Nutr Bras. 2024;23(5):1195-1205
doi:10.62827/nb.v23i5.3045

REVISÃO

Insegurança alimentar e nutricional agravada pela pandemia da covid-19: revisão integrativa da literatura

Food and nutritional insecurity aggravated by the covid-19 pandemic: integrative review of the literature

Camilla de Jesús Pires1, Antonielle Janara do Nascimento Sousa1, Sara Sabrina Lima Medeiros1, Mabena Damaris de Oliveira França1, Joyce do Nascimento Paixão1, Fabrício Galvão Monteiro1, Paula Eduarda Oliveira Honorato1

1Christus Faculdade do Piauí (CHRISFAPI), Piripiri, PI, Brasil

Recebido em: 1 de fevereiro de 2024; Aceito em: 14 de janeiro de 2025.

Correspondência: Camilla de Jesús Pires, camillapires3@gmail.com

Como citar

Pires CJ, Sousa AJN, Medeiros SL, França MDO, Paixão JN, Monteiro FG, Honorato PEO. Insegurança alimentar e nutricional agravada pela pandemia da covid-19: revisão integrativa da literatura. Nutr Bras. 2024;23(5):1195-1205.doi:10.62827/nb.v23i5.3045

Resumo

Introdução: A Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) no período de pandemia implicou em vários desafios para o governo, que buscou alternativas para manter garantida a produção alimentícia e controlar a crise de deficiência nutricional na população. Objetivo: Avaliou-se através de uma revisão de literatura como a insegurança alimentar e nutricional foi agravada pela pandemia da Covid-19. Métodos: Foram selecionados artigos em português e inglês, publicados entre 2020 e 2024, nas bases de dados Scientific Eletronic Library Online (SciELO), Medical Literature Analysis and Retrieval Sustem Online (PubMed/ MEDLINE) e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), utilizando os descritores insegurança alimentar, deficiências nutricionais, obesidade e Covid-19, e excluídos artigos duplicados, totalizando 16 estudos para a leitura e análise completa. Resultados: Observou-se uma elevação no consumo de industrializados devido à facilidade de sua compra, favorecendo a mudança do padrão alimentar, além da diminuição do consumo e acesso à alimentos in natura. Conclusão: Foi constatado um agravamento da SAN do brasileiro em relação ao aumento da insegurança alimentar nos lares, tanto no período da pandemia da Covid-19 quanto após este período.

Palavras-chave: Insegurança alimentar; deficiências nutricionais; obesidade; covid-19.

Abstract

Introduction: Food and Nutritional Security (FNS) during the pandemic period entailed several challenges for the government, which sought alternatives to maintain food production and control the nutritional deficiency crisis in the population. Objective: Through a literature review, it was assessed how food and nutritional insecurity was worsened by the Covid-19 pandemic. Methods: Articles were selected in Portuguese and English, published between 2020 and 2024, in the databases Scientific Electronic Library Online (SciELO), Medical Literature Analysis and Retrieval Sustem Online (PubMed/MEDLINE) and Latin American and Caribbean Literature in Sciences of Health (LILACS), using the descriptors food insecurity, nutritional deficiencies, obesity and Covid-19, and excluding duplicate articles, totaling 16 studies for reading and analysis complete. Results: An increase in the consumption of processed foods was observed due to the ease of purchasing them, favoring a change in eating patterns, in addition to a decrease in consumption and access to fresh foods. Conclusion: A worsening of Brazilian FNS was found in relation to the increase in food insecurity in homes, both during the Covid-19 pandemic and after this period.

Keywords: Food insecurity; deficiency diseases; obesity; covid-19.

Introdução

A alimentação adequada e de qualidade é um direito humano que deve ser garantido a todos pelo Estado e é alvo de discussões em todo o mundo. Porém, as marcas da história brasileira pautada pela miséria, colonização e desigualdade social ainda permeiam por todos os âmbitos da sociedade. Por isso, a busca pelo direito à alimentação adequada é um enfrentamento constante que envolve muitos setores [1].

