ARTIGO ORIGINAL
Atividade e participação de crianças e adolescentes com Paralisia Cerebral atendidas em Ambulatório no Interior do Amazonas
Activity and participation of children and adolescents with Cerebral Palsy attended at an Outpatient Clinic in the Interior of Amazonas
Renata Maila da Silva Costa1, Olívia Maria dos Santos Silva1, Joyla Roberta Gama da Silva1, Eduardo Faustino Coelho Sousa2, Alessandra Araújo da Silva1
1Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Coari, AM, Brasil
2Faculdade Metropolitana de Manaus (FAMETRO), Manaus, AM, Brasil
Recebido em: 12 de abril de 2025; Aceito em: 17 de abril de 2025.
Correspondência: Alessandra Araújo da Silva, alessandraaraujo@ufam.edu.br
Como citar
Costa RMS, Silva OMS, Silva JRG, Sousa EFC, Silva AA. Atividade e participação de crianças e adolescentes com Paralisia Cerebral atendidas em Ambulatório no Interior do Amazonas. Fisioter Bras. 2025;26(2):2062-2074. doi:10.62827/fb.v26i2.1050
Introdução: A Paralisia Cerebral é definida como um conjunto de desordens do neurodesenvolvimento, não progressiva. Atualmente, observa-se uma escassez de informações sobre a funcionalidade de crianças e adolescentes brasileiros com Paralisia Cerebral. Objetivo: Descreveu-se o nível de atividade e a participação de crianças e adolescentes com Paralisia Cerebral de um Ambulatório de Fisioterapia de uma Universidade no interior do Amazonas. Metódos: Estudo transversal, retrospectivo, baseado em prontuários de pacientes pediátricos com Paralisia Cerebral de um Ambulatório universitário de fisioterapia no interior do Amazonas, avaliadas nos anos 2022 e 2023. Descreveu-se características sociodemográficas e condições de saúde; atividades: mobilidade, autocuidado e comunicação; participação: na vida pré-escolar, escolar e atividade relacionadas, envolvimento em brincadeiras, vida comunitária, social e recreação ou lazer. Foram incluídos 17 participantes. Análises descritivas foram realizadas por meio de porcentagem e frequência. Resultados: A maioria dos participantes era do sexo masculino (64,3%, n= 11) com idade entre 1 e 4 anos (52,9%, n= 9). Cerca de 47,1% (n= 8) apresentavam paralisia cerebral espástica bilateral e 41,2% (n=7) eram quadriplégicos. Em atividades, classificadas pelo Sistema de Classificação da Função Motora Grossa, 47,1% (n= 8) estavam no nível V; no Sistema de Classificação da Habilidade Manual, 29,4% (n= 5) estavam no nível I e 29,4% no nível IV. Na participação, a maioria (64,7%, n=11) não frequentava atividades escolares e 76,5% (n=13) apresentavam pouco ou nenhum envolvimento em brincadeiras com amigos. Conclusão: As limitações em atividades que envolvem a função motora grossa, mobilidade funcional e autocuidado, assim como a restrição na participação escolar revelaram a necessidade de serviços de saúde multidisciplinar e de oportunidades inclusivas para esta população.
Palavras-chave: Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde; Atividade Motora; Atividade Cotidiana; Paralisia Cerebral; Criança; Adolescente.
Introduction: Cerebral Palsy is defined as a non-progressive set of neurodevelopmental disorders. Currently, there is a lack of information on the functionality of Brazilian children and adolescents with Cerebral Palsy. Objective: This study described the activity levels and participation of children and adolescents with Cerebral Palsy at a university’s Physiotherapy Outpatient Clinic in the interior of Amazonas. Methods: A cross-sectional, retrospective study based on medical records of pediatric patients with Cerebral Palsy up to 18 years old from a university physiotherapy outpatient clinic in the interior of Amazonas, evaluated in 2022 and 2023. Sociodemographic characteristics and health conditions were observed, as well as activity aspects: mobility, self-care, and communication; and participation aspects: in preschool, school life and related activities, involvement in play, community life, social interactions, and recreation or leisure. A total of 17 participants were included. Descriptive analyses were conducted using percentages and frequencies. Results: Most participants were male (64,3%, n= 11), aged between 1 and 4 years old (52,9%, n=9). A total of 47,1% (n=8) had bilateral spastic Cerebral Palsy, and 41,2% (n=7) were quadriplegic. Regarding activities classified by the Gross Motor Function Classification System, 47.1% (n=8) were at level V. Based on the Manual Ability Classification System, 29,4% (n=5) were at level I and 29,4% (n=5) at level IV. In terms of participation, most (64,7%, n=11) did not attend school activities, and 76,5% (n=13) had little or no involvement in play with friends. Conclusion: Limitations in gross motor function, functional mobility, and self-care activities, as well as restrictions in school participation, highlighted the need for multidisciplinary healthcare services and inclusive opportunities for this population.
