ARTIGO ORIGINAL
Função pulmonar básica em pacientes com distrofia muscular de Duchenne em amostra Brasileira
Basic pulmonary function of Duchenne muscular dystrophy patients in a Brazilian sample
Ana Cristina de Sousa Murray1, Eneida Yuri Suda1, Mariana Callil Voos1, Renata Escorcio1, Cynthia Bedeschi1, Silvana Amando do Carmo2, Fernando Alves Vale1, Fátima Aparecida Caromano1
1Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação, Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil
2Centro de Estudos do Genoma Humano (IBUSP), São Paulo, SP, Brasil
Recebido em: 12 de março de 2025; Aceito em: 19 de março de 2025.
Correspondência: Fátima Aparecida Caromano, caromano@usp.br
Como citar
Sousa-Murray AC, Suda EY, Voos MC, Escorcio R, Bedeschi C, Carmo SA, Vale FA, Caromano FA. Função pulmonar básica em pacientes com distrofia muscular de Duchenne em amostra Brasileira. Fisioter Bras. 2025;26(1):1946-1957. doi:10.62827/fb.v26i1.1043
Introdução: Estudos de função pulmonar e respiratória favorecem a compreensão de sua variabilidade e aplicabilidade clínica. Objetivo: Caracterização e análise função pulmonar básica (capacidade vital forçada –CVF, pressões respiratórias máximas – PRMáx e pico de fluxo de tosse - PFT) em amostra brasileira de pessoas com distrofia muscular de Duchenne (DMD) e desenvolvimento de fórmulas preditivas. Métodos: Amostra de 231 prontuários, dividida em 2 grupos: G1-9 a 13 anos e G2-14 a 18 anos. Foi realizada análise descritiva das variáveis e análise de Correlação de Spearman para verificar associação entre elas. Comparação da PRmáx por idade utilizou ANOVA unidirecional. Análises de regressão múltipla identificaram possíveis variáveis preditivas para CVF e PFT) (α=0.05). Resultados: Correlação positiva entre as variáveis estudadas e similaridade com valores da literatura. Análise focando na idade mostrou Pressão Inspiratória máxima (PImáx) como forte preditora da CVF. Estabeleceu-se equação para previsão da CVF a partir de PRmáx e entre PRmáx e PFT. Conclusão: A análise do fator idade como indicador da evolução da doença, permitiu e geração de fórmulas preditivas para CVF a partir de PImáx e para PFT a partir de PRmáx e chama atenção o fato da PImáx ser forte preditora da CVF.
Palavras-chave: Distrofia Muscular de Duchenne; Pressões Respiratórias Máximas; Grupos Etários; Testes de Função Respiratória; Criança; Adolescente; Estudos Transversais.
Introduction: Studies of lung and respiratory function favor the understanding of their variability and clinical applicability. Objective: Characterization and analysis of basic lung function (forced vital capacity – FVC, maximum respiratory pressures – MRP and peak cough flow – PFM) in a Brazilian sample of people with Duchenne muscular dystrophy (DMD) and development of predictive formulas. Methods: Sample of 231 medical records, divided into 2 groups: G1- 9 to 13 years and G2- 14 to 18 years. Descriptive analysis of the variables and Spearman correlation analysis were performed to verify association between them. Comparison of MRP by age used one-way ANOVA. Multiple regression analyses identified possible predictive variables for FVC and FVC (α=0.05). Results: Positive correlation between the variables studied and similarity with values in the literature. Analysis focusing on age showed Maximum Inspiratory Pressure (MIP) as a strong predictor of FVC. An equation was established to predict FVC from MRP and between MRP and PFM. Conclusion: The analysis of the age factor as an indicator of disease progression allowed the generation of predictive formulas for FVC from MIP and for PCF from MRP. It is noteworthy that MIP is a strong predictor of FVC.
Keywords: Duchenne; Maximal Respiratory Pressures; Age Groups; Respiratory Function Tests; Child; Adolescent; Cross-Sectional Studies.
A distrofia muscular de Duchenne (DMD) é uma doença genética caracterizada pela mutação do gene Xp21, responsável pela produção da proteína distrofina, participante na citoarquitetura muscular, sendo que sua diminuição causada pela DMD leva a um comprometimento progressivo desde as fibras musculares até neurônios, induzindo acometimento neuromotor de forma global, inclusive do tecido muscular cardíaco, culminando em alterações funcionais de caráter motor, cognitivo e cardiopulmonar [1]. A caracterização da função respiratória desta população é bastante explorada na literatura, mas ainda há a necessidade de estudos de valores estratificados para a população brasileira [2,3].
