Fisioter Bras. 2025;26(5):2471-2490
doi:
10.62827/fb.v26i5.1088

ARTIGO ORIGINAL

Descrição do perfil de saúde de pessoas com deficiência física: uma abordagem biopsicossocial baseada na classificação internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde (CIF)

Description of the health profile of people with physical disabilities: a biopsychosocial approach based on the international classification of functioning, disability and health (ICF)

Camila Dubow1, Ana Carolina Bienert1, Larissa Orci Corrêa1, Suzane Beatriz Frantz Krug1

1Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), Santa Cruz do Sul, RS, Brasil

Recebido em: 27 de Agosto de 2025; Aceito em: 16 de Setembro de 2025.

Correspondência: Camila Dubow, camiladubow@gmail.com

Como citar

Dubow C, Bienert AC, Corrêa LO, Krug SBF. Descrição do perfil de saúde de pessoas com deficiência física: uma abordagem biopsicossocial baseada na classificação internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde (CIF). Fisioter Bras. 2025;26(5):2471-2490. doi:10.62827/fb.v26i5.1088

Resumo

Introdução: A compreensão da funcionalidade e incapacidade de pessoas com deficiência, sob a ótica da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), é essencial para subsidiar práticas de reabilitação mais integrais e centradas no indivíduo. Objetivo: Delineou-se as principais características de usuários de um serviço de reabilitação física e compreender aspectos relativos à funcionalidade e incapacidade de acordo com avaliação biopsicossocial baseada na CIF. Métodos: Estudo transversal do tipo quantitativo, desenvolvido com 93 Pessoas com Deficiência em processo de reabilitação em um serviço especializado de reabilitação física. Os dados foram dispostos em software próprio composto por dados de identificação, caracterização clínica e 135 códigos da CIF, contemplando seus quatro componentes e após foram submetidos à análise estatística descritiva. Resultados: No componente “Estruturas Corporais”, sobressaíram códigos relativos aos membros inferiores e cérebro. Nas “Funções Corporais” destacam-se funções de linguagem, percepção, vestibulares e voz, além daquelas relacionadas ao padrão da marcha, tônus muscular, mobilidade das articulações e força muscular. No que envolve “Atividade e Participação” destacam-se dificuldades relativas ao andar, deslocar-se, autotransferências e autocuidado. No componente “Fatores Ambientais” sobressaíram os produtos para facilitar a mobilidade e transporte pessoal, bem como o apoio de profissionais de saúde e família próxima e a existência de serviços, sistemas e políticas relacionados com a seguridade social e com a saúde. Conclusão: Evidenciaram-se situações de funcionalidade e incapacidade diversas, destacando-se alterações relacionadas ao movimento que dificultam atividades de mobilidade e autocuidado. Reforça-se a relevância de produtos para facilitar tais atividades, bem como o apoio de familiares, profissionais, serviços e sistemas de saúde e seguridade. A CIF, por meio da perspectiva biopsicossocial, pode contribuir para um processo de reabilitação que valoriza a singularidade do indivíduo.

Palavras-chave: Classificação Internacional de Funcionalidade; Incapacidade e Saúde; Software; Serviços de Saúde para Pessoas com Deficiência.

Abstract

Introduction: Understanding the functionality and disability of people with disabilities, from the perspective of the International Classification of Functioning, Disability and Health (ICF), is essential to support more comprehensive and individual-centered rehabilitation practices. Objective: This study outlined the main characteristics of users of a physical rehabilitation service and to understand aspects related to functioning and disability according to a biopsychosocial evaluate based on the ICF. Methods: Quantitative cross-sectional study was conducted with 93 People with Disabilities undergoing rehabilitation in a specialized physical rehabilitation service. The data were organized using own software, composed of identification data, clinical characterization and 135 ICF codes, covering its four components, which were then subjected to descriptive statistical analysis. Results: Under the “Body Structures” component, codes related to lower limbs and the brain stood out. In the “Body Functions” component, functions related to language, perception, vestibular functions, and voice stood out, as well as those related to gait pattern, muscular tone, joint mobility, and muscular strength. In the realm of “Activity and Participation,” difficulties related to walking, moving around, self-transfers, and self-care were prominent. Within the “Environmental Factors” component, products to facilitate mobility and personal transportation, as well as the support of healthcare professionals and close family, and the existence of services, systems, and policies related to social security and health were highlighted. Conclusion: Diverse situations of functioning and disability were evidenced, with alterations related to movement that hinder mobility and self-care activities being prominent. The importance of products to facilitate such activities, along with the support of family members, professionals, healthcare services, and systems, is reinforced. The ICF, through a biopsychosocial perspective, can contribute to a rehabilitation process that values the individual’s uniqueness.

Keywords: International Classification of Functioning; Disability and Health; Software; Health Services for Persons with Disabilities.

Introdução

As Pessoas com Deficiência (PcDs), durante longo período, foram vistas como sinônimo de sujeitos doentes associados à nulidade social, incapacitados de exercer suas atividades cotidianas e de participar ativamente da vida em sociedade [1,2]. Neste contexto, a assistência à saúde pautava-se somente na patologia, sem considerar a funcionalidade e capacidades do indivíduo, refletindo uma analogia do corpo humano enquanto uma máquina e a deficiência como um problema dessa engrenagem, cujo tratamento seria realizado com intervenções no seu mau funcionamento, em busca da cura de deformidades [3,4].

