Nutr Bras. 2023;22(6):560-572
doi:10.62827/nb.v22i6.h844

ARTIGO ORIGINAL

Avaliação nutricional de crianças com do transtorno do espectro autista

Nutritional assessment of children with autism spectrum disorder

Geovanna Ellen dos Santos Avelino Leal1, Keila Cristiane Batista Bezerra1, Daniela Fontes Neves Ibiapina1

1Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA), Teresina, PI, Brasil

Recebido em: 5 de março de 2024; Aceito em: 30 de abril de 2024.

Correspondência: Keila Cristiane Batista Bezerra, keilinhanut@gmail.com

Como citar

Leal GESA, Bezerra KCB, Ibiapina DFN. Avaliação nutricional de crianças com do transtorno do espectro autista. Nutr Bras. 2023;22(6):560-572.doi: 10.62827/nb.v22i6.h844

Resumo

Introdução: O transtorno do espectro autista se trata de uma desordem que atinge o desenvolvimento neural no qual o indivíduo apresenta uma série de desordem. Objetivo: Realizar a avaliação nutricional de crianças com transtorno do espectro autista. Métodos: Trata-se de uma pesquisa de metodologia de caráter transversal, descritiva, qualitativa-quantitativa realizada na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) com autistas de 5 a 10 anos; realizou-se questionamentos sobre os dados pessoais, socioeconômicos e o consumo alimentar através do questionário de frequência alimentar. Os dados antropométricos coletados foram analisados conforme o gráfico de escore-z presente na caderneta da criança de 2020 do Ministério da Saúde e analisados conjuntamente com a frequência alimentar no programa SPSS for Windows. Resultados: Observou-se que 26,2% (11) dos participantes estavam com peso elevado e 38,1% (16) com IMC inadequado. Os participantes informaram consumo de industrializados e comportamentos atípicos durante as refeições. Conclusão: Constatou-se que as crianças avaliadas possuem um peso elevado para idade (P/I), em relação ao IMC para idade (IMC/I) foram observados casos de obesidade grave, obesidade, sobrepeso e magreza. É evidente a importância de um acompanhamento alimentar para contribuir na melhora do bem-estar nutricional e comportamental das crianças autistas.

Palavras-chave: transtorno do espectro autista; avaliação nutricional; comportamento alimentar; autismo infantil.

Abstract

Introduction: Autism spectrum disorder is a disorder that affects neural development in which the individual presents a series of disorders. Objective: To carry out nutritional assessment of children with autism spectrum disorder. Methods: This is a cross-sectional, descriptive, qualitative-quantitative methodology research carried out at the Association of Parents and Friends of the Exceptional (APAE) with autistic people aged 5 to 10 years; questions were asked about the data personal, socioeconomic and food consumption through the food frequency questionnaire. The anthropometric data collected were analyzed according to the z-score graph present in the Ministry of Health’s 2020 child record book and analyzed together with food frequency in the SPSS for Windows program. Results: It was observed that 26.2% (11) of participants were overweight and 38.1% (16) had an inadequate BMI. Participants reported consumption of processed foods and atypical behaviors during meals. Conclusion: It was found that the children evaluated had a high weight for age (W/A), in relation to BMI for age (BMI/A), cases of severe obesity, obesity, overweight and thinness were observed. The importance of dietary monitoring to contribute to improving the nutritional and behavioral well-being of autistic children is evident.

Keywords: autism spectrum disorder; nutritional assessment; eating behavior; childhood autism.

Introdução

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um distúrbio que afeta o neurodesenvolvimento, tendo como característica o comprometimento da comunicação, habilidades sociais e padrão de comportamento estereotipado; esses sintomas geralmente se manifestam durante os primeiros anos de vida, podendo ser em algum caso detectado aos 18 a 24 meses de vida e persistir até a vida adulta [1,2,3].

Nos últimos anos, houve um aumento no número de crianças com diagnóstico de TEA. Isso ocorreu devido ao crescimento da compreensão acerca do autismo; essas informações contribuíram para a melhora na precisão dos critérios utilizados na realização do diagnóstico, tornando-os mais precisos [4]. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), a cada 160 crianças nascidas no mundo, uma possui o transtorno do espectro autista [5]. Nos Estados Unidos, de acordo com os dados publicados em março de 2023 pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), essa prevalência é de uma a cada 36 crianças [6].

