Fisioter Bras. 2025;26(3):2198-2212
doi: 10.62827/fb.v26i3.1062

ARTIGO ORIGINAL

Efeitos da fisioterapia aquática na reabilitação de pós-operatório de manguito rotador

Effects of aquatic physiotherapy on postoperative rehabilitation of rotator cuff

Juliana Monteiro Candeloro1, Waldo Lino Junior1, Fabiano Nunes Faria1, Milena Francisco Sabaini1, Mariana Callil Voos1, Fátima Aparecida Caromano1

1Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação (FMUSP), Laboratório de Fisioterapia e Comportamento do Curso de Fisioterapia da Faculdade de Medicina da USP, São Paulo, SP, Brasil

Recebido em: 16 de Abril de 2025; Aceito em: 29 de Maio de 2025

Correspondência: Fátima Aparecida Caromano, caromano@usp.br

Como citar

Candeloro JM, Junior WL, Faria FN, Sabaini MF, Voos MC, Caromano FA. Efeitos da fisioterapia aquática na reabilitação de pós-operatório de manguito rotador. Fisioter Bras. 2025;26(3):2198-2212. doi:10.62827/fb.v26i3.1062

Resumo

Introdução: O número de reparos cirúrgicos do manguito rotador aumentou no Brasil, e o tempo de reabilitação pós-cirúrgica com fisioterapia convencional no solo varia de 6 a 24 meses. Terapias mais breves devem ser exploradas. Objetivo: Avaliar efeito de 20 sessões de fisioterapia aquática na evolução da mobilidade, força, dor e função em pacientes submetidos à reparação do manguito rotador. Métodos: Participaram do estudo 3 homens e 24 mulheres que estavam na sexta semana pós-cirurgia de reparação do manguito rotador unilateral. Intervenção consistiu em 20 sessões de 45 minutos, 2 vezes por semana. Avaliações ocorreram em três momentos: antes da 1ª sessão, antes da 11ª e após a 20ª sessão. Mobilidade foi avaliada por goniometria e a força muscular, pelo teste manual de força. Utilizou 2 questionários para avaliar função - UCLA (Shoulder Rating Scale) e ASES DA DOR. Dados foram submetidos à análise estatística descritiva e comparativa. Resultados: Melhora clínica estatisticamente significativa na mobilidade, força e função dos movimentos, com redução relevante da dor. Resolução fisioterapêutica ocorreu em um período consideravelmente inferior ao citado na literatura. Conclusão: Intervenção proposta de fisioterapia aquática foi eficaz no tratamento de pacientes em pós-operatório de reparo do manguito rotador, diminuindo tempo de recuperação.

Palavras-chave: Lesões do Manguito Rotador; Período Pós-Operatório; Fisioterapia Aquática; Amplitude de Movimento Articular; Força Muscular; Dor Nociplástica.

Abstract

Introduction: The number of rotator cuff repair surgeries has increased in Brazil, and postoperative rehabilitation with conventional land-based physical therapy ranges from 6 to 24 months. Shorter therapies should be explored. Objective: To evaluate the effect of 20 aquatic physical therapy sessions on the progression of mobility, strength, pain, and function in patients who underwent rotator cuff repair. Methods: The study included 3 men and 24 women who were in the sixth week after unilateral rotator cuff repair surgery. The intervention consisted of 20 sessions lasting 45 minutes each, conducted twice a week. Assessments were performed at three time points: before the 1st session, before the 11th session, and after the 20th session. Mobility was assessed using goniometry, and muscle strength was evaluated through manual muscle testing. Two questionnaires were used to assess function: the UCLA Shoulder Rating Scale and the ASES pain scale. Data were subjected to descriptive and comparative statistical analysis. Results: A statistically significant clinical improvement was observed in mobility, strength, and movement function, with a relevant reduction in pain. Physiotherapeutic resolution occurred in a considerably shorter period than reported in the literature. Conclusion: The proposed aquatic physiotherapy intervention was effective in treating patients after rotator cuff repair, reducing recovery time.

Keywords: Rotator Cuff Injuries; Postoperative Period; Aquatic Therapy; Range of Motion; Muscle Strength; Nociplastic Pain.