As ações de combate à fome no Brasil tiveram início em 2001 com a criação do projeto Fome Zero. Em 2006, foi aprovada a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN) nº 11.346, de 15 de setembro de 2006, que criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), e regulamentada com o decreto nº 7.272, de 25 de agosto de 2010 que se instituiu a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN) a fim de estabelecer planos e diretrizes com o objetivo de realizar a criação de políticas públicas que promovessem o acesso a alimentação como direito humano [2].

É importante destacar que o conceito de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) consiste “[...] na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais [...].[3]. Ou seja, o indivíduo deve apresentar boas práticas alimentares, com consciência da qualidade, além de respeitar a biodiversidade e a sustentabilidade.

Por outro lado, a Insegurança Alimentar (IA) pode assumir três níveis: o primeiro seria o mais leve, caracterizado pela preocupação em relação ao acesso futuro ao alimento e/ou ainda uma redução na qualidade para não comprometer a quantidade; no segundo, ocorre a redução dos alimentos entre os adultos e/ou também a ruptura em relação a qualidade alimentar; e, por último, o mais grave, caracterizando-se pela falta de alimentos para as crianças e/ou qualidade alimentar ou mesmo a própria predominância da fome pela falta do alimento [4].

Vale ressaltar que houve um aumento da obesidade entre os jovens e as crianças brasileiras no período pós pandêmico. Esta patologia é considerada um problema de saúde pública e pode causar inúmeras doenças crônicas, tais como diabetes mellitus, doenças cardiovasculares, câncer e depressão [5].

O isolamento social, imposto como remediador da contaminação da obesidade, proporcionou um grande abalo na economia de todo o mundo. No Brasil, as paralisações e fechamento do comércio, impactaram diretamente tanto as grandes empresas, quanto as microempresas, desencadeando um grande prejuízo, desemprego, endividamento e incertezas sobre o futuro. Em vista disso, compreendemos a existência de diversos fatores relacionados à pandemia que de forma direta agravou-se o desaceleramento do processo de SAN no país [6].

Este trabalho justifica-se pela importância de tratar, em âmbito acadêmico, sobre um tema de utilidade pública, a predominância da fome e agravamento da SAN no Brasil causado pela Covid-19, visando contribuir com as pesquisas científicas já existentes.

Descreveu-se através de uma revisão de literatura como a insegurança alimentar e nutricional foi agravada pela pandemia da Covid-19.

Métodos

O estudo foi conduzido a partir de uma revisão integrativa da literatura nas seguintes bases de dados SciELO, PubMed/ MEDLINE e LILACS, além de documentos oficiais do Governo e da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (PENSSAN), visando a busca das melhores evidências na literatura e em artigos originais em periódicos para que houvessem referências que sejam condicentes com o tema abordado.

Para as buscas de artigos científicos, utilizou-se a combinação das palavras-chave: insegurança alimentar, deficiências nutricionais, obesidade e Covid-19. Como critério de inclusão, considerou-se estudos disponíveis de forma integral, publicados no período de 2020 a 2024 nos idiomas português e inglês, e que abordaram temáticas relacionadas à saúde, nutrição e economia e textos que elencassem a mudança no padrão alimentar do brasileiro em relação às novas práticas adotadas no período de pandemia e pós-pandemia. Excluíram-se trabalhos duplicados nas bases de dados e aqueles publicados anteriormente à pandemia, que não se enquadravam com o tema da prevalência da fome e insegurança alimentar no país, estudos que não consideravam a realidade alimentar brasileira e trabalhos de outras áreas do conhecimento que divergiam com a temática desta pesquisa.

Resultados e discussão

Foram selecionados artigos, dissertações e inquéritos, totalizando noventa e quatro (98) achados. Após a aplicação dos filtros: artigos disponíveis, corte temporal de 2020 a 2024, idiomas (inglês e português), e leitura detalhada, restaram um total de dezesseis (16) estudos que foram compatíveis com a temática abordada, conforme a figura 1.

Fonte: Elaborado pelas autoras (2024).

