ARTIGO ORIGINAL
Análise comparativa da dor entre mulheres mastectomizadas com e sem reconstrução mamária imediata
Comparative analysis of pain between mastectomized women with and without breast reconstruction
Sabrina Orlandi Barbieri1, Joana Hasenack Stallbaum1, Camila Laís Menegazzi Giongo1, Gabrielle Peres Paines1, Bianca Rangel da Silva1, Melissa Medeiros Braz1, Hedioneia Maria Foletto Pivetta1
1Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil
Recebido em: 11 de março de 2025; Aceito em: 19 de março de 2025.
Correspondência: Sabrina Orlandi Barbieri, bina-orlandi@hotmail.com
Como citar
Barbieri SO, Stallbaum JH, Giongo CLM, Paines GP, Silva BR, Braz MM, Pivetta HMF. Análise comparativa da dor entre mulheres mastectomizadas com e sem reconstrução mamária imediata. Fisioter Bras. 2025;26(1):1958-1967. doi:10.62827/fb.v26i1.1044
Introdução: A dor é uma complicação comum em mulheres que trataram o câncer de mama. Objetivo: Comparou-se o padrão e as características da dor entre mulheres que realizaram a cirurgia de mastectomia, associada ou não à reconstrução mamária. Métodos: Estudo de caráter transversal e abordagem quantitativa. A amostra foi composta por 46 mulheres submetidas à mastectomia que realizaram (GMR = 25) ou não reconstrução mamária imediata (GM = 21). Como instrumento de coleta de dados utilizou-se de uma ficha de avaliação, contemplando dados demográficos e de tratamento oncológico. A intensidade da dor foi avaliada através da Escala Visual Analógica e o Mapa Corporal. Os dados foram analisados pela estatística descritiva, seguida do teste de normalidade de Shapiro-Wilk, Teste t de Student bicaudal e Teste U de Mann-Whitney. Para variáveis categóricas foi utilizado o Teste de Qui-Quadrado, com nível de significância de 0,05. Resultados: Independente do grupo, 100% (46) das avaliadas relataram dor, apesar dos escores serem de baixa intensidade. As regiões com maior referência dolorosa foram axila, braço e hemitórax. Na análise comparativa entre os grupos não foram identificadas diferenças quanto à intensidade da dor e locais avaliados. Conclusão: A dor esteve presente na totalidade da amostra. As variáveis da dor analisadas não apresentaram diferença entre aqueles que foram submetidas a mastectomia com ou sem reconstrução mamária, inferindo que a reconstrução, isoladamente, parece não ter maiores repercussões sobre a dor.
Palavras-chave: Dor; Mastectomia; Implante Mamário; Neoplasias da Mama; Saúde da Mulher.
Introduction: Pain is a complication that is incurred in women who have been treated for breast cancer. Objective: To compare the pattern and characteristics of pain among women who underwent mastectomy surgery, with or without breast reconstruction. Methods: This study is a branch of a larger cross-sectional research with a quantitative approach. The sample consisted of 46 women who underwent mastectomy, either with (GMR = 25) or without breast reconstruction (GM = 21). Data collection was conducted using an evaluation form, which included demographic data and oncological treatment details. Pain intensity was assessed using the Visual Analog Scale. To identify the distribution and intensity of pain ipsilateral to the surgery in the evaluated areas, a Body Map was presented. Data were analyzed using descriptive statistics, followed by the Shapiro-Wilk normality test. Parametric continuous variables were compared using the two-tailed Student’s t-test for independent samples, while non-parametric variables were analyzed using the Mann-Whitney U test. Categorical variables were assessed using the Chi-Square test. The significance level adopted was 0.05 for all tests. Results: Regardless of the group, 100% (46) of the participants reported pain, although the intensity scores were low. The most frequently reported pain regions were the axilla, arm, and chest. Comparative analysis between groups did not identify differences in pain intensity or evaluated locations. Conclusion: Pain was present in the entire sample, emphasizing the relevance of this issue given its functional implications and impact on women’s quality of life. The analyzed pain variables did not show differences between those who underwent mastectomy with or without breast reconstruction, suggesting that reconstruction alone does not appear to have significant repercussions on pain.
Keywords: Pain; Mastectomy; Breast Implantation; Breast Neoplasms; Women’s Health.
O câncer (Ca) de mama é uma das doenças mais comuns em mulheres e é considerado um grave problema de saúde pública¹. Apesar de apresentar bom prognóstico, no Brasil a doença ainda é diagnosticada tardiamente levando a tratamentos mais radicais e maiores morbidades associadas. A terapêutica de primeira escolha consiste, na maioria das vezes, em procedimentos cirúrgicos para a erradicação do tumor [1,2].
