EDITORIAL
É possível uma relação entre estado nutricional e a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA)?
Marco Orsini1,2, Acary Souza Bulle Oliveira1, Wladimir Bocca Vieira de Rezende Pinto1, Marcos RG de Freitas1, Adalgiza Mafra Moreno2
1Departamento Científico de Doenças do Neurônio Motor da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
2Mestrado de Vigilância em Saúde, Universidade Iguaçu (UNIG), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Como citar
Orsini M, Oliveira ASB, Pinto WBVR, Freitas MRG, Moreno AM. É possível uma relação entre estado nutricional e a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA)?. Nutr Bras. 2024;23(1):685-688. doi:10.62827/nb.v23i1.3009
Entender os rumos que a ciência e especificamente a Nutrição tem dado nos estudos para doenças neurodegenerativas como a ELA pode representar uma luz numa caminhada muitas vezes dura e complexa para o paciente, sua família e todos os profissionais da saúde que o acompanham. Para nós profissionais da saúde o desafio é gigantesco pois muitas vezes a ELA é apenas a “ponta o iceberg”, fatores nutricionais podem e parecem ser essenciais no curso dessa doença e é isso que pretendemos refletir um pouco aqui.
Não há verdades prontas, mas temos algumas setas, indicativos nesse caminho e a Ciência da Nutrição tem se empenhado nesse sentido!
O que a ciência tem apontado é que a ELA parece ter maior risco de eclosão quando correlacionamos alta ingesta de gorduras, excesso de glutamato e β-metilamino-L-alanina. Em contrapartida, a ingesta de antioxidantes e anti-inflamatórios como, por exemplo, curcumina, creatina, coenzima Q10, além de vitaminas A,C,E poderiam reduzir o risco de ELA. Mas por que reduzir? Pela controvérsia de dados, poucos estudos randomizados-controlados, número limitado de amostragem e bilhões de variáveis envolvidas. Fato que chama atenção na atualidade é a alternância da microbiota intestinal por dietas inadequadas – predispondo a danos ao metabolismo e aparecimento de doenças neurodegenerativas como a ELA. Evidências sugerem que os hábitos alimentares em diferentes países podem explicar a diferença na incidência de ELA em todo o mundo. O estresse oxidativo, um dos principais gatilhos contidos no arcabouço fisiopatológico da ELA, pode, em parte, ser explicado pela ingestão de determinados componentes.
Vê-se ainda a alta incidência de ELA na península de Kii (Japão), por provável ingesta de β-metilamino-L-alanina (BMAA). O BMAA, um aminoácido não proteico neurotóxico natural é produzido por uma cianobactéria simbiótica nas raízes das sementes de cicadáceas (Cycas micronesica) que estão particularmente presentes nesta área. Nessa primeira região, o BMAA fora encontrado em altas concentrações em frutos do mar e peixes. Na ilha de Guam, cuja população é conhecida por “Chamorros” uma hipótese é a ingesta de raposas voadoras (morcegos frugívoros). Tais animais alimentam-se de cicadáceas em potencial e a concentração na massa muscular possui níveis extremamente altos de BMAA. Como os habitantes consomem a carne de morcegos, ingerem altos níveis de BMAA de forma secundária. Pesquisas embrionárias têm apontado a relação entre BMAA, leucina e arginina com mecanismos de apoptose neuronal e degeneração.
Outros estudos utilizaram ratos recém-natos (destaca-se aqui ainda em fase experimental e com testes em animais – poder de evidência para seres humanos não testado) e os expuseram à ingesta de BMAA. Desordens motoras foram identificadas durante a marcha desses animais e perguntas deflagradas sobre a ingesta de (BMAA) e possíveis danos durante o desenvolvimento neural. Uma das pesquisas que chamou atenção fora desenvolvida por Rao & Chiu, além de co-autores. A direta conclusão fora: a BMAA provoca morte dos neurônios motores (NADPH-diaphorase) por ativação nos receptores AMPA kainate, além de contribuir na homeostase de células gliais.
Com relação à alimentação processada de gorduras saturadas em pacientes com ELA, os resultados são divergentes. A ausência de defesa contra altos níveis de “espécies” oxigênio reativo em mutações no gene SOD1, associada ao consumo de fast food, foram decifrados e apresentados em pessoas com ELA. Na contramão, diversos pesquisadores buscam derrubar tal hipótese com resultados sinalizando o oposto – uma ingesta de alimentos ricos em gordura como fator de proteção. O glutamato, um vilão temido na alimentação, também merece papel de destaque, pois é o principal neurotransmissor excitatório do Sistema Nervoso Central. Encontra-se presente em leites e derivados, alimentos hiperproteicos e em espécies de cogumelos. Tais neurotransmissores provocam incremento de cálcio intracelular com possível apoptose neuronal. É evidente, até o final desse editorial, que não chegaremos a um consenso. Entretanto hábitos mais saudáveis na alimentação devem ser levados em consideração.
