ARTIGO ORIGINAL
A importância da educação nutricional no Ensino Médio no interior do Amazonas
The importance of nutritional education in High School in the interior of Amazonas
Josiane Barbosa Gonçalves¹, Carolina Alfaia Barbosa¹, Marcelo Marques¹
¹Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Manaus, AM, Brasil
Recebido: 16 de outubro de 2024; Aceito: 30 de outubro de 2024.
Correspondência: Marcelo Marques, mdsmarques@uea.edu.br
Como citar
Gonçalves JB, Barbosa CA, Marques M. A importância da educação nutricional no Ensino Médio no interior do Amazonas. Nutr Bras. 2024;23(4):1073-1084. doi:10.62827/nb.v23i4.3039
Introdução: Para promoção de hábitos alimentares saudáveis, considera-se que o conhecimento sobre alimentação e nutrição é indispensável. Objetivo: compreender os hábitos alimentares de adolescentes do ensino médio e promover reflexões acerca de temas relacionados a alimentação saudável. Métodos: A pesquisa é do tipo descritiva com abordagem quantitativa, desenvolvida em uma escola estadual no município de São Sebastiao do Uatumã - AM. Utilizou-se um questionário com 10 perguntas fechadas de múltipla escolha com três opções de resposta (“a”, “b” e “c”) relacionadas aos hábitos alimentares para 67 alunos com idades compreendidas entre 15 e 18 anos. Ainda, realizou-se quatro palestras, uma a cada semana com temas relacionados as respostas dos questionários. Resultados: Os percentuais obtidos nos resultados demonstram que os estudantes não apresentam uma alimentação tão deficitária, contudo, ainda precisam melhorar para não chegar em um risco a saúde. Cerca de 60% (44) dos estudantes disseram se alimentar 3 vezes ao dia, conforme orienta o Guia Alimentar Brasileiro, outros bebem a quantidade mínima de água recomendada e comem poucas frutas. O fator socioeconômico e a falta de conhecimento sobre o tema também contribuem para esses resultados. Ademais, poucos costumam praticar atividade física na escola. Conclusão: o conhecimento sobre alimentação não significa a certeza de escolhas saudáveis, entretanto, é o princípio para se iniciar uma transformação de valores e conceitos em atitudes a longo prazo. Nesses adolescentes a alimentação estava dentro do que preconiza a literatura, sem apresentar comportamentos que indiquem riscos à saúde.
Palavras-chave: Hábitos alimentares; adolescentes; alimentação saudável; estudantes.
Introduction: Knowledge about food and nutrition is essential to promote healthy eating habits. Objective: To understand the eating habits of high school students and to promote a discussion on topics related to healthy eating. Methods: This is a descriptive study with a quantitative approach, developed at a state school in the city of São Sebastião do Uatumã, Amazonas, Brazil. A survey with 10 multiple-choice questions with three answer options (“a”, “b” and “c”) related to eating habits was used for 67 students aged between 15 and 18 years. Four lectures were also held, one per week, with topics related to the questionnaire answers. Results: The percentages obtained in the results demonstrate that the students do not have such a deficient diet, however, they still need to improve to avoid health risks. Approximately 60% (44) of the students said they eat 3 times a day, as recommended by the Brazilian Food Guide, others drink a minimum amount of water and eat a small amount of regional fruit. The socioeconomic factor and the lack of knowledge on the subject also contribute to these results. Furthermore, few people practice physical activity at school. Conclusion: knowledge about nutrition does not guarantee healthy choices; however, it is the beginning of a transformation of values and concepts into long-term attitudes. These adolescents’ diets were within the guidelines recommended by the literature, without presenting behaviors that indicate health risks.
Keywords: Feeding behavior; adolescents; health diet; students.
A educação alimentar e nutricional faz parte do currículo escolar através das normas estabelecidas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e das diretrizes do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Todavia, a falta de condições de trabalho adequado e a desmotivação do profissional da educação se tornam limitações para a execução de ações de educação alimentar e nutricional nas escolas [1].
