ARTIGO ORIGINAL
Ultrassonografia diafragmática como ferramenta de avaliação pré-extubação orotraqueal em pediatria: estudo piloto
Diaphragmatic ultrasound as a pre-orotracheal extubation assessment tool in pediatric: pilot study
Cássio Daniel Araújo da Silva1,2, Marcelo Azeredo Terra1, Bruna Luzia da Silva Peixoto Magno2, Laila de Moraes Silva2, Luana Sgorlon Leiras Gomes2, Zina Maria Almeida de Azevedo1, Daniella Campelo Batalha Cox Moore1, Saint Clair dos Santos Gomes Junior1
1Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
2Hospital Rios D’or, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Recebido em: 24 de abril de 2025; Aceito em: 5 de maio de 2025.
Correspondência: Cássio Daniel Araújo da Silva, cd.danielsilva@gmail.com
Como citar
Da Silva CDA, Terra MA, Magno BLSP, Silva LM, Gomes LSL, Azevedo zma, Moore DCBC, Gomes Junior SCS. Ultrassonografia diafragmática como ferramenta de avaliação pré-extubação orotraqueal em pediatria: estudo piloto. Fisioter Bras. 2025;26(2):2128-2138. doi:10.62827/fb.v26i2.1054
Introdução: A ultrassonografia diafragmática tem despontado como ferramenta promissora para avaliação da prontidão para extubação orotraqueal em pediatria, uma vez que não existem ferramentas objetivas com alto poder preditivo para o seu sucesso ou falha, sendo a decisão por vezes baseada somente na experiência clínica. Objetivo: Descreveu-se a avaliação ultrassonográfica do diafragma pré-extubação orotraqueal em uma UTI pediátrica. Métodos: Estudo exploratório prospectivo, aprovado pelo comitê de ética. Selecionados lactentes que utilizaram ventilação mecânica invasiva no período de 10 meses, avaliados após 30 minutos realizando o teste de respiração espontânea (TRE). Realizada ultrassonografia diafragmática (excursão e espessuras do diafragma) e medidas da mecânica pulmonar através do ventilador mecânico, além da coleta de dados complementares do prontuário. Resultados: A avaliação foi realizada em 15 pacientes, com predominância do sexo masculino e diagnóstico de bronquiolite e/ou pneumonia. A faixa etária de lactentes foi a mais prevalente, com tempo médio de intubação 8,4 dias e de internação hospitalar 24,5 dias. Durante o TRE, a excursão média do diafragma foi 1,0 cm, cuja espessura média na inspiração foi 0,17 cm e fração de espessamento diafragmático (DTF) média 37,7%. O suporte pós extubação mais utilizado foi a ventilação não invasiva (54%). Ocorreram duas falhas de extubação, ambas por obstrução alta, e nenhum óbito foi registrado. Conclusão: A avaliação diafragmática para a extubação orotraqueal é viável beira leito e pode ser útil com o objetivo de reconhecer a prontidão para a ventilação espontânea, no entanto necessita de maiores estudos em pediatria.
Palavras-chave: Ultrassonografia; Diafragma; Doenças Respiratórias; Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica.
Introduction: Diaphragmatic ultrasonography has emerged as a promising tool for assessing readiness for orotracheal extubation in pediatrics, since there are no objective tools with high predictive power for its success or failure, and the decision is sometimes based solely on clinical experience. Objective: To describe the ultrasonographic evaluation of the diaphragm before orotracheal extubation in a pediatric ICU. Methods: Prospective exploratory study, approved by the ethics committee. Infants who used invasive mechanical ventilation for a period of 10 months were selected and evaluated after 30 minutes by performing the spontaneous breathing test (SBT). Diaphragmatic ultrasonography (diaphragm excursion and thickness) and measurements of lung mechanics through the mechanical ventilator were performed, in addition to the collection of complementary data from the medical records. Results: The evaluation was performed in 15 patients, with a predominance of males and a diagnosis of bronchiolitis and/or pneumonia. The infant age group was the most prevalent, with a mean intubation time of 8.4 days and hospital stay of 24.5 days. During SBT, the mean diaphragm excursion was 1.0 cm, the mean thickness during inspiration was 0.17 cm, and the mean diaphragmatic thickening fraction (DTF) was 37.7%. The most commonly used post-extubation support was noninvasive ventilation (54%). There were two extubation failures, both due to high obstruction, and no deaths were recorded. Conclusion: Diaphragmatic assessment for orotracheal extubation is feasible at the bedside and may be useful for recognizing readiness for spontaneous ventilation; however, further studies in pediatrics are needed.
