ARTIGO ORIGINAL
Assimetria de resistência muscular de quadril em bailarinos com o valgo dinâmico em joelho
Asymmetry of hip muscle endurance in dancers with dynamic knee valgus
Ricardo da Silva Alves1, Maria Fernanda Lopes Rodrigues Pereira1
1Universidade do Vale do Sapucaí (Univás), Pouso Alegre, MG, Brasil.
Recebido em: 29 de Outubro de 2025; Aceito em: 11 de Novembro de 2025.
Correspondência: Ricardo Alves, ricardofisio31@gmail.com
Como citar
Alves RS, Pereira MFLR. Assimetria de resistência muscular de quadril em bailarinos com o valgo dinâmico em joelho. Fisioter Bras. 2025;26(6):2745-2756. doi:10.62827/fb.v26i6.1113
Introdução: O alinhamento dos membros inferiores é essencial para a execução segura dos movimentos no ballet. O valgo dinâmico de joelho pode resultar de desequilíbrios na força dos rotadores do quadril, afetando o desempenho e aumentando o risco de lesões. Objetivo: Correlacionou-se o valgo dinâmico com a assimetria muscular, avaliada pelo teste de repetição máxima (RM) dos rotadores do quadril, em praticantes de ballet. Métodos: Participaram 23 bailarinos de ambos os sexos (19 mulheres e 4 homens; idade média: 19,13 ± 2,88 anos). Todos os voluntários foram avaliados quando ao valgismo de joelho usando as medidas de ângulo Q por meio de fotogrametria e analisado no Software de Avaliação Postural (SAPo). A força dos rotadores internos (RI) e externos (RE) do quadril foi avaliada pela contração isométrica voluntária máxima (CIVM) com dinamometria isométrica, enquanto a assimetria entre os músculos RI e RE de quadril foi obtida pelo teste de RM sob resistência elástica. Resultados: Houve uma significativa correlação moderada entre CIVM e RM dos rotadores internos do quadril direito (r= 0,448; p= 0,032). Observou-se ainda correlação moderada, porém não significativa, entre a assimetria os músculos RI/RE de quadril e o valgo de joelho (direito: r= 0,399; p= 0,126; esquerdo: r= 0,446; p= 0,073). Para as demais variáveis não foram encontradas correlações. Conclusão: Houve correlação moderada entre CIVM e RM de rotadores internos do quadril direito, além de indícios de associação entre a assimetria muscular dos rotadores do quadril e o valgo de joelho em bailarinos.
Palavras-chave: Ballet; Força Muscular; Geno Valgo; Cinesiologia Aplicada.
Introduction: The alignment of the lower limbs is essential for the safe execution of movements in ballet. Dynamic knee valgus may result from imbalances in hip rotator strength, affecting performance and increasing the risk of injuries. Objective: Dynamic valgus was correlated with muscle asymmetry, assessed by the maximum repetition (RM) test of the hip rotators, in ballet dancers. Methods: Twenty-three dancers of both sexes (19 women and 4 men; mean age: 19.13 ± 2.88 years) participated in the study. All participants were evaluated for knee valgus using Q-angle measurements obtained through photogrammetry and analyzed with the Postural Assessment Software (SAPo). The strength of the hip internal (IR) and external rotator (ER) muscles was assessed using maximal voluntary isometric contraction (MVIC) via isometric dynamometry, while asymmetry between IR and ER muscles was determined through the 1RM test under elastic resistance. Results: A significant moderate correlation was found between MVIC and 1RM of the right hip internal rotators (r = 0.448; p = 0.032). A moderate, although not statistically significant, correlation was also observed between hip IR/ER muscle asymmetry and knee valgus (right: r = 0.399; p = 0.126; left: r = 0.446; p = 0.073). No correlations were observed for the other variables. Conclusion: There was a moderate correlation between MVIC and 1RM of the right hip internal rotators, as well as indications of an association between hip rotator muscle asymmetry and knee valgus in ballet dancers.
Keywords: Dancing; Muscle Strength; Genu Valgum; Kinesiology.