Segundo Santos [2], o PNAE tem sofrido inúmeras alterações no seu aparato legal propiciando cada vez mais a incorporação da promoção da alimentação saudável no ambiente escolar, fomentando projetos que possam contribuir com a valorização dos alimentos considerados saudáveis nas escolas [2]. Na década de 70, a merenda escolar fornecida era composta por alimentos mais industrializados, com estes produtos representando cerca de 54% do total de gastos do orçamento para este fim. Os principais produtos comprados nesse período eram paçoca, farinha láctea, sopas industrializadas (p.ex., sopa de feijão com macarrão, sopa de creme de milho com proteína texturizada de soja, creme de cereais com legumes), entre outros [3].
Essa realidade sofreu mudanças significativas em 2014, com contratação de nutricionistas para todas as escolas, favorecendo a entrada de alimentos mais saudáveis no contexto escolar [4]. A execução do PNAE tem como obrigatoriedade a existência de um nutricionista responsável técnico, além da ampliação e o fortalecimento dos Conselhos de Alimentação Escolar e a constituição dos Centros Colaboradores em Alimentação e Nutrição Escolar, por meio de parcerias entre o FNDE e as Instituições Federais de Ensino Superior. O trabalho é em conjunto para oferecer às escolas uma alimentação mais saudável e de qualidade na rede pública estadual de ensino.
As escolas públicas estaduais do município de São Sebastiao do Uatumã no Amazonas, não possuem nutricionistas para fiscalizar e garantir segurança na manipulação dos alimentos. A Secretaria Estadual de Educação (SEDUC) fornece um cardápio pronto para as escolas dos municípios com o intuito de respeitar os hábitos alimentares de cada município e comunidade, priorizando produtos da agricultura familiar. O cardápio deve atender às necessidades nutricionais estabelecidas pelo PNAE e o nutricionista é o profissional que atribui avalição aos cardápios, avalia se este atende às necessidades nutricionais dos escolares e se os manipuladores de alimentos (p.ex., merendeiras) estão preparando a merenda de acordo com o cardápio fornecido pela SEDUC.
Em São Sebastião do Uatumã, as escolas oferecem alimentos de qualidade e minimamente processados aos escolares, mas a falta de conscientização sobre a importância que os alimentos refletem na saúde do corpo é comum na localidade. Por esse motivo, promover projetos voltados para alimentação saudável é fundamental para desenvolver na comunidade escolar o conhecimento e a importância na qualidade dos alimentos. A saúde do corpo inicia com hábitos alimentares saudáveis, assim, é imperativo ter conhecimento básicos sobre a qualidade dos alimentos. A alimentação inadequada pode ter início ainda na infância, com grandes possibilidades de se refletir na vida adulta. Na infância a obesidade tem sua classificação pautada sob duas vertentes, sendo uma relacionada ao consumo excessivo de alimentos e a segunda, a pré-existência de alguma doença promotora (p. ex., hipertensão, diabetes tipo 2 e dislipidemias) [5].
Ao congregarmos os dois cenários, (i) ausência de conhecimento sobre o assunto e, (ii) a importância com os cuidados alimentares na infância, a escola parece ser um ambiente propício para formação de novos hábitos a partir do estímulo ao consumo de alimentos saudáveis. Para o sucesso desta ação, a literatura [6] sugere que a escola precisa colocar em sinergia o corpo docente, discente, técnico e a comunidade, orientando e estimulando o consumo de alimentos saudáveis dentro e fora das escolas [6].
De acordo com o autor supracitado, a alimentação é um ato não apenas fisiológico, mas também de integração social e, portanto, é fortemente influenciada pelas experiências que são submetidas as crianças e os exemplos em seu círculo de convivência [6]. Portanto, o ambiente escolar tem um papel fulcral para sensibilizar os alunos sobre alimentos saudáveis.
Dados da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) apontam que no triênio 2019/2021, o número de crianças e adolescentes com excesso de peso no Brasil apresentou crescimento na ordem de 6,08% e de 17,2%, respectivamente. No ano seguinte (2022), 14,2% das crianças brasileiras até cinco anos estavam com excesso de peso e 31,2% dos adolescentes com sobrepeso ou obesidade [7]. Neste sentido, descrever e entender os hábitos alimentares de uma cidade no interior do Amazonas parece ser importante também para contribuir com o corpo de conhecimento da área, fomentando subsídios para ações mais assertivas. Neste estudo descreveu-se os hábitos alimentares dos escolares do ensino médio em uma escola de São Sebastião do Uatumã, no interior do Amazonas e relatou-se a experiência de uma tentativa de sensibilizar os escolares a criarem bons hábitos relacionados a alimentação.
