ARTIGO ORIGINAL
Fatores ambientais de crianças e adolescentes com Paralisia Cerebral atendidas em ambulatório no Interior do Amazonas sob a perspectiva da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde
Environmental factors of children and adolescents with Cerebral Palsy attended at an outpatient clinic in the Interior of Amazonas from the perspective of the International Classification of Functioning, Disability and Health
Olívia Maria dos Santos Silva1, Renata Maila da Silva Costa1, Joyla Roberta Gama da Silva1, Eduardo Faustino Coelho Sousa2, Alessandra Araújo da Silva1
1Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Coari, AM, Brasil
2Faculdade Metropolitana de Manaus (FAMETRO), Manaus, AM, Brasil
Recebido em: 11 de abril de 2025; Aceito em: 16 de abril de 2025.
Correspondência: Alessandra Araújo da Silva, alessandraaraujo@ufam.edu.br
Silva OMS, Costa RMS, Silva JRG, Sousa EFC, Silva AA. Fatores ambientais de crianças e adolescentes com Paralisia Cerebral atendidas em ambulatório no Interior do Amazonas sob a perspectiva da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Fisioter Bras. 2025;26(2):2075-2088. doi:10.62827/fb.v26i2.1051
Introdução: Paralisia Cerebral refere-se ao conjunto de distúrbios motores e posturais decorrentes de uma lesão não evolutiva no sistema nervoso central em desenvolvimento. Fatores ambientais podem desempenhar o papel de barreiras ou facilitadores ao desenvolvimento. Objetivo: Caracterizou-se os fatores ambientais de crianças e adolescentes com Paralisia Cerebral atendidas em um Ambulatório Universitário no interior do Amazonas. Métodos: Estudo transversal, retrospectivo. Foram avaliados 17 prontuários de crianças e adolescentes com Paralisia Cerebral de zero a 18 anos de um Ambulatório universitário de fisioterapia, avaliadas no ano de 2022 e 2023. Descreveu-se as características de fatores pessoais – sociodemográficas; características clínica e funcional; e características de fatores ambientais: familiar, condições de moradia, uso de produtos e tecnologia, suporte social e acesso a serviços. Análises descritivas foram realizadas por meio da média, desvio-padrão, porcentagem e frequência. Resultados: A maioria dos pacientes era do sexo masculino (64,3%, n= 11) e 47,1%
(n= 8) tinham Paralisia Cerebral espástica bilateral e eram nível V no Sistema de Classificação da Função Motora Grossa. Os níveis I e IV foram os mais frequentes no Sistema de Classificação de Habilidade Manual (ambos com 29,4%, n= 5). Inúmeras barreiras ambientais foram identificadas como a falta de dispositivos auxiliares de marcha e de mobilidade para até 70,6% (n= 12), dificuldade de acesso aos médicos pediatra e neurologista para até 70,6% (n= 12), falta de acesso à escola ou creche (64,7%, n= 11), baixa renda familiar (47,1%, n= 8) e o não recebimento de auxílios e/ou benefícios sociais (52,9%, n= 9). Conclusão: Há inúmeras barreiras ambientais de serviços de saúde, educacionais e assistenciais, bem como no consumo e uso de produtos e tecnologias para uso pessoal que impactam na funcionalidade e desenvolvimento dessas crianças e adolescentes.
Palavras-chave: Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde Meio Social; Serviços de Reabilitação; Paralisia Cerebral; Criança; Adolescente.
Introduction: Cerebral palsy refers to a group of motor and postural disorders resulting from a non-progressive lesion in the developing central nervous system. Environmental factors may act as either barriers or facilitators to development. Objective: The environmental factors of children and adolescents with Cerebral Palsy receiving care at a University Outpatient Clinic in the interior of Amazonas were characterized. Methods: A cross-sectional, retrospective study. A total of 17 medical records of children and adolescents with Cerebral Palsy, aged 0 to 18 years, from a university physiotherapy outpatient clinic, evaluated in 2022 and 2023. The characteristics of personal factors were described - factors sociodemographic; characteristics clinical and functional; and characteristics of environmental factors: family, housing conditions, use of products and technology, social support and access to services were assessed. Descriptive analysis was performed using mean, standard deviation, percentage, and frequency. Results: Most patients were male (64,3%, n= 11), and 47,1% (n= 8) had bilateral spastic Cerebral Palsy, classified as Level V on the Gross Motor Function Classification System. Levels I and IV were the most frequent in the Manual Ability Classification System (both with 29,4%, n= 5). Numerous environmental barriers have been identified as lack of walking and mobility assistive devices up to 70,6% (n= 12), difficulty accessing pediatricians and neurologists 70,6% (n= 12), lack of access to school or daycare (64,7%, n= 11), were low family income (47,1%, n= 8) and not receiving social assistance and/or benefits (52.9%, n= 9). Conclusion: There are numerous environmental barriers to health services, educational, and social services, as well as in the consumption and use of personal products and technologies that affect the functionality and development of these children and adolescents.
