REVISÃO
Repercussões do consumo de alimentos açucarados nos primeiros cinco anos de vida: uma revisão
Repercussions of consuming sugary foods in the first five years of life: a review
Isabelli Alves dos Santos1, Deyrelle de Jesus Gama Barbalho1, Liejy Agnes dos Santos Raposo Landim1, Daniele Rodrigues Carvalho Caldas1
1Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA), Teresina, PI, Brasil
Recebido em: 15 de maio de 2024; Aceito em: 30 de janeiro de 2025.
Correspondência: Daniele Rodrigues Carvalho Caldas, danielerccaldastrabalho@gmail.com
Como citar
Santos IA, Barbalho DJG, Landim LASR, Caldas DRC. Repercussões do consumo de alimentos açucarados nos primeiros cinco anos de vida: uma revisão. Nutr Bras. 2024;23(5):1181-1194.doi:10.62827/nb.v23i5.3046
Introdução: O consumo excessivo de alimentos açucarados nos primeiros 5 anos de vida é uma preocupação no acompanhamento das dificuldades alimentares durante a infância, visto que pode gerar graves consequências a curto e a longo prazo, no estado nutricional. A introdução de uma nutrição adequada, ainda na infância, é de extrema importância para o crescimento e o desenvolvimento de hábitos saudáveis. Objetivo: Analisar o perfil de consumo de alimentos açucarados nos primeiros 5 anos de vida e os seus impactos na infância. Métodos: Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, utilizando pesquisa bibliográfica nas bases de dados PubMed (Public Medicine), BVS (Biblioteca Virtual em Saúde) e Scielo (Scientific Electronic Library Online). Foram incluídos artigos originais entre os anos de 2005 a 2023, nos idiomas inglês e português. Foram selecionados treze artigos e, após a filtragem, para leitura e análise na íntegra. Resultados: Os estudos demostraram que os alimentos mais consumidos pela população infantil são leite, açúcar, gordura e arroz. No entanto, fatores como cultura, renda e acesso aos alimentos influenciam esse consumo. Um ponto preocupante é a introdução precoce de leite não materno, guloseimas e alimentos ultraprocessados, especialmente entre crianças menores de dois anos. Conclusão: A introdução precoce de alimentos líquidos como: leite de vaca, mel, açúcar e doces, nos primeiros cinco anos de vida pode estar associada à redução de antioxidantes, aumento do estresse oxidativo, além de contribuir para surgimentos de alergias e intolerâncias alimentares, doenças intestinais e obesidade infantil, elevando o risco de doenças crônicas a longo prazo.
Palavras-chave: Açucares; consumo alimentar; criança.
Abstract
Introduction: Excessive consumption of sugary foods in the first 5 years of life is a concern when monitoring eating difficulties during childhood, as it can have serious short- and long-term consequences on nutritional status. Introducing adequate nutrition, even in childhood, is extremely important for growth and the development of healthy habits. Objective: To analyze the profile of consumption of sugary foods in the first 5 years of life and its impacts on childhood. Methods: This is an integrative literature review, using bibliographic research in the PubMed (Public Medicine), BVS (Virtual Health Library) and Scielo (Scientific Electronic Library Online) databases. Original articles between the years 2005 and 2023, in English and Portuguese, were included. Thirteen articles were selected and, after filtering, for reading and analysis in full. Results: The studies showed that the foods most consumed by the child population are milk, sugar, fat and rice. However, factors such as culture, income and access to food influence this consumption. A point of concern is the early introduction of non-breast milk, sweets and ultra-processed foods, especially among children under two years of age. Conclusion: The early introduction of liquid foods such as cow’s milk, honey, sugar and sweets, in the first five years of life may be associated with a reduction in antioxidants, increased oxidative stress, in addition to contributing to the emergence of allergies and food intolerances, intestinal diseases and childhood obesity, increasing the risk of chronic diseases in the long term.
Keywords: Sugars; eating; child.