A alteração da biomecânica respiratória e pulmonar induz alterações em todos os volumes e capacidades pulmonares, pesquisados por meio de provas de função pulmonar que focam, principalmente, na capacidade vital forçada (CVF) e nas medidas das pressões inspiratórias (PImáx) e expiratórias máximas (PEmáx), ou seja, as pressões respiratórias máximas (PRmáx) [4].
O fisioterapeuta necessita de parâmetros bem estabelecidos para guiar a decisão clínica, planejar o tratamento, selecionar intervenção e documentar o efeito de cada sessão e por períodos de tratamento [5].
As avaliações respiratórias e testes de função pulmonar são instrumentos usados de forma rotineira para avaliar o grau de comprometimento respiratório e incluem, minimamente, medidas de CVF, PRmáx e de Pico de fluxo de tosse (PFT), acompanhadas dos achados clínicos [6,7]. Estas medidas não são invasivas, são fáceis de serem coletadas e de baixo custo, devendo ser de domínio dos profissionais de saúde que atendem pessoas com DMD.
Valores da avaliação de 115 pessoas com DMD, na faixa etária de 6 a 24 anos, as curvas de espirometria, volumes respiratórios, respiração espontânea e padrão de mobilidade toracoabdominal foram analisadas, considerando período de 7 anos. Os pesquisadores encontraram curva de decréscimo significativo de 4% ao ano, em média, para os parâmetros pesquisados e afirmaram que, de forma geral, as medidas de PRmáx são relevantes na avaliação de pessoas com DMD [8,9].
Pode-se considerar que as medidas de CVF e PRmáx são indicadoras da função da musculatura respiratória, especialmente em pacientes com DMD, sem associação de broncoespasmo (o que é raro) e a diminuição destes valores associam-se a perda da força muscular respiratória e/ou complicações clínicas, o que as tornam de extrema relevância na avaliação de rotina do profissional de saúde.
Analisou-se os valores de função respiratória em amostra brasileira, de forma a esclarecer características específicas para esta população e estabelecer fórmulas preditivas que facilitem a rotina clínica, especialmente para fisioterapeutas que atuam com essa população, com limitação de equipamentos.
Estudo retrospectivo e transversal. Foram acessados os protocolos de 1568 pessoas com doença neuromuscular de Duchenne, e idade entre 9 e 18 anos, acompanhadas no CEGH-CEL (Centro de Estudos Genoma Humano e Células Tronco) do Instituto de Biociências da USP.
A escolha da faixa etária a partir de 9 anos corresponde ao que a literatura considera como adequada para o entendimento e a realização dos testes respiratórios [9] e a escolha da idade máxima de 18 anos ocorreu em função da expectativa de vida da doença, que embora possa ser maior, tem limites para esta idade em função do estirão de crescimento que exige muito do organismo [10,11].
Foram selecionados prontuários de pessoas com diagnóstico de DMD, realizado a partir de exames de MLPA (multiplex ligation-dependent probe amplification) e/ou NGS -sequenciamento de nova geração), restando amostra de 423 pessoas e, destes prontuários, 231 apresentavam resultados de testes respiratório, constituindo a amostra final. (Figura 1)
Figura 1 - Fluxograma de seleção de prontuários
Os dados registrados nos prontuários foram coletados por meio de aplicação de protocolo de avaliação respiratória. O procedimento de espirometria seguiu as normas técnicas preconizadas pelas Diretrizes para Testes de Função Pulmonar da Sociedade Brasileira de Pneumologia e também as recomendações da American Thoracic Society [12,13]. O teste foi realizado utilizando espirômetro da marca Koko® Ambriex, nSpyre, EUA, com o paciente na posição sentada de forma confortável, com a cabeça mantida em posição neutra e fixa, sendo previamente instruído e treinado quanto aos procedimentos a serem realizados, em uso de um clipe nasal.
