ARTIGO ORIGINAL
Análise da incidência de vigorexia e ortorexia nervosa em praticantes de musculação em uma academia no Município de Volta Redonda
Analysis of the incidence of vigorexia and nervous orthorexia in bodybuilders at a gym in the Volta Redonda city
Anna Carolina Portilho Alves Tavares1, Elton Bicalho de Souza1, Alden dos Santos Neves1
1Centro Universitário de Volta Redonda (UNIFOA), Volta Redonda, RJ, Brasil
Recebido em: 31 de março de 2024; Aceito em: 14 de junho de 2024.
Correspondência: Anna Carolina Portilho Alves Tavares, annacarolinaportilho@outlook.com
Como citar
Tavares ACPA, Souza EB, Neves AS. Anãlise da incidência de vigorexia e ortorexia nervosa em praticantes de musculação em uma academia no Município de Volta Redonda. Nutr Bras. 2024;23(1):765-771. doi:10.62827/nb.v23i1.3007
Introdução: os transtornos alimentares e as desordens alimentares não são relacionados apenas a questões estéticas, mas envolvem fatores que comprometem a saúde física e psicológica das pessoas. Objetivo: Identificou-se a frequência de ortorexia e vigorexia em praticantes de musculação. Métodos: trata-se de um estudo observacional, realizado com 31 praticantes de musculação de uma academia. Utilizou-se o questionário Ortho-15 e a Escala de Satisfação com a Aparência Muscular - MASS. Resultados: a média de idade foi de 23,8 + 6,01 (18 – 44) anos, com a maioria do sexo feminino, e os resultados do questionário Ortho-15 revelaram uma média de 36,1 pontos, com a maioria dos participantes (n = 26) com risco de desenvolver ortorexia, resultados que estão em consonância com a literatura. A análise do MASS revelou que a maioria (n = 19) encontra-se satisfeita na maioria das vezes. Conclusão: Encontrou-se alta prevalência de ortorexia nervosa e padrões variados de satisfação com a aparência muscular entre os praticantes de musculação.
Palavras-chave: Ortorexia nervosa; imagem corporal; treinamento de força.
Introduction: eating disorders are not solely linked to aesthetic concerns; rather, they encompass factors that compromise both physical and psychological health. Objective: this study aims to ascertain the prevalence of orthorexia and vigorexia among bodybuilders. Methods: An observational study involved 31 bodybuilders recruited from a gym. The Ortho-15 questionnaire and the Muscle Appearance Satisfaction Scale (MASS) were administered. Results: the average age of participants was 23.8 ± 6.01 years, ranging from 18 to 44 years, with a predominance of female participants. Analysis of the Ortho-15 questionnaire revealed an average score of 36.1 points, indicating a significant risk of orthorexia development, particularly among male participants (n = 26), consistent with existing literature. Furthermore, the MASS analysis indicated that the majority (n = 19) reported being satisfied with their muscular appearance most of the time. Conclusion: this study identified a high prevalence of orthorexia nervosa among bodybuilders, alongside varying patterns of satisfaction with muscular appearance.
Keywords: Orthorexia nervosa; body image; resistance training.
Com as modificações obtidas a partir da transição nutricional, foi proporcional a crescente escala de pessoas com obesidade na população. Sob esse prisma, houve a coexistência desse fato com a questão do padrão estético inserido na sociedade. Isso posto, essa trajetória trouxe a intimidação social e psicológica tanto nos indivíduos que sofrem com o excesso de peso, quanto naqueles que possuem receio estético, estimulando essas pessoas a se moldarem em determinada categoria de composição corporal e, muitas vezes, essas pessoas acabam sofrendo transtornos alimentares (TA) [1].
Segundo Farias e Rosa [2] os TA são anormalidades psíquicas de viés emocional que promovem alterações danosas de comportamento alimentar, podendo ocasionar morbidades ou morte. Outrossim vale ressaltar que a etiologia é multifatorial, abrangendo causas genéticas, psicológicas, familiares, socioculturais, biológicas e nutricionais [2]. Sob a ótica gerada pela preocupação exagerada pelo corpo os indivíduos com TA estão susceptíveis ao desenvolvimento de diversos sintomas de comportamento alimentar.