Keywords: International Classification of Functioning, Disability and Health; Motor Activity; Activities of Daily Living; Cerebral Palsy; Child; Adolescent.
A Paralisia Cerebral (PC) é definida como um conjunto de desordens do neurodesenvolvimento, não progressivas, manifestadas por alterações do movimento e da postura, sensoriais, perceptivas, cognitivas, comportamentais e de comunicação [1].
A compreensão sobre a funcionalidade de pessoas com PC ainda é limitada, especialmente no que se refere ao desempenho em atividades cotidianas e ao envolvimento em contextos sociais relevantes [2]. Nesse sentido, o uso da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) se mostra fundamental [3].
A CIF desenvolvida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), recomenda uma abordagem biopsicossocial na avaliação, considerando atividades e participação tão importantes quanto às alterações nas funções e estruturas do corpo. Na CIF, a atividade é definida quando um indivíduo executa uma tarefa ou ação e a participação é entendida como o envolvimento do indivíduo em contextos da vida, o que para crianças e adolescentes pode representar a participação em atividades domésticas, escolares e comunitárias [3].
Várias alterações são apresentadas pela criança com PC, mas no Brasil as alterações relacionadas a estrutura e função do corpo representam o principal foco das intervenções, seguida de atividades, e as medidas de desfechos mais exploradas focam no domínio atividade, com maior foco na Medida da Função Motora Grossa – GMFM [2]. Há pouca documentação sobre as demais limitação em atividades cotidianas, mobilidade funcional, habilidades manuais, alimentação, comunicação, vestuário e higiene, assim como em relação à participação, suas respectivas intervenções e medidas de desfechos para a vida domiciliar, escolar e social [2,4].
As incapacidades relacionadas à atividades, participação e a estrutura e funções do corpo resultam da interação entre as características inerentes ao indivíduo e o ambiente físico e social em que se encontra [3,5].
Observa-se uma escassez de informações sobre a funcionalidade e incapacidades de crianças e adolescentes brasileiros com PC [2,6], sobretudo que caracterize este grupo na região norte do país [7]. Esta ausência reflete na compreensão das características físico-funcionais desse público. Embora a investigação sobre o tema tenha crescido nos últimos anos, há uma lacuna de pesquisas que aborde Atividade e Participação desse público em diferentes contextos do Brasil, particularmente em áreas remotas [6,7,8]. Faz-se necessário que o profissional de fisioterapia compreenda a CIF e avalie crianças e adolescentes com PC considerando suas habilidades motoras em tarefas e o envolvimento em contextos da vida, a fim de propor tratamento eficaz que explore todo seu potencial de desenvolvimento [9].
Diante da necessidade de compreender as funcionalidades e incapacidades relacionadas às atividades e participação de indivíduos com PC, sobretudo àqueles que vivem em áreas remotas do país, nos interiores do Amazonas, objetivou-se caracterizar o nível de atividades e a participação de crianças e adolescentes com PC de um Ambulatório de Fisioterapia de uma Universidade no Interior do Amazonas baseado na CIF.
Trata-se de um estudo transversal, descritivo, baseado na análise retrospectiva de prontuários de pacientes com PC do Ambulatório de Fisioterapia do Instituto de Saúde e Biotecnologia – ISB da Universidade Federal do Amazonas – UFAM, em Coari, Amazonas. Esta pesquisa integra um estudo maior aprovado Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade sob o número:78536624.3.0000.5020. A coleta de dados respeitou os preceitos éticos dispostos nas Resoluções nº 466/2012 e nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde.