Trata-se de um estudo descritivo com abordagem qualitativa, realizado na escola Estadual Fernando Ramos de Miranda no turno matutino, no município de São Sebastião do Uatumã – AM. A pesquisa quanto a sua natureza é de abordagem quantitativa, que é pautada na análise, com medidas precisas, rígidos controles de variáveis e análise estatística [8]. De acordo com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde 196/96, toda pesquisa envolvendo seres humanos deve apresentar aprovação do órgão competente. Esta pesquisa teve aprovação para sua realização junto ao Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da Universidade do Estado do Amazonas (CAAE: 80612924.3.0000.5016).
A pesquisa foi conduzida em 110 alunos, com idades compreendidas entre 15 e 18 anos, de ambos os sexos, das turmas do 1° ao 3° ano do ensino médio. Todos moradores da sede do município. Os procedimentos seguiram duas fases, sendo a primeira a aplicação de um questionário para caracterizar os hábitos alimentares dos escolares e a segunda a proposição de palestras durante 4 semanas. Inicialmente, apresentamos ao gestor da escola a proposta da pesquisa, que prontamente nos atendeu assinando o termo de anuência. Antes do início das atividades de pesquisa, todos os escolares receberam o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) e os pais ou responsáveis o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Na primeira semana aplicamos um questionário proposto em estudos anteriores [9], para caracterizar os hábitos alimentares dos escolares. No dia da aplicação do questionário, cada pesquisadora se direcionou para uma turma. No turno matutino eram 5 turmas do ensino médio para responder ao questionário, dessa forma estipulamos 15min para cada turma com intuito de agilizar a coleta das informações. Após as respostas dos escolares disponibilizamos no quadro branco um gabarito que serviu para eles somarem suas pontuações decorrentes das respostas.
Na segunda semana iniciamos as palestras, realizadas na própria escola e efetuadas pelas próprias pesquisadoras. Foram 4 semanas de palestras, que não necessariamente ocorreram de forma sequencial, pois houve algumas intercorrências que fugiram ao controle das pesquisadoras. Na primeira palestra abordamos o tema “conceitos de alimentos nutritivos”, seguido de um vídeo de curta duração referente ao tema. Ao final orientamos os alunos a levarem no próximo encontro algumas embalagens dos produtos alimentícios que eles tenham consumido durante a semana.
Na terceira semana ministramos o tema “consumo exagerado de alimentos industriais/processados e ultraprocessados, desencadeando consequências maléficas para a saúde do corpo”. No primeiro momento colocamos um vídeo relacionado ao tema e em seguida iniciamos com a palestra. Ao final fizemos uma ilustração das quantidades de sal, açúcar e gorduras presente nas embalagens dos produtos que eles consumiram na semana anterior.
Para tal ilustração, levamos uma balança digital e sacos plásticos de 6x24cm, para que pudessem compreender com mais clareza e maior sensibilidade o tema abordado. A dinâmica gerou discussões e reflexões entre eles, causando surpresa ao ver as quantidades excessivas que continham em cada embalagem. Nessa palestra também ressaltamos sobre a importância de ingerir água e o consumo de frutas e legumes.
Na penúltima semana preparamos uma pequena feira de sucos naturais (p.ex., beterraba, cenoura e couve) e levamos frutas (p.ex., laranja, maçã e banana) para que os escolares degustassem de olhos vendados e tentassem conjecturar o nome da fruta a partir do sabor de cada fruta. Apresentamos ainda os benefícios de cada fruta e ofertamos uma degustação de sucos de verduras. Ao provar os sucos, os escolares relataram que era saboroso, que consumiriam com mais facilidade e a maioria deles acertou de qual verdura foi feito o suco.