Introdução

A principal causa de lesão no manguito rotador (LMR) é a degeneração e perda progressiva da estrutura anatomo-fisiológica dos tendões com diminuição da resistência tecidual. Pode ser causada por envelhecimento, traumas, esforços súbitos ou movimentos repetitivos [1-3]. Os sinais e sintomas mais frequentes são dor, limitação de movimentação, diminuição de força e comprometimento funcional do membro. O diagnóstico é comprovado por ultrassonografia e/ou ressonância magnética [3,4].

A cirurgia é indicada quando o tratamento conservador não foi efetivo e nas lesões completas, principalmente em jovens. Malavolta et al. [5] realizaram análise do período de 2003 a 2015 agrupando 50.207 reparos de LMR no Brasil, realizados no Sistema Único de Saúde, encontrando taxa de procedimentos por 100.000 habitantes aumentando de 0,83 para 2,81%, e representando acréscimo de 238% em relação à década anterior. A cirurgia mais realizada foi o reparo por artroscopia, na qual a fixação entre tendão e osso é realizada com parafusos com fios [3,6].

O protocolo clínico pós-cirúrgico prevê uso de tipoia por 6 semanas, seguido de fisioterapia com o objetivo de prevenção de contraturas, recuperação de mobilidade, normalização de força muscular e coordenação motora visando à eliminação da dor [7]. Podem ser utilizados diferentes recursos fisioterapêuticos com objetivo de promover analgesia e diminuição da inflamação, associados ou não à cinesioterapia que visa à melhora da funcionalidade, realizados no solo (FS) ou imersão em meio aquático (fisioterapia aquática - FA) [8].

Nikolaidou, Migkou e Karampatis [9] elencaram as fases de reabilitação no pós-operatório (PO) de LMR a partir de revisão da literatura com as seguintes características:

- 4 a 6 semanas de imobilização associada a movimentos pendulares ativos e passivos de cotovelo, punho e mão,

- Introdução de exercícios visando amplitude de movimentos (ADM) passivos e ativo assistidos, associados a exercícios com polias e bastões de forma simétrica e bilateral e exercícios de propriocepção até a 12ª semana.

- A partir da 18ª semana é realizado fortalecimento muscular e o tratamento é finalizado até a 26ª semana (sétimo mês) com aumento da intensidade do fortalecimento e exercícios de arremesso.

Estas fases podem acontecer no solo ou com imersão em água termoneutra ou aquecida. A FA utiliza os efeitos físicos, fisiológicos e cinesiológicos advindos da imersão do corpo em água aquecida para facilitar e promover a reeducação funcional [10-11]. Empuxo, pressão hidrostática, viscosidade, calor e turbulência da água são utilizados durante a execução de movimentos (cinesioterapia) visando ganho de ADM, força muscular (FM), diminuição de edema, redução da tensão muscular, promoção de analgesia, estímulo da circulação e redução do medo de movimentação, resultando em interrupção do ciclo vicioso da dor [8,12,13,11].

Redefen, Macdougal e Willians [14] estudaram 18 pacientes em pós-operatório (PO) de LMR por 12 semanas. Doze participantes realizaram FA combinada com FS e 6 participantes, somente FS. Houve uma melhora significativa nos escores ADM e no Escore do Inventário do Manguito Rotador do Oeste de Ontário (Western Ontario Rotator Cuff Index - WORC) em todos os indivíduos. A participação em FA melhorou significativamente as medidas de ADM de flexão passiva em três e seis semanas.

Burmaster, Eckenrode e Stiebelet [15] estudaram um paciente no PO de LMR com intervenção iniciada 2 semanas após a cirurgia, com 18 sessões de FS e FA durante 6 semanas e encontraram melhora no Índice de Dor e Incapacidade no Ombro, no Índice de Ombro de Penn e em valores de força e amplitude de movimento, sugerindo inclusão segura de exercícios aquáticos de baixo estresse físico como um complemento precoce aos programas tradicionais de reabilitação do manguito rotador executados no solo.