A amostra foi selecionada por conveniência, com inclusão de prontuários físicos de crianças e adolescentes de zero a 18 anos com diagnóstico de PC acompanhadas pelo Ambulatório, com dados completos e legíveis sobre Atividades e Participação e que fosse o primeiro prontuário do paciente no ano de 2022 e primeiro semestre de 2023. Foram excluídos os prontuários incompletos sobre a caracterização da PC em atividade e participação e os prontuários do mesmo paciente de avaliações posteriores. Desta forma, sete prontuários foram removidos.
As variáveis observadas foram relacionadas aos aspectos sociodemográficos; de condições de saúde; de atividades: mobilidade; autocuidado e comunicação; e de participação: vida pré-escolar, escolar e atividade relacionadas, envolvimento em brincadeiras, vida comunitária e social, recreação e lazer.
As classificações para atividades se basearam em instrumentos padronizados para pacientes com PC, incluindo:
1. Sistema de Classificação da Função Motora Grossa (GMFCS) – que classifica a função motora grossa da criança e do adolescente com ênfase no movimento de sentar, transferências e mobilidade, organizando-as em cinco níveis [10];
2. Sistema de Classificação da Habilidade Manual (MACS) – que descreve como as crianças e adolescentes com PC usam suas mãos para manipular objetos em atividades diárias, apresentando-as em cinco níveis [11];
3. Sistema de Classificação da Função de Comunicação (CFCS) – que classifica o desempenho da comunicação diária dos indivíduos com PC em cinco níveis [12];
4. Escala de Mobilidade Funcional (FMS) – que classifica a mobilidade funcional, considerando a variedade de equipamentos de auxílio que uma criança pode usar em três distâncias [13];
Os dados foram coletados entre junho e agosto de 2024. A coleta de dados respeitou os preceitos éticos dispostos na Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.
Inicialmente os dados foram tabulados utilizando o pacote Microsoft Office Excel 2010 (Microsoft - Washington, Estados Unidos) e posteriormente para análise descritiva utilizou-se o software Jamovi, versão 1.6.23.0 para Windows. As variáveis categóricas foram apresentadas pelas frequências absoluta e relativa.
O estudo incluiu 17 prontuários de crianças e adolescentes com PC. Dentre as características sociodemográficas, 64,3% (n=11) eram do sexo masculino e 35,7% (n=6) do sexo feminino, com idades entre 1 e 13 anos. A faixa etária mais prevalente foi de 1 a 4 anos 52,9% (n=9) e 41,2% (n=7) foram identificados como pardos. Quanto a estrutura familiar, 58,8% (n=10) eram filhos únicos. A renda familiar predominante variou entre 1 e 2 salários-mínimos 47,1% (n=8). Em relação a ocupação, 58,8% (n=10) das mães eram donas de casa, enquanto 41,2% (n=7) dos pais trabalhavam informalmente.
As características das crianças e adolescentes, incluindo condições de saúde, tipos de PC e topografia estão descritas na Tabela 1.
Tabela 1- Caracterização das crianças e adolescentes com Paralisia Cerebral (condição de saúde, tipo da PC e topografia)
Condições de saúde e Funcionalidade |
N |
(%) |
|
Diagnóstico Médico |
Paralisia cerebral |
9 |
52,9 |
Paralisia cerebral e outras condições |
8 |
47,1 |
|
Tipos de Paralisia |
Espástica bilateral |
8 |
47,1 |
Espástica unilateral |
5 |
29,4 |
|
Atáxica |
2 |
11,7 |
|
Discinético distônico |
1 |
5,9 |
|
Não informado |
1 |
5,9 |
|
Topografia |
Quadriplegia |
7 |
41,2 |
Hemiplegia |
5 |
29,4 |
|
Diplegia |
4 |
23,5 |
|
Não informado |
1 |
5,9 |
Fonte: Elaboração própria; N = número absoluto; % porcentagem.
Foram observadas limitações de Atividades relacionadas às características de Função Motora Grossa, Comunicação e Habilidades Manuais, conforme apresentado na Tabela 2 e à Mobilidade Funcional e Autocuidado descritos na Tabela 3.