Para conclusão da nossa intervenção convidamos uma nutricionista do município para que potencializasse tudo aquilo que desempenhamos nas últimas semanas referentes às temáticas supracitadas. Essa última palestra foi realizada no refeitório da escola.
O questionário aplicado foi adaptado de estudos anteriores [9] e continha 10 questões de múltipla escolha (“a”, “b” e “c”). A cada letra era atribuída uma pontuação, sendo: a letra “a” valia zero pontos nas questões de 1 a 6 e 9; valia um ponto na questão 7; e três pontos nas questões 8 e 10. A letra “b” valia zero pontos na questão 7; valia um ponto nas questões 1, 2, 5 e 10; valia dois pontos nas questões 3, 6 e 8; e três pontos nas questões 4 e 9. A letra “c” valia zero pontos nas questões 8 e 10; valia um ponto nas questões 4 e 9; e valia três pontos nas questões de 1 a 3 e de 5 a 7. Ao final os escolares foram orientados a somarem a pontuação máxima obtida e anotamos no quadro branco os scores obtidos. Quando a pontuação obtida era de 0 a 10 pontos, foi demostrado um papel vermelho que simbolizava “risco” e os orientamos a refletir melhor sobre seus hábitos alimentares. Alunos que obtiveram de 11 a 20 pontos eram considerados como detentores de bons hábitos alimentares, todavia ainda precisam melhorar. Para essa pontuação foi mostrado um papel amarelo simbolizando “bom”. A maioria dos alunos ficou nessa pontuação. Por fim os alunos que somaram de 21 a 30 pontos foram parabenizados por preferências inteligentes e que se importavam com sua saúde. A estes últimos foi exibido um papel verde simbolizando “ótimo”.
As pontuações individuais obtidas nas respostas ao questionário foram tabuladas no software de planilhas de dados do Excel (Microsoft, Redmond, Washington, EUA). As respostas foram agrupadas e apresentadas em valores percentuais relativos e absolutos ao quantitativo de respondentes. Tabelas foram utilizadas para representação gráfica dos principais achados.
Do total de matriculados no ensino médio (110 alunos), 67 responderam ao questionário. A tabela 1 apresenta os valores absolutos e relativos da soma das pontuações após a aplicação do questionário.
Tabela 1 - Pontuação atingida no questionário de perfil de consumo alimentar
Perguntas |
N (67) |
% |
Quantos copos de água você toma por dia? |
||
Não bebo muita água; |
3 |
4 |
Menos de quatro copos; |
17 |
25 |
Mais de cinco copos |
47 |
70 |
Quantas vezes por dia você come? |
||
Uma ou duas vezes por dia; |
10 |
15 |
De três a quatro vezes por dia; |
40 |
60 |
Mais de cinco vezes por dia. |
17 |
25 |
Como costuma ser seu café da manhã? |
||
Café preto e no máximo um biscoitinho; |
21 |
31 |
Café com leite, pão branco, margarina, queijo e presunto |
37 |
55 |
Frutas e sucos naturais, cereais, integrais, tapioca, pão integral |
9 |
13 |
Quantidade de frutas consumidas por dia? |
||
Não como frutas todos os dias; |
13 |
19 |
Três unidades; |
21 |
31 |
Duas ou menos unidades. |
33 |
49 |
O que leva de lanche para escola? |
||
Não levo nenhum tipo de lanche |
56 |
84 |
Chocolates, pães bolachas recheadas, salgados, refrigerantes |
4 |
6 |
Frutas, iogurte, barrinha de cereal, sanduiches de pão integral |
7 |
10 |
Perguntas |
N (67) |
% |
Consome verdura ou legume todos os dias? |
||
Não consome |
13 |
19 |
Duas ou menos vezes por semana |
15 |
22 |
Todos os dias |
39 |
58 |
Quantas vezes por semana você consome carne vermelha? |
||
Todos os dias |
9 |
13 |
Não consumo carne vermelha |
10 |
15 |
Duas ou mais |
48 |
72 |
Quantas vezes por semana pratica atividades físicas? |
||
Todos os dias |
27 |
40 |
Duas vezes ou mais |
25 |
37 |
Não pratico nenhuma atividade física |
15 |
22 |
Qual tipo de gordura usa para cozinhar os alimentos? |
||
Gordura animal ou manteiga |
5 |
7 |
Óleos vegetais |
45 |
67 |