O ballet clássico exige elevados níveis de controle postural, flexibilidade e força muscular, sendo a articulação do quadril elemento central para a execução técnica. Entre seus princípios fundamentais, o en dehors - definido como a rotação externa dos membros inferiores para alcançar o posicionamento dos pés a 180° - é considerado uma das bases da técnica clássica. No entanto, essa posição extrema raramente é obtida exclusivamente pela rotação femoroacetabular, os bailarinos frequentemente recorrem a compensações articulares em joelho e tornozelo, o que pode aumentar o risco de lesões musculoesqueléticas [1-4].
A força muscular, compreendida como a quantidade de tensão gerada por um músculo ou grupamento muscular dentro de um padrão específico e em determinada velocidade de movimento, é essencial tanto para o desempenho quanto para a prevenção de lesões [5]. No ballet, a demanda repetitiva de rotação externa do quadril para sustentar o en dehors pode gerar desequilíbrios entre rotadores internos e externos de quadril. Essas assimetrias, quando associadas à lateralidade motora e ao uso preferencial de um dos membros, têm sido relacionadas à redução do desempenho muscular e ao aumento da suscetibilidade a lesões [6-9].
O alinhamento do membro inferior desempenha papel crucial nesse processo. O valgo dinâmico de joelho, definido como o deslocamento medial da articulação do joelho em relação ao pé durante atividades com descarga de peso, é um fator biomecânico reconhecido por sua associação a lesões como ruptura do ligamento cruzado anterior e dor patelofemoral [10-12]. Essa condição é frequentemente agravada pela fraqueza ou desequilíbrio da musculatura estabilizadora do quadril e da pelve, comprometendo a estabilidade dinâmica em tarefas funcionais. Nesse contexto, a presença de assimetrias entre rotadores internos e externos do quadril pode contribuir diretamente para o surgimento ou acentuação do valgo dinâmico, uma vez que o desequilíbrio na força rotacional dificulta o alinhamento adequado do joelho durante atividades funcionais. Considerando que o ballet envolve frequentemente movimentos com flexão profunda de joelho, saltos e aterrissagens, a interação entre assimetria dos rotadores de quadril e valgo dinâmico torna-se particularmente relevante nessa população.
Embora a dinamometria isocinética seja considerada o padrão-ouro para avaliação da força muscular e da assimetria, sua aplicação no contexto esportivo e da dança ainda é limitada em virtude do alto custo e da complexidade operacional [13-15]. Métodos alternativos, como o teste de uma repetição máxima (1RM), são amplamente empregados nas ciências do esporte para avaliação da força dinâmica, apresentando boa confiabilidade para estimar desequilíbrios musculares [16]. Outra possibilidade, se trata do uso da resistência elástica, a qual tem sido amplamente utilizada em contextos de reabilitação e treinamento pela sua praticidade, baixo custo e aplicabilidade em ambientes esportivos. Diferentemente do dinamômetro isocinético, que fornece medidas objetivas e padronizadas de torque e permite calcular índices de assimetria muscular [13-15]. Entretanto, no contexto clínico, o uso do dinamômetro isocinético se torna inviável devido à dificuldade de acesso a este equipamento, bem como o alto custo, falta de profissionais capacitados e tempo necessário para registro e interpretação desses resultados [13]. Nesse sentido, torna-se necessário o desenvolvimento de novas tecnologias acessíveis que permitem monitorar, prevenir e propor protocolos de treinamento para reduzir os desequilíbrios musculares.
Nessa perspectiva, o uso de smarthphones cada vez mais presente na sociedade possibilitou uma nova forma de avaliação no contexto de saúde. O uso de aplicativos móveis baseados em modelos padrão-ouro foi integrado a esses recursos para facilitar a avaliação, garantindo praticidade e baixo custo operacional. Até o presente momento não foram encontrados estudos que relacionasse o uso de aplicativo móvel que avaliasse o índice de desequilíbrio muscular com o valgo dinâmico de joelho de bailarinos.
Avaliou-se a força muscular e índice de assimetria muscular entre os rotadores de quadril e sua relação com o valgo dinâmico de joelho em praticantes de ballet, utilizou-se a dinamometria isométrica e teste de resistência elástica.
Trata-se de um estudo transversal e correlacional. Estudo foi realizado no período de março de 2024 a julho de 2025. A amostra consistiu em voluntários, de ambos os gêneros, praticantes de ballet, alocados nas escolas de Ballet Grand Pas e Luiz Henrique, ambas situadas na cidade de Pouso Alegre- MG. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Univás (CEP-Univás), sob parecer nº 4.390.920 e atendeu as normas preconizadas pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) 466/2012 e está de acordo com a declaração de Helsinki (2000). Todos os voluntários foram informados dos procedimentos do estudo, e após o aceite de participar, assinaram o termo de assentimento livre e esclarecido (TALE) e/ou o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).