As deficiências nutricionais ou condutas inadequadas em relação à prática alimentar nos primeiros anos de vida do ser humano podem levar a prejuízos imediatos na saúde da criança, e é nesse contexto que se observa o quão importante é o aleitamento materno exclusivo até os primeiros seis meses de vida, como a introdução gradativa de alimentos sólidos após os seis meses de idade, conforme recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) na 54º Assembleia Mundial de Saúde [1].
Por volta do sexto mês de vida, as necessidades nutricionais da criança sofrem alterações e a partir desse momento o leite materno sozinho não consegue suprir essa demanda, assim, é fundamental que a introdução alimentar proporcione para a criança uma alimentação rica em energia, proteínas, vitaminas e minerais, abrangendo grande variedade de legumes e verduras [2].
Durante a introdução alimentar, é importante o consumo de alimentos saudáveis e, segundo a OMS, o máximo consumo de açúcar entre adultos e crianças deve ser menor que 5% do valor energético total da dieta. O Guia Alimentar para a Criança estabelece que nos dois primeiros anos de vida frutas e bebidas não devem ser adoçadas com nenhum tipo de açúcar, como: branco, mascavo, cristal, demerara, açúcar de coco, mel, entre outros, também não devem ser oferecidas preparações caseiras que contém açúcar como ingredientes, são elas: bolos, biscoitos, doces e geleias. Além disso, a Sociedade Brasileira de Pediatria orienta que a ingestão de açúcar, refrigerante, café e outras guloseimas nos primeiros anos de vida sejam evitados.[3].
Diversos estudos demonstraram que a relação entre o consumo de alimentos açucarados na infância e o excesso de peso possui como consequência a pior qualidade de hábitos alimentares, a pior saúde bucal e a saciedade precoce. As escolhas alimentares são condicionadas por variáveis biológicas, demográficas, socioeconômicas e culturais em um processo dinâmico, podendo variar conforme o contexto e o estágio de vida do ser humano [5-6].
Sobre esse aspecto, os hábitos alimentares na infância precisam ser capazes de fornecer quantidade de nutrientes suficientes e com qualidade nutricional e sanitária, tendo como finalidade atender às necessidades nutricionais das crianças e assegurar o seu desenvolvimento máximo. Sendo assim, é imprescindível desenvolver campanhas de bons hábitos saudáveis desde a infância [7-8].
A obesidade infantil é tida como um dos principais problemas de saúde pública do século XXI, estando associada à obesidade na idade adulta. Estudos revelam que a prevalência da obesidade infantil quase triplicou, passando de 4% em 1975 para 18% em 2016 em todo o mundo. Estima-se que 124 milhões de crianças e adolescentes com idades entre 5 e 19 anos são classificadas como obesas e 213 milhões com sobrepeso em 2017. A obesidade infantil está diretamente ligada ao surgimento prematuro de fatores de risco, como doenças cardiovasculares, sendo elas a hipertensão, a dislipidemia, a resistência à insulina e a intolerância à glicose [9-10].
Analisou-se o consumo de alimentos açucarados nos primeiros cinco anos de vida, buscando intervenções nutricionais voltadas para melhorar o conhecimento sobre escolhas alimentares saudáveis.
Tipo de estudo
Realizou-se uma revisão integrativa da literatura, utilizando pesquisa bibliográfica e análise de dados secundários de publicações e pesquisas específicas sobre o assunto: Repercussões do consumo de alimentos açucarados nos primeiros 5 anos de vida. A revisão integrativa foi realizada por meio das seguintes etapas:
Identificação do tema e seleção da questão de pesquisas
Com base no tema “Repercussões do consumo de alimentos açucarados nos primeiros 5 anos de vida”, foi criada a estratégia de busca utilizando-se as bases de dados PubMed, BVS (Biblioteca Virtual em Saúde) e Scielo (Scientific Electronic Library Online). Utilizou-se descritores indexados e cadastrados no banco de dados para buscar nas bases de dados Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e Medical Subject Headings (MeSH): Consumption of sugary foods in the first year of life.
A estratégia PICO, que representa um acrônimo para paciente ou população (P), intervenção (I), comparação (C), e desfecho ou resultado (O), foi utilizada para a construção da questão norteadora desta revisão integrativa da literatura: Quais os efeitos do consumo de alimentos açucarados nos primeiros cinco anos de vida?