Keywords: Ultrasonography; Diaphragm; Respiratory Diseases; Intensive Care Units.
Um dos principais desafios relacionados à ventilação mecânica na população pediátrica é o desmame, e consequentemente, a retirada da prótese ventilatória [1-3]. Embora as evidências atuais apontem a importância da realização do teste de respiração espontânea (TRE) como um dos principais fatores preditivos para o sucesso da extubação, não existem ferramentas objetivas que corroborem o resultado do TRE para essa decisão clínica, por vezes baseada tão somente na experiência e familiaridade da equipe com o manejo da ventilação. A falha da extubação, definida como o retorno à ventilação mecânica em até 48 horas após sua retirada, aumenta a morbimortalidade na unidade de terapia intensiva, os custos hospitalares e piora dos índices de qualidade assistencial [4,5].
Por outro lado, considerando a importância da musculatura respiratória para a adequada ventilação alveolar, especialmente no lactente e na criança – que naturalmente possuem desvantagens biomecânicas, essa avaliação pode fornecer dados adicionais para apoiar ou declinar da decisão de extubação [1,6,7]. Algumas destas variáveis já são descritas na literatura, mas ainda possuem baixo poder preditivo, como por exemplo a pressão inspiratória máxima (PImáx), a pressão de oclusão expiratória (Pocc), e os valores de espessura e mobilidade diafragmática mensurados através da ultrassonografia [2].
A avaliação ultrassonográfica do diafragma, mais especificamente, vem se destacando nesse contexto como um método prático, não invasivo, de baixo custo e não-radioativo, que fornece dados confiáveis e reprodutíveis a respeito da excursão do músculo (mobilidade) e sua fração de espessamento (resultado da relação entre a espessura muscular na inspiração e na expiração), o que reflete diretamente o grau de esforço ventilatório durante a ventilação espontânea com ou sem suporte [1-4,6-7]. Essa avaliação, ainda que incipiente na pediatria, pode ser realizada em diversos momentos da internação para fins diagnósticos e prognósticos, desde a admissão na ventilação até a fase de desmame e extubação orotraqueal [1-3]. Descreveu-se os resultados exploratórios da avaliação diafragmática em uma população pediátrica durante o teste de respiração espontânea e seus desfechos clínicos.
Desenho e delineamento do estudo
Estudo piloto, observacional prospectivo, aprovado pelo comitê de ética em pesquisa com seres humanos (nº do parecer 6.899.306), realizado em um hospital terciário privado cujo bloco pediátrico possui 7 leitos de UTI. Foram selecionados por amostragem de conveniência todos os lactentes de 0 a 2 anos que utilizaram ventilação mecânica invasiva, independente do diagnóstico de base, recrutados no período de 10 meses.
Excluídos os que permaneceram menos de 48hs em ventilação mecânica, aqueles com doença neuromuscular ou genética com repercussão no sistema musculoesquelético, os que evoluíram com pneumotórax/derrame pleural com necessidade de drenagem de tórax, que evoluíram com necessidade de traqueostomia, e os pós-operatórios de cirurgia cardíaca ou abdominal de grande porte. A avaliação utilizada no estudo faz parte de protocolo institucional da fisioterapia para gerenciamento da ventilação mecânica na unidade, e foi realizada após 30 minutos do TRE em modo pressão de suporte, com o paciente sem sedação ou em uso apenas de dexmedetomidina desde que estivesse desperto/facilmente despertável e calmo, com escala de Glasgow => 12 ou escala de RASS 0.
