Nutr Bras. 2024;23(4):1062-1072
doi:10.62827/nb.v23i4.3038

ARTIGO ORIGINAL

Suplementação de zinco em curto prazo para corredores de meia idade

Short-term zinc supplementation in middle-aged runners

Marcos Cibelli Castiel1, Douglas Luis da Silva Nitzke2, Ethiane Vieira Verdeco1, Bruno Costa Teixeira3, André Pontes-Silva4, Gustavo dos Santos Ribeiro5, André Luiz Lopes6, Randhall Bruce Kreismann Carteri7

1Centro Universitário Metodista (IPA), Porto Alegre, RS, Brasil

2Cesuca Centro Universitário (CESUCA), Cachoeirinha, RS, Brasil

3Departamento de Ciências do Movimento Humano (DCHM), Faculdade de Educação Física, Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), Ibirité, MG, Brasil

4Programa de Pós-Graduação em Fisioterapia, Departamento de Fisioterapia, Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), São Carlos, SP, Brasil

5Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Porto Alegre, RS, Brasil

6Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil

7Programa de Pós-Graduação em Hepatologia, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Porto Alegre, RS, Brasil

Recebido: 31 de maio de 2024; Aceito: 30 de outubro de 2024.

Correspondência: Randhall Bruce Kreismann Carteri, rcarteri@outlook.com

Como citar

Castiel MC, Nitzke DLS, Verdeco EV, Teixeira BC, Pontes-Silva A, Ribeiro GS, Lopes AL, Carteri RBK. Suplementação de zinco em curto prazo para corredores de meia idade. Nutr Bras. 2024;23(4):1062-1072. doi:10.62827/nb.v23i4.3038

Resumo

Introdução: Corredores de meia idade frequentemente fazem o uso de suplementos para melhorar o desempenho e garantir a saúde. Nesse contexto, a suplementação de zinco é relacionada ao aumento dos níveis de testosterona, embora a literatura sobre o assunto traga resultados inconclusivos. Objetivo: Investigar o efeito da suplementação de zinco em curto prazo nos níveis de testosterona livre e parâmetros antropométricos em corredores do sexo masculino de meia idade. Métodos: Foram selecionados 10 corredores de longa distância. O protocolo foi dividido em três etapas: avaliação inicial, suplementação e avaliação final. As avaliações foram compostas por recordatório alimentar, medidas antropométricas, consumo máximo de oxigênio e uma amostra de saliva para medir a concentração de testosterona livre. Todos os corredores ingeriram uma cápsula contendo 50 mg/dia de Zinco Quelado (1x ao dia por 15 dias). Resultados: A amostra foi composta por corredores de meia-idade (55,5 ± 4,8 anos) com boa aptidão cardiorrespiratória (46,9 ± 4,8 ml.kg-1.min-1) e valores de IMC indicativos de sobrepeso (25,6 ± 2,1 kg/m2). O nível de testosterona mostrou-se adequado (74,2 ± 46,5 pg/ml). Entretanto, seis corredores apresentaram valores abaixo do limiar diagnóstico (70 pg/ml). Conclusão: Nosso estudo não observou diferença nas concentrações de testosterona livre após 15 dias de suplementação de zinco. Observamos um consumo calórico menor que o gasto energético, baixo consumo de carboidratos, proteínas, ferro e potássio, além de maior ingesta de sódio e colesterol.

Palavras-chave: Nutrição no esporte; zinco; testosterona; atletismo.