Margarina ou gordura vegetal |
17 |
25 |
Costuma tomar refrigerante com qual frequência? |
||
Não tomo refrigerante |
11 |
16 |
Três ou menos vezes por semana |
53 |
79 |
Todos os dias |
3 |
4 |
Os dados mostram que a maioria dos alunos ingere mais de cinco copos de água, que não é necessariamente um alimento, mas é importante ressaltar sua necessidade para o corpo. De acordo com o Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS), cerca de 80% do cérebro é constituído por água, observando-se que mudanças grandes no conteúdo hídrico do cérebro afetam o seu funcionamento. O PNPAS ainda alerta que a desidratação pode influenciar adversamente a função cognitiva, podendo afetar tarefas como estudar [10]. Ainda que os dados coletados da nossa pesquisa indicam comportamento positivo relacionados a ingestão de água, identificamos que uma parte dos escolares bebem menos de 4 copos de água por dia, sendo um dos motivos na qual nos levou abordar o tema “A importância de beber água” em uma das intervenções com palestras.
Na questão em que os escolares são inquiridos sobre a quantidade de refeições que eles costumam fazer por dia, a maioria respondeu que fazem de 3 a 4 refeições sendo esta a média de refeições diárias recomendada pelo Ministério da Saúde através do Guia Alimentar [11]. Por outro lado, uma porcentagem dos pesquisados faz mais de 5 refeições por dia, tornando-se um número preocupante, pois os exageros podem contribuir para a obesidade. Segundo Nicklas et. al [12], as causas dietéticas da obesidade são complexas, no entanto os autores sugerem que mudanças recentes no padrão alimentar (p.ex., maior número de refeições) foram decisivas para a instalação da obesidade [12].
Na pergunta acerca de como costuma ser o café da manhã a maior parte dos escolares responderam que costumam consumir pão branco, margarina, queijo, presunto e o café com leite. Essa composição é similar ao estudo de Mattos e Martins [13] com 559 indivíduos no município de Cotia, São Paulo, Brasil. Os autores identificaram como os alimentos mais consumidos no café da manhã o café (87, 5%), o pão francês (70,8%), o leite (51,3%), e a margarina (50,8%). Nesse mesmo estudo [13], também foi relatado o baixo consumo de frutas (11,3% da população). Entre os nossos pesquisados, a minoria respondeu que consomem frutas, sucos naturais, cereais, tapioca e pão integral. Visto que o consumo de alimentos in natura é inferior ao consumo de alimentos processados, a pesquisa também mostra que alguns dos escolares pesquisados consomem apenas o café preto e no máximo um biscoito. Rampersaud et. al. [14] em seu estudo de revisão, constataram uma alta prevalência de crianças e adolescentes que omitem o café da manhã, tanto nos Estados Unidos como na Europa (variando de 10% a 30%). Os autores revisaram 47 estudos, na qual possibilitou traçar um perfil dos não consumidores dessa refeição, sendo eles: adolescentes meninas e crianças de baixo nível socioeconômico [14].
Na pergunta sobre a quantidade de frutas consumida por dia a maioria dos pesquisados responderam que consomem de 2 a menos unidades por dia, outros disseram que consomem 3 unidades. De acordo com o Guia Alimentar, a quantidade deve ser de 3 porções de fruta por dia, sendo que cada porção deve ser = a 70 kcal [10]. Ainda tivemos aqueles que responderam não consumir nenhum tipo de frutas. Mesmo sendo um número baixo de não consumidores de frutas, este não deixa de ser um resultado preocupante. Para Carvalho [15], o baixo consumo de frutas está entre os cinco principais fatores de risco para a ocorrência de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT’s). Estimou-se que até 2018, 5,2 milhões de mortes em todo o mundo foram atribuídas ao consumo inadequado de frutas e vegetais [15].
