ARTIGO ORIGINAL
Baixa Ingestão de crianças com intolerância à lactose e hipersensibilidade a leite
Nutritional status of children with lactose intolerance and milk hypersensitivity
Lôhara S C D Sobreira¹, Jéssica L V Monteiro1, Rosana M P Pires2, Roseane Mendes Silva1, Danilo Carvalho Oliveira3, Odara Maria de Sousa Sá4
1Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA), Teresina, PI, Brasil
2Instituto Federal de Tecnologia do Piauí (IFPI), Teresina, PI, Brasil
3Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP/USP), Centro Universitário de Adamantina, São Paulo, SP, Brasil
4Universidade Federal de São Paulo, Faculdade de Medicina (UNIFESP)) Universidade de São Paulo (USP), SP, Brasil
Recebido em: 9 de março de 2024; Aceito em: 25 de junho de 2024.
Correspondência: Danilo Carvalho Oliveira, danilofronteiras@gmail.com
Como citar
Sobreira LSCD, Monteiro JLV, Pires RMP, Silva RM, Oliveira DC, Sá OMS. Baixa Ingestão de crianças com intolerância à lactose e hipersensibilidade a leite. Nutr Bras. 2024;23(2):824-829. doi:10.62827/nb.v23i2.3016
Introdução: O tratamento nutricional é essencial no acompanhamento de crianças com Intolerância à Lactose (IL) e Hipersensibilidade a Leite (HL). Objetivo: Avaliou-se o estado nutricional de crianças com IL e HL. Métodos: Realizou-se estudo transversal com 30 sujeitos, de ambos os sexos, idade entre 3 meses e 15 anos, diagnosticados clinicamente com IL e HL. O estado nutricional foi avaliado pelo consumo de cálcio avaliado por meio de registro alimentar de 72 horas. Os sintomas gastrointestinais, tempo de diagnóstico clínico e suplementação de vitaminas e minerais foram investigados por questionário. Resultados: 20 (66,7%) eram crianças com IL e 10(33,3%) com HL. Ambos os grupos mostraram baixo consumo de cálcio (p>0,001) e alta prevalência de sintomas gastrointestinais: diarreia e gases. Conclusão: As crianças com IL e HL apresentaram consumo inadequado de cálcio e alta prevalência de sintomas gastrointestinais.
Palavras-chave: Hipersensibilidade a leite; ingestão de alimentos; intolerância à lactose.
Introduction: Nutritional management is essential in monitoring children with Lactose Intolerance (LI) and Milk Hypersensitivity (MH). Objective: This study evaluated the nutritional status of children with LI and CMPA. Methods: A cross-sectional study was conducted with 30 subjects, of both genders, aged between 3 months and 15 years, clinically diagnosed with LI and CMPA. Calcium intake was assessed through a 72-hour dietary record. Anthropometric parameters used were Weight/Age, Height/Age, and Body Mass Index/Age. Symptoms, duration of clinical diagnosis, and supplementation with vitamins and minerals were investigated through a questionnaire. Statistical analysis was performed using SPSS software, version 13.0. Results: 20 (66.7%) were children with LI and 10 (33.3%) with CMPA. Both groups showed low calcium intake (p>0.001) and a high prevalence of gastrointestinal symptoms: diarrhea and gas. The nutritional status was classified as adequate according to anthropometric indices. Conclusion: Children with LI and CMPA exhibited inadequate calcium intake, high prevalence of gastrointestinal symptoms, and adequate anthropometric indices.
Keywords: Eating; lactose intolerance; milk hypersensitivity.
A lactose, presente em vários alimentos, principalmente no leite e derivados, é hidrolisada em galactose e glicose no intestino delgado pela enzima lactase. A ausência desta enzima resulta em intolerância à lactose, que pode manifestar-se de formas não imuno-mediadas e imuno-mediadas, como Hipersensibilidade a Leite de elevada incidência [1,2]A Intolerância à Lactose (IL) está associada à deficiência primária ou secundária da enzima lactase, causando alterações na digestão da lactose e consequente intolerância [2]. Os sintomas gastrointestinais incluem dor abdominal, distensão, flatulência, diarreia, borborigmos e vômitos [3]. Hipersensibilidade a Leite (HL) é reação adversa imunologicamente mediada à proteína do leite, que pode provocar sintomas cutâneos, gastrointestinais, respiratórios e reações sistêmicas como anafilaxia [4].O tratamento nutricional consiste na redução, substituição ou exclusão do leite de vaca e seus derivados, além de orientação sobre leitura de rótulos e prescrição de fórmulas específicas e suplementos vitamínicos e minerais para garantir uma dieta nutricionalmente completa, promovendo o crescimento e desenvolvimento adequados [5-7]. Estudos indicam redução no consumo de energia e nutrientes, especialmente cálcio, em crianças alérgicas às proteínas do leite em comparação com as não alérgicas [8-10]. Este estudo teve como objetivo avaliar a ingestão alimentar de cálcio das crianças com Intolerância à Lactose (IL) e Hipersensibilidade a Leite (HL).