Por protocolo da unidade, é preferida a ventilação com volume alvo de 6-8ml/kg através do modo PRVC (pressão regulada com volume controlado), sendo tolerado hipercapnia permissiva (Ph => 7,25) e titulada sedoanalgesia de maneira individualizada, além da avaliação da necessidade de bloqueio neuromuscular em alguns casos (suspenso ao menos 24hs antes da previsão de extubação).
A ventilação é transicionada para PCV (ventilação com pressão controlada) quando atinge pressão de pico =< 20cm/H2O, sendo utilizado modo PSV (ventilação com pressão de suporte) para realização obrigatória do TRE, a partir de critérios amplamente sugeridos pela literatura, como resolução da causa da intubação, radiografia de tórax sem alterações, ausência ou controle de processo infeccioso, adequada relação P/F, parâmetros de Ppico =<20 cm/H2O e peep (pressão positiva expiratória final) de 5-7 cm/H2O com FiO2 (fração inspirada de oxigênio) =<40% [1,2,8]. Também de forma protocolar, todos recebem corticóide venoso 48hs antes da previsão de extubação, e o suporte de escolha após a extubação foi definido a partir de avaliação clínica, sem influência dos resultados da avaliação diafragmática. Como falha de extubação, foi definida a necessidade de restituição da ventilação mecânica invasiva em até 48hs após a retirada da prótese.
Coleta de dados
Os dados utilizados foram secundários, extraídos do protocolo institucional da fisioterapia. Os seguintes parâmetros ventilatórios foram registrados durante a avaliação: Ppico, peep, FiO2, volume corrente (VC), frequência respiratória (FR), pressão de oclusão da via aérea no 1º milissegundo (P.01) e a pressão de oclusão expiratória (Pocc). Previamente à instituição do protocolo, os avaliadores realizaram cursos de formação para ultrassonografia cinesiológica diafragmática e treinamento supervisionado por um expert na área, sendo iniciado o protocolo de avaliação somente após o treinamento. O exame foi realizado através dos aparelhos PHILIPS HD15®, SONOSITE m-turbo® ou VIVID T8®, a depender da disponibilidade, com sonda linear de 4–10 MHz para avaliação da espessura do diafragma e sonda convexa com frequência de 2,5–5 MHz para avaliação da excursão do diafragma. A técnica utilizada para obtenção das imagens está amplamente descrita na literatura [1-3].
Na imagem A observa-se em modo M a curva da espessura diafragmática durante suas fases inspiratória e expiratória, cuja sonda foi posicionada perpendicularmente à parede torácica direita e abaixo da margem costal, no espaço intercostal entre a oitava e a décima costela (ou seja, entre as linhas axilar anterior e axilar média), para identificação inicial da zona de aposição do músculo e posteriormente isolamento do músculo na região abaixo do seio costofrênico. O índice conhecido como fração de espessamento do diafragma, DTF, foi mensurado a partir da seguinte fórmula [1]: “DTF = espessura inspiratória – espessura expiratória / espessura expiratória x 100”. Duas medidas foram realizadas na mesma imagem, sendo registrada para o estudo uma média simples das duas medidas.
Imagem A – Medidas da espessura diafragmática em modo M
A imagem B ilustra a aquisição da medida de excursão do diafragma, em centímetros (cm). A sonda convexa foi colocada na região subcostal paralela ao espaço intercostal (8º a 10º espaço intercostal) usando o modo M com o cursor cruzando o diafragma e depois os pontos de pico mais altos e mais baixos foram avaliados como um marcador para a amplitude do movimento diafragmático. Também realizadas duas medidas e uma média simples para registro.
Imagem B – Medidas da excursão diafragmática
Análise estatística
A análise descritiva foi realizada através de apresentação das variáveis em valores médios e desvios padrões para as variáveis contínuas, ou através de frequências absolutas/percentuais para as variáveis categóricas. Em virtude do baixo N, não foi possível realizar comparações ou associações entre as variáveis e os desfechos.