Amostra
Um total de 23 voluntários bailarinos participaram do estudo. Foram incluídos, voluntários de ambos os gêneros, praticantes ballet com idade entre 13 e 25 anos, regularmente matriculados nas escolas de Ballet Grand Pas e Luiz Henrique, com tempo de prática há mais de um ano, residentes na cidade de Pouso Alegre - MG ou cidades próximas. Foram excluídos deste estudo, voluntários, de ambos os gêneros, que apresentavam dificuldades de compreensão quanto aos métodos de avaliação a que foram submetidos. Foram excluídos aqueles que apresentem lesões ou doenças incapacitantes que restrinjam os movimentos com os membros inferiores, indivíduos que apresentem doenças infectocontagiosas, portadores de miopatias e com alterações reconhecidas do colágeno, aqueles que apresentem lesões neurológicas e doenças reumatológicas que afetam o tronco, indivíduos não praticantes de ballet por pelo menos de 1 (um) ano e ainda aqueles que não quiseram participar ou não concordaram em assinar o TALE e/ou TCLE.
Medidas de avaliação
Todos os voluntários foram avaliados quanto a contração isométrica voluntária máxima (CIVM), repetição máxima (RM), assimetria entre os músculos rotadores internos (RI) e externos (RE) de quadril e o valgo de joelho.
Avaliação da contração isométrica voluntária máxima (CIVM)
Para avaliação da CIVM de rotadores internos e externos de quadril foi usado um dinamômetro isométrico conectado ao computador, equipado com um software de registro e leitura das coletas. Os voluntários foram previamente orientados por sessões de demonstração visual e de testes de familiarização com os procedimentos de avaliação.
Após o período de descanso, foi realizado o teste. Todos os voluntários foram devidamente padronizados quanto a execução do movimento. Para isso, o voluntário foi posicionado em sedestação com as costas apoiadas, quadris e joelhos fletidos a 90º. Uma cinta foi fixada acima dos maléolos do membro a ser testado e a outra extremidade fixada ao dinamômetro isométrico preso em uma estrutura rígida. Antes de iniciar o teste, o voluntário foi orientado a cruzar os braços a frente do tronco para evitar compensações.
Para avaliar CIVM de rotação externa de quadril, foi dado o comando verbal de “perna para dentro, força”. Para avaliar a CIVM de rotação interna de quadril, foi solicitado o comando verbal “perna para fora, força”. Em ambos os testes foram realizadas três coletas de CIVM, com três segundos de duração. Entre as repetições foi dado um período de descanso de um minuto. Para análise dos dados, foi considerado o pico de CIVM dos rotadores interno e externo de quadril. Os dados foram expressos em kilogramas-força (kgf).
Avaliação da repetição máxima sob resistência muscular
Para avaliação do equilíbrio muscular entre rotadores internos e externos de quadril foi utilizado o aplicativo RM, v. 2.0, (2019). Para isso, utilizou-se contador numérico para determinar a quantidade máxima de repetições exercida pelo voluntário. Os participantes foram posicionados em sedestação, com as costas apoiadas, quadris e joelhos fletidos a 90º e membros inferiores afastados. Foi fixado junto à estrutura presa na parede um tubo elástico com tensão mínima para tirar “folga” do tubo, preso na região distal da perna, acima dos maléolos medial e lateral do membro inferior a ser testado. Os participantes foram previamente instruídos por comandos verbais e demonstrativos dos movimentos a serem realizados. Foram orientados a não realizar movimentos compensatórios, manobra de Valsalva, bem como foi certificado que o elástico estava bem fixado de modo a não machucar o participante [17].
Foi registrado o número de RM dos músculos rotadores internos e externos do quadril, quando os voluntários não conseguissem atingir a amplitude de movimento, apresentar movimentos compensatórios, realizar manobra de Valsalva, apresentar dor ou falha muscular.
Para identificar a assimetria muscular, o avaliador acessou o aplicativo RM, que adota os seguintes passos: Passo 1: Qual o paciente> Feminino ou masculino; Passo 2: Escolher a articulação do quadril> movimentos de rotação externa e interna; Passo 3: Informar o número de RM alcançados. Após o preenchimento, foi fornecido em porcentagem o índice de desequilíbrio entre adutores e abdutores de quadril.