Entretanto, esta perspectiva pautada exclusivamente no modelo biomédico de atenção à saúde e centrada apenas na patologia tornou-se obsoleta no atendimento às demandas em saúde de PcDs cada vez mais abrangentes, ao se constatar que a deficiência se relaciona com diversos outros fatores do cotidiano que podem ser determinantes para o convívio em sociedade e inclusão destas pessoas [5]. Partindo deste entendimento, a Organização Mundial da Saúde (OMS) [6] sugere, desde 2001, a utilização da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), por tratar-se de um instrumento que ultrapassa a visão biomédica de assistência, fundamentando-se em uma compreensão biopsicossocial, considerando não apenas as limitações, mas principalmente a funcionalidade que um indivíduo desempenha no seu cotidiano, valorizando sua autonomia e independência ao realizar as atividades de vida diária [7].

Com o intuito de incentivar a transformação do olhar, antes voltado exclusivamente à deficiência e agora direcionado à funcionalidade humana, a CIF contempla a interação dinâmica entre funções e estruturas do corpo, atividades e participação, bem como os fatores ambientais e pessoais de cada pessoa, permitindo uma abordagem singularizada [8]. Neste contexto, a funcionalidade indica os aspectos positivos da interação entre um indivíduo com uma determinada condição de saúde e seus fatores contextuais, incluindo os fatores pessoais e do ambiente [9].

Neste ínterim, por meio de uma proposta biopsicossocial, foram instituídas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência e a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência (RCPCD), com o objetivo de promover a qualidade de vida e a assistência integral à saúde destas pessoas, de modo a contribuir para a sua inclusão plena em todas as esferas da vida social [10,11]. A RCPCD através de uma assistência multiprofissional e intersetorial se organiza em três componentes, quais sejam: atenção básica, atenção especializada em reabilitação e atenção hospitalar e de urgência e emergência [11].

Enquanto componente da rede, os serviços especializados em reabilitação física visam auxiliar sujeitos que possuem dificuldades funcionais devido a lesões, doenças ou outras condições de saúde, com o intuito principal de restaurar, melhorar ou otimizar a função e a qualidade de vida dos sujeitos, observando as necessidades individuais no processo de reabilitação [12]. Em consonância, o Relatório Mundial sobre a Deficiência define a reabilitação como um conjunto de medidas que buscam auxiliar pessoas com deficiências a manter uma funcionalidade ideal na interação com o seu ambiente, sendo seu resultado a melhora e/ou modificações na funcionalidade do indivíduo ao longo do tempo [13].

Assim, compreender a reabilitação sob a ótica da funcionalidade permite ampliar o cuidado e contextualizar o indivíduo, sua família e comunidade em uma perspectiva social, dando ênfase aos aspectos pertinentes à inclusão, realização de atividades e a participação do indivíduo em diferentes espaços [14]. Deste modo, as ações de reabilitação devem ser centradas nas necessidades, preferências e valores específicos de cada sujeito, configurando-se como potente estratégia para melhorar a saúde da população, ao reconhecer que a deficiência pode ser vivenciada e expressa de formas singulares em diferentes indivíduos [15].

Tais premissas para o processo de reabilitação conferem vantagens à utilização da CIF, como a qualificação da assistência multiprofissional e compartilhamento de informações, além de contribuir para a geração de indicadores de resultados no cenário da reabilitação, com a utilização de uma terminologia padronizada acerca das incapacidades e das funcionalidades das PcDs em diferentes âmbitos [16,5]. Ainda, estima-se que, pelo menos, uma a cada três pessoas no mundo precisará de serviços de reabilitação em determinado momento do curso de alguma doença ou lesão, contrariando a visão comum da reabilitação como um serviço utilizado por poucas pessoas; contudo, pouca atenção tem sido dada às questões de funcionalidade das PcDs que fazem uso destes serviços [17].

A partir das considerações apresentadas, delineou-se as principais características de usuários de um serviço especializado de reabilitação física do Rio Grande do Sul (RS) e descreveu-se os aspectos relativos à funcionalidade e incapacidade de acordo com avaliação biopsicossocial baseada na CIF.

Métodos

Estudo transversal do tipo quantitativo, desenvolvido no Serviço Especializado de Reabilitação Física da Universidade de Santa Cruz do Sul (SRFis/UNISC), referência em Reabilitação Física para usuários do SUS de 25 municípios das Regiões dos Vales do Rio Grande do Sul (RS), pertencentes às Regiões de Saúde 27 e 28 deste Estado, contemplando uma população de aproximadamente 500 mil habitantes. Este serviço atende populações com necessidades de reabilitação física em todos os ciclos de vida e com diferentes condições clínicas, realiza dispensação de órteses, próteses e meios auxiliares de locomoção (OPMs), além de promover reabilitação físico-funcional.

Foram incluídos no estudo homens e mulheres com deficiência física, usuários do referido serviço, maiores de 18 anos, independente do diagnóstico clínico e/ou patologia de base, que aceitaram assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram excluídos aqueles sujeitos com condições físicas e/ou cognitivas que limitavam a comunicação para a realização das técnicas de coleta de dados e que não possuíam responsável legal que pudesse representá-lo(a).