As técnicas cirúrgicas podem ser conservadoras ou radicais, associadas ou não à reconstrução mamária. A conduta está diretamente na dependência do estadiamento inicial e nas condições clínicas da paciente. A reconstrução mamária em si é um direito garantido por Lei à toda mulher que teve a mama retirada em decorrência do tratamento oncológico [3,4].
Existem muitas técnicas de reconstrução da mama descritas na literatura, sendo que a reconstrução imediata com implante ganha destaque pela sua simplicidade, menor tempo cirúrgico total e resultado estético superior [5,6]. Esta, tem por objetivo melhorar a qualidade de vida, funcionalidade e autoimagem corporal de pacientes com Ca de mama submetidas à mastectomia, sem afetar a segurança do tratamento oncológico [7].
Dentre as principais queixas das pacientes de Ca de mama está a dor, a qual tem como definição, de acordo com a Internacional Association for the Study of Pain (IASP) (2020), ser uma experiência sensitiva e emocional desagradável, associada, ou semelhante àquela, associada a uma lesão tecidual real ou potencial. Em mulheres que passaram pela masctectomia, a dor é uma comorbidade que acomete cerca de 36 - 94% das pacientes e pode apresentar características distintas em cada caso, como sensações ardentes e dolorosas na parte anterior do tórax, axila e/ou metade superior do braço e com início após a realização da mastectomia [8,9]. A dor crônica pós-mastectomia pode ser explicada por alguns fatores como aderência cicatricial [10], procedimentos axilares extensos, danos ao nervo intercostobraquial, toxicidade tecidual pós-radioterapia [9,10], dentre outros.
Com a evolução das técnicas de tratamento oncológico e maiores taxas de sobrevida das pacientes, destaca-se a necessidade de um olhar cuidadoso para que as mulheres possam gozar de sua vida de forma plena, com menos dor e mais qualidade. Comparou-se o padrão e as características da dor entre mulheres que realizaram a cirurgia de mastectomia, associada ou não a reconstrução mamária.
Pesquisa de caráter transversal e abordagem quantitativa que ocorreu com 46 mulheres que realizaram mastectomia, cujo acompanhamento oncológico se deu na rede pública de atenção à saúde, em um Hospital Universitário uma cidade do Rio Grande do Sul. Os resultados deste artigo representam o olhar sobre a variável dor das pacientes em tratamento para o Ca de mama a partir do delineamento da pesquisa maior.
A amostra da pesquisa foi composta por todas as mulheres que passaram pela cirurgia de mastectomia no referido Hospital e que foram encaminhadas ao ambulatório de Fisioterapia. Também participaram do estudo mulheres que fazem parte de um grupo de apoio a mulheres em tratamento para o câncer de mama, vinculado ao mesmo serviço de saúde (Hospital e ambulatório de Fisioterapia). A seleção da amostra foi realizada mediante consulta na lista de espera do ambulatório, sendo que as pacientes foram contatadas através de ligação telefônica e agendamento posterior para compor o estudo. Àquelas que mantiveram interesse compareceram em dia o horário marcado e responderam aos instrumentos de pesquisa. As mulheres foram divididas em dois grupos de acordo com a abordagem cirúrgica: Grupo mastectomia com reconstrução mamária (GMR) e Grupo mastectomia (GM).
Foram incluídas no estudo mulheres com idade igual ou superior a 18 anos, com tempo de, no mínimo, três meses de pós-operatório de mastectomia total, com ou sem reconstrução mamária imediata com prótese ou expansor, e após finalizado o tratamento adjuvante (quimioterapia). Foram excluídas mulheres submetidas a mastectomias bilaterais, cirurgias conservadoras (setorectomia) ou à mastectomia profilática. Também foram excluídas gestantes, mulheres que realizaram reconstrução mamária com retalhos miocutâneos, com recidivas locais, metástases à distância, linfedema segundo critério da Sociedade Internacional de Linfologia [13] e que possuíam patologias osteomusculares de cintura escapular previamente diagnosticadas ou autorrelatadas. Além disso, foram excluídas mulheres impossibilitadas de responder aos questionários por fatores auto ou alopsíquicos descritos no prontuário médico.
A pesquisa foi realizada após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos institucional, sob o número de parecer 3.152.026. Por se tratar de um estudo com seres humanos, os procedimentos foram ajustados de acordo com os padrões éticos definidos pelo Comitê responsável por estudos em humanos e de acordo com a Declaração de Helsinki de 1975, revisada em 2000. As mulheres foram abordadas nos Ambulatórios de Mastologia e de Fisioterapia do hospital-escola e em um grupo de apoio a mulheres com câncer de mama onde foram informadas sobre o conteúdo da pesquisa e seu procedimento.