Foi aplicada na estratégia de busca com os conectivos boleanos AND e OR, para melhorar a busca dos artigos nas bases de dados. Aplicaram-se os seguintes bancos com seus respectivos descritores: (quadro 1)
Quadro 1 - Elementos de estratégia PICO e descritores utilizados - Teresina, PI, Brasil, 2023
Elementos |
DeCS |
MeSH |
P |
||
Criança |
Criança |
Child |
I |
||
Consumo de alimentos açucarados |
Consumo de alimentos açucarados, ultraprocessados |
Consumption of sugary foods, ultra-processed |
C - |
- |
- |
O |
||
Excesso de peso, obesidade e diabetes |
Excesso de peso, obesidade, diabetes, dislipidemia |
Overweight, obesity, diabetes, dyslipidemia |
Fonte: Banco de dados, 2023
Os termos utilizados no processo de busca foram classificados e combinados na base de dados, resultando em estratégias específicas para cada ferramenta de busca.
Quadro 2 - Estratégias de busca utilizadas nas bases de dados PubMed, BVS e Scielo - Teresina, PI, Brasil, 2023
Base de Dados |
Estratégia de busca |
Achados |
Filtrados |
Selecionados |
BVS |
(consumption of sugar foods) AND (First 5 years of life) AND obesity |
20 |
19 |
1 |
PubMed |
(consumption of sugar foods) AND (First 5 years of life) AND obesity (dyslipidemia) AND (children) AND (ultra-processed) (ultra-processed) AND (sugary) AND (child) |
45 |
39 |
6 |
Scielo |
(consumo de açúcar) e (crianças) e obesidade |
45 |
39 |
6 |
Fonte: Dados da Pesquisa, 2023.
Estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão
Os critérios de inclusão do presente estudo foram artigos disponíveis na íntegra, online e em português, inglês e espanhol, publicados entre 2005 à 2023, bem como outras pesquisas sobre de forma atemporal nas bases de dados PubMed, BVS e Scielo. A estratégia de busca por artigos publicados nas bases de dados citadas foram a utilização dos seguintes descritores: consumo de alimentos, produtos açucarados, ultraprocessados, execesso de peso, obesidade, diabetes, dislipidemias . Os critérios de exclusão foram: artigos não originais, que não atenderam à temática da pesquisa, artigos que não estiverem disponíveis na íntegra, incompletos e com tese duvidosa.
Fonte: Própria
Figura 1. Fluxograma de identificação, seleção e inclusão dos estudos da revisão integrativa
Identificação dos estudos pré-selecionados e selecionados
A análise de seleção dos estudos foi realizada em duas fases. Na primeira etapa, os artigos foram pré-selecionados segundo os critérios de inclusão e exclusão, bem como a estratégia de operação e busca de cada base de dados. Na terceira etapa, os 13 artigos foram selecionados após a filtragem, em seguida os dados passaram por uma análise, tal como a elaboração de um quadro resumindo os artigos para leitura na íntegra.
A partir de análise dos 13 estudos selecionados, foi realizado o consolidado de subsídios e a escolha das modificáveis exclusivas para uma análise.
No quadro 1 foram apresentados os resultados do estudo, em que está descrita a forma de análise e a produção científica acerca das repercussões do consumo de alimentos açucarados nos primeiros 5 anos de vida. No quadro abaixo, estão destacadas as decorrências quanto aos títulos dos estudos, autores, revistas, ano e principais achados.
