Geronto Bras. 2025;1(1):85-97
doi: 10.62827/gb.v1i1.0008

ARTIGO ORIGINAL

Rastreio nutricional e autopercepção de saúde dos idosos rurais do Amazonas: um estudo descritivo

Suzana Germano Justino1, Hércules Lázaro Morais Campos1, Melissa Bomfim Damasceno2, Victória Christinne Freitas da Silva1, Suziane Santos Torcato1, Luciane Perez da Costa Fernandes1

1Instituto de Saúde e Biotecnologia - Universidade Federal do Amazonas (ISB/UFAM), Manaus, AM, Brasil

2Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), Manaus, AM, Brasil

Recebido em: 5 de Maio de 2025; Aceito em: 31 de Maio de 2025.

Correspondência: Luciane Perez da Costa Fernandes, lucianeperez.nutri@gmail.com

Como citar

Justino SG, Campos HLM, Damasceno MB, Silva VCF, Torcato SS, Fernandes LPC. Rastreio nutricional e autopercepção de saúde dos idosos rurais do Amazonas: um estudo descritivo. Geronto Bras. 2025;1(1):85-97. doi:10.62827/gb.v1i1.0008

Resumo

Introdução: Envelhecer no contexto rural amazônico, em regiões remotas e de difícil acesso, é uma realidade que exige atenção especial dos serviços de saúde em relação aos aspectos demográficos, sociais e nutricionais relacionados à autopercepção de saúde. Objetivo: Avaliou-se e descreveu-se o estado nutricional e a autopercepção de saúde dos idosos residentes na zona rural do Estado do Amazonas. Métodos: Estudo transversal conduzido com idosos com idade ≥ 60 anos residentes na zona rural do Estado do Amazonas. Para avaliar a autopercepção de saúde nutricional e as variáveis sociodemográficas, utilizou-se um questionário validado e semiestruturado. O estado nutricional foi avaliado por meio da Mini Avaliação Nutricional (MNA). O rastreio de sarcopenia foi realizado utilizando a Ferramenta de Rastreio do Risco de Sarcopenia (SARC-F). Resultados: Foram avaliados 215 idosos, a maioria do sexo feminino, que realizam atividades domésticas e, quando aposentadas, desenvolvem outro trabalho adicional. A maioria dos idosos rurais avaliados apresentam perfil nutricional dentro dos padrões normais; ao avaliar o perfil nutricional e o risco de sarcopenia, os homens idosos mostraram maior risco negativo e de sarcopenia. Uma parte considerável dos idosos rurais apresentou risco de desnutrição, fraturas e quedas. Em relação à autopercepção negativa da saúde, muitos relataram perda de apetite e dificuldade na ingestão alimentar. A maioria dos idosos realiza, em média, de 2 a 3 refeições por dia. Conclusão: O perfil nutricional entre os idosos mostrou-se dentro dos padrões de normalidade, embora a autopercepção de saúde tenha evidenciado risco de fraturas, perda de apetite e dificuldade em se alimentar sozinho. Intervenções nutricionais e de saúde precoces podem reduzir o risco de fragilização dos idosos rurais amazônicos, bem como melhorar sua percepção de saúde.

Palavras-chave: Saúde da população rural; Autopercepção; Vigilância Alimentar e Nutricional.

Abstract

Nutritional screening: self-perception of health in elderly riverside people in the interior of Amazonas

Introduction: Aging in the Amazon rural context, in remote and hard-to-reach areas, is a reality that requires special attention from health services regarding the demographic, social, and nutritional aspects related to health self-perception. Objective: The nutritional status and health self-perception of elderly individuals residing in the rural area of the State of Amazonas were evaluated and described. Methods: A cross-sectional study was conducted with elderly individuals aged ≥ 60 years residing in the rural area of the State of Amazonas. To assess nutritional health self-perception and sociodemographic variables, a validated semi-structured questionnaire was used. Nutritional status was evaluated using the Mini Nutritional Assessment (MNA). Sarcopenia screening was conducted using the Sarcopenia Risk Screening Tool (SARC-F). Results: A total of 215 elderly individuals were evaluated, the majority being female, who engage in domestic activities and, when retired, take on additional work. Most of the evaluated rural elderly individuals presented nutritional profiles within normal ranges; when assessing nutritional status and the risk of sarcopenia, elderly men showed a higher negative risk and prevalence of sarcopenia. A considerable portion of the rural elderly population exhibited risks of malnutrition, fractures, and falls. Regarding negative health self-perception, many reported loss of appetite and difficulty in food intake. Most elderly individuals consume, on average, 2 to 3 meals per day. Conclusion: The nutritional profile among the elderly was within normal ranges, although health self-perception indicated risks of fractures, loss of appetite, and difficulty eating independently. Early nutritional and health interventions may reduce the risk of frailty among rural Amazonian elderly individuals and improve their health perception.