Foi solicitado que o paciente realizasse 2 ciclos respiratórios e então uma inspiração máxima até a Capacidade Pulmonar Total (CPT), seguida de uma expiração máxima sustentada por pelo menos 3 segundos (Inspiração e expiração máximas = CVF), até o volume residual (VR). Para medida das PRmáx foi utilizado o manovacuômetro analógico da marca Philips Respironics®. Após a adaptação do aparelho na boca do paciente, seguindo os mesmos procedimentos descritos anteriormente, foi solicitada então uma expiração máxima seguida por uma inspiração máxima, que é mensurada, seguida de uma expiração máxima, também registrada (PEmáx e PImáx) [12-14].
A medida do Pico de Fluxo de Tosse foi realizada com um Peak Flow Meter marca Philips Respironics®. O paciente é orientado inicialmente a realizar uma inspiração máxima e em seguida tossir o mais forte possível soprando ar dentro do tubo aparelho colocado intrabucal com oclusão oral e uso de pinça nasal. Foram realizadas três tentativas, escolhendo-se o valor mais elevado para posterior análise da PFT [15,16].
Os pacientes foram previamente instruídos e treinados quanto aos procedimentos realizados.
Foi realizada análise estatística descritiva, utilizada para explorar e resumir os dados coletados. O teste de Shapiro-Wilk foi utilizado para analisar a normalidade dos dados.
O Teste de Lilliefors foi utilizado para comparação das médias. Para correlacionar as variáveis encontradas utilizamos o teste de Coeficiente de Correlação de Spearman com o nível de significância de 5% (α=0,05) [8].
Para análise da regressão linear múltipla foram atendidos os pressupostos de resíduos com comportamento normal na representação gráfica Q-Q Plot e no teste de Shapiro-Wilk e de ausência de multicolinearidade para as variáveis independentes. A PImáx foi estabelecida como a variável dependente (desfecho). Para a identificação dos fatores preditores de CVF e PEmáx foram utilizadas como variáveis mais correlacionadas. Em todos os modelos as variáveis independentes foram inseridas numericamente, como os valores absolutos de Idade, CVF e PFT.
O Teste de Correlação de Pearson foi utilizado para avaliar possíveis correlações de vários preditores com valores de CVF e PFT. A análise regressão linear múltipla hierárquica foi utilizada para analisar as variáveis preditoras da PFT e CVF (variáveis dependentes) teve como variáveis independentes a PImáx, a idade e a PEmáx. A qualidade do modelo foi analisada considerando o nível de significância para a análise de variância (ANOVA), a distribuição dos resíduos e o coeficiente de determinação (R²). A comparação da PRmáx com duas faixas etárias foi realizada utilizando ANOVA unidirecional, seguido do pós-teste de Bonferroni.
A significância estatística foi estipulada em 5%. Para o processamento dos dados iniciais avaliados foi utilizado o software Statistica e para a avaliação dos dados que geraram as fórmulas preditivas foi utilizado o software IBM-SPSS, versão 24.0.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (CAAE processo nº 22153319.4.0000.0065).
A amostra estudada contemplou 231 participantes (protocolos). Os participantes eram oriundos de 20 estados da federação brasileira com dados concentrados na região sudeste. O grupo A estava na faixa etária, de 9 a 13 anos e o grupo B de 14 a 18 anos.
A Tabela 1 apresenta valores de comparação entre as duas faixas etárias. Encontrou-se diferenças estatisticamente significativas nas medidas de PEmáx, PFT e CVF. A maior diferença encontrada entre os grupos é na medida CVF, sendo que o grupo apresentou valores 33% menores do que o grupo de 9 a 13 anos. Observa-se que o grupo B tem PEmáx significativamente menor (-23%) quando comparado ao grupo A, e para a PImáx, não há diferença entre os grupos. O grupo B tem PFT significativamente maior (+10%) que o grupo A e CVF significativamente menor (-33%).
A Tabela 2 apresenta valores de comparação entre as duas faixas etárias. Encontrou-se diferenças estatisticamente significativas nas medidas de PEmáx, PFT e CVF. A maior diferença encontrada entre os grupos é na medida CVF, sendo que o grupo apresentou valores 33% menores do que o grupo de 9 a 13 anos. Observa-se que o grupo B tem PEmáx significativamente menor (-23%) quando comparado ao grupo A, e para a PImáx, não há diferença entre os grupos. O grupo B tem PFT significativamente maior (+10%) que o grupo A e CVF significativamente menor (-33%).