Abstract

Introduction: Middle-aged runners often use supplements to enhance performance and ensure health. In this context, zinc supplementation is associated with increased testosterone levels, although the literature on the subject presents inconclusive results. Objective: To investigate the short-term effect of zinc supplementation on free testosterone levels and anthropometric parameters in middle-aged male runners. Methods: Ten long-distance runners were selected. The protocol was divided into three stages: initial assessment, supplementation, and final assessment. Evaluations included dietary recall, anthropometric measurements, maximal oxygen consumption, and a saliva sample to measure free testosterone concentration. All runners ingested a capsule containing 50 mg/day of chelated zinc (once daily for 15 days). Results: The sample consisted of middle-aged runners (55.5 ± 4.8 years) with good cardiorespiratory fitness (46.9 ± 4.8 ml.kg-¹.min-¹) and body mass index (BMI) values indicative of overweight (25.6 ± 2.1 kg/m²). Testosterone levels were adequate (74.2 ± 46.5 pg/ml); however, six runners had values below the diagnostic threshold (70 pg/ml). Conclusion: Our study did not observe any difference in free testosterone concentrations after 15 days of zinc supplementation. We noted a caloric intake lower than energy expenditure, low consumption of carbohydrates, proteins, iron, and potassium, along with higher intake of sodium and cholesterol.

Keywords: Nutrition in sport; zinc; testosterone; track and field.

Introdução

Nos últimos anos presenciamos um crescimento exponencial da corrida de rua, popularizando um esporte praticado em circuito aberto e percurso variado [1]. Dados da International Association of Athletics Federations (IAAF) indicam um aumento de 57,8% no número de atletas inscritos em provas oficiais entre os anos de 1986 e 2018 [2]. Outro dado interessante diz respeito a prevalência de participantes com 50 anos ou mais em provas de longa distância, caracterizada por percursos acima de 10 km, passando de 24,7 para 28,6% – representando uma parcela considerável dos 107,9 milhões de atletas inscritos [2].

De acordo com Orwoll et al. [3], há uma tendência natural do homem reduzir os níveis de testosterona durante o envelhecimento. Estima-se que a partir dos 40 anos os níveis de testosterona livre (TL) reduzam cerca de 1,2% a cada ano. Vermeulen et al. [4] mencionam que a testosterona total permanece estável neste primeiro momento e reduz aproximadamente 0,85% ano após a 5ª década de vida. Reconhecidamente, a testosterona é um potente estimulante da síntese proteica e ganho/manutenção de força e massa muscular em jovens, adultos e idosos [5], sendo alvo terapêutico para o tratamento de enfermidades (ex.: sarcopenia) ou estético (ex.: volume muscular).

Neste contexto, a nutrição exerce um papel fundamental na manutenção dos níveis séricos de testosterona. Anderson et al. [6] citam que carboidratos e proteínas podem alterar a concentração deste hormônio mesmo que outros componentes como lipídios e gasto calórico não se modifiquem. De fato, a quantidade de carboidratos e a ingesta calórica proveniente de carboidratos parece ter papel fundamental nos níveis de testosterona [7]. A redução nos níveis de glicose estimula a secreção de cortisol e inibi o eixo hipotálamo-pituitário-adrenal, impactando negativamente na concentração de testosterona em atletas [7].

Considerando o número de atletas do sexo masculino com mais de 50 anos em provas de longa distância e a diminuição dos níveis de testosterona nesta faixa etária, é fundamental encontrar estratégias para minimizar o déficit hormonal observado em casos de deficiência androgênica [8]. O zinco é um oligoelemento essencial, mas a ingestão excessiva pode levar a efeitos adversos à saúde. O nível máximo de ingestão tolerável (UL) para zinco varia, com a Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar definindo-o em 25 mg/dia e a FDA permitindo 40 mg/dia [9]. Entretanto, diferentes estudos envolvendo a suplementação e desfechos clínicos utilizam doses de zinco que variam de 12 mg até 150 mg de Zn elementar/dia, sendo que a dose de 50mg/dia é comumente utilizada em desfechos hormonais [9,10]. O uso da suplementação de zinco (Zn) tem se mostrado promissor na regulação dos níveis de testosterona por estimular a síntese do hormônio luteinizante, precursor deste potente hormônio anabólico [10, 11]. Evidências atuais indicam efeito positivo da suplementação de Zn no tratamento da infertilidade masculina por hipogonadismo [11].

Portanto, o objetivo do estudo foi investigar os efeitos da suplementação de curto prazo (15 dias) de Zn nos níveis de TL e parâmetros antropométricos de corredores do sexo masculino de meia idade que praticam corridas de longa distância. A hipótese é que a suplementação de Zn pode aumentar os níveis de TL em atletas de meia idade.