A coleta de dados ocorreu no período de outubro de 2022 a maio de 2023 através de software próprio denominado SisCIF – Sistema Inteligente para CIF [18], desenvolvido com base nas demandas do serviço e perfil de seus usuários e norteado pelo documento da CIF, versão completa e atualizada [8]. A utilização do software foi complementar ao processo de avaliação individual já realizado pela equipe do serviço, conforme agendamento pré-definido. Os dados foram dispostos no software em duas partes:

Parte I, contendo dados de identificação contemplando nome, data de nascimento, Código de Pessoa Física, número do Cartão Nacional de Saúde, código de atendimento integrado utilizado no Serviço de Reabilitação Física, além da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) e, por último, o município de residência. Caracterizando a deficiência do usuário, tem-se a condição clínica, a qual se divide em subtipos, conforme perfil de usuários do referido serviço, englobando amputação (congênita ou adquirida com as descrições de localização), lesão neurológica, úlceras/lesões por pressão, condição traumatológica/ortopédica ou reumatológica.

Parte II, com informações relativas à CIF, contemplando os componentes, códigos e respectivos qualificadores em relação às Funções do Corpo; Estruturas do Corpo; Atividade e Participação e Fatores Ambientais. Seguindo o modelo conceitual da CIF, seus componentes contemplados no software foram distribuídos em 135 códigos, sendo: trinta e três códigos relativos ao componente Funções do Corpo, contemplando itens de funções mentais, sensoriais e dor, voz e fala, funções do aparelho cardiovascular, respiratório, sistemas hematológico e imunológico, funções geniturinárias e reprodutivas, funções neuromusculoesqueléticas e relacionadas com o movimento, além de funções da pele e estruturas relacionadas. Quinze códigos relativos ao componente Estruturas do Corpo, contemplando itens de estruturas dos sistemas nervoso, cardiovascular, respiratório, geniturinário e reprodutivo, sistema locomotor e tegumentar, além do sistema imunológico. Cinquenta e seis códigos relativos ao componente Atividade e Participação, abrangendo itens relacionados à aprendizagem e aplicação de conhecimento, execução de tarefas, comunicação, mobilidade, autocuidado, vida doméstica, relações interpessoais e vida comunitária. Trinta e um códigos relativos ao componente Fatores Ambientais, contemplando itens relativos a produtos e tecnologia, ao ambiente natural, apoio e relacionamentos, atitudes, sistema político e serviços.

Conforme preconizado pela CIF, cada componente é representado por uma letra, sendo “b” para Funções do Corpo, “s” para Estruturas do Corpo; “d” para Atividades e Participação, “e” para Fatores Ambientais. As letras são seguidas por um código numérico e qualificadores, que variam do nível 0 (zero), correspondente a nenhum problema ou dificuldade até o nível 4 (problema ou dificuldade total ou completa), além de domínio não especificado (nível 8) ou não aplicável (nível 9). Ainda, para o componente Fatores Ambientais foi sinalizado quando o código representava um facilitador ou barreira, isto é, quando apresentavam, respectivamente, ação positiva ou negativa para a funcionalidade.

Os dados, após exportação do software foram tabulados em banco eletrônico no programa Microsoft® Excel 2023 e submetidos à análise estatística, sendo as variáveis categóricas representadas por frequência absoluta (n) e relativa (%) e as variáveis contínuas descritas na forma de média e desvio padrão. Por fim, foi realizada a análise descritiva sobre cada categoria da CIF.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade de Santa Cruz do Sul, sob o número de parecer 4.446.238 e todas as etapas da pesquisa seguiram as orientações da Resolução nº 466/2012 e Resolução nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde.

Resultados

Participaram do estudo 93 sujeitos que passaram por processo de avaliação no referido serviço durante o período de coleta de dados, sendo 45 mulheres e 48 homens, com idades entre 18 e 90 anos (média 50,03 ± 19,64), sendo as faixas etárias mais frequentes 18 a 29 anos em 25,81% (24) e 50 a 59 anos em 23,66% (22), totalizando 49,47% (46) da amostra. Os municípios de residência com maior número de sujeitos foram Cachoeira do Sul e Santa Cruz do Sul, totalizando 39 indivíduos (41,93 %). A caracterização da amostra segue detalhada na Tabela 1.