Tabela 1 - Comparação das médias das variáveis pesquisadas, por faixas etárias
Variável |
9 a 13 anos (n=169) |
14 a 18 anos (n=62) |
Diferença (%) entre 2 grupos etários |
p-valor |
PEmáx (cmH2Oeg) |
47,7 (14,3) |
38,6 (17,8) |
23% |
0,003* |
PImáx (cmH2Oeg) |
53,0 (16,7) |
48,8 (23,5) |
8% |
0,240 |
PFT (l/min) |
194,9 (49,3) |
215,2 (62,1) |
10% |
0,037* |
CVF (%) |
81,3 (18,3) |
60,9 (24,2) |
33% |
<0,001* |
PEmáx – pressão expiratória máxima; PImáx – pressão inspiratória máxima, PTF – pico de fluxo expiratório; CVF – capacidade vital forçada *diferença significativa entre os dois grupos etários (p<0,05).
Tabela 2 - Valores das variáveis segundo o esperado para faixa etária estudada e nos estudos com similaridade de medidas
Autores |
N |
idade |
PImáx |
PEmáx |
CVF |
PFT |
anos |
mmH2O |
mmH2O |
L/min |
L/min |
||
valor predito |
|
|
45,3 |
45,5 |
0,8 |
160-270 |
Murray et al. |
231 |
9 a 18 |
50,9 |
43,2 |
0,7 |
205 |
1.Rodini et al. [29] |
12 |
10 a 22 |
41,2 |
36,7 |
1,4 |
185 |
2.Meier et al. [11] |
64 |
10 a 18 |
45,9 |
40,1 |
1,9 |
200 |
3.Selestrin [7] |
101 |
4 a 18 |
70,9 |
65,2 |
0,85 |
200 |
4.LoMauro et al. [15] |
115 |
6 a 24 |
21,1 |
27,7 |
0,8 |
160 |
5.Luiz et al. [27] |
19 |
7 a 17 |
22,7 |
17,5 |
0,65 |
223 |
6.Caromano et al.[1] |
68 |
5 a 20 |
53,3 |
41 |
Não mediu |
Não mediu |
7.Khirani at al. [26] |
48 |
6 a 19 |
15,3 |
29,8 |
0,52 |
267 |
8.Nicot et al. [9] |
20 |
2 a 18 |
47,9 |
54,2 |
0,65 |
205 |
n total |
447 |
6,3 a 18,3 |
39,8 |
39 |
0,97 |
205,7 |
Desvio padrão |
38,5 |
2,7 a 5 |
18,9 |
15,1 |
0,5 |
33,3 |
Mínimo |
12 |
2 |
15,3 |
17,5 |
0,52 |
160 |
Máximo |
115 |
24 |
70,9 |
65,2 |
1,9 |
267 |
Na avaliação das variáveis envolvidas na análise de regressão linear múltipla observou-se que ao analisar a idade com PRmáx e PFT encontrou-se a PImáx como forte preditora para a equação de PFT. A idade auxilia na determinação do predito para PFT. O modelo encontrado é estatisticamente significante [F (3; 195) = 29,210; p < 0,001; R² = 0,310]. Nesse modelo, a PImáx (β = 0,985; teste t = 4,684; p<0,001), a idade (β = 8,110; teste t = 5,412; p<0,001) e a PEmáx (β = 0,770; teste t = 2,979; p=0,03) foram preditoras da PFT.
Analisando os coeficientes de determinação (R²) dos modelos e os coeficientes padronizados de cada variável, notamos que a PImáx é aquela que explica a maior variância da PFT, seguida pela idade e pela PEmáx. Utilizando os coeficientes gerados pela regressão, a equação para previsão da PFT foi determinada por:
Foi observado que a idade, PRmáx e CVF determinam a PImáx como forte preditora para a equação de CVF.
Para a determinação da CVF a análise resultou em um modelo estatisticamente significante [F (2; 161) = 42,596; p < 0,001; R² = 0,346]. Nesse modelo, a PImáx (β = 0,019; teste t = 9,131; p<0,001) e a idade (β = 0,052; teste t = 2,931; p=0,004) foram preditoras da CVF. Analisando os coeficientes de determinação (R²) dos modelos e os coeficientes padronizados de cada variável, notamos que a PImáx é aquela que explica a maior variância da CVF. Utilizando os coeficientes gerados pela regressão, a equação para previsão da CVF foi determinada por:
Este estudo focou em amostra brasileira com DMD, constituída de pacientes de todos os estados brasileiros, com características socioculturais diferentes, especialmente no que se refere ao acesso aos recursos de saúde, medicamentos, cadeira de rodas e alimentação adequada.