No período do estudo, de 25 pacientes elegíveis para avaliação, a amostra final foi composta de 15. O fluxograma 1 ilustra as etapas de seleção.
*Impossibilidade operacional de realização do exame
Figura 1 - Etapas de seleção para o estudo.
67% (10) dos pacientes foram do sexo masculino, com idade média 6,2 meses. O diagnóstico mais frequente foi a bronquiolite, ou bronquiolite associada à pneumonia, com isolamento do vírus sincicial respiratório em 53% (8) dos casos. A tabela 1 descreve as características clínico-demográficas da população.
Tabela 1 – Características clínico-demográficas e resultados da avaliação diafragmática na população do estudo
Características clínico-demográficas e avaliação pré-extubação orotraqueal |
||
Sexo (%) |
M – 67% (10) F – 33% (5) |
|
Idade (meses) (± DP) |
6,2 |
±5,1 |
Peso (kg) (± DP) |
7,6 |
±2,0 |
Dias de internação (dias) (± DP) |
24,5 |
±12,4 |
Diagnóstico (%) |
||
Bronquiolite PNM + Bronquiolite PNM necrotizante Pós-operatórios |
47% (7) 26% (4) 13% (2) 13% (2) |
|
Comorbidade (%) |
6,6% (1) |
|
Painel viral (%) RSV Outros |
54% (8) 13% (2) |
|
Falha prévia VNI (%) |
73% (11) |
|
Dias de TOT (dias) (± DP) |
8,4 |
±2,7 |
Uso de BNM durante a VMI (%) |
66% (10) |
|
Avaliação durante o TRE |
||
Ausência de sedação |
60% (9) |
|
Uso de precedex® (%) |
40% (6) |
|
Pinsp (cm/H2O) (± DP) |
13,9 |
±1,6 |
Peep (cm/H2O) (± DP) |
6,0 |
±0,5 |
ml/kg de volume corrente (± DP) |
9,6 |
±2,7 |
FiO2 (± DP) |
31,3 |
±5,1 |
Pocc (cm/H2O) (± DP) |
-20,6 |
±7,8 |
P.01 (cm/H2O) (± DP) |
3,6 |
±1,6 |
IRRS |
523 |
±145 |
USG diafragmático |
||
ED (cm) (± DP) |
1,0 |
±0,2 |
Espessura Inspiratória (cm) (± DP) |
0,17 |
±0,06 |
Espessura Expiratória (cm) (± DP) |
0,13 |
±0,04 |
V-cod (cm/segundo) (± DP) |
2,0 |
±0,4 |
D-IRRS (± DP) |
3,5 |
±0,9 |
DTF % (± DP) |
37,7 |
±22,0 |
DTF sucesso EOT* |
35,7 |
±22,6 |
DTF falha EOT* |
51,0 |
±15,5 |
Suporte pós EOT (%) |
||
VNI CNAF |
54% (8) 46% (7) |
|
Falha de EOT |
13% (2) |
DP – desvio padrão; PNM – pneumonia; RSV – viral sincicial respiratório; BNM – bloqueador neuromuscular; VNI – ventilação não invasiva; VMI – ventilação mecânica invasiva; precedex® - dexmedetomidina; Pinsp – pressão inspiratória máxima; Peep – pressão positiva expiratória final; IRRS – índice de respiração rápida e superficial; P.01 – pressão de oclusão no 1º milissegundo; Pooc – pressão de oclusão expiratória; TOT – tubo orotraqueal; FiO2 – fração inspirada de oxigênio; ED – excursão diafragmática; Pmus – pressão muscular; V-cod – velocidade de contração; D-IRRS – índice de respiração rápida e superficial diafragmática; DTF – fração de espessamento diafragmático; EOT – extubação orotraqueal. *em virtude do baixo N de falhas de extubação, não foi possível realizar análise estatística.