O estudo foi aprovado pelo CONEP (CAAE- 21924513.4.0000.560) e seguiu a Declaração de Helsinki. Estudo transversal realizado com crianças com intolerância à lactose e Hipersensibilidade a Leite. Os critérios de inclusão foram: idade inferior a 18 anos, ambos os sexos, diagnóstico clínico confirmado das condições mencionadas e uso de leite de soja. Foram excluídas crianças e adolescentes que consumiam fórmulas de aminoácidos hidrolisados.
Avaliou-se a ingestão alimentar por registro de 72 horas, analisando calorias e gramas de proteínas, carboidratos, lipídios e cálcio total, usando o software Diet-PRO e as Recomendações Nutricionais Diárias - DRIs. A densidade de cálcio da dieta foi calculada pela fórmula (Ingestão total de cálcio x 1000 kcal/Ingestão total de energia).
Os dados foram analisados utilizando o SPSS versão 13.0. A análise incluiu estatísticas descritivas, média, frequências absolutas e relativas, medidas de tendência central e dispersão, e testes de Fischer e t, adotando nível de significância p < 0.05.
Foram incluídos no estudo 28 crianças e 2 adolescentes, com idades variando entre 3 meses e 15 anos, diagnosticados clinicamente com Intolerância à Lactose (IL) em 20 casos (66,7%) e Hipersensibilidade a Leite (HL) em 10 casos (33,3%). Observou-se que, em ambos os grupos, a faixa etária predominante é de 2 a 5 anos e a maior prevalência do sexo feminino (Tabela 1).
Tabela 1 - Caracterização das crianças com Intolerância a Lactose e Hipersensibilidade a Leite por idade e sexo
Diagnostico Clinico |
Idade (Anos) |
Feminino |
Masculino |
Diagnostico Clinico |
Feminino |
Masculino |
||||
Nº |
% |
Nº |
% |
Nº |
% |
Nº |
% |
|||
HL |
Menor que 1 |
1 |
33,3 |
2 |
66,7 |
IL |
- |
- |
3 |
100,0 |
2 a 5 |
3 |
75,0 |
1 |
25,0 |
6 |
66,7 |
3 |
33,3 |
||
6 a 10 |
2 |
66,7 |
1 |
33,3 |
3 |
60,0 |
2 |
40,0 |
||
11 a 15 |
- |
- |
- |
- |
2 |
66,7 |
1 |
33,3 |
||
Total |
6 |
60,0 |
4 |
40,0 |
11 |
55,0 |
9 |
45,0 |
No grupo com Intolerância à Lactose, os sintomas relatados incluem: inchaços e gases (100%), diarreia (95%), cãibras (20%) e vômitos (15%). A diarreia foi definida como a diminuição da consistência das fezes (líquidas), acompanhada ou não de aumento na frequência das evacuações. No grupo com Hipersensibilidade a Leite, observou-se a seguinte sintomatologia: inchaços e gases (100%), cãibras (30%), vômitos (30%) e diarreia (95%).
A ingestão alimentar das crianças com IL e HL esta descrita na Tabela 2. Baseado na média e na recomendação por faixa etária da DRIS 2007, a ingestão alimentar, em relação kcal e macronutrientes está adequada a recomendação nutricional por faixa etária. Porém, observa-se déficit na ingestão de cálcio, estatisticamente significante (p˂0,001) tanto em indivíduos com IL com HL, haja vista a não compensação desse nutriente em alimentos substituintes do leite.