A revisão de literatura mostrou 8 estudos, com nossas variáveis foco, cujo número de participantes variou de 12 a 115, e as idades de 2 a 24 anos.
Nossos achados têm valores de medidas que não estão em disparidade com os valores previstos e são compatíveis com 4 dos 8 estudos encontrados. Pode-se observar também que, os valores encontrados por Selestrin [7] estão acima dos valores preditos e dos valores dos demais estudos que pode ser justificado pelo uso de corticoides durante a avaliação respiratória e, em contrapartida, os valores de LoMauro et al. [15], Khimari et al. [26] Luiz et al.[27] estão abaixo dos valores dos outros estudos que podem ser justificados pela escolha do equipamento de avaliação respiratória e tipo de delineamento do estudo para esta avaliação.
Há similaridade de dados em estudos que seguem as avaliações respiratórias preconizadas pela American Thoracic Society [12], porém, alguns estudos apresentam disparidades com relação ao número de participantes inferiores aos analisados neste estudo, em outros a forma como foi realizada a avaliação respiratória seguindo outros protocolos ou ainda estudos que envolveram uso de corticoides durante a avaliação respiratória.
Isto demonstra a necessidade de padronização dos estudos e uma melhor definição dos preditos uma vez que foram determinados por Knudson et al [4] em 1991 e as mensurações, resultados e preditos sem mantem os mesmos. Esta disparidade de dados pode também ser justificada exatamente por falta de delineamento na literatura no que se refere a diferenças entre as regiões em tamanho, cultura e economia.
O que podemos afirmar é que, os resultados dos estudos não são similares e, enquanto um apresenta um deslocamento relevante para mais, outras 3 pesquisas apresentam o deslocamento das médias para baixo, em relação aos valores médios, atingindo valores em torno da metade do esperado.
Este estudo aborda uma população de um país com dimensões continentais com dificuldades de deslocamento para atendimento médico, falta de acesso a medicação específica, assim como, falta de uma política social que possa auxiliar esta população ao tratamento adequado em contrapartida com moradores de algumas capitais com infraestrutura de saúde avançada.
Uma razão potencial para a variabilidade observada nas estimativas de mortalidade pode estar relacionada às diferenças entre os países no que diz respeito ao manejo clínico geral de pacientes com condições crônicas incapacitantes. Por exemplo, no Japão, os pacientes com DMD geralmente residem em centros de tratamento dedicados ao tratamento de pacientes em estágios mais avançados da doença, nos quais recebem cuidados e reabilitação ao longo da vida.
É esperado, mas nem sempre é realidade, que os pacientes sejam monitorados de perto e tratados por profissionais de saúde com experiência relevante de acordo com as diretrizes de cuidados atuais. Em contraste, em outros contextos, ao completar 18 anos de idade, os pacientes fazem a transição dos serviços pediátricos para os adultos e geralmente continuam a receber a maioria de seus cuidados de longo prazo em casa, como no processo de transição que ocorre no Reino Unido, onde os pacientes adultos experimentam cuidados menos abrangentes em comparação com as crianças com DMD, incluindo menor frequência de avaliações cardiorrespiratórias e acesso à fisioterapia.
O manejo respiratório desta população, a regulação dos cuidados de saúde e reabilitação com DMD entre os sistemas de saúde e os pontos de acesso (dentro e entre países) parecem ser altamente relevante para aumentar o prognóstico de sobrevida destes pacientes. Paradoxalmente, existem países no continente africano que nem mesmo apresentam possibilidades de realização de diagnóstico bioquímico para a doença.
Estudos mostram que o declínio da força muscular e da função pulmonar na DMD contribui para a morbidade e mortalidade precoce. A força muscular respiratória é um preditor para a manutenção da qualidade de vida e também um norteador para os tratamentos a serem aplicados. Avaliar e mensurar PRmáx, CVF e PFT são de relevância clínica para a adequação terapêutica [17-20].
Embora nem todos os pacientes evoluam de forma similar, a idade é um marcador relevante. Ao considerarmos dois grupos com faixas etárias com diferença de aproximadamente 5 anos, estas diferenças se tornaram significativas para medidas de PEmáx, PFT e CVF. A PEmáx é significativamente menor (-23%) no grupo B, enquanto a PImáx, não varia. O que justifica estes resultados é a força respiratória necessária para a realização de CVF e PEmáx, que ainda está preservada nesta faixa etária como esperado [21-23].