Keywords: International Classification of Functioning, Disability and Health; Social Environment, Rehabilitation Services; Cerebral Palsy; Children; Adolescent.
Paralisia Cerebral (PC) é um termo utilizado para se referir ao conjunto de distúrbios motores e posturais decorrentes de uma lesão não evolutiva no sistema nervoso central em desenvolvimento [1]. Em cerca de mais de 30% dos casos, a etiologia da PC não é conhecida e nem o fator de risco é identificado [2].
Mundialmente, a cada 1000 crianças nascidas vivas, 2 possuem PC, sendo a condição um fator determinante de grave deficiência física infantil [3]. Uma revisão sistemática afirmou que, em países de baixa e média renda, a prevalência pode ser ainda maior, e pode chegar até 3,4 por 1000 nascidos vivos. No entanto, a estimativa é inconsistente devido à ausência de registros adequados [4]. São várias as alterações apresentadas na criança com PC, desde alterações musculoesqueléticas, sensoriais, cognitivas, de mobilidade funcional e postural [1]. Essas alterações ocasionam prejuízos da funcionalidade, limitando a realização de atividades cotidianas, tais como atividades de alimentação, vestuário, higiene, locomoção, inclusive ausência de vida escolar e social [5].
A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) afirma que os fatores ambientais e sociais podem desempenhar o papel de barreiras ou facilitadores ao desenvolvimento. Desse modo, as deficiências de estrutura e funções corporais, as limitações de atividades e as restrições de participação são frutos da interação entre as condições inerentes ao indivíduo e o ambiente físico e social em que a pessoa está inserida. Dentre os fatores contextuais podem ser citados o ambiente físico, social e cultural (ambientais) e características individuais como sexo, idade e estilo de vida (pessoais), que influenciam na qualidade de vida [6,7].
A Amazônia representa um cenário socioambiental complexo e diverso. Esse contexto resulta em marcantes disparidades sociais, econômicas e sanitárias, com altos índices de concentração de renda e condições de vida amplamente desfavoráveis para a maioria dos habitantes. Em paralelo, há ausência de infraestrutura básica e insuficiência de serviços essenciais, especialmente em saúde, o que intensifica as desigualdades e fragiliza a qualidade de vida na região [8].
Diante da falta de informações e a importância dos fatores ambientais para sujeitos com PC, sobretudo àqueles distantes dos grandes centros urbanos, onde estão os recursos especializados e tecnológicos, caracterizou-se os fatores ambientais de crianças e adolescentes com PC atendidas pelo Ambulatório de Fisioterapia de uma Universidade no interior do Amazonas.
Trata-se de um estudo transversal, descritivo, retrospectivo, de análise de prontuários de pacientes com PC do Ambulatório de Fisioterapia do Instituto de Saúde e Biotecnologia – ISB da Universidade Federal do Amazonas – UFAM, em Coari, Amazonas. Este estudo faz parte de um projeto maior aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade sob o número 78536624.3.0000.5020. A coleta de dados respeitou os preceitos éticos dispostos nas Resoluções nº 466/2012 e nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde.
A amostra foi obtida por conveniência e foram elegíveis os prontuários físicos de crianças e adolescentes de zero e 18 anos com diagnóstico de PC acompanhadas pelo Ambulatório, com dados completos e legíveis da avaliação sobre o tipo de paralisia cerebral e fatores ambientais, e que fosse o primeiro prontuário do paciente no ano de 2022 ao primeiro semestre de 2023. Foram excluídos os prontuários incompletos sobre a caracterização da PC e fatores ambientais e os prontuários do mesmo paciente de avaliações posteriores. Assim, sete prontuários foram excluídos.
Os dados foram coletados entre junho e agosto de 2024, após a aprovação do projeto de Comitê de Ética em Pesquisa e as variáveis avaliadas foram organizadas em dimensões especificadas a seguir:
A - Caracterização dos fatores pessoais: sociodemográficos (sexo, faixa etária, raça/cor e renda).