Keywords: Rural Health; Self Concept; Food and Nutritional Surveillance.

Resumen

Tamizaje nutricional y autopercepción de salud en ancianos rurales de la Amazonas: un estudio descriptivo

Introducción: Envejecer en el contexto rural amazónico, en regiones remotas y de difícil acceso, es una realidad que exige atención especial de los servicios de salud en relación con los aspectos demográficos, sociales y nutricionales relacionados con la autopercepción de la salud. Objetivo: Se evaluó y describió el estado nutricional y la autopercepción de salud de los ancianos residentes en la zona rural del Estado de Amazonas. Métodos: Estudio transversal realizado con ancianos de edad ≥ 60 años residentes en la zona rural del Estado de Amazonas. Para evaluar la autopercepción de la salud nutricional y las variables sociodemográficas, se utilizó un cuestionario validado y semiestructurado. El estado nutricional se evaluó mediante la Mini Evaluación Nutricional (MNA). El rastreo de sarcopenia se llevó a cabo utilizando la Herramienta de Rastreo del Riesgo de Sarcopenia (SARC-F). Resultados: Se evaluaron 215 ancianos, la mayoría de sexo femenino, que realizan actividades domésticas y, al estar jubilados, desarrollan otro trabajo adicional. La mayoría de los ancianos rurales evaluados presentan un perfil nutricional dentro de los patrones normales; al evaluar el perfil nutricional y el riesgo de sarcopenia, los hombres ancianos mostraron un mayor riesgo negativo y de sarcopenia. Una parte considerable de los ancianos rurales presentó riesgo de desnutrición, fracturas y caídas. En relación con la autopercepción negativa de la salud, muchos informaron pérdida de apetito y dificultad en la ingesta de alimentos. La mayoría de los ancianos realiza, en promedio, de 2 a 3 comidas al día. Conclusión: El perfil nutricional entre los ancianos se mostró dentro de los patrones de normalidad, aunque la autopercepción de la salud evidenció riesgo de fracturas, pérdida de apetito y dificultad para alimentarse de manera independiente. Intervenciones nutricionales y de salud tempranas pueden reducir el riesgo de fragilidad entre los ancianos rurales amazónicos, así como mejorar su percepción de salud.

Palabras-clave: Salud de la población rural; Autopercepción; Vigilancia Alimentaria y Nutricional.

Introdução

Envelhecer em áreas rurais é desafiador e exige atenção especial dos serviços de saúde, sobretudo em regiões remotas e de difícil acesso, como as comunidades ribeirinhas da Amazônia, que apresentam características específicas na forma como esses idosos vivem a velhice. Sabe-se que pessoas que envelhecem em contextos rurais apresentam algumas características diferentes das pessoas idosas que envelhecem em contextos urbanos [1].

Nas comunidades ribeirinhas e rurais do estado do Amazonas, aspectos demográficos e sociais têm se relacionado à autopercepção de saúde e apontam as diferenças e as necessidades em saúde entre os grupos populacionais [2].

Entre os idosos, o conceito de autoavaliação demonstra a forma como eles descrevem e avaliam a própria saúde, por meio da comparação social e temporal influenciados por fatores culturais, sociais, econômicos e geográficos, afetam diretamente sua qualidade de vida e saúde [2,3].

A autopercepção representa um dos indicadores chave para a mensuração e acompanhamento do estado de saúde, que permite identificar a influência desses aspectos na percepção do indivíduo sobre sua própria saúde e tem se mostrado como um bom preditor de mortalidade [4,5,6].

Avaliou-se e descreveu-se em uma amostra representativa dos idosos rurais do estado do Amazonas/Brasil o estado nutricional e a autopercepção de saúde.

Métodos

Estudo transversal e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal do Amazonas (CEP/UFAM), sob o parecer nº 3.243.429 (Certificado de Apresentação de Apreciação Ética - CAEE 08021319.0.0000.5020).