Métodos

Delineamento do estudo

O presente estudo se caracteriza como um ensaio clínico não-controlado com amostragem não-probabilística. Os indivíduos foram selecionados por conveniência em centros esportivos de duas capitais da Região Sul do país. Compuseram a amostra 10 corredores do sexo masculino com experiência de pelo menos 2 anos em corridas com distância acima de 10 km. Todos foram informados dos procedimentos de coleta e assinaram o termo de consentimento livre esclarecido. Os procedimentos seguiram a resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e foram previamente aprovados pelo comitê de ética local (parecer 5.075.800, CAAE: 49271221.4.0000.5308).

Desenho experimental

O protocolo de pesquisa foi dividido em três etapas: avaliação inicial (baseline), suplementação e avaliação final (follow-up). No primeiro dia foram feitas as avaliações antropométrica e de consumo alimentar. O registro alimentar de 24 horas (RA24h) foi reavaliado no segundo dia de coleta junto com uma amostra de saliva (Kit Salivit, LabVitrus, Porto Alegre, Brasil) em jejum para mensurar os níveis de TL (Imunoensaio Enzimático Automatizado – Elisa, KIT IBL International – Tecan, Hamburgo, Alemanha; Equipamento BRIO – Radim, Sensibilidade analítica: 1,80 pg/mL ). Na fase de suplementação, os participantes foram orientados a ingerir diariamente uma cápsula (contendo 50 mg de Zinco Quelado, 206,44mg de Glicina, fator de correção utilizado 5,12; Fornecedor Orgolabs Laboratório Ltda, São Paulo, Brasil; Lote: 413-Zn/20)por 15 dias), evitando tomar o comprimido com leite ou derivados. O protocolo de suplementação seguiu a posologia recomendada para atletas da National Institute of Health [12] e considerando as doses comumente utilizadas para desfechos endócrinos [9,11]. Todos os atletas receberam a suplementação, e não utilizamos um grupo controle.

O recordatório alimentar foi aferido novamente no 9º, 17º e 18º dia do protocolo. As avaliações antropométrica e de saliva foram repetidas no 18º dia. Os participantes foram orientados a manter seus hábitos nutricionais e de atividade física conforme o planejamento de suas equipes: quilometragem semanal (~75 km) e tempo de corrida (~ 410 min por semana). A Figura 1 ilustra o desenho experimental do estudo.

Interface gráfica do usuário

Descrição gerada automaticamente com confiança média

ANT, Avaliação antropométrica. CAS, Coleta de amostra salivar. RA24, Recordatório alimentar de 24h.

Figura 1 - Desenho experimental do estudo

Avaliação antropométrica

A massa corporal e a estatura foram aferidas em balança digital e estadiômetro acoplado (modelo OS-180 Urano®, Porto Alegre, RS). Os dados foram utilizados para calcular o índice de massa corporal (IMC) divindo a massa corporal pela estatura ao quadrado. As dobras cutâneas foram mensuradas usando um plicômetro científico Hapenden (Cescorf®, Porto Alegre, RS), os diâmetros ósseos um paquímetro metálico de 60 cm (Cescorf®, Porto Alegre, RS) e os perímetros uma fita métrica (Sanny®, São Bernardo do Campo, SP). Os pontos de aferição seguiram o protocolo da Sociedade Internacional para o Avanço da Cineantropometria (ISAK) [13]. A densidade corporal foi predita pelo modelo de dois componentes de acordo com a equação propostas por Petroski & Pires-Neto [14].

Avaliação do consumo alimentar

Todos os participantes preencheram cinco RA24h ao longo do estudo. Em cada recordatório foram registrados de forma detalhada os alimentos e bebidas consumidos ao longo do dia, incluindo quantidade, ingredientes, fabricante e forma de preparação [15]. Foram registrados detalhes como adição de sal, açúcar, óleo, molho e como o alimento era ingerido (in natura ou processados). Foram avaliados diferentes parâmetros do consumo alimentar , estimados pelo valor médio de todos os alimentos relatados nos RA24h preenchidos durante o estudo, conforme as tabelas de referências nacionais [16,17]. Posteriormente, o total energético, macronutrientes, e micronutrientes foram comparados com a ingestão diária recomendada para a idade dos atletas [18]. Para estimar a necessidade energética diária utilizou-se a equação de Cunningham [19]: Taxa metabólica de repouso (TMR) (kcal/dia) = (500 + 22 x massa livre de gordura) x 1,4.