Figura 1 - Fluxograma das fases de identificação,seleção, elegibilidade e inclusão

A partir de análise dos estudos selecionados, foi realizado o consolidado de subsídios e a escolha das modificáveis exclusivas para uma análise. No quadro abaixo, estão destacadas as decorrências quanto aos títulos dos estudos, autores, revistas, ano e principais achados. Foi identificado um total de (n=98) artigos por meio de uma busca eletrônica nas bases de dados, porém somente (n=16) foram incluídos por atenderem os critérios de elegibilidade (Quadro 1).

Quadro 1 - Descrição dos estudos incluídos na revisão integrativa segundo título, autor (es), periódicos, ano de publicação e principais achados

TÍTULO

AUTOR (ES)

PERIÓDICO

ANO

PRINCIPAIS ACHADOS

Food and nutritional insecurity and health risk behaviors in adolescents during the COVID-19 pandemic

Gomes CS, Da Silva AG, Barros MBA, Szwarcwald CL, Malta DC [7]

Saúde Debate

2024

A prevalência de IA foi elevada entre os adolescentes da raça/cor preta e parda e que estudam em escola pública. Menor consumo de hortaliças e frutas, prática de atividade física e maior uso de cigarros e álcool.

Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil: cenário anterior e posterior ao início pandêmico

Mattos ACE, Marina Guerin M, Ten Cate LNS [8]

Revista Segurança Alimentar e Nutricional

2023

O Brasil já enfrentava uma situação de IA antes da pandemia, e após agravou ainda mais esse problema. Levou ao aumento da ocorrência de fome e maior dificuldade de acesso aos alimentos.

Food promoted on na online food delivery platform in a Brazilian metropolis during the coronavírus disease (COVID-19) pandemic: a longitudinal analysis.

Horta PM, Matos JP, Mendes LL. [9]

Public Health Nutrition

2022

A maioria dos alimentos e bebidas promovidos na plataforma de entrega de alimentos online durante a pandemia de COVID-19 eram ultraprocessados.

Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil.

Rede PENSSAN [10]

Instituto Fome Zero

2022

A insegurança alimentar aumentou significativamente durante a pandemia.

Suplemento I

Insegurança Alimentar nos estados.

Rede PENSSAN [11]

Instituto Fome Zero

2022

A insegurança alimentar variou significativamente entre os estados brasileiros durante a pandemia de COVID-19.

Alimentação saudável em tempos de covid-19: circularidade e sentidos em um contexto de pandemia.

Ramos RVR. [12]

Fundação Fiocruz

2021

A alimentação saudável foi influenciada por uma variedade fatores durante a pandemia.

Modificações dos hábitos alimentares relacionados à Pandemia do Covid-19: uma revisão da literatura.

Oliveira LV, Rolim ACP, da Silva GF, de Araújo LC, Braga VA de L, Coura AGL. [13]

Brazilian Journal of Health Review

2021

Mudanças nos padrões alimentares, como aumento do consumo de alimentos ultraprocessados, maior frequência de refeições em casa e alterações na ingestão de calorias.

Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil.

Rede PENSSAN [14]

Instituto Fome Zero

2021

A insegurança alimentar aumentou durante a pandemia, com cerca de 47,4% dos brasileiros relatando enfrentar insegurança alimentar.

Tendências e desigualdades na insegurança alimentar durante a pandemia de COVID-19: resultados de quatro inquéritos epidemiológicos seriados.

Santos LP dos, Schäfer AA, Meller F de O, Harter J, Nunes BP, Silva ICM da, et al. [15]

Caderno de Saúde Pública

2021

1/3 das famílias entrevistadas sofriam algum tipo de insegurança, apresentando maior instabilidade em famílias em que apenas uma pessoa trabalhava e que cumpria as regras de distanciamento social.

Modificações dos Hábitos alimentares relacionados à pandemia do Covid-19: uma revisão da literatura.

Lima AC, Coelho GF. [16]

Revista de Contabilidade e Finanças

2021

A pandemia teve um impacto significativo nos hábitos alimentares das pessoas, culminando instabilidade e insegurança de forma brusca.