O estudo foi conduzido na zona rural do estado do Amazonas. As coletas/avaliações foram realizadas em todas as regiões, (região rural Norte, Sul, Baixo Solimões, Médio Solimões e Alto Solimões) para que se tivesse representação de todo o estado.

Segundo dados do [7], no censo do IBGE, realizado no ano de 2010, a população idosa rural no Amazonas era de 41.647 idosos, a população masculina rural é de 14.505 de 60 a 69 anos e de 9.579 acima de 70 anos ou mais; a população rural feminina é de 10.672 de 60 a 69 anos e de 6.873 com 70 ou mais, portanto o envelhecimento rural no Amazonas é masculino. A partir dos dados acima, realizou-se o cálculo amostral pelo EPi Info para esse estudo, levando em consideração a população total, com erro amostral de 5%, e nível de confiança de 95%, obtendo o valor de 245 idosos. No ano de 2020 estoura a pandemia por covid 19 no mundo e a coleta precisou ser encerrada, coletando apenas 215 idosos para esse estudo.

Foi utilizado um questionário semiestruturado para a caracterização desses idosos. Os idosos foram recrutados após divulgação na rádio da cidade e escolhidos de forma aleatória. A coleta de dados foi realizada em suas residências, onde receberam orientações, concordando com a pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Para a coleta de dados, foi utilizado um questionário sociodemográfico, construído das seguintes questões: idade, sexo, profissão, raça, estado civil, religião, quantidade de filhos, tempo de residência na comunidade, reside sozinho ou com familiares, tipo de moradia, renda, utiliza serviço de saúde, tabagismo e etilismo.

O estado nutricional foi determinado utilizando a Mini Avaliação Nutricional (MNA). Foi escolhida a classificação do IMC proposta por [8], por se tratar de uma população idosa. Para a circunferência abdominal foram adotados os parâmetros preconizados pela Organização Mundial de Saúde [9], classificando a circunferência em risco aumentado ou muito aumentado para desenvolver DCVs e para reforçar os achados aplicou-se Ferramenta de Rastreio do Risco de Sarcopenia (SARC-F).

Para estimativa de depleção muscular em idosos foi utilizado a Circunferência da Panturrilha (CP), que foi realizada com fita métrica inelástica, medida mais protuberante da perna, que é considerada adequada com valor igual ou superior a 31 cm, tanto para homens, como para mulheres.

Os dados obtidos foram organizados e analisados através da planilha Microsoft Excel®, versão 10 e a avaliação estatística foi realizada pelo software Statistical Package for the Social Sciences Inc., Chicago, Estados Unidos (SPSS), versão 18.0, através da análise descritiva dos resultados.

Resultados

Na tabela 1, estão descritas as características sociodemográficas da linha de base da amostra selecionada para o estudo. Avaliou-se 215 idosos, sendo 54,88% (118) do sexo feminino e 45,12% (97) do sexo masculino.

Tabela 1 - Perfil sociodemográfico dos idosos rurais – Amazonas, 2025

Variável/variação

Masculino % (n=97)

Feminino % (n=118)

Idade

60 a 69 anos

52,58 (51)

83,78 (71)

71 a 79 anos

32,99 (32)

22,03 (26)

80 a 89 anos

10,31 (10)

15,25 (18)

>90 anos

4,12 (04)

2,54 (03)

Escolaridade

Analfabeto

30,93 (30)

36,44 (43)

Educação Infantil completa

11,34 (11)

7,63 (09)

Educação Infantil incompleta

46,39 (45)

40,68 (48)

Ensino fundamental completo

5,15 (05)

5,93 (07)

Ensino fundamental completo

7,22 (07)

4,24 (05)

Ensino médio completo

1,03(01)

2,54 (03)

Ensino médio incompleto

---

---

Ensino superior completo

---

2,54 (3)

Ensino superior incompleto

---

---

Naturalidade

Amazonas (interior)

98,97 (96)

99,15 (117)

Amazonas (capital)

1,03 (1)

0,85 (01)

Ocupação

Aposentado, com

atividades

domésticas

80,41 (78)

88,98 (105)

Empresário ou autônomo

17,53 (17)

10,17 (12)

Desempregado

2,06 (02)

0,85 (01)

Renda pessoal

Sem renda

2,06 (02)

0,85 (01)

< 1 salário mínimo

11,34 (11)

7,63 (09)

1 salário mínimo

46,39 (45)

40,68 (48)

Não informou

40,21 (39)

5,08 (60)

Moradia

Com o Cônjuge

48,45 (47)

52,54 (62)

Com filho

30,93 (30)

37,29 (44)

Com o irmão

2,06 (02)

---

Com o neto

3,09 (03)

4,24 (05)

Com a mãe ou pai

---

5,08 (06)

Sozinho

15,46 (15)

0,85 (01)

Fonte: Pesquisa de campo dos autores, 2025.

