ARTIGO ORIGINAL
A participação de crianças pré-escolares com alterações de desenvolvimento e em tratamento fisioterapêutico sob a ótica da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde
The participation of preschool children with developmental disorders and undergoing physiotherapy treatment from the perspective of the International Classification of Functioning, Disability and Health
Laura Costa Macena Vitorino¹, Paula de Almeida Thomazinho¹, Tatiana Hamanaka¹
¹Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes
Figueira (IFF/Fiocruz), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Recebido em: 27 de dezembro de 2024; Aceito em: 14 de janeiro de 2025.
Correspondência: Laura Costa Macena Vitorino, lauramacena.rj@gmail.com
Como citar
Vitorino LCM, Thomazinho PA, Hamanaka T. A participação de crianças pré-escolares com alterações de desenvolvimento e em tratamento fisioterapêutico sob a ótica da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Fisioter Bras. 2024;25(6):1897-1914. doi:10.62827/fb.v25i6.1036
Introdução: A Participação é um dos componentes da funcionalidade e é definida pelo “envolvimento do indivíduo em situações de vida diária”. No entanto, crianças com alterações do desenvolvimento neuromotor apresentam limitações de atividades de mobilidade em decorrência de deficiências funcionais relacionadas aos componentes articulares, musculares ou de controle motor, que causam restrições da participação no âmbito domiciliar ou comunitário. Objetivo: Avaliar a participação de crianças de 0 a 3 anos com alterações do desenvolvimento em tratamento fisioterapêutico ambulatorial. Métodos: Estudo longitudinal, analítico-descritivo e observacional das características de participação dos pacientes entre 0-3 anos em atendimento no ambulatório de Fisioterapia Neurofuncional em um hospital de referência à assistência de saúde materno infantil. Foram utilizados para coleta de dados: questionário das características clínicas e aplicação dos instrumentos: Escala Motora Infantil de Alberta (AIMS), Teste de Denver II, Child Engagement in Daily Life (CEDL), Affordances in the Home Environment for Motor Development (AHEMD), sendo realizado 2 avaliações com intervalo de 3 meses entre as avaliações.
Resultados: Foram avaliadas 14 crianças, com predomínio do sexo masculino 71,43% (n=10) e média de idade de 11,59 meses (±8,5 m). Todos os pacientes preenchiam critério para intervenção fisioterapêutica, embora apenas 42,86% (n=6) apresentassem atraso no desenvolvimento motor, segundo a AIMS. O domínio da linguagem foi outro com grande prevalência de alteração 50% (n=7) da amostra. Quanto aos fatores contextuais, observou-se oportunidades de estímulos no ambiente domiciliar ‘adequada e/ou excelente’ para a disponibilidade de brinquedos de motricidade grossa 64,28% (n=9) e fina 50% (n=7), a maioria das crianças pertenciam às classes sociais baixas (D ou E). Em relação a participação, as maiores frequências observadas foram de atividades familiares em casa em 78,57% (n=11) e na comunidade 85,71% (n=12) e em brincadeiras internas com adultos 100% (n=14). Houve baixa frequência de participação em aulas organizadas 85,71% (n=12) e passeios de entretenimento 92,86% (n=13). Foram encontradas trajetória de participação crescente em brincadeiras ao ar livre com outras crianças 78,57% (n=11) e com adultos 85,71% (n=12) com significância estatista nessas atividades. Conclusão: A maioria das crianças do estudo apresentavam alterações de desenvolvimento e baixa participação em atividades extracomunitárias e com outras crianças, mostrando aumento na participação com outras crianças ao longo do estudo. Dessa forma, aponta-se para a importância de uma avaliação mais detalhada sob o olhar da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, no qual podem auxiliar os profissionais de saúde a avaliarem e planejarem intervenções centradas na família, além de ampliar as oportunidades de participação em crianças com alterações de desenvolvimento em idade precoce, com orientações adequadas.
Palavras-chave: Participação social; desenvolvimento infantil; reabilitação.