Mediante consentimento, as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias de igual teor, ficando uma com a paciente e outra com as pesquisadoras. A coleta teve início a partir da ficha de avaliação, contemplando dados sociodemográficos (idade, escolaridade, estado civil) e do tratamento oncológico (tipo de cirurgia, terapia adjuvante), baseado em Ferreira [11].
Em seguida, para avaliação da variável “dor” como desfecho principal do estudo, foi utilizada a Escala Visual Analógica da Dor (EVA) para mensurar a presença e a intensidade da dor da participante no momento da avaliação, sendo 0 ausência de dor e 10 a pior dor possível [15]. Para dor de intensidade igual ou menor que 3 será descrita como fraca, a representação de 4 a 6 será considerada como dor moderada, como dor intensa a medida de 7 a 9, e para dor insuportável será intensidade de 10 [16]. Por fim, foi apresentado o Mapa Corporal para identificar a distribuição/localização da dor e a intensidade da dor nos locais avaliados: mama, axila, tórax, ombro, braço, antebraço e mão. Para a avaliação da dor relacionada a mastectomia a paciente foi orientada a informar somente a dor ipsilateral relacionada a este procedimento cirúrgico, não demarcando outras possíveis dores derivadas de processos osteomioarticulares anteriores ou de outra natureza.
Os dados foram analisados pela estatística descritiva, seguida do teste de normalidade de Shapiro-Wilk. As variáveis contínuas paramétricas foram comparadas pelo Teste t de Student bicaudal para amostras independentes, já as não-paramétricas foram pelo Teste U de Mann-Whitney. Para variáveis categóricas foi utilizado o Teste de Qui-Quadrado. O nível de significância adotado foi de 0,05 para todos os testes.
A amostra foi composta por 46 mulheres submetidas à mastectomia que realizaram (GMR = 25) ou não reconstrução mamária (GM = 21). Todas as participantes, ou seja, 100% (46) da amostra apresentou dor em, pelo menos, uma das regiões corporais avaliadas. Os dados de caracterização quanto às variáveis sociodemográficas e de tratamento estão descritos na Tabela 1.
Tabela 1 - Dados sociodemográficos e de tratamento oncológico das mulheres com câncer de mama
GMR (n = 25) |
GM (n = 21) |
p |
|
Idade |
48,5±9,1 |
56,1±9,6 |
0,01* |
Escolaridade Fundamental incompleto Fundamental completo Médio incompleto Médio completo Superior incompleto Superior completo |
3 (12%) 4 (16%) 1 (4%) 9 (36%) 0 (0%) 8 (32%) |
6 (28,6%) 2 (9,5%) 1 (4,8%) 7 (33,3%) 2 (9,5%) 3 (14,3%) |
0,26 0,67 1,00 1,00 0,20 0,19 |
Estado Civil Solteira Casada Divorciada Viúva |
4 (16%) 17 (68%) 2 (8%) 2 (8%) |
1 (4,8%) 15 (71,4%) 4 (19,0%) 1 (4,8%) |
0,36 1,00 0,39 1,00 |
Tipo de Cirurgia Mastectomia radical Mastectomia radical modificada |
2 (8%) 23 (92%) |
1 (4,8%) 20 (95,2%) |
1,00 |
Terapia Adjuvante Quimioterapia Radioterapia Hormonioterapia |
16 (64%) 11 (44%) 12 (48%) |
16 (76,2%) 14 (66,7%) 12 (57,1%) |
0,52 0,15 0,57 |
Legenda: n, número de pacientes. GMR: grupo mastectomia com reconstrução; GM: grupo mastectomia.
*p<0,05. Independent Sample T-test; Mann-Whitney U; Fisher’s Exact test; Chi-square test.
Fonte: Dados da pesquisa
O escore médio de intensidade da dor nos grupos foi de 1,9±2,1 para o GMR e 2,1±1,4 para o GM, caracterizando dor leve em todas as mulheres avaliadas. Na Tabela 2, estão descritos os dados de intensidade da dor por região, segundo a EVA. Não se observou diferença estatisticamente significativa na comparação entre grupos.