Dentre os déficits comportamentais no TEA, a seletividade alimentar é o mais frequente, sendo caracterizada pela recusa ou preferência por determinados alimentos e a resistências por alimentos novos [7]. Esse padrão alimentar limitado e repetitivo está relacionado às disfunções sensoriais, tais como a preferência por um alimento de determinada cor, textura, odor, consistência e marca de produtos, influenciando diretamente na aceitação do alimento pela criança com TEA [8]. Além disso, outro sintoma que também afeta a alimentação dos indivíduos com TEA é a disposição a apresentarem distúrbios gastrointestinais [9].

Observa-se em crianças autistas o consumo exacerbado de alimentos ultraprocessados e alimentos ricos em carboidratos e gorduras, causando prejuízo no estado nutricional, ocasionando sobrepeso e obesidade, além do desenvolvimento de doenças associadas e o baixo consumo de proteínas, vitaminas e sais minerais, podendo causar deficiências nutricionais, afetando o desenvolvimento e o crescimento das crianças autistas [10,11]. Devido ao consumo inadequado é necessário realizar intervenções nutricionais com suplementação principalmente das deficiências nutricionais mais frequentes como cálcio, zinco, magnésio, antioxidantes e ômega 3 [12].

Devido à complexidade do autismo, as consequências significativas da alimentação no estado nutricional e nas necessidades nutricionais desses indivíduos, o presente estudo tem como objetivo realizar a avaliação e análise do consumo alimentar de crianças com transtorno do espectro autista.

Métodos

Trata-se de uma pesquisa de campo, de caráter transversal, de natureza explicativa com a abordagem qualitativa-quantitativa, realizada na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), no período de março a setembro de 2023, em Teresina, Piauí. Os participantes da pesquisa são crianças autistas com faixa etária de 5 a 10 anos e de ambos os sexos, que foram incluídos mediante a obtenção das assinaturas do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE pelos pais ou responsáveis legais e do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido - TALE assinado pelas crianças. Foram excluídas do estudo as crianças que não possuíam o diagnóstico de autismo, que não se encontram dentro da faixa etária dos 5 aos 10 anos e que tinham um grau de acometimento que impedisse a assinatura do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido - TALE. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de ética em pesquisa sob número de CAAE: 66285022.0.0000.5602.

Para realizar a avaliação nutricional das crianças com transtorno do espectro autista, foram coletados dados pessoais, socioeconômicos e informações sobre o consumo alimentar dos participantes por meio de um questionário de frequência.

A coleta dos dados antropométricos das crianças realizou-se na presença dos pais ou responsáveis para mantê-los calmos e ocorreu do seguinte modo, o participante foi direcionado a uma sala privada, em seguida verificou-se a antropometria, para aferição do peso do participante utilizou-se a Balança Corporal Digital (Inconter) devidamente calibrada e instalada em superfície plana, mediu-se a altura por meio de um estadiômetro posicionado na parede e foi coletada a circunferência da cintura com o uso de uma fita métrica posicionada em volta da cintura do participante.

O questionário sociodemográfico foi aplicado com o intuito de identificar a idade, renda familiar, se realiza algum tratamento psicofarmacológico e histórico familiar dos pacientes. Investigou-se o consumo de alimentos por meio do questionário de frequência alimentar e de comportamento alimentar.

Os dados antropométricos coletados foram analisados e classificados seguindo os índices de peso para idade (P/I), estatura para idade (E/I), peso para estatura (P/E) e índice de massa corpórea para idade (IMC/I) por meio da utilização de gráfico de escore-z presentes na caderneta da criança elaborada pelo Ministério da Saúde [13,14] em 2020, e tabulados usando tabelas no Microsoft Excel, envolvendo uma análise descritiva dos métodos estatísticos e distribuição de frequência dos dados coletados por meio do programa SPSS for Windows para verificação da frequência alimentar.

Resultados

Participaram da pesquisa 42 crianças com a faixa etária entre 5 e 10 anos de idade com o diagnóstico confirmado de TEA, sendo excluídas deste estudo 14 crianças que não atendiam os critérios da pesquisa.