Avaliação metabólica

O consumo máximo de oxigênio (VO2 MAX) foi determinado em teste de campo, conforme indicado pelo American College of Sports Medicine e estimado pela seguinte equação [20]: VO2 MAX = [0,2 x velocidade (m/min)] + [0,9 x velocidade (m/min)] + 3,5. Todos os testes foram realizados em pista de atletismo oficial. Para coletar a amostra de saliva, os participantes permaneciam sentados por 10 minutos em uma posiçao reclinada e, posteriormente, 1 ml de saliva não estimulada era coletado de forma passiva em tubo de 5 ml. As amostras foram armazenadas a -20ºC e encaminhadas ao laboratório para determinar os níveis individuais de TL usando kit de imunoensaio enzimático BRIO – Radim (Kit Tecan, Hamburgo, Alemanha).

Análise estatística

O teste de Shapiro-Wilk foi usado para analisar a distribuição dos dados (teste de normalidade). O gasto energético, ingestão calórica e nutrientes foram comparados com valores de referência utilizando o teste t para amostras simples. Os níveis de TL e variáveis antropométricas foram comparadas utilizando o teste t pareado (pré e pós suplementação). A correlação de Pearson foi aplicada para avaliar a interação entre níveis de TL e variáveis antropométricas e do consumo alimentar. Todos as analises foram feitas no Statistical Package for Social Sciences 22.0 (IBM SPSS Statistics, Armonk, NY) considerando significativo p < 0,05. Os dados são descritos como média e desvio padrão (DP). Os gráficos foram elaborados no GraphPAD Prism 5.0 (GraphPad Software, Boston, MA).

Resultados

A amostra foi composta por atletas de meia-idade (55,5 ± 4,8 anos) com boa aptidão cardiorrespiratória (46,9 ± 4,8 ml.kg-1.min-1) e valores de IMC indicativos de sobrepeso (25,6 ± 2,1 kg/m2). Em relação ao percentual de gordura, não foram encontradas diferenças (Pré: 18,81±6,7 e Pós: 19,36±7,3, p = 0,239) O nível de TL mostrou-se adequado para faixa-etária (74,2 ± 46,5 pg/mL) ainda que seis participantes tenham apresentado valores abaixo do limiar diagnóstico (70 pg/mL). A Figura 2 apresenta os níveis individuais de TL.

Figura 2 - Nível individual de testosterona livre

Em relação ao RA24h, constatou-se diferença entre gasto energético estimado pela equação de Cunningham e a ingesta calórica dos atletas (2060 ± 265 vs 2188 ± 400 kcal; p = 0,049). Observou-se ingestão de carboidratos, proteínas, ferro e potássio abaixo do recomendado, e não foram encontradas relações entre a ingestão de nutrientes e os níveis de TL. A Tabela 1 sintetiza os dados nutricionais do RA24h.

Tabela 1 - Dados nutricionais do recordatório alimentar

Nutriente

Média ± DP

IRD

p-valor

Carboidratos (g/kg)

3,6 ± 1,1

6

0,001

Proteínas (g/kg)

1,3 ± 0,3

1,5

0,012

Lipídios (g/kg)

0,9 ± 0,2

1

0,129

Colesterol (g/dia)

639 ± 346

200

0,003

Zincoa (g/dia)

12,5 ± 6,3

11

0,620

Ferro (g/dia)

16,3 ± 7

8

0,016

Sódio (g/dia)

1606 ± 550

1,3

0,001

Potássio (g/dia)

3470 ± 727

4,7

0,001

Fibras (g/dia)

30,05 ± 7,8

30

0,793

Vitamina C (g/dia)

194 ± 133

90

0,055

Vitamina D (g/dia)

1,6 ± 1,1

*

-

IRD, ingestão diária recomendada. * quantidade não reportada. a Não inclui a suplementação de 50mg de Zinco. Fonte: Institute of Medicine [18].