Tabela 1 - Caracterização da amostra

Características

n

%

Sexo

Masculino

48

51,61

Feminino

45

48,39

Faixa etária

18 – 29

24

25,81

30 – 39

8

8,60

40 – 49

10

10,75

50 – 59

22

23,66

60 – 69

10

10,75

70 – 79

12

12,90

80 – 90

7

7,53

Condição Clínica

Lesão Neurológica

60

64,52

Condição traumatológica/ortopédica

12

12,90

Amputação de membro inferior

10

10,75

Condição Reumatológica

3

3,23

Úlceras/lesões por pressão

3

3,23

Outras

5

5,38

No que diz respeito às lesões neurológicas, os diagnósticos clínicos determinados pela CID mais encontrados foram, respectivamente Paralisia Cerebral em 12,90% (12), hemiplegias, paraplegias e tetraplegias não especificadas em 10,75% (10), sequelas de Acidente Vascular Cerebral (AVC) também em 10,75% (10), sequelas de poliomielite em 2,15% (2) e outras condições em menor proporção com 1,07% cada (1), como doença de Parkinson, Esclerose Múltipla, Esclerose Lateral Amiotrófica, Guillain Barré, Polineuropatia, Ataxia Cerebelar, dentre outras. Em relação às amputações, a maioria localizava-se nos membros inferiores em 10,75% dos sujeitos (10). Já nas condições traumatológicas/ortopédicas destacaram-se os diagnósticos de fraturas em 3,23% (3), malformação ou deformidade de membros, também em 3,23% (3), traumas múltiplos em 2,15% (2), alterações nas articulações e ligamentos em 2,15% (2), além de ferimentos na perna e lombalgia, ambos com 1,07% (1). Nas condições reumatológicas os diagnósticos encontrados foram gonartrose, coxartrose e poliartrose, cada um abrangendo 1,07% (1) dos sujeitos. Por fim, outros diagnósticos clínicos foram mencionados, como úlceras/lesões por pressão, acometendo 3,23% dos sujeitos (3), além de diabetes mellitus, vírus da imunodeficiência humana, labirintite, neoplasia do sistema nervoso e hérnia diafragmática, cada uma englobando 1,07% (1) dos sujeitos.

A tabela 2 apresenta a lista de códigos relativos ao componente Funções Corporais, sobressaindo-se dentre as funções mentais, as funções da linguagem (b167) e da percepção (b156); nas funções sensoriais e dor merece destaque o comprometimento das funções vestibulares (b235); nas funções da voz e da fala, a maioria dos sujeitos apresentou alteração nas funções da articulação (b320) e da voz (b310). Por fim, merece evidência as alterações em funções neuromusculoesqueléticas e relacionadas com o movimento, com especial destaque para funções relacionadas com o padrão de marcha (b770), tônus muscular (b735), mobilidade das articulações (b710) e força muscular (b730), conforme descrito na tabela 2.

Tabela 2 - Códigos relativos ao componente Funções Corporais de acordo com os 93 participantes do estudo

Capítulos

Categoria da CIF (código e descrição)

n

%

Funções mentais

b167 Funções mentais da linguagem

56

60,22

b156 Funções da percepção

54

58,06

b160 Funções do pensamento

37

39,78

b180 Funções de experiência pessoal e do tempo

30

32,26

b152 Funções emocionais

24

25,81

b164 Funções cognitivas de nível superior

22

23,66

Funções Sensoriais e Dor

b235 Funções vestibulares

54

58,06

b280 Sensação de dor

43

46,24

b260 Função proprioceptiva

40

43,01

b265 Função tátil

37

39,78

b270 Funções sensoriais relacionada às temperaturas e outros estímulos

18

19,35

Funções da voz e da fala

b320 Funções da articulação

64

68,82

b310 Funções da voz

62

66,67

Funções do aparelho cardiovascular, respiratório, sistemas hematológico e imunológico

b420 Funções da pressão arterial

9

9,68

Funções geniturinárias e reprodutivas

b620 Funções miccionais

20

21,51

b525 Defecação

16

17,20

Funções neuromusculoes

queléticas e relacionadas com o movimento

b770 Funções relacionadas com o padrão de marcha

78

83,87

b735 Funções do tônus muscular

52

55,91

b710 Funções da mobilidade das articulações

51

54,84

b730 Funções da força muscular

50

53,76

b740 Funções da resistência muscular

42

45,16

b760 Funções de controle do movimento voluntário

40

43,01

b750 Funções de reflexos motores

39

41,94

b755 Funções de reações motoras involuntárias

32

34,41

b720 Funções da mobilidade dos ossos

32

34,41

b780 Sensações relacionadas com os músculos e as funções do movimento

26

27,96

Funções da pele e estruturas relacionadas

b810 Funções protetoras da pele

17

18,28

A tabela 3 apresenta as Estruturas do Corpo mais acometidas, destacando-se o cérebro (s110) e estruturas relacionadas com o movimento, especialmente o membro inferior (s750).

Tabela 3 - Códigos relativos ao componente Estruturas do Corpo de acordo com os 93 participantes do estudo

Capítulos

Categoria da CIF (código e descrição)

n

%

Estruturas do sistema nervoso

s110 Estrutura do cérebro

36

38,17

s120 Medula espinhal e estruturas relacionadas

13

13,98

s130 Estrutura das meninges

5

5,38

s140 Estrutura do sistema nervoso simpático

2

2,15

s150 Estrutura do sistema nervoso parassimpático

2

2,15

Estruturas do aparelho cardiovascular, do sistema imunológico e do aparelho respiratório

s410 Estrutura do aparelho cardiovascular

5

5,38

s430 Estrutura do aparelho respiratório

5

5,38

Estruturas relacionadas com os aparelhos geniturinário e reprodutivo

s610 Estrutura do aparelho urinário

9

9,68

Estruturas relacionadas com o movimento

s750 Estrutura do membro inferior

69

74,19

s730 Estrutura do membro superior

29

31,18

s760 Estrutura do tronco

26

27,96

s710 Estrutura da região da cabeça e do pescoço

13

13,98

s720 Estrutura da região do ombro

8

8,60

s740 Estrutura da região pélvica

5

5,38

Pele e estruturas relacionadas

s810 Estrutura das áreas da pele

12

12,90

No que se refere aos códigos de Atividade e Participação descritos na tabela 4, destacam-se os relativos ao andar (d450), deslocar-se (d455, d465, d460) e realizar auto transferências (d420), bem como ao autocuidado, especialmente no que diz respeito à higiene pessoal, como lavar-se (d510) e cuidar de partes do corpo (d520), além de vestir-se (d540), comer (d550) e beber (d560). Também merece destaque as relações interpessoais, especialmente os relacionamentos com familiares (d760).