Tabela 2 - Comparação da intensidade e localização da dor de acordo com os grupos com e sem reconstrução
Intensidade da dor no local avaliado |
GMR (n = 25) |
GM (n = 21) |
p |
Dor na mama |
1,9 ± 2,6 |
1,3 ± 2,1 |
0,53 |
Dor na axila |
2,3 ± 2,8 |
3,9 ± 2,8 |
0,05* |
Dor no tórax |
2,1 ± 2,9 |
2,9 ± 3,2 |
0,42 |
Dor no ombro |
2,8 ± 3,3 |
2,3 ± 2,7 |
0,74 |
Dor no braço |
2,5 ± 2,9 |
3,0 ± 3,1 |
0,52 |
Dor no antebraço |
0,7 ± 2,0 |
1,0 ± 1,7 |
0,23 |
Dor na mão |
1,4 ± 3,0 |
0,6 ± 1,5 |
0,50 |
Legenda: n, número de pacientes. GMR: grupo mastectomia com reconstrução; GM: grupo mastectomia. *p<0,05. Independent Sample T-test; Mann-Whitney U; Fisher’s Exact test; Chi-square test.Fonte: Dados da pesquisa.
Em relação aos locais de distribuição da dor, os dados apresentados no gráfico 1 demonstram o percentual de distribuição da dor, de acordo com os grupos. O local mais referido com presença de dor foi a região axilar em ambos os grupos.
Legenda: GMR: grupo mastectomia com reconstrução; GM: grupo mastectomia.
Figura 1 - Distribuição de dor de acordo com os grupos com e sem reconstrução mamária
Quanto à amostra estudada, houve a predominância de mulheres adultas e casadas, sendo que 25 mulheres fizeram reconstrução mamária e 21 não passaram por esse procedimento.
No presente estudo, as regiões com maior referência dolorosa para ambos os grupos foram axila, braço e tórax no lado cirurgiado. De modo similar, no estudo de Gong [12], a região de dor mais referida foi a axilar ipsilateral (63,6%), a segunda foi a parede torácica ipsilateral (43,4%) e por último o braço ipsilateral (28,2%).
Apesar de as pacientes do presente estudo apresentarem dor de baixa a moderada intensidade, observa-se que esse sintoma está presente em toda a amostra estudada, independente da reconstrução mamária ou não, o que coloca em relevo tal situação tendo em vista as implicações funcionais que a cirurgia em si representa. A baixa intensidade da dor pode ser explicada pelo fato de que a amostra recrutada já havia finalizado o tratamento oncológico há, pelo menos, três meses, o que poderia minimizar essa condição. Outra questão a se considerar é que todas as mulheres estudadas realizaram tratamento fisioterapêutico, que pode ter influenciado sobre a redução da dor. Este foi um critério de inclusão para essa pesquisa pela viabilidade de acesso a essa população no cenário em questão.
Os achados de estudo similar [13], o qual avaliou mulheres após uma média de 4 anos e 2 meses da cirurgia para o câncer de mama, deflagraram que 87,5% das pacientes não apresentaram dor persistente clinicamente significativa e não foram encontradas diferenças entre os tipos de reconstrução em relação à presença de dor. Outra pesquisa [14] com sobreviventes do câncer de mama, com média de idade de 57,2 anos e tempo de cirurgia de 1,5 anos, identificou que 53% das pacientes relataram sentir dor, mas de intensidade baixa e média de 25±28 pontos em uma escala de 0-100, o que corrobora com os achados desta pesquisa.
Autores ainda relatam que aproximadamente 50% de mulheres com reconstrução mamária apresentam dor persistente pós-operatória, dentre essas 10-17% apresentam dor moderada a severa. Essa porcentagem se encontra na mesma faixa da prevalência geral de dor pós-operatória moderada a grave (16%) da coorte de sobreviventes de câncer de mama [12]. Isso sugere que os procedimentos de reconstrução não incidem sobre a ocorrência de dor pós-operatória, corroborando com a similaridade que houve entre os escores de dor nos grupos do presente estudo.
Complementando estes achados, uma recente revisão sistemática [15] concluiu que a reconstrução mamária com implante não aumenta o risco de dor persistente pós-operatória, se comparada com outras técnicas cirúrgicas de reconstrução ou com a mastectomia isolada.
Em contraponto, embora não existam evidências quanto a maior ocorrência de dor em mulheres pós-mastectomia com reconstrução, outro estudo [15] acena para essa relação, uma vez que os resultados encontrados inferem que o percentual de mulheres que apresentaram dor após a cirurgia de mastectomia com reconstrução (49%) foi significativamente maior do que as pacientes que realizaram apenas mastectomia (31%). Uma das prováveis explicações colocadas pelos autores é de que a dor pode estar relacionada também com insatisfação com a cirurgia de reconstrução, aumento do uso dos serviços de saúde, bem como morbidade clínica potencialmente debilitante [16].