B - Caracterização clínica e funcional: diagnóstico médico, tipos de paralisia cerebral, topografia, Sistema de Classificação da Função Motora Grossa (GMFCS) [9] e Sistema de Classificação da Habilidades Manual (MACS) [10].
C - Caracterização dos fatores ambientais: familiar (quantidade de filhos, ocupação/profissão dos pais, estado civil dos pais, nível de escolaridade dos pais, apoio dos pais), moradia (número de moradores, tipo de moradia, tipo de piso, eletricidade, encanamento, tratamento da água, banheiro e número de cômodos) uso de produtos e tecnologia (medicamentos, órteses, cadeira de rodas e dispositivos auxiliares de marcha), suporte social e acesso a serviços (apoio de familiares, amigos, acesso a serviços de saúde e escolar). A caracterização dos fatores ambientais deste estudo se baseou em algumas categorias dos fatores ambientais da CIF.
Os dados foram tabulados utilizando o pacote Microsoft Office Excel 2010 (Microsoft - Washington, Estados Unidos) e posteriormente para análise descritiva utilizou-se o software Jamovi, versão 1.6.23.0 para Windows. As variáveis contínuas foram apresentadas pela média e desvio-padrão e as categóricas pelas frequências absoluta e relativa.
Caracterização pessoal – Sociodemográfica
Incluiu-se 17 prontuários de crianças e adolescentes com PC com idade entre 1 e 13 anos. As Características de Fatores Pessoais estão apresentadas na Tabela 1.
Tabela 1 - Características dos Fatores Pessoais Sociodemográficos
Fatores Pessoais |
N |
(%) |
Sexo |
||
Feminino |
6 |
35.3 |
Masculino |
11 |
64.7 |
Cor/ Raça |
||
Branco |
4 |
23.5 |
Pardo |
7 |
41.2 |
Não informado |
6 |
35.3 |
Faixa etária |
||
0 a 4 anos |
9 |
52.9 |
5 a 8 anos |
6 |
35.3 |
9 a 12 anos |
1 |
5.9 |
13 a 18 anos |
1 |
5.9 |
Renda familiar |
||
Ignorado |
4 |
23,5 |
< 1 salário-mínimo |
4 |
23,5 |
1 e 2 salários-mínimos |
8 |
47,1 |
> 3 salários-mínimos |
1 |
5,9 |
N= número absoluto; % porcentagem
Caracterização Clínica e Funcional
As características quanto ao diagnóstico médico, tipo de PC, topografia e as classificações da função motora grossa e de habilidades manuais estão apresentadas na Tabela 2.
Tabela 2 – Tipos, topografia e classificação funcional da Paralisia Cerebral
Condição de saúde e Funcionalidade |
N |
% |
|
Diagnóstico Médico |
Paralisia cerebral |
9 |
52,9 |
Paralisia cerebral e outras condições |
8 |
47,1 |
|
Tipo de Paralisia |
Espástico bilateral |
8 |
47,1 |
Espástico unilateral |
5 |
29,4 |
|
Atáxica |
2 |
11,7 |
|
Discinético (distônico) |
1 |
5,9 |
|
Não informado |
1 |
5,9 |
|
Topografia |
Quadriplegia |
7 |
41,2 |
Hemiplegia |
5 |
29,4 |
|
Diplegia |
4 |
23,5 |
|
Não informado |
1 |
5,9 |
|
GMFCS |
Nível V |
8 |
47,1 |
Nível II |
3 |
17,6 |
|
Nível IV |
3 |
17,6 |
|
Nível I |
2 |
11,8 |
|
Nível III |
1 |
5,9 |
|
MACS |
Nível I |
5 |
29,4 |
Nível IV |
5 |
29,4 |
|
Nível V |
4 |
23,5 |
|
Nível II |
2 |
11,8 |
|
Nível III |
1 |
5,9 |
N= número absoluto; % porcentagem; GMFCS - Nível I = anda sem limitações, Nível II = anda com limitações, Nível III = anda com um dispositivo de mão, Nível IV = automobilidade com limitações/pode usar mobilidade motorizada, Nível V = transportado em cadeira de rodas manual[9]; MACS – Nível I = Manipula objetos facilmente e com sucesso, Nível II = manipula a maioria dos objetos mas com a qualidade e/ou velocidade da realização um pouco reduzida, Nível III = manipula objetos com dificuldade necessitando de ajuda para preparar ou modificara as atividades, Nível IV = manipula uma variedade limitada de objetos facilmente manipuláveis em situações adaptadas, Nível V = não manipula objetos e tem habilidade severamente limitada para ações até mesmo simples[10]. Fonte: elaboração própria.