Tabela 4 - Códigos relativos ao componente Atividade e Participação de acordo com os 93 participantes do estudo

Capítulos

Categoria da CIF (código e descrição)

n

%

Aprendizagem e aplicação de conhecimentos

d110 Observar

3

3,23

d160 Concentrar a atenção

3

3,23

d177 Tomar decisões

3

3,23

d163 Pensar

2

2,15

d115 Ouvir

1

1,08

Tarefas e exigências gerais

d210 Realizar uma única tarefa

9

9,68

d220 Realizar tarefas múltiplas

8

8,60

d240 Lidar com o estresse e
outras exigências psicológicas

8

8,60

Comunicação

d330 Falar

12

12,90

d310 Comunicar e receber mensagens orais

8

8,60

Mobilidade

d450 Andar

42

45,16

d455 Deslocar-se

31

33,33

d465 Deslocar-se utilizando
algum tipo de equipamento

31

33,33

d460 Deslocar-se por diferentes locais

26

27,96

d420 Auto transferências

25

26,88

d445 Utilização da mão e do braço

24

25,81

d410 Mudar a posição básica do corpo

22

23,66

d475 Conduzir

18

19,35

d440 Utilização de movimentos finos da mão

16

17,20

d470 Utilização de transporte

16

17,20

d430 Levantar e transportar objetos

13

13,98

d415 Manter a posição do corpo

12

12,90

Auto cuidados

d510 Lavar-se

37

39,78

d540 Vestir-se

33

35,48

d520 Cuidar de partes do corpo

25

26,88

d550 Comer

25

26,88

d560 Beber

20

21,51

d530 Cuidados relacionados
com os processos de excreção

17

18,28

d570 Cuidar da própria saúde

17

18,28

d598 Auto cuidados, outros especificados

14

15,05

Vida doméstica

d640 Realizar as tarefas domésticas

12

12,90

d650 Cuidar dos objetos da casa

8

8,60

d660 Ajudar os outros

8

8,60

d699 Vida doméstica, não especificada

6

6,45

d698 Vida doméstica, outra especificada

5

5,38

d629 Aquisição do necessário para viver,
outro especificado e não especificado

3

3,23

d630 Preparar refeições

2

2,15

Interações e relacionamentos interpessoais

d760 Relacionamentos familiares

21

22,58

d710 Interações interpessoais básicas

19

20,43

d730 Relacionamento com estranhos

14

15,05

d720 Interações interpessoais complexas

12

12,90

d740 Relacionamento formal

10

10,75

d750 Relacionamentos sociais informais

8

8,60

d770 Relacionamentos íntimos

7

7,53

Áreas principais da vida

d839 Educação, outra especificada
e não especificada

4

4,30

d850 Trabalho remunerado

5

5,38

d860 Transações econômicas básicas

3

3,23

d865 Transações econômicas complexas

3

3,23

d870 Autossuficiência econômica

3

3,23

d855 Trabalho não remunerado

2

2,15

Vida comunitária, social e cívica

d910 Vida comunitária

3

3,23

d920 Recreação e lazer

3

3,23

d950 Vida política e cidadania

2

2,15

d930 Religião e espiritualidade

1

1,08

d940 Direitos Humanos

1

1,08

Os Fatores Ambientais estão detalhados na tabela 5, merecendo relevância os produtos e tecnologias para facilitar a mobilidade e transporte pessoal (e120). Destacam-se também o apoio e relacionamentos, em especial de profissionais de saúde (e355) e família próxima (e310), além da existência de serviços, sistemas e políticas relacionados com a seguridade social (e570) e com a saúde (e580). Destaca-se que um mesmo código pode ser utilizado tanto para facilitador como para barreira. Assim, nas situações nas quais houve menção do código apenas como facilitador ou barreira, na outra coluna encontra-se um traço, sinalizando que nenhum sujeito apresentou código qualificado como tal.

Tabela 5 - Códigos relativos ao componente Fatores Ambientais de acordo com os 93 participantes do estudo

Capítulos

Categoria da CIF (código e descrição)

Facilitador

Barreira

n

%

N

%

n

%

Produtos e tecnologia

e120 Produtos e tecnologias destinados a facilitar a mobilidade e o transporte pessoal em espaços interiores e exteriores

53

56,99

42

45,16

11

11,83

e115 Produtos e tecnologias para uso pessoal na vida diária

15

16,13

12

12,90

3

3,23

e110 Produtos ou substâncias para consumo pessoal

9

9,68

6

6,45

3

3,23

e140 Produtos e tecnologias para a cultura, atividades recreativas e desportivas

1

1,08

1

1,08

-

-

e150 Arquitetura, construção, materiais e tecnologias arquitetônicas em prédios para uso público

1

1,08

1

1,08

-

-

e155 Arquitetura, construção, materiais e tecnologias arquitetônicas em prédios para uso privado