A pandemia da COVID-19 e as mudanças no estilo de vida dos brasileiros adultos: um estudo transversal, 2020.

Malta DC, Szwarcwald CL, Barros MB de A, Gomes CS, Machado ÍE, Souza Júnior PRB de, et al. [17]

Epidemiologia e Serviços de Saúde

2020

Durante o período de restrição social, houve diminuição da prática de atividade física, aumento do tempo em frente a telas, maior ingestão de alimentos ultraprocessados.

Mudanças alimentares a coorte NutriNet Brasil durante a pandemia de covid-19.

Steele EM, Rauber F, Costa C dos S, Leite MA, Gabe KT, Louzada ML da C, et al. [18]

Revista de Saúde Pública

2020

Observou um aumento no consumo de alimentos ultraprocessados nas regiões Norte e Nordeste e entre pessoas com menor escolaridade.

Obesidade em crianças e adolescentes e COVID-19.

Sociedade Brasileira de Pediatria [19]

Nota de Alerta

2020

Houve uma diminuição na prática de atividades físicas e um aumento no consumo de alimentos ultraprocessados, resultando em um aumento de peso.

COVID-19 e ambiente alimentar digital no Brasil: reflexões sobre a influência da pandemia no uso de aplicativos de delivery de comida.

Botelho LV, Cardoso LO, Canella DS. [20]

Brazilian Journal of Health Review

2020

O consumo de alimentos processados e ultra processados tiveram um grande aumento devido à facilidade do acesso em compras online e entregas à domicílio.

A pandemia de Covid-19 e suas repercussões na epidemia da obesidade de crianças e adolescentes.

Sousa GC de, Lopes CSD, Miranda MC, Silva VAA da, Guimarães PR. [21]

Revista Eletrônica Acervo Saúde

2020

O Brasil passou por uma rápida transição nutricional que culminou na diminuição percentual da desnutrição e despontamento da obesidade como importante problema de saúde pública.

Implicações da pandemia da Covid-19 nos hábitos alimentares.

Durães SA, Souza TS, Gomes YAR, Pinho L de. [22]

Revista Unimontes Científica

2020

As restrições provocadas pelo isolamento resultaram em consequências na saúde mental, no estilo de vida e hábitos alimentares, redução no consumo de alimentos in natura e ganho de peso.

Fonte: Elaborado pelas autoras (2024).

O significado de risco alimentar, inicialmente, caracterizava apenas pela dificuldade do indivíduo em ter acesso ao próprio alimento, tem-se, portanto, a fome como a grande problemática na sociedade brasileira, fazendo-se essencial intervenções a fim de amenizar e sanar essa deficiência. Mas também, com o desenvolvimento das sociedades industriais, aponta-se outro fator de risco alimentar, a falta de uma alimentação saudável (maior parte composta por alimentos consideradas ruins à saúde e pobre em nutrientes). Dessa forma, entende-se que o conceito de IA aqui tratado terá duas vertentes de abordagem: a primeira, volta-se para o aparecimento cada vez mais marcante de um padrão alimentar voltado para alimentos de baixa qualidade nutricional; e a segunda, dá destaque à falta do alimento, caracterizando-se pela presença de fome nos domicílios [12].

Em relação a IA relativa à falta de nutrientes de qualidade na alimentação, notou-se que durante a pandemia o consumo de alimentos processados e ultra processados tiveram um grande aumento devido à facilidade do acesso em compras online e entregas à domicílio. Importante meio de compra tendo em vista o isolamento social proposto como medida preventiva de contágio da doença [20].

A questão econômica do país repercutiu significativamente na SAN do brasileiro durante a pandemia, já que 716 mil empresas (micro e pequenas empresas) fecharam durante o período pandêmico, influenciando consequentemente no aumento do desemprego no país. Isso porque houve o enfraquecimento do mercado de trabalho tanto formal quanto informal em vista das medidas adotadas como o isolamento, limitação de horários e até mesmo fechamentos. Culminando instabilidade e insegurança de forma brusca [16].