Estratificando em subgrupos VNI / CNAF pós extubação, não foi observada diferença nas médias da espessura diafragmática e do DTF. Já em relação aos valores da pressão de oclusão expiratória, a média nos pacientes extubados para o CNAF foi -18,8 cm/H2O (±10,0) e na VNI -22,0 cm/H2O (±6,2). Apenas dois casos de falha da EOT foram registrados, ambos causados por obstrução alta. Nenhum óbito foi observado na população do estudo.
A população do estudo foi composta, em sua maioria, por lactentes jovens do sexo masculino, com baixa prevalência geral de comorbidades e alta prevalência de infecção pelo RSV, compatível com a faixa etária e com o diagnóstico comum de bronquiolite ou bronquiolite associada à pneumonia na admissão [8,9]. Em relação à modalidade ventilatória utilizada na unidade (PRVC), inúmeros estudos vêm destacando atualmente a maior segurança da ventilação com volume alvo na população neonatal e pediátrica visando estratégia ventilatória protetora e melhores desfechos [10,11]. No entanto, não encontramos literatura brasileira robusta sobre o tema para maiores comparações.
Além dos resultados incipientes sobre as modalidades ventilatórias na pediatria, o desmame e a extubação orotraqueal continuam sendo considerados por muitos autores uma ciência inexata conduzida pela expertise dos profissionais e pouco baseada em critérios objetivos, o que dificulta extrapolar os achados [1-5]. Neste sentido, a busca por ferramentas objetivas, práticas e acessíveis que possam predizer o sucesso ou falha da extubação em crianças é uma constante nas UTIs pediátricas e centros de pesquisa, pois é esperado que desmames conduzidos por protocolos clínicos bem definidos acarretem menor tempo de ventilação e menor período de internação hospitalar e na UTI quando comparados à desmames conduzidos sem protocolo [12-15].
Entre as ferramentas descritas, acredita-se que o sucesso no TRE corrobora a capacidade do paciente em manter a ventilação espontânea fora do suporte ventilatório; no entanto, o tempo de duração e os protocolos para o teste são os mais diversos possíveis, o que impossibilita maior consenso sobre como deve ser realizado [1,2,5,12-15]. Na unidade, optou-se por seguir a tendência de grande parte dos estudos: realizar o TRE no modo pressão de suporte durante o período mínimo de 30 minutos [1,2,14]. Assim, foi observada a necessidade de parâmetros baixos que foram suficientes para gerar volumes corrente acima de 8ml/kg de peso.
Outros parâmetros descritos como possíveis preditores para o sucesso da extubação são derivados da própria biomecânica ventilatória, podendo ser aferidos pelo ventilador mecânico, ou com a desconexão do tubo: Entre eles, a pressão inspiratória máxima (Pimáx) representa a força gerada pela musculatura respiratória para negativar a pressão pleural, medida através do manuvacuômetro de forma ativa ou por esforço induzido. Comprovadamente, casos de extubação de sucesso apresentam valores maiores da Pimáx quando comparada aos que falharam; porém, até hoje a Pimáx não se mostrou capaz de predizer isoladamente a prontidão para extubação, sendo utilizada em índices preditivos multifatoriais ou apenas associada a outras variáveis [2,16,17]. No presente estudo, por questões operacionais, não foi possível realizar a medida, por isso não podemos corroborar ou refutar os valores de referência sugeridos pela literatura.
Outras medidas complementares podem refletir indiretamente a capacidade de ventilação espontânea, como o índice de respiração rápida e superficial (IRRS) e a pressão de oclusão expiratória (Pooc). O primeiro descreve a relação entre a frequência respiratória e o volume corrente, sendo estabelecido que valores acima de 104 r/l/min estão associados com maior sucesso da extubação [16]. No presente estudo, os valores médios do IRRS corroboram esta informação, dado que a taxa de sucesso da extubação foi acima de 80%. Em relação à Pooc e a P.01, ambas fornecem medidas indiretas de esforço muscular respiratório e podem ser utilizadas em conjunto com as demais variáveis em modelos preditivos, se mostrando alternativas promissoras [18]. Em virtude do baixo N amostral do estudo, não foi possível realizar associações entre estas variáveis.