Na análise das amostras identificou-se que a maior parte dos participantes da pesquisa são do sexo masculino, correspondendo a 78,6% (33) da amostra e apenas 21,4% (9) das crianças do estudo são do sexo feminino. No presente estudo, segundo os dados socioeconômicos coletados, apenas 61,9% (26) das famílias possuem casa própria e no que se refere a renda familiar, observa-se que 71,4% (30) vivem com renda de até um salário-mínimo e somente 28,6% (12) possui renda familiar entre 1 e 2 salários-mínimos.

Dentre os 42 participantes da pesquisa, foi relatado a presença de constipação intestinal em 23,8% (10) das crianças, frequência intestinal normal em 73,8% (31) e somente 2,4% (1) tinha diarréias frequentes. Com relação à ingestão hídrica verificou-se que 9,5% (4) da amostra ingere uma quantidade menor que < 1 litro de água, 54,8% (23) ingerem de 1 a 2 litros de água e 35,7% (15) possuem ingestão hídrica maior que >2 litros de água.

Outra variável analisada no estudo foi a realização de tratamento psicofarmacológico. Dentre as crianças avaliadas, 88,1% (37) utilizavam algum fármaco para o tratamento, sendo os mais referidos: risperidona, ritalina e melatonina.

No que se refere à história alimentar apenas 9,5% (4) da amostra possuem alguma intolerância, 69,0% (29) das crianças tem aversão a certos tipos de alimentos, sendo os mais citados pelos pais; frutas, verduras, carnes cozidas e feijão; a mesma quantidade, 69,0% (29) das crianças possui preferências alimentares específicas. Na tabela 1 apresentada abaixo, foram reunidas informações referentes ao comportamento alimentar dos participantes durante as refeições, dentre as variáveis analisadas pode-se ressaltar; brincar durante as refeições, assistir TV ou mexer no celular, mastigação rápida e avaliação do apetite.

A tabela 1 descreve a Distribuição de Frequência referente ao Comportamento Alimentar das crianças com TEA da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE).

Tabela 1 -Distribuição de Frequência referente ao Comportamento Alimentar das crianças com TEA da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE). Teresina, Piauí, 2023

VARIÁVEIS

% (N)

Brincar durante as refeições

Sim

50,0 (21)

Não

45,2 (19)

Às vezes

4,8 (2)

Assistir telas durante as refeições

Sim

61,9 (26)

Não

31,0 (13)

Às vezes

7,1 (3)

Mastigação rápida

Sim

54,8 (23)

Não

42,9 (18)

Às vezes

2,4 (1)

Bom apetite

SIM

76,2 (32)

NÃO

19,0 (8)

Às vezes

4,8 (2)

Através da análise de dados do estado nutricional das crianças, classificados conforme o gráfico de escore-z da caderneta da criança feita pelo Ministério da Saúde em 2020, constatou-se que 26,2% (11) das crianças possui o peso elevado para idade (P/I), em relação à estatura para idade (E/I); 100% (42) da amostra apresenta estatura adequada. Em relação ao IMC para idade (IMC/I), foi observado que 11,9% (5) está com obesidade grave, 9,5% (4) com obesidade, 11,9% (5) com sobrepeso e 4,8% (2) estão classificadas com magreza. na tabela 2 apresentamos a distribuição de frequência referente ao Estado Nutricional das crianças com TEA da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE).

Tabela 2 - Distribuição de Frequência referente ao Estado Nutricional das crianças com TEA da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE). Teresina, Piauí, 2023

Classificação do estado nutricional

IMC por Idade (IMC/I)

Obesidade Grave

Obesidade

Sobrepeso

Eutrofia

Magreza

11,9% (5)

9,5% (4)

11,9% (5)

61,9% (26)

4,8% (2)

Peso por Idade (P/I)

Elevado

Adequado

26,2% (11)

73,8% (31)

Além dos dados apresentados anteriormente, notou-se que 28,6% (12) das crianças apresentaram a relação da circunferência da cintura para estatura (CC/E) maior que 0,50, fator de risco para o desenvolvimento de doença cardiovascular. A respeito da prevalência de doenças na família, 81,0% (34) das crianças que participaram da pesquisa tinham histórico de alguma patologia, sendo hipertensão a patologia mais frequente 73,8% (31), seguida por diabetes com 57,1% (24), doença cardiovascular e câncer, com 19,0% (8) e 11,9% (5) respectivamente. Esses dados indicam uma possível relação entre a incidência de TEA e a presença de doenças crônicas, porém é necessário a realização de mais estudos sobre essa temática para poder confirmar tal hipótese, como demonstrado na tabela 3.