Tabela 2 - Características de Mobilidade, Comunicação e Habilidades manuais
Sistema de Classificação de Atividades |
Nível/Desempenho |
N |
(%) |
GMFCS |
Nível V |
8 |
47,1 |
Nível II |
3 |
17,6 |
|
Nível IV |
3 |
17,6 |
|
Nível I |
2 |
11,8 |
|
Nível III |
1 |
5,9 |
|
MACS |
Nível I |
5 |
29,4 |
Nível IV |
5 |
29,4 |
|
Nível V |
4 |
23,5 |
|
Nível II |
2 |
11,8 |
|
Nível III |
1 |
5,9 |
|
CFCS |
Nível V |
5 |
29,4 |
Nível I |
4 |
23,5 |
|
Nível II |
4 |
23,5 |
|
Nível IV |
3 |
17,6 |
|
Nível III |
1 |
5,9 |
GMFCS= Sistema de Classificação da Função Motora Grossa; Nível I= anda sem limitações; Nível II= anda com limitações; Nível III= anda utilizando um dispositivo manual de mobilidade; Nível IV= auto-mobilidade com limitações, pode utilizar mobilidade motorizada; Nível V= transportado em uma cadeira de rodas manual[10]. MACS= Sistema de Classificação da Habilidade Manual; Nível I= inclui crianças com pequenas limitações, que manipulam objetos facilmente e com sucesso; Nível II= manipula a maioria dos objetos, mas com a qualidade e/ou velocidade da realização um pouco reduzida; Nível III= manipula objetos com dificuldade, necessita de ajuda para preparar e/ou modificar as atividades; Nível IV= manipula uma variedade limitada de objetos facilmente manipuláveis em situações adaptadas; Nível V= não manipula objetos e tem habilidade severamente limitada para desempenhar até mesmo ações simples[11]. CFCS= Sistema de Classificação da Função de Comunicação; Nível I= Emissor e receptor eficaz com parceiros desconhecidos e conhecidos; Nível II= Emissor ou receptor eficaz, mas mais lentos com parceiros desconhecidos ou conhecidos; Nível III= Emissor e receptor eficaz com parceiros conhecidos; Nível IV= Emissor e/ou receptor inconsistente com parceiros conhecidos; Nível V= Emissor e receptor raramente eficaz, mesmo com parceiros conhecidos[12]. Fonte: elaboração própria; N= número absoluto; % porcentagem;
Tabela 3 - Características de Mobilidade Funcional e Autocuidado
Atividade Desempenho |
N |
(%) |
||
FMS |
5m |
Não completa a distância |
7 |
41,1 |
Engatinha em casa |
3 |
17,6 |
||
Marcha independente em superfícies niveladas |
2 |
11,8 |
||
Marcha independente |
2 |
11,8 |
||
Uso de cadeira de rodas |
1 |
5,9 |
||
Marcha com uso de bengalas |
1 |
5,9 |
||
Uso de andador |
1 |
5,9 |
||
50m |
Não completa a distância |
9 |
52,8 |
|
Marcha independente |
2 |
5,9 |
||
Marcha independente em superfícies niveladas |
2 |
11,8 |
||
Engatinha em casa |
2 |
11,8 |
||
Uso de andador |
1 |
5,9 |
||
Uso de cadeira de rodas |
1 |
5,9 |
||
500m |
Não completa a distância |
11 |
64,6 |
|
Marcha independente em superfícies niveladas |
2 |
11,8 |
||
Uso de cadeira de rodas |
2 |
11,8 |
||
Marcha independente |
1 |
5,9 |
||
Uso de andador |
1 |
5,9 |
||
Autocuidado |
Dependente |
12 |
70,5 |
|
Dependencia moderada |
2 |
11,8 |
||
Independente |
1 |
5,9 |
||
Ignorado |
2 |
11,8 |
FMS= Escala de Mobilidade Funcional; 5m= (marcha domiciliar); 50m= (marcha escolar); 500m= (marcha comunitária) [13]. Fonte: elaboração própria; N= número absoluto; % porcentagem;
As características da Participação em Creche/Escola e Comunidade estão apresentadas na Tabela 4, demonstrando diversas restrições de participação. Não foi possível caracterizar a participação em casa.
Tabela 4 - Características da Participação em Creche/Escola e Comunidade
Participação |
Envolvimento |
N |
(%) |
Creche/Escola |
Não envolvido |
11 |
64,7 |
Envolvido |
6 |
35,3 |
|
Igreja |
Envolvido |
4 |
23,5 |
Não envolvido |
13 |
76,5 |
|
Brincadeira com amigos |
Pouco envolvido |
7 |
41,2 |
Envolvido |
4 |
23,5 |
|
Não envolvido |
6 |
35,3 |
|
Outras atividades de recreação ou lazer |
Envolvido |
8 |
47,1 |
Pouco envolvido |
3 |
17,6 |
|
Não envolvido |
6 |
35,3 |
Fonte: Elaboração própria; N= número absoluto; % porcentagem.