Dufournet e Chong [8] compararam efeitos do uso de FS e FA no PO de LMR. Dos 86 participantes, 42 realizaram FS e 44 a FA. A avaliação da mobilidade, função e dor ocorreu no pré-operatório, 45 dias, 3, 6 e 24 meses do PO. A FA constou de exercícios em barras e ativos assistidos, por 3 semanas. A FS constou de mobilizações passivas progressivas por 3 semanas seguida por mobilizações ativas assistidas do ombro. O fortalecimento muscular foi iniciado após 3 meses em ambos os grupos. Não encontraram diferença significativa entre grupos em relação à taxa de cicatrização do tendão, complicação pós cirúrgica, ausência no trabalho ou satisfação do paciente. Destaca-se o tempo de intervenção que se estendeu por 24 meses.

Diante do número reduzido de estudos foi conduzido para contribuir para uma melhor compreensão sobre a reabilitação no PO de LMR, especialmente com intervenção usando FA de forma isolada, este estudo foi organizado para contribuir com melhor compreensão deste recurso fisioterapêutico.

O objetivo deste estudo foi avaliar o efeito de 20 sessões de um protocolo de FA na evolução da mobilidade, força muscular, dor e função em pacientes em PO de cirurgia reparadora de LMR.

Métodos

Trata-se de estudo transversal com grupo inicial de 35 pacientes de 45 a 70 anos (57,7 ± 7,3), no PO de LMR da cidade de São Paulo. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo com CAAE 36804620.6.0000.0068, parecer no. 4.414.172. Todos os participantes receberam informações sobre a pesquisa, segundo resolução no. 466/2012 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Foram critérios de exclusão a hidrofobia, doenças musculoesqueléticas, neurológicas ou vasculares associadas e não finalização do estudo.

Oito pessoas foram excluídas por não conseguirem finalizar as 20 sessões propostas, sendo que destas, 3 obtiveram melhora total e 5 pacientes melhoraram entre 80-90% da função e força muscular em 10 sessões, se recusando a continuarem no programa.

Todos os participantes apresentavam LMR com origem em processos crônicos degenerativos, com tempo médio de evolução de 14 ± 8 meses.

Finalizaram o tratamento 3 homens e 24 mulheres (n=27) e no momento da alta fisioterapêutica todos apresentavam o membro operado com função normal em comparação ao braço contralateral.

Utilizou-se piscina medindo 6x3m e 1,30m de profundidade, com água a 33° C, jatos de hidromassagem (turbilhão) e equipamentos aquáticos.

As avaliações foram realizadas antes das sessões 1 e 11 e após a sessão 20, por meio de goniometria e avaliação manual de força (escala de 0 a 5) para músculos flexores, extensores, abdutores e rotadores do ombro, sendo estes músculos relatados na literatura como os mais afetados [16]. Foram aplicados dois questionários da funcionalidade de ombro, validados internacionalmente:

- UCLA (domínios: dor, função e força muscular e movimento), com escore de 0 a 35 pontos, sendo 10 pontos para dor, 10 para função, 5 pontos para força, 5 para mobilidade e 5 da satisfação do paciente. É classificado de 34–35 pontos (excelente); 28–33 (bom); 21–27 (razoável); 0–20 (ruim) [17-19].

- ASES seção dor – avalia dor pela Escala Visual Analógica (EVA) de 10 cm, sendo 10 a pior dor e zero ausência de dor. Itens relativos à função são avaliados por meio de Escala tipo Likert, com 10 perguntas relacionadas às atividades corriqueiras [20-21].

A intervenção com o programa de FA consistiu em 20 sessões de 45 minutos, sendo 5 minutos para aplicação de turbilhão, 30 de exercícios de mobilização ativa e 10 de mobilização passiva de ombro, 2 vezes por semana, por 10 semanas, aplicadas por fisioterapeuta especialista em FA. Os exercícios cinesioterapêuticos estão descritos no Quadro 1.

Quadro 1 - Programa de exercícios proposto para este estudo

INTERVENÇÃO AQUÁTICA PÓS-CIRURGIA NO MANGUITO ROTADOR

Tempo de terapia - 45 minutos

Sessões realizadas 2 vezes por
semana por 10 semanas (20 sessões).