Vê-se na tabela 3 a distribuição da relação entre o risco cardiovascular e as patologias presente no histórico familiar das crianças com TEA que frequentam a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE).

Tabela 3 - Distribuição da relação entre o risco cardiovascular e as patologias presente no histórico familiar das crianças com TEA que frequentam a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE). Teresina, Piauí, 2023

Variáveis

% (N)

IMC por Idade

Obesidade Grave

Obesidade

Sobrepeso

Com risco

11,9% (5)

9,5% (4)

4,8% (2)

Sem Risco

0% (0)

0% (0)

7,1% (3)

SIM

NÃO

Hipertensão

Com risco

19,0% (8)

9,5% (4)

Sem Risco

74,2% (23)

63,6% (7)

Diabetes

Com risco

23,8% (10)

4,8% (2)

Sem Risco

33,3% (14)

38,1% (16)

DVC

Com risco

7,1% (3)

21,4% (9)

Sem Risco

11,9% (5)

59,5% (25)

Câncer

Com risco

7,1% (3)

21,4% (9)

Sem Risco

4,8% (2)

66,7% (28)

No que concerne à frequência de consumo alimentar foi constatado que as crianças consomem ultraprocessados, como refrigerante 19,1% (8), biscoito 38,1% (16), bombom 30,9% (13), petisco 30,9% (13), sorvete 16,6% (7), bolo 52,4% (22), suco de caixinha 23,8% (10), achocolatado 28,6% (12), macarrão instantâneo 11,9% (5), iogurte e bebidas lácteas 35,7% (15) mais de uma vez por semana. Esse consumo quando excessivo prejudica a saúde e o estado nutricional, elevando o risco de desenvolvimento de patologias.

Na tabela 04 visualizamos a distribuição da relação entre a frequência alimentar dos ultraprocessados e o estado nutricional (IMC) das crianças com TEA que frequentam a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE).

Tabela 4 - Distribuição da relação entre a frequência alimentar dos ultraprocessados e o estado nutricional (IMC) das crianças com TEA que frequentam a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE). Teresina, Piauí, 2023

VARIÁVEIS

% (N)

% (N)

% (N)

Refrigerante

diariamente

2 a 3 vezes

Uma vez

Obesidade grave

2,4% (1)

0% (0)

2,4% (1)

Obesidade

0% (0)

2,4% (1)

2,4% (1)

Sobrepeso

0% (0)

2,4% (1)

4,8% (2)

Biscoito recheado

Obesidade grave

2,4% (1)

0% (0)

0% (0)

Obesidade

2,4% (1)

2,4% (1)

2,4% (1)

Sobrepeso

0% (0)

4,8% (2)

2,4% (1)

Bombom

Obesidade grave

7,1% (3)

0% (0)

0% (0)

Obesidade

4,8% (2)

0% (0)

0% (0)

Sobrepeso

4,8% (2)

0% (0)

4,8% (2)

Petisco

Obesidade grave

7,1% (3)

0% (0)

0% (0)

Obesidade

4,8% (2)

0% (0)

0% (0)

Sobrepeso

0% (0)

0% (0)

7,1% (3)

Sorvete

Obesidade grave

2,4% (1)

0% (0)

0% (0)

Obesidade

2,4% (1)

0% (0)

2,4% (1)

Sobrepeso

2,4% (1)

0% (0)

0% (0)

Bolo

Obesidade grave

2,4% (1)

2,4% (1)

4,8% (2)

Obesidade

0% (0)

2,4% (1)

7,1% (3)

Sobrepeso

2,4% (1)

4,8% (2)

2,4% (1)

Suco de caixinha

Obesidade grave

4,8% (2)

2,4% (1)

0% (0)

Obesidade

2,4% (1)

0% (0)

2,4% (1)

Sobrepeso

2,4% (1)

0% (0)

0% (0)

Achocolatado

Obesidade grave

2,4% (1)

2,4% (1)

0% (0)

Obesidade

0% (0)

0% (0)

0% (0)

Sobrepeso

0% (0)

7,1% (3)

0% (0)