O efeito da suplementação de zinco nos níveis de TL é apresentado na Figura 3. Não houve diferença entre baseline e follow-up (74,2 ± 46,5 vs 72,0 ± 25,1; p = 0.844). Não foi observada correlação entre TL e variáveis antropométricas.

Gráfico

Descrição gerada automaticamente

PRE, avaliação inicial (baseline). POS, avaliação final (follow-up).

Figura 3 - Efeito da suplementação de zinco nos níveis de testosterona livre

Discussão

O presente estudo investigou o efeito de 15 dias com suplementação em curto prazo de Zn na concentração de TL em atletas do sexo masculinos com mais de 50 anos. Os dados demonstram que apenas 40% da amostra exibia níveis basais de TL adequados para faixa-etária. A maior parcela apresentou valores abaixo do preconizado. Este achado está de acordo com a literatura que não indica benefícios da suplementação de Zn nos níveis de TL, mesmo em um grupo homogêneo de corredores (faixa-etária e modalidade). Observamos ainda que a ingesta calórica de carboidratos, proteínas, potássio e ferro estava abaixo da quantidade recomendada e a ingesta de sódio e colesterol estava acima do preconizado para faixa-etária.

Nosso estudo não observou diferença nas concentrações de TL após o período de suplementação de Zn, e não encontramos relações da ingestão dos nutrientes avaliados com níveis de TL. De acordo com Dave & Fisher [21], uma dieta saudável seria um fator determinante para a manutenção ou até melhora dos níveis basais de TL. Os corredores analisados apresentaram o aporte de macronutrientes como proteínas e carboidratos mal dimensionados. O consumo indicado de carboidratos para atletas de resistência (corrida) é entorno de 60% ou mais do total calórico, variando de 6 até 12g/kg/dia. Ressaltamos que a ingestão da amostra (3,6 g/kg) foi menor do que a quantidade recomendada, sendo que a ingestão abaixo do recomendado pode comprometer o desempenho esportivo e a produção de testosterona [22,23].

Outro ponto que merece atenção é o balanço nitrogenado inadequado para a modalidade esportiva. O consumo de proteína indicado para praticantes de corrida de longa distância varia de 1,2 até 2,2 g/kg/dia [22,23] – quantidade aproximada da consumida pela amostra. De acordo com Hyde et al. [24], o aumento na síntese proteica colapsa diante de uma baixa oferta de aminoácidos no período de recuperação muscular, de modo que as células satélites ficam inativadas, acelerando a degradação de proteínas musculares e catabolismo de aminoácidos do próprio músculo [24].

Outro fator considerável é a ingestão de colesterol, que no presente estudo estava acima das recomendações (639 vs <200 mg/dl; p=0.003). Entretanto, um maior consumo de colesterol é esperado em indivíduos ativos, pelo maior consumo de proteínas [25]. Corredores de ultramaratona podem apresentar maior consumo de colesterol e, consequentemente, níveis mais altos de colesterol total, lipoproteína de alta densidade (HDL), e lipoproteína de baixa densidade (LDL), com menos partículas pequenas de LDL, indicando potenciais adaptações ao metabolismo lipídico [26]. É importante reforçar que o alto consumo de colesterol dietético pode não afetar significativamente os níveis de colesterol sérico em indivíduos fisicamente ativos [26, 27]. Adicionalmente, os níveis de colesterol dietético e colesterol total sérico não são diretamente associados aos níveis de testosterona total em homens [28], e os níveis fisiológicos de testosterona podem ser negativamente associados os níveis de lipoproteína de alta densidade (HDL) em homens saudáveis [29].

