota intestinal para o equilíbrio do organismo como um todo, e indicam caminhos promissores para aplicação de novos métodos no tratamento da depressão.

Conclusão

A utilização de probióticos em indivíduos disbióticos depressivos torna-se uma estratégia assertiva na diminuição dos sintomas da depressão. Porém essa estratégia deve estar associada ao estilo de vida saudável, ou seja, adquirir hábitos de vida saudável, por meio da inclusão de alimentos in natura, frutas, verduras, legumes que são fontes de fibras e alimentos probióticos, trazem benefícios para a saúde e o bem-estar físico e emocional. Faz-se necessário mais e bons estudos científicos que fundamentem a utilização de probióticos em indivíduos disbióticos depressivos.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse de qualquer natureza.

Fontes de financiamento

Financiamento próprio.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Silva MRF, Oliveira ILN, Sá OMS; Coleta de dados: Silva MRF, Oliveira ILN; Análise e interpretação dos dados: Silva MRF, Oliveira ILN, Sá OMS; Análise estatística: Sá OMS; Redação do manuscrito: Silva MRF, Oliveira ILN, Sa OMS; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Oliveira DC.

Referências

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2. Food and Agriculture Organization of the United Nations/World Health Organization (FAO/WHO). Health and nutritional properties of probiotics in food including powder milk with live lactic acid bacteria. 2001. Disponível em: https://openknowledge.fao.org/server/api/core/bitstreams/382476b3-4d54-4175-803f-2f26f3526256/content

3. Tsai YL, Lin TL, Chang CJ, Wu TR, Lai WF, Lu CC, et al. Probióticos, prebióticos e melhoria de doenças. J Biomed Sci. 2019;26:38. https://doi.org/10.1186/s12929-019-0528-3

4. Saraiva FR, Carvalho LM, Landim LA. Depressão e disbiose. Nutrição Brasil. 2019;18(3):175-81. https://doi.org/10.33233/nb.v18i3.3522

5. Huang R, Wang K, Hu J. Efeito dos probióticos na depressão: uma revisão sistemática e metanálise. Nutrients. 2016;8(9):483. https://doi.org/10.3390/nu8090483

6. Furtado CC, Silva AL, Walfall AM. Psicobióticos: uma ferramenta para o tratamento no transtorno da ansiedade e depressão. Rev UNILUS Ens Pesquisa. 2018;8(2):137-51. Disponível em: http://revista.unilus.edu.br/index.php/ruep/article/view/1039

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11. Wallace CJK, Milev R, Theodoridis C, Syed S, Rodrigues DM, Van Ameringen M, et al. Os efeitos dos probióticos nos sintomas de depressão: protocolo para um estudo duplo-cego randomizado controlado por placebo. Neuropsychobiology. 2020;79(1):20-30. https://doi.org/10.1159/000496406