Valgo de joelho por fotogrametria
Para mensurar o valgo de joelho, foi usado o ângulo Q por meio da técnica de fotogrametria computadorizada. Para isso, todos os voluntários foram previamente instruídos a usar shorts, de modo a deixar a região a ser avaliada o mais exposto possível. No caso de voluntários menores de 18 anos foi solicitado a presença do acompanhante.
Com auxílio de um tripé, uma câmera fotográfica profissional da marca Nikon®, de 14.1 Megapixel, foi posicionada na vista frontal do voluntário a 2,40m de distância e perpendicularmente, a uma altura de 1,20m do solo ao centro da lente. Foram utilizados marcadores de 30mm de diâmetro sobre a tuberosidade anterior da tíbia, centro da patela e espinha ilíaca ântero superior (EIAS), bilateralmente. Todas as marcações dos pontos anatômicos foram realizadas por um mesmo examinador. As coletas das imagens fotográficas foram realizadas em espaço calmo e apropriado. No plano fotográfico, foi utilizado um fio de prumo de 1m de comprimento com uma marcação de 0,10m [20].
Cada voluntária foi posicionada previamente em ortostatismo por 20s sobre um tapete de espuma vinílica acetinada (EVA) com os maléolos tibiais posicionados, paralelamente, a uma distância de 0,10m. As fotografias foram realizadas com os olhos abertos e direcionados a uma parede branca. Os registros obtidos foram analisados por meio da biofotogrametria, através do Software de Avaliação Postural (SAPO) [20].
Análise estatística
Para análise estatística foi utilizado o Software Statistical Packgage for the Social Sciences (SPSS, IBM Corp. Chicago, IL, USA), v. 20. 0 para Windows. Para testar a normalidade dos dados, utilizou-se o teste de Shapiro-Wilk, com resultados demonstrando p > 0,05 para todas as variáveis, ou seja, as variáveis de desfecho apresentaram distribuição normal.
Para correlacionar as variáveis, CIVM, teste de repetição máxima dos músculos rotadores interno e externo do quadril e as medidas do ângulo Q, foi utilizado o teste de coeficiente de Correlação (r) de Pearson, caso a amostra apresentasse distribuição normal. Caso contrário, os dados eram submetidos ao teste de correlação de Rho-Spearman. Para critérios de interpretação foram utilizados valores de r entre 0 e 0,3, são desprezíveis; entre 0,31 e 0,5, como correlações fracas; entre 0,51 e 0,7, como moderadas; entre 0,71 e 0,9, como correlações fortes; e > 0,9, como muito fortes [18].
Na Tabela 1 são apresentados os dados sociodemográficos dos voluntários do estudo. Pode-se observar um predomínio de mulheres praticantes de ballet, com número elevado de lesões provocadas por esta modalidade, com baixo número de procura por atendimento médico e fisioterapêutico.
Tabela 1 - Dados sociodemográficos dos participantes do estudo
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VARIÁVEIS |
RESULTADOS |
|
Idade |
19,1 ± 2,8 |
|
Sexo – n (%) |
|
|
Feminino |
19 (82,6) |
|
Masculino |
4 (17,3) |
|
Massa corporal (kg) |
58,2± 8,9 |
|
Altura (m) |
1,6 ± 0,1 |
|
IMC (kg/m2) |
21,4 ± 3,3 |
|
Prática de ballet (anos) |
8,4 ± 5,5 |
|
Lesão no ballet – n (%) |
|
|
Sim |
10 (43,4) |
|
Não |
13 (56,5) |
|
Tratamento medicamentoso – n (%) |
|
|
Sim |
3 (13,04) |
|
Não |
20 (86,9) |
|
Tratamento Fisioterapêutico – n (%) |
|
|
Sim |
6 (26,0) |
|
Não |
17 (73,9) |
Legenda: kg; quilogramas; m: metro; IMC: índice de massa corporal; kg/m2: quilograma por metro ao quadrado; n= número;
% porcentagem.