Introduction: Participation is one of the components of functionality and is defined by the “individual’s involvement in daily life situations”. However, children with neuromotor development disorders have limitations in mobility activities due to functional deficiencies related to joint, muscle or motor control components, which cause restrictions on participation in the home or community environment. Objective: To evaluate the participation of children aged 0 to 3 years with developmental disorders in outpatient physiotherapy treatment. Methods: Longitudinal, analytical-descriptive and observational study of the participation characteristics of patients aged 0-3 years treated at the Neurofunctional Physiotherapy outpatient clinic in a referral hospital for maternal and child health care. The following instruments were used for data collection: a questionnaire on clinical characteristics and application of the following instruments: Alberta Infant Motor Scale (AIMS), Denver II Test, Child Engagement in Daily Life (CEDL), Affordances in the Home Environment for Motor Development (AHEMD), with 2 assessments being carried out with an interval of 3 months between assessments. Results: Fourteen children were evaluated, with a predominance of males (71.43% (n = 10) and a mean age of 11.59 months (± 8.5 m). All patients met the criteria for physical therapy intervention, although only 42.86% (n = 6) had delayed motor development, according to AIMS. Language domain was another with a high prevalence of alteration (50% (n = 7) of the sample). Regarding contextual factors, opportunities for stimulation in the home environment were observed as ‘adequate and/or excellent’ for the availability of gross motor toys (64.28% (n = 9) and fine motor toys (50% (n = 7), and most of the children belonged to the lower social classes (D or E). Regarding participation, the highest frequencies observed were family activities at home in 78.57% (n = 11) and in the community 85.71% (n = 12) and indoor games with adults 100% (n = 14). There was a low frequency of participation in organized classes 85.71% (n = 12) and entertainment outings 92.86% (n = 13). A trajectory of increasing participation in outdoor games with other children was found 78.57% (n = 11) and with adults 85.71% (n = 12) with statistical significance in these activities. Conclusion: Most of the children in the study had developmental changes and low participation in extra-community activities and with other children, showing an increase in participation with other children throughout the study. Thus, it highlights the importance of a more detailed assessment under the perspective of the International Classification of Functioning, Disability and Health, which can help health professionals to assess and plan family-centered interventions, in addition to expanding opportunities for participation in children with developmental changes at an early age, with appropriate guidance.
Keywords: Social participation; child development; rehabilitation.
A Participação é um dos componentes da funcionalidade e é definida pelo “envolvimento do indivíduo em situações de vida diária” [1]. De acordo com a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), a participação representa a interação das habilidades da criança ou do adolescente em suas atividades diárias com o ambiente físico e social (relações interpessoais) em que eles estão inseridos. Entre essas atividades estão incluídas as rotinas familiares (tarefas domésticas), rotinas de cuidado (higiene, vestir, comer, arrumar-se, sono), rituais e celebrações familiares (aniversários, eventos religiosos), atividades ao ar livre (visitas ao parque/zoológico), atividades sociais (visita a amigos, grupos de brincadeiras), atividades lúdicas (brincadeiras físicas e brincadeiras com brinquedos) e atividades de aprendizagem (ouvir histórias, olhar livros/imagens) [2].
Durante a primeira infância, o direito à participação deve ser exercitado de maneira lúdica e progressiva, respeitando cada uma das fases de desenvolvimento da criança [3].
No entanto, crianças com alterações do desenvolvimento neuromotor apresentam limitações de atividades de mobilidade em decorrência de deficiências funcionais relacionadas aos componentes articulares, musculares ou de controle motor, que causam restrições da participação no âmbito domiciliar ou comunitário.
Assim, para compreender o aspecto da participação das crianças em diferentes idades e em diferentes contextos, é necessário ter uma visão geral acerca do que elas escolhem fazer, com quem, com que frequência e o envolvimento na atividade, sendo importante avaliar e medir esse componente, assim como realizar intervenções fisioterapêuticas focadas na promoção da participação no âmbito domiciliar, social e comunitário da criança, para além da mensuração de desempenho.
A inclusão de modelos recentes de atenção considerando as dimensões física e social da participação da criança especialmente em condições de alteração do desenvolvimento e deficiência na saúde pública, é importante para a promoção da saúde, porém ainda representa um desafio da atualidade [4].
Desse modo, a fisioterapia possui papel primordial na área do desenvolvimento infantil, atuando na vigilância e acompanhamento do desenvolvimento neuropsicomotor, na detecção precoce de alterações, na estimulação precoce e orientação aos pais e/ou cuidadores sobre as formas de participação, quantidade e variabilidade de oportunidades adequadas dentro do ambiente no qual a criança está inserida, contribuindo para o desenvolvimento neuropsicomotor [5].