Dave & Fisher [20] afirmam que a baixa disponibilidade de Zn também poderia reduzir os níveis de TL. Entretanto, a amostra apresentou consumo adequado deste mineral (12,5 vs 9,4 mg/dia; p=0,620), além da suplementação de 50mg. Cabe salientar que o volume de treino dos corredores era em média cerca de ~75 km (aproximadamente 410 minutos) por semana, Mesmo considerando que a concentração de Zn pode baixar de 12 a 33% nos primeiros 30 min após exercício e, no caso de corredores de longa distância, a depleção pode seguir até 4h após o exercício [30], as diretrizes nutricionais sugerem que a suplementação é recomendada apenas em caso de ingestão insuficiente, baseado nos valores sugeridos para IDR, considerando também corredores de provas de longa distância [22,23]. Ainda assim, nossos dados indicam que o nível hormonal da amostra está adequado segundo a Sociedade Brasileira de Urologia (74,2 ± 46,5 vs 70 pg/ml; p=0,780) [30]. De acordo com a entidade, valores abaixo de 24 pg/ml são considerados como parte do diagnóstico para deficiência do hormônio [além de menores níveis de Globulina Ligadora de Hormônios Sexuais e a Albumina para determinação do hipogonadismo [31].

No presente estudo, não foram identificadas alterações nos níveis de TL em repouso após 15 dias de suplementação, concordando com estudos com 30 dias de suplementação. Entretanto, nos estudos de Kilic et al. [32] e Neek et al. [33] não observaram aumento nos níveis de TL em repouso porém uma maior magnitude de aumento da TL após o estímulo do exercício. O período de intervenção de curto prazo utilizado no presente estudo (15 dias) poderia justificar a discrepância de resultados. Em contraste, Koehler et al. [34] não encontraram alterações significativas nos níveis séricos de testosterona total ou livre em homens praticantes de exercícios suplementados com ZMA, um produto contendo zinco. Assim, as discrepâncias nos resultados podem ser devido a diferenças na composição do suplemento, dosagem, duração e status basal de zinco dos participantes. Embora a suplementação de zinco possa aumentar os níveis de zinco no soro e na urina, as evidências indicam que seus efeitos sobre os níveis de testosterona em atletas com ingestão adequada de zinco não são significativos.

Nosso estudo apresenta algumas limitações que precisam ser consideradas na interpretação dos dados. Por exemplo, nosso protocolo proposto foi de curta duração (15 dias), pois a literatura é escassa em relação a suplementação de zinco em curto prazo e também não incluiu um grupo de controle por placebo. Notavelmente, não avaliamos outros parâmetros do sistema endócrino relacionados com a testosterona, zinco sérico, marcadores de dano tecidual e overtraining. Para determinar a concentração de TL utilizamos o exame salivar, mas seriam importantes exames de albumina, hormônio do crescimento, entre outros para determinar a associação de Zn com a TL. Para resultados ainda mais precisos poderia ser realizados exames de Somatomedina (IGF1) e Proteína Ligadora Tipo 3 (IGFBP3). Além disso, o consumo calórico foi estimado por equação preditiva e não pela técnica de calorimetria direta. Entretanto, nossos achados são importantes para auxiliar na determinação de conduta e educação nutricional para o uso desse suplemento por corredores.

Conclusão

Os dados não confirmaram a hipótese que a suplementação de curto prazo de Zn poderia aumentar a concentração de TL em corredores de meia idade. Observou-se um consumo calórico menor que o gasto energético total estimado, baixo consumo de carboidratos, proteínas, ferro e potássio, além de maior ingestão de sódio e colesterol sem relações com os níveis de TL. Os dados do presente estudo abrem caminho para discussão sobre a atuação dos nutricionistas na orientação de atletas de longa distância. O desequilíbrio nutricional pode comprometer o desempenho e levar a depleção do glicogênio muscular e dos níveis de testosterona, ocasionando OverTraining e poderia contribuir também para a deficiência androgênica.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não ter conflitos de interesse de qualquer natureza.

Fontes de financiamento

Financiamento próprio.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Carteri RBK, Castiel MC; Coleta de dados: Castiel MC, Ribeiro GS; Análise e interpretação dos dados: Pontes-Silva A, Lopes AL, Teixeira BC; Redação do manuscrito: Carteri RBK, Nitzke DLS, Verdeco EV; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Carteri RBK.

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