Tabela 2 - Ingestão alimentar dos participantes com IL e HL
IL, N=20 |
HL, N= 10 |
|
Energia, Kcal |
1439,75 + 383 (512- 2021) |
1403, 6 + 416, 7 (520- 1995) |
Proteína, g |
238,08 + 102, 2 (14,3-422) |
245, 20 + 108, 8 (15,4- 371,1) |
Carboidratos, g |
605, 54 + 287 (60-1165) |
674, 67 + 249, 4 (60- 891,13) |
Lipídios, g |
251, 2 + 262, 2 (31-1115,2) |
236, 84+ 198 (31- 735,2) |
Cálcio, mg |
276, 88 + 113, 9 (166,14-590,4) |
291, 86 + 100 (170,7- 458,93) |
Em relação à suplementação de vitaminas e minerais, observou-se no grupo com Intolerância à Lactose (IL) o seguinte padrão de consumo: 20% dos participantes suplementavam vitamina A (n=4), 30% vitamina C (n=6), e 50% não utilizavam suplementos vitamínicos. No que concerne aos minerais, 50% suplementavam ferro (n=10), 25% cálcio (n=5) e 25% não utilizavam qualquer suplementação mineral. No grupo com Hipersensibilidade a Leite (HL), 10% (n=1) faziam suplementação de vitamina A, 20% (n=2) de vitamina C e 70% (n=7) não utilizavam suplementos vitamínicos; 30% (n=3) usavam suplementos de ferro, 30% (n=3) de cálcio e 40% (n=4) não faziam suplementação de minerais.
A Hipersensibilidade a Leite (HL) apresenta herança poligênica, sendo responsável por 50-80% dos casos em crianças com histórico familiar positivo e aproximadamente 20% em indivíduos sem antecedentes clínicos favoráveis [6]. Observou-se maior incidência dessa patologia no sexo feminino. Estudos recentes indicam que a incidência varia de 2% a 6%, sendo mais prevalente no primeiro ano de vida [11]. Cerca de 50% das crianças resolvem a HL espontaneamente até o primeiro ano de vida, e 80-90% até os cinco anos [12,13]. No presente estudo, verifica-se que 50% dos casos ocorrem na infância.
Indivíduos com intolerância à lactose, ao consumirem alimentos que contêm lactose, apresentam sintomas clássicos como inchaços, gases, cãibras e diarreias. Observações semelhantes são relatadas em HL, afetando principalmente o sistema digestório [12]. A suplementação de cálcio merece atenção especial, visto que apenas 5% dos participantes com IL e 10% com HL estão com o aporte nutricional de cálcio dentro do recomendado. Destaca-se a importância do acompanhamento por um profissional de nutrição para evitar deficiências nutricionais e assegurar um desenvolvimento ósseo adequado.
O leite materno contém lactose em menor proporção, permitindo que mães de crianças com intolerância à lactose continuem amamentando, desde que excluam produtos lácteos de suas dietas. Para a HL, o tratamento envolve a exclusão do leite de vaca e seus derivados, substituindo-o por fórmulas à base de proteínas extensamente hidrolisadas, aminoácidos ou soja [14].
A vitamina D, crucial para a regulação do metabolismo do cálcio, mantém os níveis séricos de cálcio e fósforo necessários para uma boa mineralização óssea, sendo fundamental para o crescimento infantil. A deficiência desta vitamina pode retardar o crescimento, já que é responsável por 60 a 80% da estimulação da absorção de cálcio durante essa fase [12].
Durante a infância e adolescência, o organismo está em crescimento; portanto, variações na Densidade Mineral Óssea (DMO) refletem mais o crescimento volumétrico do esqueleto do que um aumento real da mineralização. A mineralização óssea ocorre principalmente na infância e na fase pré-púbere (2 a 12 anos). Falhas nesse processo podem levar a baixa massa óssea e, potencialmente, a osteoporose ou outros problemas ósseos [14]. A prática de atividade física e a exposição solar, essenciais para a síntese de vitamina D, são comportamentos chave para uma boa mineralização óssea.
Crianças com intolerância à lactose e Hipersensibilidade a Leite apresentam consumo inadequado de cálcio. É essencial o acompanhamento nutricional para adequar a ingestão de cálcio às necessidades de cada faixa etária e aos sintomas apresentados.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse de qualquer natureza.
Fontes de financiamento
Financiamento próprio.
Contribuição dos autores
Concepção e desenho da pesquisa: Sa OMS, Sobreira LSCD, Monteiro JLV, Pires RMP, Silva RM; Coleta de dados: Sa OMS, Sobreira LSCD, Monteiro JLV, Pires RMP, Silva RM; Análise e interpretação dos dados: Sa OMS, Sobreira LSCD, Monteiro JLV, Pires RMP, Silva RM; Redação do manuscrito: Sa OMS, Sobreira LSCD, Monteiro JLV, Pires RMP, Silva RM; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Oliveira DC, Sa OMS, Sobreira LSCD, Monteiro JLV, Pires RMP, Silva RM.
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