A assistência à saúde da criança com alterações de desenvolvimento ou disfunções neuromotoras deve ser voltada para o cuidado integral, envolvendo tanto ações no campo da reabilitação, quanto ações de promoção e prevenção à saúde, tendo como foco a promoção da sua inclusão e participação em ambientes naturais, através do brincar, estar com amigos e participação ativa das atividades cotidianas nos seus contextos socioculturais.
Assim, esta pesquisa buscou compreender de que modo a participação de crianças com alteração do desenvolvimento neuromotor e em idade tão precoce pode ser observada na prática clínica do fisioterapeuta, permitindo que esses aspectos da participação em atividades de vida diária possam ser incorporados durante o atendimento fisioterapêutico, como ponto a ser destacado nas orientações aos familiares.
Estudo longitudinal, analítico-descritivo e observacional, realizado em um Ambulatório Especializado de Fisioterapia Neurofuncional de um hospital de referência do Estado do Rio de Janeiro, no período de janeiro de 2024 a julho de 2024. A amostra foi de conveniência, composta por crianças com alterações do desenvolvimento neuromotor, com idade entre 0-3 anos, que estavam em atendimento e/ou em acompanhamento no ambulatório durante o período de realização da pesquisa. Os critérios de exclusão foram: abandono ao tratamento/acompanhamento irregular (com número de faltas superior a 5 no período do estudo). Foram realizadas 2 avaliações com intervalo de 3 meses entre as avaliações.
Após a assinatura do TCLE, seguiu-se o preenchimento do questionário das características clínicas e do perfil sociodemográfico das crianças da amostra. A avaliação do desenvolvimento foi feita pela Alberta Infant Motor Scale (AIMS) e pelo Teste de Triagem Denver II.
A AIMS é um instrumento de avaliação observacional da motricidade ampla e do controle da musculatura antigravitacional de bebês e crianças entre 0-18meses de idade, através de 58 itens, agrupados em 4 subescalas: prono, supino, sentado e de pé. As pontuações obtidas em cada uma das posturas são somadas e obtém-se um escore bruto final. Esse valor obtido é convertido em percentil e categorizado de acordo com o desempenho motor em: normal (>25%); suspeito (entre 25 e 5%); atraso (<5%) [6].
Para identificarmos o perfil de mudanças no desenvolvimento das crianças da amostra, realizamos a diferença obtida entre os escores totais na AIMS em cada momento avaliado e utilizamos como critério de classificação um delta maior ou igual a 5 pontos como corte para definir uma maior ou menor diferença de desenvolvimento para cada criança. Este critério foi definido de forma aleatória, a partir dos dados da amostra, já que não há uma diferença minimamente significativa pré-estabelecida na literatura para este instrumento.
Por sua vez, o teste de triagem Denver II pode ser utilizado em crianças na faixa etária de 0-6 anos, sendo composto por 125 itens e dividido em 4 domínios que avaliam o desenvolvimento infantil. Os domínios são categorizados em: pessoal-social; motor fino-adaptativo; motor grosso e linguagem e classificados como normal, questionável ou não aplicável a partir da avaliação de cada critério chave a ser avaliado conforme a faixa etária da criança [7,8].
A participação de crianças com disfunções neuromotoras foi medida pelo instrumento Child Engagement in Daily Life (CEDL). Trata-se de um questionário composto por duas seções: (1) participação em atividades familiares e recreativas e (2) autocuidado, no qual permite avaliar a frequência de participação nessas atividades. A tradução livre da escala para o português foi feita previamente em outro estudo realizado no Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) [9].
Para determinar a evolução das características da participação em atividades de vida diária em cada uma das avaliações, dividimos em três categorias de evolução de participação: crescente (aumento na frequência de participação nas avaliações longitudinais), decrescente (diminuição na frequência de participação), estável (sem alterações) [10].
Para avaliar as oportunidades oferecidas no ambiente domiciliar, foi utilizado o questionário Affordances in the Home Environment for Motor Development (AHEMD) nas duas versões disponíveis e traduzidas para o português. A Escala Infantil (AHEMD-IS) é direcionada a lactentes de 3 a 18 meses, sendo composta por 35 itens divididos em quatro dimensões: espaço físico, variedade de estimulação, brinquedos motores finos e brinquedos motores grosseiros. E sua pontuação total classifica o ambiente como: menos que adequado, moderadamente adequado, adequado e excelente [11]. Nesta pesquisa, as classificações “adequado” e “excelente” foram unidas para facilitar a análise.