Na Tabela 2 foram obtidos as médias e erros padrões das médias dos valores de contração isométrica voluntária máxima (CIVM) obtidos pelo dinamômetro isométrico e teste de repetição máxima (RM) por resistência elástica e índice de assimetria entre músculos rotadores externos e internos e a medida de ângulo Q para identificação de valgismo de joelho dos participantes do estudo.
Tabela 2 - Dados obtidos das avaliações da CIVM, ângulo Q (ang Q) dos joelhos direito e esquerdo e teste de RM dos músculos rotadores externos (RE) e internos (RI) dos quadris direito (QD) e esquerdo (QE) e a porcentagem de assimetria entre (RI/RE)
|
Variáveis |
Resultados |
|
|
QD (kgf) |
RE |
1,0 ± 0,3 |
|
RI |
1,2 ± 0,4 |
|
|
QE (kgf) |
RE |
1,0 ± 0,2 |
|
RI |
1,1 ± 0,4 |
|
|
ANG Q (º) |
Joelho D |
21,5 ± 6,7 |
|
Joelho E |
21,3 ± 5,0 |
|
|
RM QD (rep) |
RE |
102,6 ± 85,0 |
|
RI |
123,2 ± 87,1 |
|
|
Assimetria (%) |
RI/RE |
36,6 ± 25,0 |
|
RM QE (rep) |
RE |
84,8 ± 43,9 |
|
RI |
99,9 ± 85,8 |
|
|
Assimetria (%) |
RI/RE |
40,5 ± 34,7 |
Legenda: QD: Quadril direito; QE: Quadril esquerdo; ANG Q: Ângulo Q; RM: Repetição máxima;
RE: Rotação externa; RI: Rotação interna; rep: repetições; %: porcentagem.
Na Tabela 3 são apresentados os dados de correlação entre o teste de repetição máxima (RM) com a CIVM e valgo de joelhos. Foram observados alta correlação significativa entre o RM e CIVM de rotadores externos de quadril direito e da RM de rotação interna de quadril esquerdo com o valgo de joelho esquerdo. Para as demais variáveis não forma encontradas correlações significativas, porém observa-se uma moderada correlação entre os índices de assimetria entre rotadores externos e internos de ambos os quadris com o valgo de joelho, porém sem significância estatística.
Tabela 3 - Análise de correlação (r) entre os testes de repetição máxima (RM) e contração isométrica voluntária máxima (CIVM) dos músculos rotadores externos (RE) e internos (RI) dos quadris direito e esquerdo e valgo de joelho
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Variáveis |
Quadril direito |
Quadril esquerdo |
||||
|
RM RE |
RM RI |
Assimetria RI/RE |
RM RE |
RM RI |
Assimetria RI/RE |
|
|
CIVM RE |
-0,0 |
- |
0,1 |
0,0 |
- |
-0,2 |
|
0,8 |
- |
0,5 |
0,8 |
- |
0,2 |
|
|
CIVM RI |
- |
0,4* |
0,1 |
- |
-0,0 |
-0,0 |
|
- |
0,0 |
0,4 |
- |
0,7 |
0,8 |
|
|
Valgo de joelho |
-0,1 |
-0,0 |
0,3 |
-0,2 |
0,0 |
0,4 |
|
0,4 |
0,7 |
0,1 |
0,2 |
0,7 |
||
Legenda: RM: Repetição máxima; RE: Rotação externa; RI: Rotação interna; CIVM: Contração isométrica voluntária máxima.
Este estudo foi composto por bailarinas jovens, em que foram relatadas lesões prévias relacionadas ao ballet, que associado ao tempo de prática pode contribuir para a elevada prevalência de lesões musculoesqueléticas nessa população. Estudos demonstram que esse perfil sugere que a prática intensa e precoce do ballet está associada a maior vulnerabilidade a sobrecargas articulares e musculares [1,3,4].
Os valores médios de ângulo Q encontrados nos bailarinos foram semelhantes entre os membros, situando-se próximos de limites considerados de risco para o desenvolvimento de desalinhamentos dinâmicos do joelho. Estudos anteriores demonstraram que o aumento do ângulo Q está relacionado à dor patelofemoral e maior predisposição à ruptura do ligamento cruzado anterior [10,11]. Nesse sentido, o monitoramento do alinhamento dinâmico dos membros inferiores deve ser considerado fundamental no acompanhamento de bailarinos, sobretudo em atividades que exigem elevada flexão de joelho e aterrissagens repetitivas.