5 minutos

Turbilhão

Mulher ao lado de uma piscina

Descrição gerada automaticamente

Figura 1. Aplicação do jato de água na região anterior, lateral e posterior do ombro acometido e região entre escápulas e cervical.

30 minutos

Exercícios ativos livres:

Mulher ao lado de piscina

Descrição gerada automaticamente

Figura 2. Em pé, Braços em rotação externa e ombros elevados, realiza flexão de flexão/extensão do cotovelo em ângulo de 90 graus*.

Mulher ao lado de piscina

Descrição gerada automaticamente

Figura 3. Em pé, bilateral: extensão de ombro com cotovelo reto*. E também em pé, bilateral: circundação do ombro horário
e anti-horário.

Figura 4. Em pé, unilateral braço acometido: paciente realiza flexão e extensão de cotovelo com rotação medial atrás das costas*.

Paciente em decúbito dorsal, com flutuadores nas regiões cervical,

cintura e joelhos, utiliza bastão de 2kg.

Mulher deitada no chão ao lado de piscina

Descrição gerada automaticamente com confiança média Mulher deitada no chão ao lado de piscina

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Figura 5. Paciente realiza extensão de ombro, com o bastão nas costas.

Figura 6. Paciente realiza circundução horário e anti-horário, com o bastão nas costas.

Mulher deitada no chão ao lado de piscina

Descrição gerada automaticamente com confiança média Mulher deitada no chão ao lado de piscina

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Figura 7. Paciente realiza flexão e extensão de ombro bilateral acima da cabeça.

Figura 8. Paciente realiza flexão e extensão de cotovelo com o ombro à 90°.

Uma imagem contendo pessoa, bola, esporte, raquete

Descrição gerada automaticamente

Figuras 9 e 10: Técnica Bad Ragaz: Fisioterapeuta segura as mãos do paciente e o paciente realiza bilateralmente flexão e extensão de ombro/cotovelo acima da cabeça, em neutro, após com rotação lateral e após com rotação medial.

10 minutos

Mobilização passiva: (decúbito dorsal, com flutuadores na cervical, cintura e joelhos).

Mobilização Passiva de Escápulas Bilateral

Uma imagem contendo pessoa, bola, esporte, raquete

Descrição gerada automaticamente

Figuras 11. Terapeuta realiza de forma bilateral elevação e depressão, circundução horário e anti-horário, prostração e retração dos ombros.

Figura 12. Terapeuta realiza rotação lateral acima da cabeça do ombro com flexão de cotovelo**.

Mobilização Passiva do Ombro acometido

Mulher ao lado de piscina

Descrição gerada automaticamente

Figura 13. Terapeuta realiza elevação e depressão, retração e prostração, movimentos circulares nos sentidos horário e anti-horário.

Figura 14. Terapeuta realiza flexão ombro**

Mulher com raquete na mão e bola no ar

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Figuras 15. Terapeuta realiza rotação medial atrás das costas com flexão de cotovelo**.

Figura 16. Terapeuta realiza extensão de ombro**.

Mulher deitada no chão ao lado de piscina

Descrição gerada automaticamente Mulher deitada no chão ao lado de piscina

Descrição gerada automaticamente Mulher deitada no chão ao lado de piscina

Descrição gerada automaticamente

Figuras 17. Terapeuta realiza rotação lateral e interna com cotovelo à 90°**.

Figura 18. Terapeuta realiza rotação lateral e interna com extensão de cotovelo**.

Figura 19. Terapeuta realiza abdução de ombro*

Fonte própria da autora.

*Graduação do grau de dificuldade: sem uso de flutuador, uso de flutuador, aumento do tamanho do flutuador e aumento da velocidade do movimento.

**Movimento realizado até o limite de dor do paciente e após mantido por 15 segundos.

A análise de dados constituiu em estatística descritiva e teste Anova one way para comparar os efeitos da intervenção intragrupo em 3 momentos distintos, sendo adotado como nível de significância p ≤ 0,05. A análise de correlação entre as variáveis utilizou teste de correlação de Pearson.

Resultados

Resultados da ADM (Gráfico 1) e FM (Gráfico 2) mostraram diferença significativa (p<0,001) entre os três momentos diferentes.