A outra versão é direcionada para crianças de 18 a 42 meses, no qual avalia a quantidade e qualidade das oportunidades motoras oferecidas no ambiente domiciliar, sendo composto por 67 questões e dividido em cinco dimensões, a saber: Espaço Interior, Espaço Exterior, Variedade de estimulação, Brinquedos motores finos e Brinquedos motores grossos. Para cada dimensão, tem-se 3 classificações: muito fraca, fraca, boa e muito boa. Ao final da avaliação, soma-se as respostas de cada dimensão e classifica as oportunidades do ambiente em: “baixa”, “média” e “alta” [12]. As classificações “boa” e “muito boa” foram unidas para facilitar a análise.
Os dados foram analisados utilizando-se estatística descritiva para apresentação das informações, com distribuição de frequências, sendo calculadas médias, medianas e proporções das variáveis através do programa Epi Info 2002, com nível de significância de 0,05. A participação na pesquisa foi vinculada à autorização pelos responsáveis legais das crianças através do preenchimento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), submetido previamente ao Comitê de Ética em Pesquisa do local de realização do estudo e aprovado sob número de registro 6.193.777.
Características clínicas e sociodemográficas
Participaram do estudo 14 crianças com alterações do desenvolvimento, em tratamento fisioterapêutico no ambulatório de fisioterapia neurofuncional, sendo 28,57% (n=4) do sexo feminino e 71,43% (n=10) do sexo masculino. A média de idade foi de 11,59 meses (±8,5 m) de idade, com mediana de 9,5 meses (2-30 meses).
Entre as crianças incluídas na amostra, 28,57% (n=4) apresentam malformações congênita e/ou síndromes, associadas ou não à prematuridade; 7,14% (n=1) tiveram como fator de risco a prematuridade exclusivamente; 14,28% (n=2) tiveram como diagnóstico paralisia cerebral, 7,14 (n=1) apresentam doença respiratória não relacionada à prematuridade; 42,86% (n=6) foram encaminhadas para tratamento por atraso de desenvolvimento por outras causas.
Conforme critérios já descritos na metodologia, as classes sociais predominantes no estudo foram D e E, e juntas equivalem a 64,29% (n=9) da amostra, com mediana da renda familiar de R$2.550,00, correspondente a 1,5 salários-mínimos1, com renda per capita de R$894,85. O nível de escolaridade dos responsáveis mais observado foi nível médio (57,14%; n=8) tanto para as mães, quanto para os pais.
As características clínicas e sociodemográficas da amostra estão apresentadas na tabela 1.
Tabela 1 - Características clínicas e sociodemográficas da amostra de crianças atendidas no Ambulatório de Fisioterapia Neurofuncional entre janeiro a junho/2024
N |
Diagnóstico clínico |
Idade aval1. (meses) |
Sexo |
Área |
Classificação social |
1 |
Prematuridade |
12 |
M |
Outros municípios do RJ |
Classe D/E |
2 |
Paralisia Cerebral |
30 |
M |
3.3 |
Classe D/E |
3 |
Paralisia Cerebral |
30 |
F |
NA |
Classe D/E |
4 |
Prem. e HD |
13 |
M |
4.1 |
Classe D/E |
5 |
Mielomeningocele e Arnold Chiari |
10,7 |
M |
2.2 |
Classe B |
6 |
Malformação do septo pelúcido |
10 |
F |
Outros municípios do RJ |
Classe D/E |
7 |
Fibrose Cística |
8,26 |
F |
1.0 |
Classe C |
8 |
TMC |
9 |
M |
3.5 |
Classe C |
9 |
ADNPM |
7,7 |
M |
5.2 |
Classe D/E |
10 |
NEC + ADNPM |
3 |
M |
3.2 |
Classe D/E |
11 |
Sindrome de Down e Prematuridade |
2 |
M |
Outros municípios do RJ |
Classe D/E |
12 |
Hipotonia axial |
6,46 |
M |
2.1 |
Classe D/E |
13 |
Asfixia |
6,14 |
M |
2.2 |
Classe B |
14 |
ADNPM |
14 |
F |
5.2 |
Classe C |
HD: Hérnia diafragmática; TMC: Torcicolo muscular congênito; ADNPM: Atraso no desenvolvimento neuropsicomotor; NEC: enterocolite necrosante; F: Feminino; M: Masculino; N: paciente
*A cidade é dividida administrativamente em 5 áreas programáticas, a saber: AP 1, AP 2.1, AP 2.2, AP 3.1, AP 3.2, AP 3.3, AP 3.4, AP 3.5, AP 3.6, AP 3.7, AP 4.1, AP 4.2, AP 5.1, AP 5.2, AP 5.3, AP 5.4.