1

1,08

1

1,08

-

-

e130 Produtos e tecnologias para a educação

1

1,08

1

1,08

-

-

Ambiente natural e mudanças ambientais feitas pelo homem

e210 Geografia física

4

4,30

2

2,15

2

2,15

Apoio e relacionamentos

e355 Profissionais de saúde

70

73,12

66

70,97

4

4,30

e310 Família próxima

51

54,84

46

49,46

5

5,38

e360 Outros profissionais

9

9,68

8

8,60

1

1,08

e315 Família alargada

2

2,15

2

2,15

-

-

e340 Prestadores de cuidados pessoais e assistentes pessoais

5

5,38

5

5,38

-

-

e325 Conhecidos, pares, colegas, vizinhos e membros da comunidade

4

4,31

3

3,23

1

1,08

Atitudes

e450 Atitudes individuais de profissionais de saúde

19

20,43

18

19,35

1

1,08

e410 Atitudes individuais de membros da família próxima

19

20,43

18

19,35

1

1,08

e455 Atitudes individuais de outros profissionais

7

7,53

7

7,53

-

-

e460 Atitudes sociais

4

4,31

3

3,23

1

1,08

e420 Atitudes individuais de amigos

2

2,15

2

2,15

-

-

e415 Atitudes individuais de membros da família alargada

2

2,15

2

2,15

-

-

e440 Atitudes individuais de prestadores de cuidados pessoais e dos assistentes pessoais

2

2,15

2

2,15

-

-

e425 Atitudes individuais de conhecidos, pares, colegas, vizinhos e membros da comunidade

1

1,08

1

1,08

-

-

Serviços, sistemas e políticas

e580 Serviços, sistemas e políticas relacionados com a saúde

65

69,89

61

65,59

4

4,30

e570 Serviços, sistemas e políticas relacionados com a seguridade social

71

76,34

69

74,19

2

2,15

e540 Serviços, sistemas e políticas relacionados com os transportes

4

4,30

4

4,30

-

-

e550 Serviços, sistemas e políticas relacionados com a área jurídico-legal

5

5,38

4

4,30

1

1,08

e545 Serviços, sistemas e políticas relacionados com a proteção civil

3

3,23

3

3,23

-

-

e555 Serviços, sistemas e políticas relacionados com associações e organizações

3

3,23

3

3,23

-

-

Discussão

Os resultados apresentados neste estudo buscam delinear as principais características dos usuários do serviço especializado em reabilitação física estudado, bem como compreender aspectos relativos à funcionalidade e incapacidade de acordo com avaliação biopsicossocial baseada na CIF. As informações de sexo e idade encontram semelhanças com outros estudos recentes que investigaram o perfil de pessoas com deficiência física. Barreto et al.[9] em um estudo transversal utilizando dados da Pesquisa Nacional de Saúde observou maiores prevalências de deficiência em homens, de cor não branca e com menores níveis de escolaridade, além de maiores prevalências de deficiência física adquirida em pessoas em maior nível de vulnerabilidade social. Em contrapartida, o estudo de Alves et al.[19] , ao descrever o perfil sociodemográfico de usuários de um serviço especializado em reabilitação de acordo com o modelo da CIF, teve maioria do sexo feminino (57,7%), com média de idade de 48,4 anos.

Em relação às condições de saúde, as situações mais frequentes entre os usuários foram, respectivamente, lesões neurológicas, distúrbios musculoesqueléticos (condições traumatológicas/ortopédicas) e amputações. Em consonância, pesquisa que estimou a necessidade de reabilitação a nível mundial[17] apontou que a maioria das pessoas com idades entre 15 e 64 anos apresentam os distúrbios musculoesqueléticos como a maior necessidade para utilização de serviços de reabilitação, enquanto que para as com mais de 65 anos, somam-se a estes os distúrbios neurológicos, sensoriais e doenças respiratórias crônicas.

Ademais, estudo de abordagem quantitativa, descritiva e exploratória conduzido por Vieira et al.[20] acerca do perfil epidemiológico de 71 pacientes amputados e protetizados em um centro especializado em reabilitação física no Estado de Santa Catarina, evidenciou que a prevalência dos sujeitos que procuram atendimento é 70,4% para homens e 29,6% para mulheres, com faixa etária de maior predominância entre 61 e 70 anos. Ainda de acordo com os autores, quando analisados os fatores etiológicos que levaram ao quadro de amputação, ressalta-se a complicação em decorrência de patologias crônicas com ênfase para o diabetes mellitus, vasculopatias, lesões traumáticas, doenças osteoarticulares e neoplasias. Já Lima et al. [21] em estudo que descreveu as características demográficas, socioeconômicas e de procura dos usuários adultos de um serviço de reabilitação física de referência no estado de Mato Grosso, através de dados secundários coletados a partir de 196 prontuários de pacientes com idades entre 18 e 89 anos, constatou que 61 usuários (31%) procuraram o serviço por aspectos neurológicos. Ainda conforme os mesmos autores, deste total de condições neurológicas, 62,30% são oriundas de acidentes vasculares encefálicos e 59,02% apresentam alguma patologia concomitante, como hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, cardiopatias, endocrinopatias e outras.

Os perfis descritos em outros serviços de reabilitação apresentam estreita relação com as alterações nas funções corporais mais encontradas neste estudo, entendendo-se como Funções do Corpo as funções fisiológicas dos sistemas do corpo [8]. Em razão do predomínio de sujeitos com lesões neurológicas e distúrbios musculoesqueléticos, percebeu-se maior tendência para alterações na função da marcha, controle do movimento e funções de músculos e articulações, além das alterações em funções de voz e fala e funções mentais. Monteiro et al. [22], ao estudar a reabilitação de pacientes acometidos por acidentes vasculares encefálicos, evidenciou que a lesão neurológica desencadeia impactos significativos na capacidade funcional do indivíduo, principalmente em razão das limitações de mobilidade física e o aumento da dependência de algum familiar/cuidador. Ainda sob uma perspectiva de lesão neurológica, a Paralisia Cerebral, por envolver um conjunto de alterações permanentes no desenvolvimento cognitivo e físico que acometem o sistema nervoso central ainda na infância e que perduram por toda a vida, apresenta, como consequência, impactos socioeconômicos e emocionais tanto para a própria PcD quanto para o grupo familiar no qual está inserida [23].