A avaliação diafragmática revelou média do DTF acima de 30% no estudo, compatível com observado em estudos anteriores associando o sucesso da extubação à valores maiores que 21% [1-3]. Sobre a mobilidade do diafragma e as espessuras inspiratória/expiratória, não há até o momento sugestão de valores preditivos para o sucesso da extubação; enquanto alguns estudos apontam que, quanto maiores estes valores, maiores são as chances de sucesso da extubação [1], outros são inconclusivos a esse respeito quando analisam diferentes grupos [2]. Assim, até o momento a avaliação do diafragma parece convergir para o DTF com a variável de maior sensibilidade e especificidade para mensurar o esforço ventilatório visando o desmame, seja como variável individual ou compondo modelo preditivo multivariáveis, conforme destacado recentemente por revisão sistemática com meta-análise [19,20].
Ao analisar apenas os valores encontrados de DTF, mobilidade e espessura inspiratória/expiratória no presente estudo, eles corroboram os valores observados por outros autores [1-3], o sugere que os resultados variáveis nos modelos preditivos podem ser explicados por outros fatores como o n amostral, o perfil demográfico e de gravidade clínica, e as demais variáveis analisas em conjunto. Em consenso, os estudos destacam como a ferramenta do USG têm encorajado o desenvolvimento de preditivos para extubação, e que a busca por instrumentos objetivos e sensíveis que corroborem a decisão clínica parece finalmente ter encontrado um norte nas UTIs pediátricas [1-3,19,20].
Como limitações do estudo, tratou-se de coleta de dados exploratória para validação de protocolo implementado na unidade e que segue em andamento, por isso não foi possível realizar análise estatística robusta associando as variáveis. Além disso, índices de gravidade clínica e mortalidade na UTI, gasometrias arteriais e as medidas da pressão inspiratória máxima não fizeram parte dos dados iniciais do estudo, mas foram incluídos no protocolo atual. Mais estudos são necessários para corroborar os achados especialmente na população pediátrica brasileira, onde a prática da avaliação ultrassonográfica do diafragma vem crescendo se tornando recurso do dia-a-dia das UTIs.
Apesar do seu escopo exploratório, o estudo apresenta a potencialidade da ultrassonografia diafragmática no contexto do desmame da ventilação mecânica, como mais uma ferramenta que a fisioterapia em terapia intensiva pode utilizar visando a avaliação objetiva e reprodutível da função muscular respiratória, tanto do ponto de vista diagnóstico como prognóstico da prontidão para extubação baseada em critérios mais objetivos e menos empíricos.
A avaliação da mecânica pulmonar e diafragmática pré-extubação orotraqueal no estudo se mostrou viável e factível como protocolo clínico transversal na unidade, contudo, requer amplo treinamento da equipe e conscientização sobre a extubação o mais precoce possível apoiada em parâmetros objetivos. Além disso, os valores encontrados nas variáveis estudadas refletiram o que já é conhecido de forma geral pela literatura, e acrescentam o fato de a ventilação mecânica ser conduzida por modalidades de volume alvo, acompanhando as recomendações atuais para ventilação protetora.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse de qualquer natureza.
Fontes de financiamento
Financiamento Próprio.
Contribuição dos autores
Concepção e desenho da pesquisa: da Silva CDA, Terra MA, Moore DCBC, Gomes Junior SCS, Azevedo ZMA; Coleta de dados: da Silva CDA, Azevedo ZMA, Silva LM, Gomes LSL, Magno BLSP; Análise e interpretação dos dados: da Silva CDA, Terra MA, Moore DCBC, Gomes Junior SCS, Azevedo ZMA, Magno BLSP; Análise estatística: da Silva CDA, Moore DCBC, Gomes Junior SCS; Redação do manuscrito: da Silva CDA, Silva LM, Gomes LSL, Magno BLSP; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Moore DCBC, Gomes Junior SCS, Terra MA.
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