Quadro 1 - Análises descritivas das produções científicas acerca das repercussões do consumo de alimentos açucarados nos primeiros 5 anos de vida
AUTOR/ANO |
OBJETIVO |
DESENHO METODOLÓGICO |
RESULTADOS |
Lacerda EMA et al., 2023 |
Estimar a prevalência da diversidade alimentar mínima (TDM) e do consumo de alimentos ultraprocessados em crianças de 6 a 23 meses de idade segundo variáveis sociodemográficas. |
Estudo Transversal |
Os grupos de ultraprocessados mais consumidos foram biscoitos doces ou salgados (51,3%) e farinhas instantâneas (41,4%). A prevalência de consumo infantil de qualquer tipo de bebida açucarada (inclusive refrigerantes) foi de 24,5% (IC95%: 21,1; 27,8) (dados não apresentados). As bebidas adoçadas (exceto refrigerantes) foram consumidas por 17,9% das crianças e os doces (confeitaria) por 11,6% delas. |
Kumar et al. 2023 |
Examinar a frequência de consumo de UPF/SSB e identificar fatores associados ao consumo frequente em uma amostra de crianças pequenas e suas mães de Mumbai Índia. |
Estudo Transversal |
Este estudo revelou que a maioria das crianças pequenas consumia diariamente bebidas açucaradas (particularmente chá com açúcar) e snacks processados não nutritivos, demonstrando que os alimentos ultraprocessados e as bebidas adoçadas com açúcar é um alimento básico diário na dieta das crianças. |
Sirkka et al. 2021 |
Identificar os padrões alimentares de crianças holandesas de três anos de idade usando análise de componentes principais (PCA) e examinar associações entre padrões alimentares e excesso de peso transversalmente aos 3 anos e prospectivamente em 10 anos. |
Estudo Transversal |
As mães das crianças da população estudada eram majoritariamente holandesas, 28,6% tinham baixa escolaridade e 38,5% apresentavam excesso de peso. A porcentagem de crianças com excesso de peso aos 3 e 10 anos foi de 13,6% e 16,4%, respectivamente. |
Spinelli, A et al. 2019 |
Investigar a associação entre a ingestão de açúcar total e adicionado com sobrepeso/obesidade em crianças e adolescentes. |
Estudo transversal |
Foi observado entre crianças e adolescentes com consumo de açúcar adicionado acima de 10% da energia total em alimentos de baixa qualidade. |
Bhutta et al. 2018. |
Avaliar a frequência do aleitamento materno e a introdução da alimentação complementar em crianças de zero a 24 meses. |
Estudo transversal |
A introdução da alimentação complementar se mostrou precoce para líquidos, mel, açúcar e guloseimas, próxima da adequação para alimentos sólidos e semissólidos, o que afetou diretamente o sucesso do aleitamento materno. |
Einloft et al. 2018. |
Identificar características demográficas, de acesso aos serviços de saúde e de condições de moradia relacionadas à prática alimentar de crianças brasileiras de 12 a 23 meses de vida |
Estudo transversal analítico |
Os resultados deste estudo, mostram que as crianças brasileiras de 12 a 23 meses de vida que não eram da cor branca, que residiam nas regiões Norte e Nordeste do país e que moravam em cidades do interior foram mais propensas a apresentar práticas alimentares inadequadas, como uma alta exposição à alimentação com a presença de alimentos processados e ultraprocessados, com uma prevalência extremamente alta (85,5%) de consumo de alimentos com açúcar. |
Lundeen EA et al. 2018 |
Examinar a relação entre as atitudes dos pais sobre bebidas açucaradas (SSB) e o consumo de SSB durante os primeiros 1.000 dias de vida – da gestação até os 2 anos de idade. |
Estudo Transversal |
Durante os primeiros 1.000 dias de vida, uma maior negatividade nas atitudes dos pais em relação ao consumo de SSB (Bebidas Açucaradas) foi associada a menos calorias parentais consumidas de SSB’s e menor probabilidade de consumo de SSB infantil. |
Heyman MB et al. 2017 |
Examinar o consumo de bebidas de acordo com as recomendações entre crianças de 0 a 5 meses, 6 a 11 meses, 12 a 23 meses, 2 a 3 anos e 4 a 5 anos. |
Estudo Transversal |
Os resultados mostram que antes dos 6 meses, 10% dos bebês consumiram qualquer quantidade de suco 100%; dos 6 aos 11 meses, 17% das crianças pequenas bebiam qualquer quantidade de leite. O consumo de SSB (Bebidas Açucaradas) aumentou rapidamente com a idade, enquanto a ingestão de leite e suco 100% diminuiu após os 2 a 3 anos de idade. |
Monteiro CA et al. 2016 |