Discussão

O sexo masculino 78,6% (33) é predominante na amostra, resultado similar ao do estudo realizado por Goularte [15]. A amostra confirma os dados divulgados pela Centers for Disease Control and Prevention sobre a prevalência na proporção de 1 menina para 3,8 meninos [6], resultado parecido com os dados divulgados pelo DSM-5, esses apontam que o espectro autista em meninos é 4 vezes mais prevalente quando comparado ao sexo feminino, fato esse comprovado a partir de evidências encontradas na literatura a cerca da proporção meninas:meninos [16], apesar dos estudos realizados ainda não se tem indícios decisivos que afirmem a interferência do sexo na incidência do autismo.

O diagnóstico precoce do TEA contribui para minimizar os impactos dos sintomas do autismo na vida desses indivíduos, os sinais tornam-se evidentes durante a primeira infância, mas na maioria das vezes passa despercebido pelas pessoas que convivem diariamente. Houve um aumento no número de pessoas diagnosticadas nos últimos anos por causa do crescente conhecimento acerca do tema, porém ainda não se tem confirmação concreta em relação ao fator que causa o desenvolvimento desse transtorno. Nos questionários analisados, 71,4% (30) das famílias vivem com até um salário-mínimo. Tal resultado é semelhante ao estudo efetuado na Paraíba no qual 80% (8) das famílias viviam com a mesma renda [17]. Em outro estudo feito no Rio Grande do Sul, 44,4% (32) dos participantes recebem um honorário de até um salário-mínimo [2], por causa da renda limitada as escolhas alimentares tornam-se restritas, assim como o diagnóstico e tratamento das patologias.

Problemas gastrointestinais como diarréia, constipação, náuseas, vômitos, gases, dores e distensão abdominal, refluxo e alergia são sintomas frequentes no autismo em virtude da alta quantidade de citocinas inflamatórias, modificações e inflamações do intestino [4,18,19]. A constipação intestinal é motivada pelo baixo consumo de fibras, o qual é provocado pela seletividade e ingestão hídrica insuficiente, esses aspectos resultam no mau funcionamento intestinal [20,21]. A amostra de participantes com TEA apresenta dados que comparados aos encontrados na literatura, também alegam alta incidência de constipação em pessoas com baixo consumo de líquidos, principalmente, a água. Rosa, Andrade (2019) realizaram um estudo em Arapongas Paraná onde identificou-se que 60% (13,2) da amostra tinha constipação, ademais foi observado que 75% (16,5) fazem a ingestão de < 1L de água por dia e apenas 10% (2,2) consomem > de 1L de água, no que tange o consumo de fibras apenas 10% (2,2) consumiam vegetais e 55% (12,1) frutas diariamente [21].

Dessa forma, a baixa ingestão de água torna-se um fator preocupante pois fomenta malefício ao organismo, visto que a água desempenha papéis importantes na regulação de órgãos como rins, cérebro e trato gastrointestinal além de contribuir na digestão, absorção e excreção de nutrientes [22].

Outro fator que pode influenciar na constipação é a ingestão de glúten e caseína. Estudos mostram que o consumo pode contribuir com a alteração da permeabilidade intestinal favorecendo o aparecimento de problemas gastrointestinais devido à alta concentração de peptídeos opióides [23,24,25]. No tocante a alergia alimentar somente 9,5% (4) da amostra alegou ter alergia, discordando dos dados literários que relatam frequência de alergia em autista, todavia ainda não se tem comprovação suficiente que uma dieta restritiva causa alguma melhora desses sintomas [26].

Dentre as alterações comportamentais presentes no espectro autista, a literatura afirma que a seletividade alimentar é a mais frequente nesses indivíduos, causada pela sensibilidade sensorial aumentada [8]. Esse comportamento causa resistência em experimentar alimentos novos, preferência por alimentos de determinada textura, cor e sabor, consumo limitado e comportamentos atípicos durante as refeições [27,9]. Na amostra verificou-se que 69,0% (29) possuíam preferência alimentar resultado menor do que o encontrado na literatura, no qual constatou-se que 100% (32) da amostra possuía algum transtorno alimentar e aliado a isso a seletividade foi o mais relatado pelos participantes 31,9% (10,2) e em seguida foi o comportamento alimentar 25,3% (8,1) [28], todavia ambos os estudos confirmam a alta constância desses transtornos em autistas.