Frente a este fato, era esperado que a PImáx se mostrasse como forte preditora para a equação de CVF e PFT. Mesmo que a idade seja um fraco preditor para DMD, visto a variabilidade na evolução da doença, quando avaliada em conjunto com estas variáveis auxilia na determinação do predito para CVF. Assim, também, a PImáx foi forte preditora para a equação de PFT.
Tanto as pressões respiratórias quanto o pico de fluxo de tosse desempenham um papel importante na avaliação da função pulmonar e na identificação de alterações na saúde respiratória. Cada uma dessas medidas fornece informações específicas sobre a força e a capacidade dos músculos respiratórios. Portanto, a combinação dessas medidas é essencial para uma avaliação abrangente da função pulmonar e para guiar a tomada de decisões clínicas, como o manejo de doenças respiratórias crônicas ou o tratamento de condições que afetam a força muscular respiratória. Estudos específicos relacionados a este tipo de avaliação, encontrou uma correlação significante entre valores referentes à PFT e os de PImáx e PEmáx [24,25]. Devido à importância destes dados para a avaliação e decisão terapêutica, em nosso estudo, observamos as correlações entre PFT e as pressões máximas expiratórias e inspiratórias e estas apresentaram significância estatística, justificando as correlações encontradas.
Os estudos que correlacionam os valores de PEmáx em relação aos de PImáx afirmam que o resultado PEmax é menor do que a PImax, o que pode ser explicado pelo curso natural da doença, que também é associando funcionalidade, força muscular geral e força da musculatura respiratória. Esta afirmação aponta para um estágio relacionado a limitação de mobilidade dos segmentos corporais, devido à fraqueza muscular progressiva e consequentemente da expansibilidade torácica [26-29].
Considerando o contexto brasileiro e relevância do conhecimento dos valores das PRM como desfecho na avaliação da saúde e do índice prognóstico para doenças infantis, ainda é necessário o desenvolvimento de equações preditivas e valores de referência das PRM. Diante da perspectiva de variabilidade metodológica, da falta de consenso entre os valores de referência e as equações preditivas reiteramos a orientação da American Thoracic Society, em sua revisão de normas de 1991, de que os valores de referência devem ser regionalizados para refletirem o seu comportamento em cada população.
Este estudo tem limitações na caracterização da função respiratória em amostra brasileira, pois, embora tenha representantes de todos os Estados, a proporção de participantes é bastante diferente em número, principalmente no que se refere a pacientes oriundos do norte do país, principalmente pela dificuldade de acesso a centros de estudo especializados, geralmente situados nas capitais. O estudo também não abordou pacientes adultos em função da grande variedade de idade para um número de participantes limitados.
Apesar da disparidade entre as formas de avaliação respiratória, os valores encontrados são equivalentes aos de alguns estudos, e diferem de outros, descritos pela literatura.
A idade, mesmo sendo um fraco indicador, como esperado, ainda é relevante quando considerado as 2 faixas etárias com 5 anos de diferença, o que gerou dados que permitiram a elaboração de fórmula preditiva, que poderá auxiliar na decisão terapêutica intrassessão, permitindo o direcionamento da terapêutica aplicada sem a necessidade imediata de exames complexos, tornando a relação entre custo versus benefício ideal para o terapeuta e paciente, facilitando inclusive, o acompanhamento evolutivo da função respiratória.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse de qualquer natureza.
Fontes de financiamento
Estudo financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Brasil (CAPES).
Contribuições dos autores
Concepção e desenho da pesquisa: Sousa-Murray AC, Caromano FA; Obtenção de dados: Sousa-Murray AC, Caromano FA; Análise e interpretação dos dados: Sousa-Murray AC, Suda EY, Voos MC, Carmo AS, Caromano FA; Análise estatística: Caromano FA Sousa-Murray AC, Suda EY, Voos MC; Obtenção de financiamento: Carmo AS, Caromano FA; Redação do manuscrito: Sousa-Murray AC, Suda EY, Vale FA, Caromano FA; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Sousa-Murray AC, Voos MC, Escorcio R, Bedeschi C, Vale FA, Caromano FA.
Referências
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