O perfil nutricional dos idosos do presente estudo foi caracterizado dentro dos padrões de normalidade para o sexo e idade, de acordo com a antropometria, 60,17% (71) das mulheres e 37,11% (36) dos homens apresentavam-se eutróficos, indicando valores de IMC (Índice de Massa de Corporal) entre ≥ 22 e ≤ 27 kg/m². No entanto 39,53% (85) dos avaliados apresentaram obesidade e/ou sobrepeso, que aumenta o risco do aparecimento de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT). Vale ressaltar que 10,70% (23) idosos foram diagnosticados com desnutrição dados que corroboram com circunferência da panturrilha e autopercepção do estado nutricional.

A Circunferência Abdominal (CA) em 52,5% (51) dos idosos do sexo masculino e apresentaram risco elevado para aparecimento de Doenças Cardiovasculares (DCVs) (com CA ≥ 102 cm, já 34,75% (41) das mulheres possuíam a CA ≥ 88 cm, apresentando risco aumentado para o desenvolvimento de DCVs.

Quanto a Circunferência da Panturrilha (CP), > 31cm 81,86% (176) dos idosos não apresentaram para este parâmetro depleção muscular. No entanto 18,14% (39) apresentaram CP < 31cm e CB < 21cm, sendo considerado um indicador de desnutrição. Resultado que corrobora com a autopercepção do estado nutricional em que “acredita-se estar desnutrido” um percentual de 19,07% (41).

Para analisar a perda de massa muscular, foi realizada a triagem de sarcopenia com a aplicação da escala SARC-F conforme a tabela 2.

Tabela 2 - Componentes da triagem de sarcopenia pela SARC-F, de acordo com o sexo dos idosos rurais - Amazonas, 2025

Variável/variação

Masculino (n=97)

Feminino (n=118)

Sem sinais sugestivos de sarcopenia

86,60 (84)

76,27 (90)

Sugestivo de sarcopenia

13,40 (13)

23,73 (28)

Força – dificuldade para levantar e carregar 5kg

Nenhuma

83,51 (81)

76,27 (90)

Alguma

10,31 (10)

17,80 (21)

Não consegue

6,19 (06)

5,93 (07)

Ajuda para caminhar – dificuldade de atravessar um cômodo

Nenhuma

87,63 (85)

75,42 (89)

Alguma

11,34 (11)

20,34 (24)

Não consegue

1,03(01)

4,24 (05)

Levantar da cadeira – dificuldade de levantar da cadeira ou cama

Nenhuma

84,54 (82)

75,42 (89)

Alguma

14,43 (14)

21,19 (25)

Não consegue

1,03 (01)

3,39 (04)

Subir escadas - dificuldade de subir um lance de escada de 10 degraus

Nenhuma

76,29 (74)

69,49 (82)

Alguma

18,56 (18)

16,10 (19)

Não consegue

5,15 (05)

14,41 (17)

Quedas – quantas vezes você caiu no último ano

Nenhuma

56,70 (55)

62,71 (74)

De 1 a 3 quedas

29,90 (29)

31,36 (37)

De 4 a mais quedas

13,40 (13)

5,93 (07)

Fonte: Pesquisa de campo dos autores, 2025.

Na tabela 3, estão descritas as variáveis de autopercepção do estado nutricional amostra rural selecionada.

Tabela 3 – Distribuição da amostra estudada, segundo variáveis de autopercepção do estado nutricional dos idosos rurais - Amazonas, 2025

Variável/variação

Masculino (n=97)

Feminino (n=118)

Autopercepção dos últimos 12 meses

Perda do apetite

Sim

34,02 (33)

31,36 (37)

Não

65,98 (64)

68,64 (81)

Dificuldade de mastigação

Sim

1,03 (01)

5,08 (06)

Não

98,97 (96)

94,92 (112)

Disfagia

Sim

2,06 (02)

4,24 (05)

Não

97,94 (95)

95,76 (113)

Engasgo com alimentos

Sim

4,12 (04)

6,78 (08)