Em consonância a estas alterações de função, as Estruturas do Corpo corporais mais acometidas, isto é, as partes anatômicas do corpo como órgãos, membros e seus componentes [8], foram, respectivamente, os membros inferiores e o cérebro. Santos et al. [24] em estudo acerca da utilização da CIF em pessoas que tiveram algum tipo de trauma medular, especialmente paraplegia, apontam que nestas situações as estruturas do corpo mais acometidas referem-se aos membros inferiores, intestino e bexiga. Já o estudo conduzido por Oliveira & Duarte [25] apontou que uma das principais causas de deficiência física adquirida é por meio dos acidentes de trânsito, uma vez que 20% dos acidentes evoluem para algum tipo de sequela física e/ou neurológica. Partindo-se desse pressuposto, os mesmos autores evidenciaram que as estruturas do corpo mais afetadas foram os membros inferiores (39,1%) e cabeça/face (34,2%), seguido dos membros superiores, região abdominal e do quadril [25].

Em relação às Atividades e Participação, descritas respectivamente como a execução de uma tarefa ou ação por um indivíduo e o envolvimento em uma situação da vida diária [8], merecem destaque as questões relativas ao deslocamento, transferências e autocuidado. Tais achados reforçam o encontrado por Alves et al. [19], em estudo que analisou o desempenho de usuários de um serviço especializado em reabilitação, de acordo com o modelo da CIF, identificando como demandas mais frequentes aquelas relacionadas à mobilidade e cuidado pessoal. As barreiras enfrentadas por PcDs que sofreram algum tipo de amputação nos membros inferiores não se restringem somente a sensação do “membro fantasma” ou algias neuropáticas resultantes do uso da prótese, mas englobam questões de autoestima, sociais, econômicas, qualidade de vida e desempenho de mobilidade [26,27]. Ainda cabe salientar que outros impactos como a queda nos índices de produtividade dos indivíduos ao retornarem às atividades laborais, seguido do seu desligamento no ramo são fatores que corroboram para alterações em atividade e participação de pessoas com deficiência física, haja vista o prolongado tempo de reabilitação, desde a parte clínica à reinserção da PcD no contexto social [26].

No que concerne às atividades e participação de PcDs em razão de condições neurológicas, Aragão et al.[28] em estudo quantitativo evidencia os aspectos facilitadores e as barreiras em indivíduos com deficiência física após lesões neurológicas congênitas e/ou adquiridas, sendo assim apresentadas: pessoal (constrangimento, distorção da imagem corporal, alterações na perspectiva de vida, limitações de membros inferiores e superiores, sedentarismo, obesidade, patologias crônicas, restrições no autocuidado, psicopatias, status econômico reduzido em virtude da capacidade funcional/laboral); social (restrições no convívio familiar e ampliado, ambiência desfavorável, capacidade de aceitação reduzida, limitações de lazer, fragilidade na rede de apoio); comunidade (relatos de serviços de saúde não resolutivos, necessidade de reutilização dos serviços de saúde em decorrência de complicações ou reabilitações, relacionamentos difíceis entre paciente/família e profissionais de saúde, carência de informações profissionais sobre possíveis mudanças sexuais).

Já os Fatores Ambientais de maior relevância encontrados em nosso estudo, envolvendo os ambientes físico, social e atitudinal nos quais as pessoas vivem e conduzem sua vida [8], se justificam pelo perfil dos sujeitos desta pesquisa e referendam os dados encontrados em outros estudos, merecendo destaque os produtos e tecnologias destinados a facilitar a mobilidade pessoal e a vida diária. O acesso aos recursos e serviços de Tecnologia Assistiva é primordial para a inclusão social e o exercício da cidadania, além de ser fator mobilizador para a estruturação de políticas públicas em prol da efetivação dos direitos das pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida [29]. Para alguns indivíduos, intervenções de curto prazo ou fornecimento de soluções simples de tecnologia assistiva como por exemplo as órteses, podem melhorar substancialmente a sua funcionalidade, porém outras condições duradouras envolvendo lesões neurológicas podem exigir a utilização de serviços de reabilitação a longo prazo ou mesmo ao longo da vida [17].

Ainda em relação aos fatores ambientais destaca-se o papel primordial da família no contexto de PcDs. A família é tida como imprescindível para o desenvolvimento humano, tornando-se ainda mais relevante no contexto de uma deficiência, sendo que o bom funcionamento familiar pode atuar como fator protetivo e de promoção de saúde e bem-estar físico e emocional para as pessoas com deficiência [30]. Também nesta perspectiva, Melo et al. [31], evidenciam que o apoio familiar associado à espiritualidade exerce um papel relevante na adaptação do paciente à sua condição, contribuindo para a retomada e (re)significação de hábitos cotidianos, a fim de reduzir os impactos psicológicos como transtornos depressivos e ansiedade. Barbosa & Marcelino [32] também corroboram com esse pensamento ao enfatizarem que o processo de reabilitação não é factível, em sua integralidade, sem a presença da base familiar, a qual, a partir da convivência entre ambos, conhece a PcD e suas particularidades (gostos, desejos, anseios e angústias). Os autores afirmam, ainda, que a família é um membro fundamental na equipe interdisciplinar e multiprofissional de assistência à saúde da PcD, haja vista que pacientes que não possuem um vínculo familiar fortalecido, tendem a regredir durante o tratamento de reabilitação e tornar-se vulneráveis para que novas condições possam acometê-lo, como transtornos depressivos, piora do quadro clínico, etc.