Gráfico 1 - No gráfico à esquerda são expostos dados da média da ADM do grupo para movimentos de flexão e abdução. No gráfico à direita, apresentamos dados da ADM de extensão, rotação medial e externa do ombro. Em ambos os gráficos é possível observar a evolução destes movimentos em 3 tempos, antes, durante e no final da intervenção

Gráfico, Gráfico de linhas

Descrição gerada automaticamente
Gráfico, Gráfico de linhas

Descrição gerada automaticamente

Gráfico 2 - Dados de força muscular nos testes de flexão, extensão, abdução, rotação medial e rotação lateral em 3 tempos, antes, durante e no final da intervenção

Gráfico, Gráfico de linhas

Descrição gerada automaticamente

Na análise dos dados gerados pelo questionário UCLA encontrou-se no domínio dor diferença significativa entre as avaliações 1 e 3, cujo valor do escore médio passou de 4,7 para 7,9 pontos. No domínio função houve diferença significativa entre as três avaliações (p<0,001). Os pacientes passaram, em média, de nota 2 (consegue realizar somente atividades leves possíveis) para nota 8 (restrição leve, capaz de realizar trabalhos acima do ombro).

No domínio mobilidade funcional por flexão ativa do ombro do questionário UCLA, encontrou-se diferença significativa entre os três tempos (p < 0,001), passando da média de nota 1 (30-45° de movimento) para nota 4 (120-150°).

No domínio força muscular para flexão ativa do ombro do questionário UCLA, encontrou-se diferença significativa entre os momentos 1 e 3 com p < 0,001; passando da média de 2,8 (força fraca) para 4 (força boa).

Observou-se diferença significativa no escore total do questionário UCLA. Encontrou-se diferença significativa entre os tempos 1 e 2, 2 e 3 e 1 e 3 (p < 0,001) passando da classificação “ruim” (média 17 pontos) no tempo 1 para “bom” (média 30 pontos) no tempo 3 (Quadro 2).

Dados gerados no questionário ASES DA DOR mostraram diminuição estatisticamente significante da dor entre as avaliações 1 e 3 (p < 0,001), cuja média passou de 5,5 para 1,6. Dos 27 participantes, 12 atingiram nota zero (sem dor).

O escore total questionário ASES DA DOR mostrou diferença significativa entre todas as avaliações (p < 0,001) com média passando de 5,9 para 23,5. Cinco participantes obtiveram pontuação 30 (melhor desempenho possível) (Quadro 2).

Quadro 2 - Acima, resultados do questionário UCLA para dor, função, mobilidade, força de flexão e escore total. Abaixo, resultados do questionário ASES da dor – EVA e Escore final, ambos em 3 tempos (antes, durante e após tratamento)

QUESTIONÁRIO UCLA

Variável estudada

Média 1° sessão

Mínima e máxima

Média 3° avaliação

Mínima e máxima

Valor máximo a ser atingido

Número de participantes (n=27)

Dor

4,7

2-8

7,9

4-10

10, dor ausente

9 obtiveram nota 10

Função

2,9

1-6

8,29

4-10

10, atividades normais

13 obtiveram nota 10

Mobilidade

1,66

0-5

4,25

2-10

5 - > 150°

24 - > nota 10

Força de flexão

2,8

0-5

4,74

4-5

5, Grau 5

24 obtiveram nota 10

Escore total

17 (ruim)

8-27

30 (bom)x

22-35

35

7 obtiveram nota 35

QUESTIONÁRIO ASES DA DOR

Variável estudada

Média 1° AV

Mínima e máxima

Média 3° AV

Mínima e máxima

Valor máximo a ser atingido

Número de participantes (n=27)

Eva

5,48

0-10

1,62

0-8

Dor zero

12 participantes obtiveram nota zero

Escore total

5,88

1-23

23,51

11-30

30

5 participantes obtiveram nota 30

Discussão

A intervenção proposta utilizando exclusivamente um protocolo da FA como recurso de reabilitação no pós-cirúrgico de lesão em manguito rotador com origem em causas mecânicas, mostrou, neste estudo longitudinal prospectivo sem grupo controle, ser suficiente para melhorar mobilidade, força muscular, funcionalidade e reduzir dor. Embora com várias limitações, o estudo gera indicadores que estimulam a continuidade de pesquisas sobre o tema.