Ainda, a dor no pós-operatório, relacionada às cicatrizes na pele e contraturas, bem como à disfunção do complexo do ombro pelo encurtamento dos músculos peitoral maior e menor, pode levar à postura de proteção em pacientes que realizam a mastectomia isolada, sem reconstrução [6].
Os estudos para o tratamento da dor após a realização de mastectomia são limitados, bem como, sua etiologia e mecanismo não são esclarecidos [12]. Desse modo, entende-se como uma condição de dor neuropática em decorrência de um possível dano ao sistema nervoso na região axilar ou torácica, pelas técnicas cirúrgicas e terapias adjuvantes pré ou pós-operatórias. É possível que a manipulação de músculos peitorais que ocorre em uma cirurgia de mama traz risco de lesão tecidual e complicações em até 70% dos casos [17]. Dentre as complicações mais comuns ressalta-se as decorrentes de alterações axilares, torácicas e de membro superior. A dor no braço homolateral parece estar relacionada à extensão do mecanismo cirúrgico axilar, assim como a danos em determinadas estruturas como o nervo intercostobraquial e serrátil anterior, no entanto sua etiologia e tendência a cronificação ainda não são completamente esclarecidos [12].
Outros estudos apontam ainda a associação da dor em sobreviventes do câncer de mama com os fatores cirúrgicos, demográficos e psicossociais [18]. Reforça-se, assim, o quão multifatorial a dor se apresenta, necessitando ser melhor entendida em termos de mecanismos e tratamentos multidisciplinares. Assim, acredita-se ser possível melhorar a assistência para essas pacientes, tendo em vista o aumento da sobrevida por anos após o adequado manejo da doença.
Como limitações, não foram avaliadas questões psicológicas, mas por se tratar de dor crônica vimos a necessidade de acrescentar questionários que avaliem esta questão. Destaca-se a importância clínica do estudo que apresenta dados quanto a ocorrência, intensidade e padrão de distribuição da dor. Embora não tenha sido identificado diferenças significativas na comparação entre os grupos, salienta-se que o fato isolado de passar pelo tratamento do câncer de mama já incide em quadro de dor crônica persistente. Desse modo, com ou sem reconstrução mamária, a equipe multiprofissional que acompanha essas mulheres precisa estar atenta para a prevenção e manejo da dor para que os prejuízos funcionais sejam minimizados.
Há poucos estudos sobre a dor em pacientes com câncer de mama. Entretanto, pesquisar sobre este tema pode trazer um melhor entendimento sobre as opções de tratamento fisioterapêutico, para alívio da dor e melhora da funcionalidade, que podem estar comprometidas pela dor. Um ponto forte de nosso estudo é que foram comparadas mulheres que realizaram mastectomia com reconstrução com mulheres que realizaram mastectomia isolada. Isto porque se sabe que a mastectomia é conhecida por impactar na incidência de dor nas mulheres. Destacamos a importância de mais estudos sobre o tema, a fim de compreender melhor os mecanismos da dor crônica, bem como possíveis tratamentos.
Observou-se alta ocorrência de dor em ambos os grupos. Contudo a intensidade foi qualificada como baixa. As variáveis da dor analisadas no grupo amostral estudado não apresentaram diferença significativa entre mulheres mastectomizadas com ou sem reconstrução mamária, inferindo que a reconstrução, isoladamente, parece não ter maiores repercussões sobre a dor. Verificou-se também que, em ambos os grupos, a região de maior dor foi a axila.
Conflitos de interesse
Os autores declararam não haver conflitos de interesse em potencial com relação à pesquisa, autoria e/ou publicação deste artigo.
Fontes de financiamento
Os autores não receberam nenhum apoio financeiro para a pesquisa, autoria, e/ou publicação deste artigo.
Contribuição dos autores
Concepção e desenho da pesquisa; Barbieri SO, Stallbaum J; Obtenção de dados: Barbieri SO, Giongo CL, Stallbaum J; Análise e interpretação dos dados: Stallbaum J, Barbieri SO, Pivetta HMF, Braz MM; Análise estatística: Stallbaum J; Redação do manuscrito: Barbieri SO, Stallbaum J, Giongo CL, Paines GP, Silva BR, Pivetta HMF, Braz MM; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Pivetta HMF, Braz MM, Paines GP.
Agradecimentos
Os autores agradecem às pacientes que fizeram parte desta pesquisa, verdadeiras lições de vida que doaram seu tempo para a produção científica, e nos ajudam a pensar uma melhor assistência em saúde para esta população em específico. Além disso agradecemos a todos que nos ajudaram na coleta de dados em especial a Fisioterapeuta Giovana Morin Casassola.
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