Por sua vez, é inquestionável a relevância dos profissionais de saúde, bem como de serviços, sistemas e políticas relacionadas com a saúde para as PcDs em processo de reabilitação. A relação profissional-paciente influencia a motivação em diversos aspectos, sendo que o processo de reabilitação deve ser desenvolvido com ações e atividades significativas para a pessoa com deficiência, sempre direcionadas às suas necessidades e em respeito à vida humana, articulando o conhecimento técnico-científico ao acolhimento e respeito ao indivíduo em todas as dimensões - sociais, éticas, educacionais e psíquicas [33].

Por fim, políticas que assegurem a atribuição de apoio econômico às PcDs são fundamentais, a exemplo do Benefício de Prestação Continuada (BPC), garantido pela Constituição Federal de 1988 [34]. e regulamentado pela Lei Orgânica de Assistência Social, em 1993, o qual assegura mensalmente um salário-mínimo à PcD para prover sua subsistência [35]. Peixoto et al. [23] asseguram que na época da criação do BPC, a compreensão da deficiência ainda estava pautada no modelo biomédico de saúde e considerando, dessa forma, incapacidade para uma vida autônoma-laboral em virtude da deficiência. Contudo, a partir da visão biopsicossocial, o BPC passou a levar em consideração as barreiras que refletem a possibilidade de uma vida mais autônoma para esse indivíduo. Outros estudos, desenvolvidos por Duarte et al. [36] e Sabariego [37], apresentam um comparativo entre o número de benefícios aprovados para PcDs considerando-se o modelo biomédico e o modelo biopsicossocial, haja vista que quando este último fora implementado, surgiram muitos mitos relacionados ao aumento dos casos de BPCs ou de que a funcionalidade seria um indicador insuficiente nos casos de aquisição desses benefícios.

Diante do exposto, reconhecer e prover meios para otimizar a funcionalidade é o objetivo final da reabilitação, independentemente de quem seja o beneficiário, quem o concede ou o contexto em que é prestada, sendo também fundamental para o bem-estar do sujeito, independentemente da condição de saúde subjacente [17]. Assim, é essencial compreender a existência de um contexto que permeia a vida do indivíduo e que as questões ambientais podem vir a potencializar ou impor barreiras à sua funcionalidade [9]. Identificar os aspectos de funcionalidade e incapacidade de pessoas com deficiência física significa compreender o desempenho das atividades de vida diária, resultantes da interação de toda a estrutura interna/aspectos biopsicológicos, a relação com o ambiente externo, além da própria história de vida dos sujeitos [38]. Para isso, torna-se fundamental uma avaliação biopsicossocial dos diversos aspectos envolvidos com a funcionalidade das PcDs durante o processo de reabilitação, de modo a possibilitar uma ampliação da autonomia e a participação efetiva dos usuários na construção de projetos de vida, tanto pessoais quanto sociais [14].

Conclusão

Descreveu-se a partir da amostra de usuários que frequentam o serviço de reabilitação física estudado, um predomínio de homens, tendo as condições neurológicas como principal causa de deficiência física. As estruturas corporais mais acometidas são o cérebro e as relacionadas com o movimento, especialmente o membro inferior. Em relação às funções corporais merece destaque as alterações em funções neuromusculoesqueléticas e relacionadas com o movimento, principalmente o padrão de marcha. Já no componente atividade e participação destacam-se as dificuldades relativas ao andar e deslocar-se, além do autocuidado, especialmente em relação à higiene pessoal. Por fim, dentre os fatores ambientais merecem relevância os produtos e tecnologias para facilitar a mobilidade e transporte pessoal, o apoio e relacionamentos, em especial de profissionais de saúde e família próxima, além da existência de serviços, sistemas e políticas relacionados com a seguridade social e com a saúde.

Promover a reabilitação sob a perspectiva biopsicossocial possibilita a ampliação do cuidado e valorização do sujeito e sua família, proporcionando meios para ênfase à participação do indivíduo em diferentes espaços. A CIF configura-se como um potente dispositivo para a avaliação de pessoas com deficiência física, contribuindo para que o processo de reabilitação seja direcionado à integralidade e singularidades da PcD enquanto indivíduo inserido na sociedade.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Fonte de Financiamento

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS): “Chamada Decit/SCTIE/MS-CNPq-FAPERGS No 08/2020 – PROGRAMA PESQUISA PARA O SUS: gestão compartilhada em saúde – PPSUS”

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Dubow C, krug SBF; Obtenção de dados: Dubow C, Bienert AC, Corrêa LO, krug SBF; Análise e interpretação dos dados: Dubow C, Bienert AC, Corrêa LO, krug SBF; Redação do manuscrito: Dubow C, Bienert AC, Corrêa LO, krug SBF; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Dubow C, krug SBF.

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