A curcumina foi estudada como tratamento, usando um modelo celular semelhante à ALS gerado por mutação da TDP-43. Viu-se que a dimetoxi-curcumina, presente na curcumina, possui efeito protetor na membrana mitocondrial, diminuindo os níveis de proteínas desacopladoras. Vale destacar que um ensaio clínico isolado demonstrou que 12 meses de tratamento com nanocurcumina e riluzol aumentou a taxa de sobrevivência em pacientes com ELA. A curcumina não apresentou efeitos toxicológicos adversos graves em humanos.
Quanto à utilização de creatina, que é um composto sintetizado a partir de arginina, glicina e metionina, ensaios clínicos realizados em humanos, não apresentaram valores expressivos para sua utilização, há estudos em andamento.
Médicos e profissionais de nutrição utilizam a coenzima Q10 em dietas específicas para melhorar a atividade mitocondrial e como antioxidante. Estudos que buscam associar COQ10 como fator de proteção ou alentecimento do processo de doença foram falhos.
O uso de determinados suplementos vitamínicos tornou-as quase uma verdade absoluta, atualmente. Entretanto, devemos nos perguntar o porquê e para quê? Inúmeros indivíduos “repõem” vitaminas com suplementos, mesmo com índices normais. O termo, em algumas dietas seria “potencialização”, sendo que essa pode implicar em problemas. Em pacientes com ELA, por anos, eram utilizadas com fins de antioxidação. Nenhum estudo comprovou a eficácia da vitamina E em altas doses. Veldink J.H e colaboradores, em um estudo com metodologia razoável, sinalizaram que a associação de vitamina E associada a ômega-3, reduz o risco em torno de 50% de desenvolvimento de ELA. Embora a suplementação de vitamina E possa ter um papel protetor em doenças neurodegenerativas, sua eficácia ainda precisa ser demonstrada com rigor científico. Nenhum estudo apontou eficácia da vitamina A em ELA, seja no gerenciamento da doença ou como fator de proteção.
Estudos anteriores demonstraram que a ingestão de carotenóides está inversamente correlacionada com o risco de ELA (frutas, verduras e legumes). Chama-nos atenção a função dos polifenóis (principais compostos fenólicos) na neuroproteção, um grupo de pigmentos vegetais que deriva da flavona e suas características antioxidantes, pró-oxidantes e na remoção de radicais livres. Ressalta-se o papel na neuroinflamação com silenciamento da micróglia.
Devemos ressaltar que, embora não façam parte da dieta, alguns alimentos podem ser tóxicos por bioacumulação, bioampliação e por acúmulo de substâncias nos tecidos de organismos por nós ingeridos. Um exemplo seria a exposição ao metilmercúrio e metais pesados como risco para a ELA – fato ainda não consumado na literatura vigente. Teoriza-se que o mercúrio pode gerar radicais livres de oxigênio, induzir à excitotoxicidade e alentecer a síntese de DNA, RNA e proteínas – todos esses processos associados à ELA. Outra linha de estudo rebate a ideia com a conclusão “pessoas com e sem ELA são expostas à mesma quantidade de mercúrio”. É possível que indivíduos com ELA possam ser mais suscetíveis ao mercúrio por predisposições genéticas/epigenéticas – seria uma linha de raciocínio.
Dietas lipídicas estão envolvidas no processo de neurodegeneração por liberação de espécies de oxigênio reativo. Na ELA, principalmente na fase de catabolismo franco, níveis altos de gordura e calorias podem alentecer a perda ponderal. Proposta já estudada em humanos e ratos pré-sintomáticos. Seriam vilãs como fatores de risco e gerenciadoras do processo de catabolismo? É possível, provável.
Atualmente, destaca-se o potencial da microbiota intestinal (tipos de bactérias presentes somente no trato gastrointestinal) no controle metabólico e imunológico, devido à relação simbiótica com o hospedeiro. Wu conduziu um revolucionário estudo no qual identificou danos à função da “barreira intestinal” e alentecimento com depleção dos níveis de bactérias produtoras de butirato em modelos de camundongo SOD1. O grupo chegou à conclusão de que o butirato pode desempenhar cenário importante em doenças neurológicas, como na ELA, por exemplo. A explicação do uso do fenilbutirato de sódio em pacientes com ELA viria desse estudo? Não podemos nos esquecer que o fenilbutirato de sódio e o ácido tauroursodeoxicólico protegem a função mitocondrial e o retículo endoplasmático rugoso – dois suplementos utilizados em pacientes com ELA.
Infelizmente, ainda não somos capazes de associar alimentos e suplementos na gênese ou proteção da ELA. De fato, as peças que constroem o arcabouço fisiopatológico dessa doença são complexas, provocando uma variedade de sintomas clínicos e evolução particular. A heterogeneidade dos fatores genéticos, ambientais e moleculares envolvidos na ELA torna difícil estabelecer intervenções nutricionais ou suplementares eficazes. Além disso, a resposta individual dos pacientes aos tratamentos varia amplamente, o que exige abordagens terapêuticas personalizadas. É essencial que continuemos a investir em pesquisas que possam elucidar as interações entre a dieta, os suplementos e os mecanismos biológicos da ELA. Somente através de estudos rigorosos e abrangentes poderemos avançar na compreensão dessa doença devastadora e desenvolver estratégias que possam oferecer esperança e melhor qualidade de vida aos pacientes.