Descrever a idade mediana de introdução e consumo regular de alimentos por crianças menores de 24 meses cadastradas em unidades da Estratégia Saúde da Família. |
Estudo Transversal |
Em relação aos ingredientes culinários (G2- Ingredientes Culinários), a mediana de introdução foi de seis meses para óleo e sal; e de sete meses para o açúcar. Quanto aos alimentos processados (G3- Alimentos Processados), a mediana de introdução para pão foi de dez meses, para biscoito de polvilho sete meses. Alimentos como gelatina, chocolate, balas, salgadinhos, refrigerante, suco artificial e macarrão instantâneo a mediana de introdução de 12 meses. |
Baldissera R et al. 2016. |
Identificar os padrões alimentares de crianças no segundo ano de vida e investigar sua associação com as características maternas em uma capital do Nordeste. |
Estudo Transversal |
Três dos quatro padrões encontrados são representados por alimentos ricos em amido (pães, biscoitos e bolo simples), gordura saturada (margarina, manteiga e leite de vaca integral) e açúcar simples (açúcar/mel, refrigerante/sucos artificiais) e pobres em nutrientes importantes para o bom desenvolvimento da criança. |
Ogden CL et al. 2014 |
Analisar o consumo de produtos alimentares ricos em açúcar em uma amostra representativa de adolescentes brasileiros e identificar fatores sociodemográficos, familiares e comportamentais associados a esse consumo. |
Estudo Seccional |
O consumo regular de guloseimas e/ou refrigerantes foi relatado por 19,2% e 36,1% dos adolescentes, respectivamente, sendo o mais prevalente entre estudantes do sexo feminino. |
Monteiro CA et al. 2010. |
Caracterizar o padrão alimentar das crianças menores de cinco anos no Estado de Pernambuco. |
Estudo Transversal |
Este estudo demonstrou que a alimentação das crianças menores de cinco anos no Estado de Pernambuco é monótona e pouco diversificada, tendo como base uma dieta láctea, com consumo elevado de açúcar e de gordura, e reduzido consumo de frutas e verduras. |
ARAUJO, C. Q. B. et al 2009 |
Avaliar escolhas alimentares de crianças e adolescentes expostos e não expostos a propagandas de alimentos veiculadas pela televisão. |
Estudo Exploratório |
Foi possível constatar a preferência por alimentos densamente calóricos, hábitos alimentares inadequados e muitas horas por semana em frente à televisão poderiam explicar a elevada prevalência de sobrepeso e obesidade verificados na amostra estudada. |
Horta BJ et al. 2007. |
Verificar a prevalência de excesso de peso e sua relação com o aleitamento materno em crianças de 48 a 60 meses. |
Estudo Transversal |
A prevalência de crianças com excesso de peso foi de 9,6%. O aleitamento materno exclusivo (AME) até os 6 meses ou mais foi oferecido a 32,11% das crianças. O estudo aponta uma relação positiva entre a presença de AME e a ausência de excesso de peso em crianças de 48 a 60 meses para a categoria de AME por 6 meses ou mais. Relação semelhante não foi encontrada para o aleitamento materno complementado. |
Vitolo MR et al. 2005 |
Avaliar a correlação dos gastos com a alimentação e a qualidade dietética de pré-escolares de baixa condição socioeconômica, considerando a ingestão de micronutrientes e alimentos de alta densidade de açúcar e gordura. |
Estudo Transversal |
O estudo revelou que o consumo de alimentos de alta densidade energética, ricos em açúcar e gordura, não está associado aos gastos com a alimentação, mas a qualidade nutricional de crianças de 3 a 4 anos, avaliada pela ingestão de micronutrientes, mostrou estar correlacionada aos maiores gastos com a alimentação em grupos populacionais de baixo poder aquisitivo. |
Fonte: Dados dos estudos
Os resultados dos estudos analisados demonstraram que independentemente da área geográfica, os alimentos mais consumidos foram leite, açúcar, gordura e arroz. No entanto, outros fatores como a cultura, o rendimento, a disponibilidade e o acesso aos alimentos podem influenciar o consumo em todos os espaços geográficos. A população tem o hábito de oferecer o leite de vaca desde muito cedo e o considera um dos alimentos mais importantes para a saúde das crianças. Além disso, a diversificação dos produtos lácteos na indústria alimentar torna estes produtos amplamente disponíveis no comércio, o que apoia a iniciativa materna [11-12].