Caracterizou-se os níveis de atividades e a participação de crianças e adolescentes com PC de um Ambulatório de Fisioterapia de uma Universidade no Interior do Amazonas.
A predominância do sexo masculino, faixa etária entre 1 a 4 anos, do tipo de PC espástica bilateral e a quadriplegia, encontrados neste estudo, são similares a estudos anteriores [14,15,16].
A renda familiar predominante entre um e dois salários-mínimos foi semelhante ao observado em outro estudo [14]. A maior ocupação relatada pelas mães foi a de dona de casa, o que reflete seu papel como as principais cuidadoras dos filhos. Esse achado é consistente com outro estudo, que evidencia a mãe como a principal cuidadora de crianças com PC, e que pode ser atribuído às expectativas sociais e papéis tradicionais [17,18]. Evidências mostram que a incidência de deficiências graves do desenvolvimento é mais prevalente em famílias mais pobres, com níveis educacionais mais baixos e que residem em países com Índice de Desenvolvimento Humano – IDH mais baixo, estes aspectos definem o status socioeconômico, e tem consequências no cuidado [18].
Observou-se neste estudo importantes limitações nas atividades relacionadas a função motora grossa, a maioria dos participantes estavam classificados no nível V do GMFCS, ou seja, os indivíduos precisavam ser transportados em cadeira de rodas; compatível com o encontrado na mobilidade funcional, onde a maioria não completava distâncias de 50m e 500m, indicando uma dependência elevada para a locomoção; assim como a depedência em atividade de autocuidado, como por exemplo: alimentar-se, vestir-se, escovar os dentes e tomar banho sozinho. O percentual apresentado no nível V no GMFCS foi compatível com a proporção de sujeitos quadriplégicos. Nas habilidades manuais usando o MACS, os níveis I e IV foram mais prevalentes, e na comunicação, próximo de um terço apresentou nível V do CFCS.
O nível V no GMFCS também foi predominante em pesquisas anteriores, e indicou a necessidade de tecnologia assistiva ampla, além da ajuda física para a mobilidade de crianças e adolescentes [7,8,14]. A literatura mostra que níveis mais baixos do GMFCS estão associados ao melhor desempenho em mobilidade e atividades diárias, enquanto os níveis altos requerem recursos caros para garantir a mobilidade [19].
Na mobilidade funcional pela FMS, até dois terços dos indivíduos apresentaram dificuldades para se locomover em distâncias de 5m, 50m e 500m, e isso converge com o quantitativo classificado em nível IV e V no GMFCS. Estudos também demonstraram relação entre a FMS e o GMFCS e afirmaram que o desempenho da marcha em crianças com PC está diretamente relacionado à quantidade de atividade motora grossa que a criança realiza [20,21].
Quanto as habilidades manuais, os participantes deste estudo estiveram mais classificados nos níveis I e IV no MACS. Resultados análogos foram encontrados em estudos anteriores [22]. Autores apontam que a função motora grossa e a habilidade manual frequentemente apresentam discrepâncias em crianças com PC [23].
A comunicação foi mais prevalente no nível V neste estudo, ou seja, a comunicação é raramente eficaz, mesmo com parceiros conhecidos, assim como em outro estudo que inclusive determinou que os níveis de GMFCS estão altamente correlacionados com os níveis de CFCS [24].
Em relação ao autocuidado, a maioria dos participantes eram dependentes, similar a estudos prévios que identificaram tanto crianças quanto adolescentes com PC com déficits nas habilidades funcionais,e portanto mais dependentes dos cuidadores [25,26].
As incapacidades relacionadas às atividades relatadas por este estudo, revelam um ponto crítico enfrentado por essa população. Aponta a ausência de tecnologia assistiva e a demanda por centros de reabilitação multidisciplinar modernos e especializados. A presença de incapacidades de mobilidade, habilidades manuais e de comunicação, acrescida da condição financeira destas famílias, destaca para a necessidade de intervenções e suporte dos sistemas e políticas de saúde públicos.