Ressaltamos em uma de nossas palestras a importância dos micronutrientes encontrados nas frutas e legumes para que os alunos tivessem conhecimento sobre esse assunto, pois alguns deles não consumiam nenhum tipo de frutas. Durante a intervenção, eles responderam que devido a situação financeira não tinham condições para comprar frutas. No decorrer da palestra sugerimos as frutas regionais como as mais acessíveis no município. Ainda, destacamos seus valores nutricionais e levamos opções de baixo custo para que os escolares que não consumiam nenhum tipo de fruta por falta de condições financeiras pudessem ter mais opções.
Sobre os lanches que levam para escola, uma maioria dos escolares respondeu que não leva nenhum tipo de lanche. Em razão da escola ofertar alimentos com mais qualidade e mais nutritivos, é possível que as famílias prefiram que seus filhos se alimentem na escola. A merenda escolar é obrigatória para todos os alunos matriculados na educação básica, sendo nas redes municipais, estadual ou federal. Dessa forma os alunos são amparados pela lei 11.947, de 16 de junho de 2009, que está regulamentada atualmente pela resolução CD/FNDE n°06, de 8 de maio de 2020, segundo essa legislação, a merenda escolar é direito dos alunos e dever do estado [16].
Entre os nossos pesquisados, tivemos aqueles que levam frutas, iogurtes, cereais, sanduiches e pães. Um grupo menor respondeu que leva chocolates, bolachas recheadas, refrigerantes e salgados. Apesar de ser um percentual mais baixo, não deixamos de abordar os alimentos ultraprocessados e quais os malefícios destes na saúde.
Quanto ao consumo frequente de verduras e legumes, a maioria dos escolares respondeu que costuma comer todos os dias. Outra porcentagem ficou entre consumir duas ou menos vezes por semana e não consumir nenhum tipo de verduras. Na nossa intervenção questionamos os motivos de não consumirem verduras e eles disseram que não gostavam e que nas refeições eles acabavam separando as verduras. De acordo com Jorge et. al. [17], o baixo consumo de frutas, verduras e legumes foi estaticamente associada a pouca escolaridade, baixa renda familiar e a não inserção no mercado de trabalho [17]. Entre nossos pesquisados, a falta de conhecimento sobre os alimentos parece contribuir para uma alimentação inadequada. A partir desse ponto compreendemos a importância de as escolas realizarem intervenções relacionadas a educação alimentar.
O Marco de Referência de Educação Alimentar Nutricional (EAN) é um campo da segurança alimentar e tem sido considerado uma estratégia para a prevenção e controle de problemas relacionados alimentação contemporânea. Nele identifica-se a contribuição na prevenção de DCNT’s e deficiências nutricionais, bem como a valorização das diferentes culturas alimentares, possibilitando o fortalecimento de hábitos regionais, a redução e desperdício de alimentos e a promoção ao consumo de alimentos mais saudáveis. Para o EAN, a educação alimentar e nutricional está em todos os lugares, e ao mesmo tempo em lugar nenhum. Ainda, o EAN relata que as escolhas alimentares são influenciadas por determinantes oriundos de duas grandes dimensões, a saber: individuais e coletivas, entre o individual destaca o conhecimento sobre alimentação e nutrição, compreender o que é uma alimentação saudável. No coletivo depara-se com os fatores econômicos, sociais e culturais [18].
Quanto ao consumo de carne vermelha a maioria respondeu que consome duas ou mais vezes por semana. Tais respostas foram satisfatórias dado que a maioria dos escolares consome carne vermelha, que é rica em proteínas e aminoácidos essenciais para o corpo. Entre os pesquisados, a minoria respondeu que consome todos os dias, ultrapassando a quantidade recomendada pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA) [19]. Alguns dos escolares não consome carne vermelha. Contudo, não ingerir esse alimento pode ser prejudicial à saúde, caso não seja substituído por outras fontes de proteínas, já que os alimentos de origem animal são ricos em proteínas.