Em um estudo realizado no município de Montes Claros - Minas Gerais, foi identificado que crianças menores de vinte e quatro meses já recebiam água e leite não materno, além da oferta precoce de guloseimas durante a introdução alimentar complementar. A Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS) examinou as tendências da amamentação no país e constatou que a prevalência de Aleitamento Materno Predominante (AMP) entre crianças menores de 6 meses de idade era de 13,2% [13-14-15].
O resultado do estudo da PNDS mostrou que, embora todas as mães amamentassem seus bebês, poucas o faziam, exclusivamente, até os seis meses. A prevalência de Aleitamento Materno Complementar (AMC) neste estudo revelou que essa prática ocorreu em 40,1% das crianças menores de seis meses, tendo como consequência a introdução precoce de outros tipos de leite na alimentação infantil em detrimento do Aleitamento Materno Exclusivo (AME) [15-16].
Dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), conduzida no Brasil em 2013, revelou alto número de crianças com hábitos alimentares não saudáveis, como a inclusão precoce de alimentos ultraprocessados na alimentação infantil, sendo uma prática inadequada durante os primeiros anos de vida, evidenciando o atual estilo alimentar da sociedade. Nesta pesquisa, foi constatada também a ingestão de alimentos ricos em açúcares e gorduras, estando relacionada à incidência de excesso de peso e cárie em crianças [17-18].
A PNS identificou ainda que aproximadamente 50,0% das crianças antes de um ano já comiam doces. Outra pesquisa de âmbito nacional, que investigou as crianças nas capitais brasileiras e no Distrito Federal, mostrou que a introdução de bolachas/salgadinhos foi de 71,7% entre os nove e 12 meses, o que é particularmente preocupante na região Sul, onde o consumo chegou a 57,9% entre as crianças de seis e nove meses. Nessa perspectiva, durante os primeiros anos de vida, é de suma importância evitar o consumo excessivo de açúcar, café, alimentos enlatados, refrigerantes, doces, salgadinhos e outras guloseimas [17-19].
O Aleitamento Materno (AM) e a alimentação complementar saudável são as duas primeiras práticas alimentares recomendadas na Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) para assegurar a saúde e o desenvolvimento apropriado na infância e na vida adulta. Sendo assim, a família exerce um papel essencial na construção dos padrões alimentares das crianças, sendo o grupo familiar a primeira influência social em sua alimentação [20].
Diante disso, um estudo de corte realizado em Pelotas, no Rio Grande do Sul, ficou evidenciado que o consumo de gelatina, chocolate, bala, salgadinhos, suco artificial, embutidos e macarrão instantâneo mostrou-se uma média de introdução aos doze meses, configurando um início precoce desse grupo de alimentos. Ainda neste estudo de corte, a quantidade média do consumo de açúcar foi de sete meses, o que sugere que, além do açúcar já presente nos alimentos processados e ultraprocessados, também há adição de açúcar possivelmente em leites, sucos e outros alimentos preparados pela família [21].
Além da alimentação complementar no primeiro ano de vida, outro aspecto a considerar é a alimentação habitual da criança, que é um dos determinantes, juntamente com a redução do gasto energético, do ganho de peso infantil. Dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), realizada entre os anos de 2008 e 2009, verificaram um alto consumo de refrigerantes e doces, além do consumo de lanches uma ou mais vezes por semana, associado ao fator de risco para excesso de peso nos pré-escolares analisados [22-23].
Nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, a obesidade é considerada o maior problema de saúde pública entre crianças e adolescentes. Mudanças no estilo de vida, incluindo o maior tempo em frente à televisão, podem estar associadas a comportamentos alimentares inadequados, como o consumo frequente de alimentos com alto teor calórico. Esses resultados demonstram que é preciso melhorar os padrões de consumo de bebidas, especialmente em crianças negras, visto que pode ajudar a aperfeiçoar a qualidade geral da dieta, reduzindo o risco de obesidade e outras doenças crônicas relacionadas à dieta [24-25].