Fatores ambientais - Caracterização Familiar
Entre os participantes, a maioria era filho único 58,8% (n=10). A maioria das mães era dona de casa (58,8%, n=10) e 41,1% (n=7) dos pais trabalhavam informalmente. Cerca de 35,3% (n=6) dos sujeitos tinham pais casados, e a mesma proporção vivia em união estável. Quanto à escolaridade, 77% (n=13) das mães e 29,5% (n=5) pais concluíram o ensino médio. Metade dos avaliados recebia apoio do pai (52,9%, n=9) e todos recebiam apoio da mãe, que era a principal cuidadora.
Fatores ambientais - Condições de Moradia
A média de moradores do domicílio foi de 4,52, ± 1,69. Verificou-se que a maioria das moradias dos participantes era de alvenaria 64,7% (n=11), seguida por estruturas de madeira (29,5%). O piso predominante era de cerâmica 58,8% (n=10) e 35,3% (n=6) de madeira. A maioria das residências possuía eletricidade (94,1%, n=16) e todas tinham água encanada. Somente a metade tratava a água que consumia (52,9%), e quase todas (94,1%) possuíam banheiro dentro de casa. A média do número de cômodos do domicílio foi de 4,94 ± 1,63.
Fatores ambientais - Uso de produtos e tecnologia
O uso de produtos essenciais e dispositivos de alinhamento biomecânico e mobilidade é apresentado na Tabela 3 e evidencia barreiras importantes no contexto desses pacientes.
Tabela 3 - Fatores ambientais de consumo e uso de produtos e tecnologias para uso pessoal
Uso de Produtos e Tecnologias |
N |
% |
Medicamento anticonvulsivante |
||
Não utiliza |
13 |
76,5 |
Utiliza |
4 |
23,5 |
Toxina Botulínica para espasticidade |
||
Não utiliza |
13 |
100 |
Órteses |
||
Não utiliza |
15 |
88,2 |
Utiliza |
2 |
11,8 |
Cadeira de rodas |
||
Não utiliza |
11 |
64,7 |
Não se aplica |
4 |
23,5 |
Utiliza |
2 |
11,8 |
Não utiliza |
12 |
70,6 |
Não se aplica |
3 |
17,6 |
Utiliza |
2 |
11,8 |
N= número absoluto; % porcentagem. Fonte: elaboração própria.
Fatores ambientais - Suporte Social e Acesso a Serviços
Apenas 35,3% (n=6) recebiam algum apoio de outros familiares, e a maioria não recebia apoio de amigos (n=14).
Quanto ao suporte de serviços de profissionais da saúde, uso de sistemas e políticas de educação e social, há inúmeras barreiras, conforme apresentado na Tabela 4.
Tabela 4 - Fatores ambientais de serviços, sistemas e políticas
Suporte de profissionais/sistemas/Políticas |
N |
% |
Enfermagem |
||
Não |
16 |
94,1 |
Sim |
1 |
5,9 |
Fisioterapia |
||
Sim |
17 |
100 |
Fonoaudiólogo |
||
Não |
15 |
88,2 |
Sim |
2 |
11,8 |
Médico pediatra |
||
Não |
11 |
64,7 |
Sim |
6 |
35,3 |
Médico neurologista |
||
Não |
12 |
70,6 |
Sim |
5 |
29,4 |
Acesso a escola/creche |
||
Não |
11 |
64,7 |
Sim |
6 |
35,3 |
Não |
9 |
52,9 |
Sim |
6 |
35,3 |
Não informado |
2 |
11,8 |
N= número absoluto; % porcentagem. Fonte: elaboração própria.
Caracterizou-se os fatores contextuais de crianças e adolescentes com paralisia cerebral de um ambulatório universitário do Interior do Amazonas.
Poucos fatores se apresentaram como facilitadores no contexto dessas crianças e adolescentes, destacando-se o acesso à fisioterapia e apoio das mães. No entanto, várias barreiras foram identificadas, como a ausência de benefícios e auxílios sociais, baixa condição socioeconômica, falta de acesso a creches ou escolas, déficit de uso medicamentos, acompanhamento médico inadequado, falta de intervenção reabilitativa e ausência de dispositivos de produtos e tecnologia assistiva como órteses, cadeiras de rodas e dispositivos auxiliares de marcha.