A FA ainda é pouco pesquisada e estudos clínicos são raros, embora seja um recurso de uso milenar. Pesquisas que abordam os efeitos da intervenção fisioterapêutica no PO de LMR têm foco, principalmente, na FS, indicam expectativa de tempo de resolução alto, variando de 6 até 24 meses. Existem alguns poucos estudos que associam FS com FA, [8,22] mas nenhum com intervenção única em imersão (FA).

Nossos achados permitem afirmar que é possível reverter a limitação dos movimentos, da força muscular e da funcionalidade do ombro, com diminuição significativa da dor, decorrentes à intervenção cirúrgica de reparo de LMR.

Esta melhora é atribuída à cinesioterapia executada com o recurso da imersão em água aquecida que promove o aquecimento constante com estimulação da circulação periférica e relaxamento muscular (potencializado pela massagem com turbilhão), sustentação do peso do braço com facilitação ou resistência constante e contínua de movimentos pelo empuxo, diminuição de edema pela pressão hidrostática e fácil acesso para realização de manobras para liberação miofascial de cintura escapular e de ombros bilaterais. Acreditamos que os múltiplos efeitos da intervenção permitam recuperação com quebra do ciclo autoperpetuante da dor.

Theim e Brody [23] mostraram que na FA, a mobilidade pode ser alcançada mais facilmente e de forma precoce que na FS, sem comprometer a integridade do reparo do manguito rotador (MR). Carpenter et al. [24] mostraram que a flexão do ombro, mensurada pela eletroneuromiografia na água, é menos ativa para os músculos do MR em comparação com dados obtidos no solo, mas seu estudo não analisou a amplitude de movimento alcançada.

Mesmo com esta limitação de ativação muscular, neste estudo, encontrou-se ganho de força muscular associado com ganho de ADM de flexão de ombro ao final das 20 sessões, atingindo valores de normalidade ou próximos, com média final de ADM em 136,3°, sendo que no final da intervenção, 3 pacientes atingiram 170° e um paciente 180°, compatível com os movimentos ao ombro contralateral de cada um deles.

Este achado, comparado aos obtidos por Dufournet et al. [8] que, ao final de 2 anos de tratamento conseguiu ADM média de 1610 nos participantes de FS e 1570 nos de FA, mostram que as primeiras 20 semanas são críticas para o tratamento e podem reverter a perda de movimento de forma relevante. Todos os 27 participantes obtiveram ganhos de ADM maior que 1300, lembrando que 5 pacientes que não quiseram continuar no estudo por terem atingido todos os critérios estabelecidos para alta antes das 20 semanas programadas, inclusive com ADM normalizada de flexão, extensão e rotação de ombro comprometido, igualando ao membro contralateral. Também normalizaram força muscular e coordenação motora dos movimentos sem dor.

Embora os exercícios propostos tenham sido realizados com baixa resistência, visto que a prioridade era o ganho de mobilidade sem dor, encontramos melhora estatisticamente significativa de força muscular com normalização de força proximal, o que justifica os resultados positivos de função e qualidade de vida diária. Resultados semelhantes foram encontrados com mulheres idosas sedentárias com intervenção de FA por 16 semanas (32 sessões), com exercícios de baixa resistência [25]. Nenhum dos estudos apontou intercorrências ou efeitos danosos [27].

A análise dos resultados obtidos a partir da aplicação do questionário UCLA mostrou melhora estatisticamente significativa para qualidade de vida e função, provavelmente influenciados pelos ganhos de mobilidade, diminuição da dor e ganho de força muscular, chamando a atenção o fato de que os pacientes, em média, atingirem valores que passaram de 2,9 na primeira avaliação para 8,3 no final do tratamento. Treze dos 27 participantes atingiram o valor do escore máximo, reforçando a relevância da intervenção precoce em imersão e as possibilidades de sucesso terapêutico.