No trabalho desenvolvido por Santos et al., das crianças estudadas na pesquisa 66,1% (n=119) consumiam frutas, 45,56% (n=82) vegetais diariamente e mais de 70% (n=135) consumiam ultraprocessados diariamente, esse baixo consumo de in natura causa uma deficiência de antioxidantes, necessários para os autistas devido ao estresse oxidativo que eles sofrem [29]. Devido à seletividade, o consumo de alimentos in natura é reduzido em comparação aos alimentos ultraprocessados, isso ocorre por causa de fatores como as diversas características sensoriais, modo de preparo e oferta do alimento, em compensação a obtenção de produtos industrializados é acessível [30].

O fármaco mais utilizado pelos participantes do estudo é a risperidona, muito utilizada para reduzir os sintomas de irritabilidade, entretanto também está relacionado a outros efeitos negativos como: sonolência, tontura, fadiga, tremor e ganho de peso. Em virtude dessas reações adversas outros métodos estão sendo pesquisados a fim de serem utilizados como alternativas no tratamento dos sintomas de TEA [31].

Um estudo revelou a presença de comportamentos como o baixo consumo de alimentos in natura e condutas durante as refeições, tal como o hábito de comer sempre no mesmo local, não realizar as refeições dentro dos horários e agitação [32]; essas reações de euforia têm correlação com o consumo de industrializados, alguns dos citados como: chocolates, refrigerante, café e alimentos que contêm glúten e corantes alimentícios [33]. Tornando evidente a importância de um acompanhamento alimentar para contribuir na melhora do bem-estar nutricional e comportamental.

Observamos que 76,2% (32) têm bom apetite, entretanto o fato da maioria das crianças comerem brincando ou assistindo telas de TV ou celular, o que pode interferir no estado nutricional, pois esses comportamentos durante as refeições juntamente com a seletividade alimentar geram impactos no consumo alimentar e promove o aumento da ingestão de ultraprocessados [34].

Os resultados contidos nesta pesquisa não demonstram um elevado consumo de ultraprocessados, contudo este hábito costuma ser frequente neste grupo. No estudo realizado por Vitolo et al., mostra o consumo de ultraprocessados realizado por crianças do Rio Grande do Sul que possuem baixa renda, dentre os alimentos que foram mais consumidos ressalta-se as bebidas açucaradas 75,6% (250) [35]. Outro estudo foi produzido para verificar o IMC de 69 autistas, no resultado encontrado 6,7% (4,6) da amostra estava abaixo do peso, estavam classificados com obesidade e sobrepeso 21,7% (15) e 18,3% (12,6) respectivamente. Portanto 62,6% (43,2) estavam com o estado nutricional inadequado mostrando a relação da frequência do consumo de industrializados com o estado nutricional desse público [36].

Conclusão

Devido a renda limitada da maioria dos participantes da pesquisa as escolhas alimentares tornaram-se restritas, assim como a identificação do diagnóstico precoce e o tratamento das patologias relacionadas ao TEA. A amostra apresentou em sua maioria, participantes do sexo masculino. Dados que, quando comparados a literatura, alegam alta incidência de constipação associada a um baixo consumo de líquidos, principalmente, a água. A maioria das crianças possuem o hábito de comer brincando e assistindo telas de TV ou celular, o que pode interferir no estado nutricional, pois esses comportamentos durante as refeições juntamente com a seletividade alimentar geram impactos no consumo de alimentos e promovem o aumento da ingestão de ultraprocessados. Constatou-se que as crianças avaliadas possuem um peso elevado para idade (P/I), e em relação ao IMC para idade (IMC/I) foram observados casos de obesidade grave, obesidade, sobrepeso e magreza. Portanto, é evidente a importância de um acompanhamento alimentar para contribuir na melhora do bem-estar nutricional e comportamental das crianças com TEA.

Conflito de interesses:

Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse no trabalho.

Fontes de financiamento:

Financiamento próprio.

Contribuições dos autores:

Concepção e desenho da pesquisa: Leal GESA. Obtenção de dados: Leal GESA. Análise e interpretação dos dados: Leal GESA. Análise estatística: Bezerra KCB. Redação do manuscrito: Leal GESA. Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Bezerra KCB, Ibiapina DFN.

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