Neste estudo, as características sociodemográfica e funcional, como a faixa etária, sexo e tipo de paralisia predominantes foram semelhantes aos estudos de Peixoto et al. [11] e de Teixeira et al. [12].
Em relação às características familiares, o fato da maioria das crianças e adolescentes serem filhos únicos pode ser considerado um facilitador para um melhor acompanhamento familiar. No entanto, a condição socioeconômica dos sujeitos desta pesquisa, com renda familiar predominante entre um e dois salários-mínimos, juntamente ao trabalho informal dos pais, a baixa escolaridade dos pais e a falta de apoio da figura paterna representam algumas barreiras. A condição econômica apontada em nossos achados foi semelhante ao estudo de Alves et al. [13] Poleto e Koller [14] afirmam que situações de risco como baixo nível de escolaridade, baixo status social e falta de uma rede de apoio social e emocional, podem ser negativos para o desenvolvimento da criança e do adolescente. Em nossos achados, todos contavam com o apoio materno como facilitador ambiental [24], mas somente a metade revelou ter o apoio paterno.
A maioria dos indivíduos deste estudo residem em moradia de alvenaria, porém não há informação sobre a existência de adequações que facilitem os cuidados e a mobilidade domiciliar. O acesso aos serviços básicos é essencial para a saúde e bem-estar das crianças. A disponibilidade de serviços e sistemas de apoio é um fator ambiental prioritário que afeta a qualidade de vida de indivíduos com paralisia cerebral [15,16].
Nossos resultados apontaram barreiras ambientais relacionadas a falta de uso da toxina botulínica para o gerenciamento da espasticidade, apesar de ser o tipo mais comum de PC entre os participantes, assim como o baixo número de crianças/adolescentes que fazem uso de medicamentos anticonvulsivantes, uma medicação essencial no controle da epilepsia. Pesquisa anterior revelou uma situação discretamente diferente [13]. O uso de medicamentos pode ser um fator relevante na gestão dos sintomas e na melhoria da qualidade de vida das pessoas com PC. No entanto, a baixa taxa de uso pode indicar uma falta de acesso aos profissionais médicos ou à medicação, e até falta de informação sobre a importância dos medicamentos no tratamento da PC [17,18].
A grande maioria dos participantes não faz o uso de órteses, o que constitui uma barreira ambiental significativa na prevenção de deformidades. Diferente dos estudos de outras regiões do país, onde o uso de órteses foi identificado como um facilitador [13,19]. O baixo uso de órteses é uma barreira ambiental influenciada pela renda familiar desfavorável, falta de acesso a serviços de saúde especializados e atitudes negativas em relação ao uso de dispositivos assistivos [20,21]. A percepção dos pais e cuidadores sobre a eficácia das órteses e a falta de recursos financeiros também pode influenciar na sua utilização [18].
A falta de dispositivos auxiliares de marcha foi uma barreira ambiental importante para a maioria dos indivíduos deste estudo. A baixa utilização desses dispositivos pode ser atribuída a barreiras ambientais, como a falta de infraestrutura adequada, e barreiras sociais como a falta de apoio e incentivo para o uso desses dispositivos [22]. Assim como a falta de recursos financeiros para aquisição. Indivíduos com PC precisam de tecnologias assistivas para reduzir as dificuldades e melhorar o desempenho em atividades cotidianas [23].
Estes achados reforçam o alinhamento de políticas públicas que garantam o acesso a esses produtos e dispositivos, sobretudo para os habitantes de áreas remotas, pois são essenciais para a reabilitação e melhora da funcionalidade de crianças e adolescentes com deficiência.
A falta de apoio de outros familiares e de amigos são desafios encontrados no contexto dessas famílias de crianças/adolescentes com PC, semelhante ao encontrado em outro estudo, que demostrou que os familiares eram mais presentes como rede de suporte instrumental do que os amigos [24]. Autores afirmam que outros membros das famílias são os principais provedores de apoio emocional e destacam que o apoio é essencial para impedir a quebra das relações entre os membros da família de pessoas com PC, e que membros da família como tios, avós e os pais, além de promover apoio emocional podem promover apoio instrumental ou material, como ajuda financeira [24].
Barreiras relacionadas ao acesso a serviços, sistemas e políticas, incluindo cuidados de saúde como acompanhamento médico, de educação, benefícios previdenciários e auxílios sociais estão presentes no contexto da maioria dos investigados neste estudo. A maioria não realizava acompanhamento médico com pediatra e neurologista, e de demais profissionais da saúde como enfermeiro e fonoaudiólogo. A falta de acompanhamento por estes profissionais de saúde pode ser atribuída às várias barreiras de acesso aos serviços de saúde multidisciplinar e pode apontar falhas no serviço público de saúde [25].