Um dos transtornos mais evidentes na atualidade é a vigorexia nervosa (VN), também conhecida como transtorno dismórfico corporal, caracterizada pela contínua insatisfação com a aparência física própria, levando a prática excessiva de exercícios físicos para alcançar um corpo musculoso - ou cada vez mais musculoso, entretanto, essa prática gera consequências clínicas e nutricionais negativas para a pessoa afetada [3].
Por sua vez a ortorexia nervosa (ON) está associada a hábitos alimentares que ganharam destaque devido à crescente preocupação com a qualidade dos alimentos consumidos, porém, ainda não é reconhecida como um TA [4] uma vez que a ON não satisfaz os requisitos estabelecidos pelo Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM) [4] - Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, nem pela Organização Mundial da Saúde (OMS) [4]. A ON é enquadrada é classificada com uma desordem alimentar [5].
Em se tratando de TA os estudantes ou profissionais de nutrição e educação física e praticantes de exercício físico ou atletas são grupos com maior risco de desenvolvimento de VN. São pessoas que se enxergam com defeitos inexistentes, e buscam algo além de saúde, ou seja, se esforçam pela estética ou o pelo famigerado “shape” - nomenclatura comumente utilizada para denominação do corpo a ser alcançado. Enquanto isso a preocupação excessiva pela ingestão de alimentos saudáveis é denominada como ON [6]. A elevada prevalência dos TA ou desordens alimentares acaba sendo consequência de restrições alimentares impostas, ou pelo vício em praticarem exercício de forma exagerada [7].
Os transtornos alimentares não são apenas problemas relacionadas à estética. Envolvem fatores que comprometem a saúde física e psicológica do indivíduo, e podem estar associados a históricos de depressão e tentativas de suicídio [8]. Identificou-se a frequência de vigorexia nervosa e ortorexia nervosa em praticantes de musculação.
Trata-se de um estudo transversal, realizado em uma academia particular localizada no município de Volta Redonda, interior do Estado do Rio de Janeiro. Como critérios de inclusão, participariam do estudo homens e mulheres com 18 anos ou mais, e que aceitaram participar de forma espontânea, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Um questionário foi aplicado com o intuito de verificar dados sociodemográficos e questões referentes a hábitos alimentares e a preocupação com a forma física. O instrumento de avaliação Ortho-15 [9] foi empregado para identificar comportamentos e atitudes relacionadas à ON. O instrumento consiste em 15 questões de aspecto cognitivo, clínico e emocional, as quais abordam respostas que variam entre nunca a sempre, podendo variar a pontuação entre 1 a 4 pontos, a depender da questão. A pontuação varia de 15 a 60 pontos, com comportamentos relacionados a ON se encontram mais próximos de 15 pontos, e comportamentos saudáveis se encontram mais próximos de 60 pontos. Indivíduos com pontuação maior que 40 pontos foram considerados como potencial risco para ON, conforme recomendado por Donini et al. [9].
Outra ferramenta utilizada foi a Muscle Appearence Satisfaction Scale (MASS) adaptada [10] ou Escala de Satisfação com a Aparência Muscular, que avalia a possível presença de VN, uma vez que estima a (in)satisfação do indivíduo com a aparência muscular. É formado por 19 questões, divididas em quatro seguimentos: dependência do exercício; checagem corporal; satisfação corporal e; uso de substâncias. Possuem repostas que variam entre nunca (1 ponto) a sempre (5 pontos). A pontuação pode variar de 19 a 95 pontos, e são classificadas em dimensões, a saber: totalmente satisfeito com a aparência muscular - 19 a 28 pontos; satisfeito na maioria das vezes - 29 a 47 pontos; satisfeito às vezes - 48 a 66 pontos; insatisfeito a maioria das vezes - 67 a 85 pontos e; totalmente insatisfeito com a aparência muscular - 86 a 95 pontos. Os questionários foram respondidos por meio do aplicativo de gerenciamento de pesquisas Microsoft Forms®, cujo link foi enviado aos participantes juntamente com o termo de consentimento pelo WhatsApp por meio do aplicativo WhatsApp®.