A participação das crianças e adolescentes com PC se revelou um desafio neste estudo. A maioria não frequentava creches ou escolas, o que pode ser atribuído às barreiras ambientais. Em contrapartida, pesquisas em outros estados do país, como Minas Gerais e Pará, identificaram uma participação escolar mais frequente, com pelo menos metade dos participantes frequentando a escola, e enfatizaram que apesar dos vários decretos elaborados no Brasil e no mundo para garantir a inclusão escolar de pessoas com deficiência, não há a oferta de condições que assegurem o acesso por falta de profissionais especializados, ausência de tecnologias assistivas adequadas, estrutura arquitetônica e atitudes [8,14]. Neste estudo, as crianças inseridas no ambiente escolar participavam da Associação Pestalozzi.
Também foram relatadas participação em atividades da igreja por quase um terço dos avaliados. Um estudo realizado em 2009, observou que uma grande parcela de crianças com PC participava de alguma instituição religiosa, e isso favorecia a sua interação social [27].
Cerca de 76,5% das crianças e adolescentes afirmaram pouco ou nenhum envolvimento em brincadeiras com amigos. Evidências apontam brincadeiras como um fator de grande envolvimento social [9,27]. A interação com amigos é essencial para o desenvolvimento social e emocional de crianças com PC, e a falta pode causar impactos negativos [28]. A participação em atividades de lazer foi apontada como envolvimento para menos da metade dos participantes. Dentre as atividades referidas estavam ir à praça e frequentar ambientes aquáticos naturais com a família. Em outros estudos, a participação na comunidade também foi consideravelmente restrita [7,14,27].
Autores afirmam que a atitude dos colegas e do suporte social são fatores críticos que influenciam a participação em atividades sociais e comunitárias[29]. Além disso, a estrutura física e a acessibilidade dos locais de atividades comunitárias também desempenham um papel importante [30].
Nota-se que as crianças e adolescentes com PC enfrentam relevantes restrições na participação escolar e social, o que limita suas oportunidades de aprendizado, interação social e consequentemente o seu potencial desenvolvimento. A falta de informação sobre a participação em atividades domiciliares impossibilita a compreensão neste contexto para estes indivíduos.
Este estudo tem limitações, como o tamanho da amostra (n=17), que impede a generalização dos resultados, uma vez que uma amostra maior poderia fornecer uma visão mais abrangente e representativa das características relacionadas as atividades e participação de crianças e adolescentes com PC neste contexto e o uso de dados secundários que podem a levar a vieses de informação. Ainda assim, se espera colaborar com informações a respeito dessa população localizada em uma área remota do país, no interior da Amazônia, por haver carência de informações das características dessa população nesse contexto.
Espera-se que este estudo enfatize a necessidade de aprofundar a compreensão sobre a funcionalidade e incapacidade de indivíduos que vivem distante dos grandes centros urbanos e em áreas remotas e desperte à atenção às necessidades dessa população que carece de serviços de saúde, educacional e assistencial especializados, atualmente dificultados pela justificativa das barreiras geográficas impostas como obstáculos para avanços significativos nesses setores.
O estudo revelou importantes limitações de atividades e restrições de participação que destacam a necessidade de serviços de saúde multidisciplinar de reabilitação, tecnologias assistivas e oportunidades inclusivas para essas crianças e adolescentes com PC.
Este artigo representa o trabalho de conclusão de curso de graduação de Renata Maila da Silva Costa, orientado pela Professora Alessandra Araújo da Silva, sob o título Atividade e Participação de Crianças e Adolescentes com Paralisia Cerebral Atendidos pelo Serviço de Fisioterapia Pediátrica de uma Universidade do Interior do Amazonas, no Instituto de Saúde e Biotecnologia da Universidade Federal do Amazonas.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse de qualquer natureza.
Fontes de financiamento
Este trabalho foi apoiado pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PROPESP) da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Brasil, sob o processo PIB-S/0289/2023.
Contribuições dos autores
Concepção e desenho da pesquisa: Costa RMS, Sousa EFC, Silva AA; Coleta de dados: Costa RMS, Silva OMS, Silva JRG; Análise e interpretação dos dados: Costa RMS, Sousa EFC, Silva AA; Análise estatística: Costa RMS, Sousa EFC; Redação do manuscrito: Costa RMS, Silva OMS, Silva JRG, Silva AA; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Silva AA.
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