Intervenções fisioterapêuticas estiveram presente para todas as crianças e adolescentes deste estudo, o que pode indicar uma priorização desse tipo de serviço, possivelmente devido à sua importância ou à disponibilidade de serviços disponíveis e de fácil acesso. Apesar da presença de fisioterapia, o local que oferece os serviços é distante dos grandes centros urbanos, situa-se no interior do Amazonas, e carece de recursos e equipamentos modernos para estimular as possíveis potencialidade desses indivíduos.
Evidências mostram que fatores como restrições financeiras, inacessibilidade geográfica e recursos de saúde inadequados são barreiras para o acesso e utilização de serviços de saúde para crianças, especialmente em países de baixa e média renda [26].
Somente um terço dos avaliados deste estudo frequentavam creche ou escola. Estudo anterior, em Minas Gerais, também identificou uma parcela importante de crianças com PC sem acesso à escola ou creche regulares. Os autores indicaram que alguns fatores ambientais podem estar relacionados à baixa frequência no ambiente escolar, entre eles a ausência de tecnologias assistivas adequadas que possam garantir maior mobilidade, barreiras arquitetônicas e atitudinais, e ambientes não adaptados [13].
Evidências sugerem que crianças de famílias com menor nível socioeconômico enfrentam mais barreiras para acessar serviços de saúde e educação. Além disso, apenas uma pequena parte das crianças obtém benefícios previdenciários ou auxílios sociais, o que pode indicar uma necessidade de políticas mais inclusivas para apoiar essas famílias [27].
A investigação de barreiras e facilitadores ambientais são cruciais para assegurar a participação de crianças e adolescentes com PC nos ambientes domiciliar, escolar e na comunidade. Os achados deste estudo apontam barreiras que precisam ser minimizadas, a fim de assegurar os direitos destes indivíduos e promover a saúde, o bem-estar, a inclusão e a funcionalidade.
Este estudo apresenta algumas limitações que devem ser consideradas, como o tamanho da amostra (n=17) que limita a generalização dos achados para populações maiores sobre os fatores ambientais relacionados às crianças e adolescentes com paralisia cerebral neste contexto, além da utilização de dados de prontuários que podem estar sujeitos a vieses relacionados a completude e padronização das informações registradas. No entanto, não há registros sobre as barreiras ambientais enfrentadas por pessoas com deficiência no contexto amazônico, especialmente àquelas com PC. O presente estudo se destaca por ser o primeiro a problematizar esse aspecto e trazer informações dos desafios até então não documentados na região. Os resultados obtidos nos permitem demonstrar e alertar para a existência de inúmeras barreiras ambientais enfrentadas por algumas crianças e adolescentes com PC em uma região como a Amazônia, especificamente no estado do Amazonas, onde as particularidades geográficas frequentemente são impostas como desafios para oferta de serviços e acesso a recursos modernos e tecnológicos.
Este estudo apresentou resultados que revelaram barreiras ambientais importantes que podem afetar a funcionalidade de crianças e adolescentes com PC atendidas por um ambulatório no interior do Amazonas. Essas informações podem contribuir para discussões e elaborações de políticas públicas para esse público que precisa de melhores serviços de saúde e assistência a partir de um olhar biopsicossocial.
Este artigo é o trabalho de conclusão de curso de Olívia Maria dos Santos Silva, orientado pela Professora Alessandra Araújo da Silva, intitulado Fatores Ambientais de Crianças e Adolescentes com Paralisia Cerebral Atendidos pelo Serviço de Fisioterapia Pediátrica de uma Universidade do Interior do Amazonas, no Instituto de Saúde e Biotecnologia da Universidade Federal do Amazonas.
Os autores declaram não haver conflitos de interesse de qualquer natureza.
Fontes de financiamento
Não houve financiamento.
Contribuição dos autores
Concepção e desenho da pesquisa: Silva OMS, Sousa EFC, Silva AA; Coleta de dados: Silva OMS, Costa RMS, Silva JRG; Análise e interpretação dos dados: Silva OMS, Sousa EFC, Silva AA; Análise estatística: Silva OMS, Sousa EFC; Redação do manuscrito: Silva OMS, Costa RMS, Silva JRG, Silva AA; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Silva AA.
Referências
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