Sobre a prática de atividade física, a proporção de adolescentes que se consideram ativos foi maior que os inativos. Em uma de nossas intervenções questionamos os que se consideravam inativos, o porquê de eles não praticarem atividade física nas aulas de educação física. Alguns responderam que não gostam de futsal sendo que é o mais praticado na escola. Em um estudo realizado nos Estados Unidos, apenas 55% dos alunos do ensino médio estavam matriculados em aulas de educação física em 2003, somente 28% destes frequentavam aulas de educação física diariamente [20]. Um maior envolvimento dos alunos nestas aulas que despertem o seu interesse parece ser um desafio para as escolas e professores. Para Hallal et. al. [21], o percentual de jovens inativos e insuficientemente ativos é tão elevado e surpreendentemente homogêneo entre as regiões do país, que as intervenções que promovam atividades físicas em adolescentes brasileiros tornam-se urgentes e devem ser priorizadas [21].
A gordura mais utilizada na família dos escolares para cozinhar os alimentos é o óleo vegetal. Tivemos também entre os nossos pesquisados aqueles que consomem margarina ou gordura vegetal e os que ainda usam em suas casas a gordura de origem animal. Segundo o Ministério da Saúde, o aumento da industrialização facilita a disponibilidade de alimentos comercializados com menor custo e maior validade, contudo, mais calórico. Na população de baixa renda, a industrialização insere dietas mais gordurosas na alimentação das famílias [22].
Com relação ao consumo de refrigerante a maioria dos pesquisados respondeu que a frequência é entre 3 ou menos vezes por semana e uma minoria evita essa bebida. O refrigerante não é uma bebida saudável e deve ser evitada ou consumida com menor frequência possível. De acordo com Lopes et. al. [23], o aumento do consumo de refrigerantes em adolescentes durante a pandemia da COVID-19 foi devido ao período de isolamento social, quando os adolescentes apresentavam sintomas de ansiedade que foram ligados ao aumento no consumo de refrigerantes [23].
A questão abordada neste estudo parece preencher uma lacuna na literatura especializada, da feita que descreve o perfil do escolar do interior do estado do Amazonas. Até onde nossas pesquisas constataram, esse é o primeiro estudo que busca caracterizar como se comporta este adolescente local, que tem características culturais e comportamentais que em muito diferem de outros nas diferentes regiões do Brasil e do próprio Amazonas. Por outro lado, este estudo apresenta limitações que devem ser levadas em consideração no momento de interpretar os dados e para condução de estudos futuros. O corpo escolar parecia não entender a importância do estudo, descumprindo acordos quanto aos agendamentos para as palestras, o que pode ter afetado o nível de atenção dos alunos às palestras, dado que os próprios professores e gestores não incentivavam a participação. Outra limitação surgida foi a ausência de comprometimento dos escolares em se envolverem na pesquisa, com uma taxa de 43 alunos que não participaram. Uma possível estratégia seria cooptar maior envolvimento da comunidade escolar para conduzir tais jovens a maior participação nas intervenções propostas.
As palestras, com temas que emergiram das respostas aos questionários, parecem ter sido interessantes aos alunos e à escola. Contudo, outros estudos precisam ser conduzidos para estimar o efeito crônico deste tipo de intervenção no comportamento alimentar dos estudantes.
O principal achado de nossa pesquisa foi que os escolares possuem uma alimentação em um nível considerado moderado, onde não há extremos para riscos à saúde. Todavia, é importante destacar que ainda existem hábitos alimentares não saudáveis que desequilibram a alimentação da população estudada. Neste sentido, indicamos para a ciência e para a área estudada a necessidade de uma intervenção mais incisiva que sensibilize e conscientize todos os atores diretos e indiretos da escola. Por fim, fica o aprendizado da necessidade da presença de um nutricionista escolar, agente este que é plenamente habilitado para o acompanhamento de todo o processo alimentar de uma escola.
Conflito de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse de qualquer natureza.
Fonte de financiamento
Financiamento próprio
Contribuição dos autores
Concepção e desenho da pesquisa: Gonçalves JB, Barbosa CA; Coleta de dados: Gonçalves JB, Barbosa CA; Análise e interpretação dos dados: Marques M, Gonçalves JB, Barbosa CA; Análise estatística: Marques M, Gonçalves JB, Barbosa CA; Redação do manuscrito: Gonçalves JB, Barbosa CA; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Marques M.
Referências
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