Não

95,88 (93)

93,22 (110)

Refluxo gastroesofágico

Sim

---

4,24 (05)

Não

100,00 (97)

95,76 (113)

Autopercepção dos últimos 03 meses

Redução da ingesta alimentar

Sem diminuição

28,87 (28)

10,17 (12)

Perda severa

1,03 (01)

0,85 (1)

Perda moderada

70,10 (68)

88,98 (105)

Perda de peso

Não sabe

30,93 (30)

30,51(36)

Sem perda

30,93 (30)

50,00 (59)

1 a 3 kg

27,84 (27)

18,64 (22)

> de 3 kg

10,31 (10)

0,85 (01)

Autorrelato dos hábitos

Modo de se alimentar

Não se alimentar consegue sozinho

1,03 (01)

0,85 (01)

Alimenta-se sozinho, com dificuldade

31,96 (31)

35,59 (42)

Alimenta se sozinho, sem dificuldade

67,01 (65)

63,56 (75)

N° de refeições / dia

Uma refeição

8,25 (08)

---

Duas refeições

47,42 (46)

10,17 (12)

Três refeições

42,26 (41)

89,83 (106)

Fazer compras dos alimentos Sozinho (a)

Sem dificuldade

84,54 (82)

77,12 (91)

Com pouca dificuldade

10,31 (10)

13,56 (16)

Com muita dificuldade

5,15 (05)

9,32 (11)

Preparar suas refeições Sozinho (a)

Sem dificuldade

87,63 (85)

86,44 (102)

Com pouca dificuldade

7,22 (07)

8,47 (10)

Com muita dificuldade

4,12 (04)

5,08 (06)

Não sabe

1,03 (01)

---

Fonte: Pesquisa de campo dos autores, 2025.

Discussão

O envelhecimento rural na Amazônia descrito nesse estudo foi caraterizado pela predominância do sexo feminino. Chama atenção o fato da maioria dos idosos ainda exercerem atividades: domésticas e agrícolas. Com predomínio de baixa escolaridade e renda proveniente da aposentadoria, porém com suporte familiar bem estabelecido para realização das atividades de vida diária. Quanto a avaliação nutricional a prevalência foi de eutrofia, não foi identificado sinais sugestivos de sarcopenia. No entanto foi relatado um aumento do número de quedas e alteração de perda moderada do apetite e redução da ingesta alimentar (2 a 3 refeições/dia) ocasionando risco nutricional relevante.

Sabe se que os idosos residente em localidades rurais na Amazônia podem apresentar restrições mais evidentes dada a dispersão territorial, vulnerabilidade socioeconômica, insuficiente acesso a bens e serviços, além de infraestrutura limitada de saneamento básico [2].

Considerar a autopercepção de saúde como preditor de morbimortalidade em idosos do estado do Amazonas, deve incluir indicadores relacionados a fatores pessoais, as condições de saúde, a fatores ambientais e a funcionalidade. Representando um importante indicador para o risco de fragilidade, traduzindo repercussões para diversos agravos em saúde [10].

Em estudo [11] com 199 idosos da cidade de Coari – AM mostrou que a maioria dos participantes era do sexo feminino 57,78%, encontravam-se na faixa etária entre 60 e 69 anos 56,28% e apresentavam baixa escolaridade 67,33%. Segundo o Censo Rural do instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) desde 2017 o percentual de jovens no campo reduziu, por outro lado aumentou em 21,4% os idosos rurais, resultado este que impactou no aumento do número de aposentadorias e pensões rurais [12], dados estes que corroboram com os encontrados na pesquisa.

A renda mensal baixa dos idosos rurais é um indicador negativo e contribui para a maior prevalência de incapacidades, doenças e também maior gravidade dos problemas de saúde que acometem esta população [13].

Os idosos rurais do Amazonas apresente suporte familiar considerável e na sua grande maioria moram com famílias numerosas. O cuidado da família para com os idosos está associado a um bom suporte familiar e impacto positivo das atividades de vida diária [14].

Os idosos rurais que realizam as atividades agrícolas e de força mantem-se fisicamente ativos [15]. Em outro estudo [16] os idosos rurais devido aos longos deslocamentos por via fluvial e/ou andando e os trabalhos para subsistência familiar relacionados como a pesca, caça e extrativismo na floresta possibilitaram a redução dos sinais sugestivos de sarcopenia. Resultado semelhante ao encontrado no estudo, uma vez que o aumento no desempenho físico dos idosos avaliados, justifica a preservação da massa muscular [15].