Corroborando com os achados acima, outras pesquisas realizadas mostram que fatores relacionados com as paralizações e isolamento puderam impactar no desenvolvimento de comportamentos que proporcionam risco à saúde. Tais como o baixo nível de atividade física e até mesmo o estoque de alimentos industrializados, processados e ultraprocessados devido a um receio da falta de alimentos nos supermercados, acarretando na diminuição do consumo de legumes, hortaliças e frutas. Além disso, houve um leve aumento do consumo de bebida alcóolica e cigarro, conforme as primeiras pesquisas relativas ao primeiro ano de pandemia [17,18].

Diante dessa situação, a nutrição, que vai além de somente saciar a fome, ficou em segundo plano, acarretando um grande número de pessoas com sobrepeso ou obesidade, e que apesar da alta ingestão calórica, mantiveram-se em deficiência nutricional, adentrando no risco de IA [22].

Em Belo Horizonte (MG), no ano de 2020 (abril a julho), houve maior oportunidade de venda dos alimentos não saudáveis em estabelecimentos que vendiam por aplicativos, pois ofereciam em maior quantidade esse tipo de alimento, além de proporcionar com grande regularidade promoções e ofertas especiais, favorecendo, assim, a sua escolha [9].

Em consonância, percebeu-se transformações e modificações do estilo de vida e padrão alimentar do brasileiro devido à ocorrência da pandemia da Covid-19 se associar com o maior desenvolvimento de Doenças Crônicas Não Transmissíveis - DCNT (diabetes, câncer, doenças cardiovasculares, respiratórias e obesidade) [13]. Sabe-se que a obesidade está associada ao desequilíbrio da resposta do sistema imunológico e que pode ser um agravante para o paciente hospitalizado por infecção do vírus, podendo, assim, dificultar o cuidado da equipe médica que contribui com a evolução do quadro clínico para apneia obstrutiva, dificuldade na intubação traqueal, promovendo o aumento do risco de complicações por infecção respiratória [19].

O que relaciona a obesidade com a IA é a causa dessa doença, uma vez que um dos principais agravantes é a mudança no padrão alimentar do brasileiro que vem se transformando desde o processo de urbanização, onde sentiu-se a necessidade de o alimento ser ofertado de forma mais prática e rápida, acontecendo a adesão ao consumo cada vez maior de produtos industrializados, ou seja, ocorrendo a diminuição da qualidade do alimento consumido todos os dias [21].

Desta forma, conforme a pesquisa realizada pela Rede PENSSAN através de um inquérito populacional, baseada em amostras probabilísticas de 2.180 domicílios representando a população brasileira das cinco regiões em áreas urbanas e rurais, os resultados chegaram a 44,8% de moradores que apresentavam Segurança Alimentar, enquanto que 55,2% tinha algum grau de IA e dentre eles, 9% com IA grave, ou seja, conviviam com a fome. Dados estes que se caracterizavam pelas consequências das condições vividas durante a pandemia da Covid-19, na qual, a maior parcela de domicílios com rendimentos mensais inferiores a ¼ do salário mínimo per capita se concentrava nas regiões Norte e Nordeste, evidenciando a desigualdade social e econômica como fatores de agravamento da IA [14].

Em pesquisa realizada no município de Bagé (RS) durante os meses de maio e junho de 2020, foram utilizados quatro inquéritos para análise considerando índices sociodemográficos, como idade, escolaridade e número de moradores por domicílio. Tendo como resultados que 1/3 das famílias entrevistadas sofriam algum tipo de insegurança, apresentando maior instabilidade em famílias em que apenas uma pessoa trabalhava e que cumpria mais severamente as regras de distanciamento social. Também se destacou o impacto positivo do suporte do auxílio emergencial visto que grande parte dos trabalhadores informais tiveram sua fonte de renda afetada [15].