Estudo conduzido por Malavolta et al. [26], avaliou a evolução da cirurgia de reparo parcial de ombro, com reabilitação por FS iniciada 6 semanas pós cirurgia, utilizando tipoia, com cinesioterapia (movimentação passiva e ativa). Em 12 semanas do PO foram iniciados exercícios de fortalecimento da musculatura do MR e escápula por 2 vezes por semana e orientados exercícios para casa. A pesquisa aplicou o questionário UCLA. Os achados mostram que o escore total passou de 13,3 para 27,2 e, em 24 meses, atingiu 27,9 pontos. Nossos achados estão próximos aos de Malavolta et al. [26], com média final do escore total de 30,2, em período de intervenção menor.

Com relação aos achados de dor obtidos por meio da escala EVA (escores variando de 0 a 10), encontrou-se escore médio final de 1,6. Esta medida foi influenciada por um participante que indicou escore 8. Este paciente especificamente tem histórico de dificuldade para lidar com qualquer quadro de dor, referindo necessidade de períodos mais prolongados para a sua eliminação.

Comparando este escore médio final de 1,6 com os achados de Dufournet et al., [8] que encontraram escore médio de dor (EVA) de 3,3 na FS e 4 na FA para período de 3 semanas, e somente após 24 meses apresentaram escore médio de 1 em ambas as intervenções, podemos deduzir que, a terapia proposta neste estudo é adequada para produzir melhora da dor relacionada à função em período reduzido.

De forma geral, foi possível perceber claramente melhora global em curto tempo de tratamento, porém, não foi possível atingir 100% de melhora em todas as variáveis estudadas para todos os participantes no período de tratamento proposto, quando comparados a valores ideais. Pequenas melhoras ainda poderiam ser implementadas visando a segurança articular, principalmente nos pacientes mais idosos. No entanto, percebemos que não seria adequado aumentar o tempo de sessão, pois ao final do tempo estabelecido, os pacientes já mostravam sinais de cansaço e interesse em orientações em exercícios domiciliares, de forma organizada, sistematizada e didática por meio de prescrição e treinamento de exercícios descritos em fichas.

Considerando o exposto acima, podemos afirmar que o presente estudo gerou informações relevantes para que estudos mais abrangentes sejam realizados a fim de demonstrar a adequação da indicação da reabilitação pós-cirúrgica de reparo do manguito rotador por meio de cinesioterapia em imersão, com utilização de protocolos devidamente descritos, justificando assim sua execução.

Estes estudos poderão esclarecer alguns limites do presente estudo, ao comparar os achados do programa de FA com um similar executado no solo, inclusive com extensão do período de intervenção de duas semanas. Também poderá acompanhar a prática de exercícios domiciliares após ensino e treinamento, executados com auxílio de fichas, descrevendo aprendizado, adesão, conforto na execução da tarefa e ganhos funcionais adicionais.

Num panorama no qual programas de cinesioterapia em imersão são pouco explicados e pobremente descritos e a intervenção fisioterapêutica em pacientes em PO de LMR ainda é incipiente, cremos que este estudo pode ser fonte de estímulo para novas pesquisas, para implementação de programas de FA para esta população com base no programa descrito neste estudo.

Conclusão

A intervenção com um programa de FA proposta neste estudo resultou em melhora da mobilidade, da força muscular e da funcionalidade com diminuição de dor.

Sugere-se a continuidade de pesquisa com foco em fisioterapia aquática, comparada à cinesioterapia realizada no solo, para diferentes cirurgias de ombro. Pode considerar-se também a causalidade (desgaste ou trauma), faixas etárias, gênero (em função das diferenças hormonais que afetam a qualidade do tecido musculoesquelético) e nível de treinamento físico (que pode variar de sedentários a atletas), produzindo um quadro claro dos efeitos da FA e FS para PO de lesões de ombro.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse de qualquer natureza.

Fontes de financiamento

CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Candeloro JM, Caromano FA; Coleta de dados: Candeloro JM, Sabaini MF; Análise e interpretação dos dados: Candeloro JM, Lino Junior W, Faria FN, Sabaini MF, Voos MC, Caromano FA; Análise estatística: Voos MC; Redação do manuscrito: Candeloro JM; Lino Junior W, Faria FN, Sabaini MF, Voos MC, Caromano FA; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Candeloro JM, Caromano FA.

Referências

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