Conforme os artigos analisados, os alimentos ultraprocessados são hiper palatáveis e práticos, por conta dos métodos tecnológicos empregados e dos ingredientes utilizados durante a sua produção. Do ponto de vista nutricional, costumam apresentar menor teor de nutrientes se comparados aos alimentos in natura ou pouco processados. A alta ingestão de alimentos ultraprocessados desde os primeiros anos de vida, identificada pela Pesquisa Nacional de Nutrição Infantil - ENANI-2019, evidencia a exposição precoce a elementos da dieta, como açúcar, sal e gordura saturada, os quais estão ligados ao surgimento de doenças crônicas não transmissíveis, assim como aos aditivos alimentares [26-27].
A presente pesquisa revelou, por meio dos estudos, que a ingestão frequente de alimentos ultraprocessados, como refrigerantes, petiscos e salgadinhos, pode prejudicar o desenvolvimento saudável de várias formas. Esses alimentos possuem alto teor de açúcares e/ou gorduras adicionadas, são pobres em fibras e nutrientes, e apresentam elevada densidade energética. A alta palatabilidade desses alimentos prejudica o controle natural do apetite, resultando em maior consumo de energia e, consequentemente, o aumento de peso, além disso, a rapidez na ingestão aliada à alta concentração de calorias é apontada como um mecanismo provável pelo qual o consumo desses alimentos atraentes contribui para o ganho de peso [28].
No Brasil, as alterações observadas no consumo alimentar representam um importante fator de risco para o desenvolvimento de doenças crônicas. Dentre essas alterações, destaca-se o aumento da densidade energética e das calorias lipídicas, bem como o aumento do consumo de carnes, leite e seus derivados ricos em gordura. Destaca-se também a diminuição do consumo de cereais, frutas, verduras e legumes, tal como o elevado consumo excessivo de açúcar refinado e refrigerantes [29].
Os estudos demonstraram que, em uma abordagem socioecológica, foram identificados alguns fatores que podem ser considerados para intervenções ao nível materno-infantil, familiar, comunitário e global. No nível materno-infantil, a relação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e as bebidas açucaradas na infância juntamente ao consumo da mãe e a idade das crianças, indicam que o sistema de saúde materno-infantil pré-natal, pós-parto e na primeira infância necessitam instruir sobre os riscos à saúde a curto e longo prazo sobre a ingestão de alimentos ultraprocessados e açucarados [30].
O consumo de açúcar na infância é prejudicial devido a sua relação com a hiperatividade, falta de foco, irritabilidade e outros distúrbios psicológicos. Ele também provoca uma diminuição dos antioxidantes, o que resulta em um aumento do estresse, afetando a imunidade e o metabolismo. Outros efeitos do consumo de alimentos açucarados ainda na infância são o surgimento de alergias, intolerâncias alimentares e doenças intestinais, sem falar na obesidade tanto na infância quanto na adolescência. Por isso, é de suma importância a promoção e conscientização dos pais, das crianças e de toda a população por meio de atividades de educação nutricional, visando alertar sobre as repercussões do consumo excessivo de alimentos ricos em açúcar.
Nesta perspectiva, os profissionais de saúde têm um papel importante no aconselhamento das famílias sobre a alimentação no primeiro ano de vida, reforçando a superioridade do leite materno, bem como na correta inclusão de alimentos complementares. Portanto, mais estudos sejam necessários para abordar as inter-relações entre variáveis que influenciam as práticas alimentares na infância.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse de qualquer natureza.
Fontes de financiamento
Financiamento Próprio
Contribuição dos autores
Concepção e desenho da pesquisa: Santos IA, Caldas DRC, Barbalho DJG, Landim LASR; Coleta de dados: Santos IA; Análise e interpretação dos dados: Santos IA, Caldas DRC, Barbalho DJG; Análise estatística: Santos IA, Caldas DRC; Redação do manuscrito: Santos IA; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Caldas DRC, Barbalho DJG.
Referencias
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