Em consonância a isto, dados do II Inquérito Insegurança Alimentar e a Covid-19 no Brasil ressaltaram a emergência de adoção de políticas públicas com o intuito de minimizar os graus de IA grave no país, visto que cerca de 33 milhões da população chegou a passar fome, e da necessidade de monitoramento das suas condições alimentares e nutricionais. Isso em decorrência do agrave dos diferentes segmentos sociais levados em consideração: gênero, raça/cor, escolaridade e local de moradia, em face das consequências deixadas no pós-pandemia. A cerca disso, foi demonstrado neste mesmo inquérito que no início de 2022 a base de moradores que apresentavam SAN era pouco mais de 40%, enquanto que 28% não tinham estabilidade alimentar, relacionadas tanto pela possibilidade de não terem alimentos no futuro, como pela baixa qualidade do alimento obtido; 30,7% com IA moderada ou grave e 15,5% já com quadro de fome dentre os domiciliares [10].

Um estudo transversal, realizado entre junho e outubro de 2020, com dados do inquérito de Saúde “ConVid Adolescentes – Pesquisa de Comportamentos” evidenciou que 26,1% dos adolescentes enfrentaram IA, com maior prevalência entre os de raça/cor preta e parda e os que frequentam escolas públicas. Apresentaram menor consumo de hortaliças e frutas, menor prática de atividade física e maior uso de cigarros e álcool, indicando um quadro alarmante de comportamentos de risco à saúde. As condições socioeconômicas desfavoráveis foram identificadas como um fator agravante para a IA [7].

No Suplemento I, também realizado pela Rede PENSSAN, observou-se que no período pandêmico a situação socioeconômica no país se agravou bruscamente pela falta de empregos e, consequentemente, a falta de renda são fatores que levaram a isso. No geral, no estado do Norte cerca de 2,6 milhões de pessoas estavam em situação de fome e no estado do Nordeste, 2,4 milhões; o Sudeste, com a maior população do Brasil, apresentou 6,8 milhões de pessoas passando fome, grande maioria residente no estado de São Paulo. Nesta mesma pesquisa, foi apresentado também que 15,5% dos brasileiros vivenciam a IA em estado grave. O que se observa nitidamente é que as regiões mais afetadas são aquelas nas quais essa situação se faz presente na sua história ao longo dos anos, sendo elas as famílias mais afetadas nos estados do Norte e Nordeste [11].

O Brasil já enfrentava uma situação de insegurança alimentar e nutricional antes da pandemia, e após agravou ainda mais esse problema. Destacando que a pandemia levou ao aumento da ocorrência de fome e maior dificuldade de acesso aos alimentos. Sendo necessário iniciativas do setor público para abordar questões relacionadas às condições de trabalho e renda, pois são cruciais para garantir o acesso a alimentos seguros e nutritivos, especialmente em tempos de crise [8].

Conclusão

Houve um agravamento da SAN do brasileiro em relação ao aumento da IA nos lares, tanto no período da pandemia da Covid-19 quanto após o período pandêmico, sendo que os mais afetados foram as famílias das camadas socioeconômicas e demográficas mais vulneráveis e os trabalhadores informais. Sendo assim, muitos obstáculos foram observados, como a política de isolamento social que foi um agravante para o setor econômico, influindo em maior índice de desemprego proveniente da redução de produção da indústria e comércio, paralização de grandes e pequenos agricultores, queda na produção alimentícia e aumento dos preços.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse de qualquer natureza.

Fontes de financiamento

Financiamento próprio.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Sousa AJN, Monteiro FG, Paixão JN, França MDO, Medeiros SSL; Coleta de dados: Sousa AJN, Monteiro FG, Paixão JN, França MDO, Medeiros SSL; Análise e interpretação dos dados: Sousa AJN, Monteiro FG, Paixão JN, França MDO, Medeiros SSL, Pires CJ, Honorato PEO; Análise estatística: Sousa AJN, Monteiro FG, Paixão JN, França MDO, Medeiros SSL, Pires CJ, Honorato PEO; Redação do manuscrito: Sousa AJN, Monteiro FG, Paixão JN, França MDO, Medeiros SSL, Pires CJ, Honorato PEO; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Pires CJ, Honorato PEO.

Referências

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