A análise dos dados e pontuações obtidas foram analisadas para definir a frequência do transtorno e desordem alimentar na população estudada, por meio de estatística descritiva simples (percentual e média), com auxílio do programa Microsoft Office Excel®. O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário de Volta Redonda - parecer CAAE número 73369623.3.0000.5237.
52 participantes atenderam aos critérios de inclusão estabelecidos, entretanto, 21 questionários estavam incompletos, sendo desconsiderados, totalizando 31 participantes. A média de idade foi de 23,8 + 6,01 (18 – 44) anos. A maioria se declarou mulher (n = 26; 83,9%) e apenas cinco participantes (16,13%) declararam o sexo masculino. A análise do questionário Ortho-15 apresentou média de pontuação de 36,5 + 4 (27 – 44) pontos, sendo que a maioria dos participantes (80,6%) apresentou comportamento de risco, conforme apresentado no quadro 1. Dos cinco participantes que não apresentaram pontuação sugestiva de ON, apenas um (20%) era homem.
Quadro 1 - Prevalência de risco de ortorexia nervosa em praticantes de musculação – Volta Redonda - RJ
Pontuação |
Frequência Absoluta (n) |
Frequência Relativa (%) |
Acumulada (%) |
< 40 |
26 |
84% |
84% |
> 40 |
5 |
16% |
100 |
Fonte: Elaborado pelos autores
Sobre a satisfação corporal avaliada pelo MASS, encontrou-se uma média de 41,7 + 19,1 (21 – 91) pontos. A maioria dos participantes (61,3%) se diz satisfeita com o corpo na maioria das vezes. A categorização das respostas dos participantes está disponibilizada no quadro 2.
Quadro 2 - (In)satisfação corporal dos praticantes de musculação – Volta Redonda - RJ
Classificação |
Frequência Absoluta |
Frequência Relativa (%) |
Acumulada (%) |
Totalmente satisfeita(o) |
4 |
12,9% |
12,9 |
Satisfeita(o) na maioria das vezes |
19 |
61,3% |
74,2 |
Satisfeita(o) às vezes |
6 |
19,4% |
93,6 |
Insatisfeita(o) na maioria das vezes |
1 |
3,2% |
96,8 |
Totalmente insatisfeita(o) |
1 |
3,2% |
100 |
Fonte: Elaborado pelos autores
Ressalta-se que os cinco participantes que não apresentaram risco para desenvolvimento de ON não estavam insatisfeitos com o corpo, conforme ilustra o gráfico 1.
Gráfico 1 - Satisfação corporal dos participantes que não apresentaram risco de desenvolver ortorexia nervosa - Volta Redonda – RJ
Fonte: Elaborado pelos autores
O Ortho-15 tem sido considerado como um dos instrumentos mais comuns para estudar e quantificar o risco de ON [11]. Utilizando essa ferramenta observa-se que a maioria dos participantes (80,6%) se encontra abaixo de 40 pontos, ou seja, com risco de desenvolvimento de ON, confirmando os achados de outros estudos publicados no Brasil. Um estudo realizado na cidade de Limoeiro do Norte-CE, que teve como objetivo avaliar o risco de ortorexia nervosa entre praticantes de exercício físico em academias, utilizando o Ortho-15. Dos 89 participantes avaliados, 75 (84%) apresentaram um risco significativo de desenvolver a ortorexia [12]. Neves e Vilela [13], em pesquisa com o propósito de avaliar o potencial desenvolvimento de ortorexia nervosa entre frequentadores de academias de musculação em Três Pontas-MG observaram que 72% da amostra tinha risco de desenvolver ON, evidenciando que esse público é mais susceptível ao desenvolvimento dessa desordem alimentar.