No entanto com o avançar da idade ocorrem alterações fisiológicas que afetam a qualidade do músculo esquelético que contribuem para as alterações da marcha e equilíbrio há o risco de quedas em idosos e deterioração do controle postural. Desta forma as quedas nos idosos decorrem, especialmente, da falta de condições clínicas ou de um ambiente alimentar seguro [17,18]. O aumento do número de eventos adversos como as quedas dos idosos rurais merece atenção especial.

Um estudo [19] realizado com idosos no interior do Amazonas mostrou que 58,3% apresentavam IMC na faixa de sobrepeso e obesidade demonstrando um aumento do número de idosos com excesso de peso e risco de desequilíbrio nutricional diferente dos achados com idosos rurais nesse estudo.

O acompanhamento e avaliação nutricional têm grande relevância afim de aumentar a conscientização sobre a saúde entre os idosos, possibilitando uma melhora do estado nutricional. Avaliar a perda de peso e combater os riscos nutricionais têm sido um desafio para os profissionais nutricionistas principalmente em áreas remotas, sabe-se que esse tipo de ação pode impactar de maneira positiva sobre a saúde da população idosa [20,21].

A perda de peso, dificuldade de alimentar sozinho são marcadores importantes da fragilidade dos idosos rurais no interior do Amazonas e pode levar a fragilização dos idosos [22]. Além disso o risco nutricional desempenha um mecanismo importante na patogênese da fragilidade, comprometendo funcionalmente e aumentando a dificuldade na realização de atividades como compras e preparação de refeições, podendo levar ao isolamento social, dificuldade de ingestão alimentar e diminuição do apetite [23,25].

Os fatores relacionados ao declínio do consumo alimentar e a falta de motivação para consumir os alimentos [26], podem comprometer de maneira importante a autonomia, qualidade e a expectativa de vida dos idosos [27]. A baixa diversidade alimentar é um dos fatores que aumentam as chances de desnutrição em 5,44 vezes em comparação com idosos com alta diversidade alimentar. As questões de sazonalidade dos alimentos da região amazônica prejudicam a adequação da ingesta alimentar [28].

A população idosa remota, que vivem em áreas rurais, têm rendas mais baixas quando comparada com os idosos da área urbana com impacto direto no número de refeições realizadas. Sabe se que a renda familiar é um forte determinante do estado nutricional e coloca muitos idosos em risco de insegurança alimentar com ingestão inadequada de nutrientes essenciais [29]. A alimentação e a variedade de opções de alimentos disponíveis, a quantidade de refeições com ingestão alimentar inadequada, aumento da perda de nutrientes, má absorção de nutrientes, perda de apetite são fatores que prejudicam a manutenção da saúde e do estado nutricional dos idosos [30,31].

O autocuidado com a alimentação em um ambiente de insegurança alimentar prejudica e altera a capacidade dos idosos de acessar alimentos e manter sua necessidade alimentar [32,33]. Parece que viver em áreas rurais e remotas aumentam as dificuldades de acesso à diversidade de alimentos, devendo ser adotadas medidas sustentáveis e organizacionais do sistema local como forma de adaptar as demandas para este grupo da Amazônia legal.

Os achados desse estudo, ainda que descritivos revelam a necessidade e fragilidade que existe sobre a autopercepção de saúde e o modo de alimentar dos idosos rurais das regiões rurais, remotas e ribeirinhas do Amazonas.

Conclusão

O envelhecimento rural no Amazonas apresenta predominância feminina, com mulheres ativamente inseridas nas atividades rurais. A baixa escolaridade e a baixa renda mensal são fatores preocupantes que impactam diretamente de maneira negativa o consumo alimentar dessa população. A falta de acesso a uma alimentação adequada e a informações sobre nutrição e saúde pode afetar negativamente a funcionalidade dos idosos rurais que envelhecem no contexto amazônico. É necessário realizar mais estudos e análises mais robustas para que se possa traçar de fato o perfil nutricional e de saúde dos idosos rurais que envelhecem nesse contexto.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse de qualquer natureza.

Fontes de financiamento

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM).

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Campos HLM; Análise e interpretação dos dados: Fernandes LPC, Damasceno MB; Redação do manuscrito: Justino SG, Silva VCF, Torcato SS; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Campos HLM, Fernandes LPC.

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