Outro aspecto relevante diz respeito às alterações expressivas de índice de assimetria no teste de repetição máxima entre rotadores internos e externos de quadril. Tais índices superam os relatados em atletas de outras modalidades esportivas [9] sugerindo que a especificidade técnica do ballet, marcada pelo uso constante da rotação externa (en dehors), favorece desequilíbrios musculares significativos. Além disso, a lateralidade motora e a utilização preferencial de um dos membros podem contribuir para tais assimetrias [6,7]. Clinicamente, tais desequilíbrios podem comprometer a estabilidade funcional do quadril e predispor ao valgo dinâmico de joelho.
A relação entre a CIVM e o teste de RM de quadril obtidos neste estudo reforça a validade concorrente do teste de RM com resistência elástica como método alternativo para avaliação de força muscular, em linha com estudos que demonstram a confiabilidade do RM em diferentes contextos [16] e a eficácia da resistência elástica para recrutamento muscular comparável ao de cargas tradicionais [19]. Assim, o uso dessa metodologia apresenta aplicabilidade prática em ambientes clínicos e esportivos, sobretudo em contextos nos quais o acesso a equipamentos sofisticados é limitado.
Estudos prévios demonstram que o desequilíbrio dos músculos estabilizadores de quadril está associado a desalinhamentos dinâmicos do joelho [3,10], o que podem levar dor e disfunção, comprometendo o desempenho da prática desta modalidade. Em termos práticos, programas de treinamento direcionados à redução dessas assimetrias, com foco no fortalecimento dos rotadores externos e na estabilidade pélvica, podem contribuir para a prevenção de lesões em bailarinos.
Diante disso, salienta-se a importância da aplicabilidade de métodos alternativos de avaliação. A resistência elástica, associada ao uso de aplicativo móvel, mostrou-se promissora como ferramenta acessível, prática e de baixo custo. Considerando que a dinamometria isocinética é considerada padrão-ouro, mas apresenta custo elevado e baixa disponibilidade [13,14], a adoção de estratégias viáveis para o cotidiano da dança representa um avanço significativo. A incorporação de avaliações digitais pode ampliar a triagem preventiva em escolas de ballet, favorecendo o monitoramento contínuo da condição musculoesquelética.
Este estudo apresenta algumas limitações. O tamanho reduzido da amostra limita o poder estatístico para detecção de associações mais robustas. Além disso, o delineamento transversal não permite estabelecer relações de causalidade entre assimetria muscular e valgo dinâmico. Outro ponto é que a amostra foi composta por bailarinos de uma única região geográfica, o que pode restringir a generalização dos achados. Ainda assim, os resultados fornecem evidências iniciais relevantes sobre a interação entre desequilíbrios musculares do quadril e alinhamento dinâmico do joelho.
Para estudos futuros, recomenda-se o delineamento longitudinal, com amostras maiores e diversificadas, a fim de verificar se a correção das assimetrias de rotadores do quadril resulta em redução do valgo dinâmico e menor incidência de lesões. Além disso, a integração de análises cinemáticas tridimensionais pode complementar os achados, oferecendo medidas mais precisas do controle dinâmico dos membros inferiores. Por fim, a aplicação de programas específicos de treinamento deve ser investigada como estratégia preventiva no ballet clássico.
Há uma correlação moderada entre assimetrias de rotadores do quadril e valgo dinâmico de joelho em bailarinos, destacando a relevância de se incluir tais medidas em protocolos preventivos e de treinamento. O uso de ferramentas acessíveis, como resistência elástica e aplicativos de avaliação, mostra-se promissor para monitorar desequilíbrios musculares e reduzir a incidência de lesões nessa população.
Conflitos de Interesse
Os autores declaram não haver conflito de interesses.
Fonte de Financiamento
Este estudo foi desenvolvido com apoio financeiro da Universidade do Vale do Sapucaí (UNIVÁS), por meio do Programa de Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Fundação de Ensino Superior do Vale do Sapucaí– PIBIC FUVS/UNIVAS (Nº.: 009/2024).
Contribuição dos autores
Concepção e desenho da pesquisa: Pereira MFLR, Alves RS; Obtenção de dados: Pereira MFLR; Análise e interpretação dos dados: Pereira MFLR, Alves RS; Análise estatística: Alves RS; Redação do manuscrito: Pereira MFLR; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Alves RS.
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