Isso chama atenção para a necessidade de uma maior compreensão dessa condição e de estratégias de intervenção eficazes para prevenir seu desenvolvimento. Vale ressaltar que a influência das mídias sociais, o culto ao corpo e a busca incessante pela alimentação “perfeita”, indubitavelmente, são fatores que merecem atenção, uma vez que podem contribuir para o aumento dessa preocupante condição de saúde mental.
A pesquisa utilizou a Escala de Satisfação com a Aparência Muscular (MASS) para avaliar a frequência de vigorexia nervosa. Comparando os resultados do presente estudo com os de Jesus e Oliveira [14], que analisaram indicadores de vigorexia entre praticantes de treinamento resistido, as categorias “satisfeito a maioria das vezes” (61,3% x 31%) e “totalmente insatisfeito” (3,2% x 0%) foram superiores no presente estudo, entretanto, nas categorias “satisfeito às vezes” (19,4% x 53%) e “insatisfeito a maioria das vezes” (3,2 x 16%) foram superiores no estudo de Jesus e Oliveira.
Em termos de risco de dismorfia muscular, pontuações iguais ou superiores a 52 no questionário MASS indicam risco. No presente estudo, 6,4% dos participantes apresentaram pontuações iguais ou superiores ao ponto de corte, diferente de Paula e Viebig [15], que observaram que 27% dos frequentadores de academias em São Paulo estavam com pontuação superior ao estabelecido.
A pesquisa atual apresenta variações nas classificações de satisfação com a aparência muscular e diferenças nas médias de avaliação em relação a outros estudos. Essas variações podem refletir particularidades da amostra e sugerem a necessidade de abordar a vigorexia nervosa de maneira mais abrangente em futuras pesquisas. Observou-se também que a ortorexia nervosa foi o quadro de maior prevalência entre os voluntários, indicando a importância da abordagem dessa desordem alimentar.
Encontrou-se na presente amostra uma elevada prevalência de risco de desenvolvimento de ortorexia nervosa, e a maioria dos participantes estava satisfeita com a aparência na maioria das vezes, sendo que todos os participantes que não possuíam risco de ON não declararam insatisfação com a aparência muscular.
Vale ressaltar que esses resultados são consistentes com pesquisas anteriores, que empregaram os mesmos instrumentos de avaliação, com uma frequência notável em grupos semelhantes, ou seja, praticantes de exercícios físicos em academias. Esses resultados corroboram com a literatura que ressalta a importância de se avaliar de forma mais detalhada os diferentes aspectos que são relevantes nesse grupo específico, e a necessidade de estratégias de intervenção eficazes para prevenir o desenvolvimento de TA e distúrbios alimentares.
Espera-se que o presente estudo contribua para uma compreensão mais aprofundada e significativa da frequência da vigorexia e ortorexia nervosa em praticantes de musculação, destacando a necessidade de investigações futuras.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse de qualquer natureza.
Fontes de financiamento
Financiamento próprio.
Contribuição dos autores
Concepção e desenho da pesquisa: NEVES AS; TAVARES ACPA; Coleta de dados: TAVARES ACPA; Análise e interpretação dos dados: NEVES AS; SOUZA EB; Redação do manuscrito: TAVARES ACPA; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante:NEVES AS; SOUZA EB.
Referências
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10. Silva Junior SHA, Souza MA, Silva EJHA. Tradução, adaptação e validação da escala de satisfação com a aparência muscular (MASS). Rev Dig-Buenos Aires. 2008;13(120).
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12. Silva LM, Abreu JV. Avaliação do Risco de Ortorexia, Anorexia e Bulimia Nervosa Entre Praticantes de Exercício Físico em Academias de Limoeiro do Norte–Ce. Rev Educ Fis Saúde Esporte. 2019;2(1).
13. Neves LMM, Vilela BS. Avaliação do risco para desenvolvimento de ortopraxia nervosa em alunos de duas academias de musculação de Três Pontas-MG. In: Anais do V Congresso Internacional - O mundo em Disrupção. Anais. Varginha (MG): UNIS-MG; 2019.
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