Em relação ao recebimento de auxílios e recursos econômicos do governo, 35,71% das famílias (n=5) recebiam Bolsa Família, 7,14% (n=1) benefício socioeconômico e 7,14% (n=1) recebiam tanto o Bolsa Família como o Benefício Socioeconômico.
Apenas 2 crianças já estavam frequentando a creche no início do estudo. Ao final do período esse total foi de 4 crianças.
Em relação à análise das oportunidades de estímulos do ambiente domiciliar; o espaço físico da residência se mostrou ‘adequado e/ou excelente’ e ‘bom e/ou muito bom’ para o desenvolvimento infantil em 64,28% (n=9), conforme as Escalas AHEMD (infantil e pediátrica).
No que se refere à disponibilidade de brinquedos de motricidade grossa (p.ex. brinquedos suspensos, pelúcias, cadeirinhas de brincar, bolas, tapetes emborrachados, brinquedos musicais, brinquedos de empurrar, mesinhas de atividade, balanço, velotrol etc.) e fina (p.ex. brinquedos educativos de encaixe) foi identificada uma provisão ‘adequada e/ou excelente’, para ambas as características de estímulos correspondendo a 64,28% (n=9) e 50,00% (n=7) respectivamente. Cabe ressaltar que entre as crianças maiores de 18 meses (n=2), a disponibilidade de brinquedos foi identificada como ‘fraca’ ou ‘muito fraca’.
Ainda com relação à disponibilidade de brinquedos, as crianças avaliadas apresentaram uma melhora ou manteve-se igual na provisão de brinquedos de motricidade fina em 78,57% (n=11) e grossa 64,28% (n=9) no momento da 2ª avaliação.
A variedade de estimulação presente no dia a dia da casa, identificada pela regularidade de brincadeiras e estímulos, liberdade de movimentação e posicionamento adotado, foi ‘adequada e/ou excelente’ e ‘muito boa e/ou boa’ para 57,15% (n=8) da amostra. Sendo que em 78,57% (n=11) a variedade de estimulação manteve-se igual ou com melhora na 2ª avaliação.
Características de Desenvolvimento
Ao analisar o desenvolvimento motor das crianças da amostra na avaliação 1, 42,86% (n=6) apresentaram atraso de desenvolvimento motor identificado por pontuação inferior ao p5 na escala AIMS; 21,43% da amostra (n=3) apresentou avaliação suspeita entre p25 e p5; e o restante apresentou avaliação considerada dentro da normalidade, sendo 35,71% (n=5) com percentil acima de 25.
Apesar de terem sido encontradas crianças com pontuação normal, outros critérios definiram a necessidade da manutenção do tratamento fisioterapêutico, tais como alterações posturais (cabeça, pescoço), déficit de ajuste postural e equilíbrio, hipotonia muscular não fisiológica.
A utilização da AIMS para avaliação de crianças acima de 18 meses não é recomendada pelos autores, mas foi o instrumento padrão utilizado como triagem, uma vez que o ambulatório atende crianças com características clínicas diversas e todas estavam abaixo do limite superior das habilidades descritas pela escala. Nesses casos, não foi possível indicar o valor percentual de tais escores por não haver curva de referência para a faixa etária em questão, embora possa ser inferido escore menor que p5.
Avaliação de mudança das atividades de mobilidade e transferências ao longo do tempo
Em relação a avaliação do desenvolvimento motor grosso pela AIMS na 2° avaliação, foi observado que 42,86% (n=6) das crianças da amostra apresentaram atraso no desenvolvimento motor, 28,57% (n=4) apresentaram desenvolvimento motor suspeito e cerca de 28,57% das crianças da amostra (n=4) apresentavam desenvolvimento motor dentro da normalidade com percentil >25;
Ao avaliar a mudança das atividades de mobilidade e transferências entre a 1° e a 2° avaliação pela AIMS, foi observado que as crianças com idade < 1 ano obtiveram um maior ganho de habilidades motoras, com maior diferença entre as avaliações realizadas, sendo visualizado um ganho de habilidades entre 6-23 pontos em relação as crianças com idade > 1 ano, o qual obteve poucos ganhos de habilidades motoras entre 2-4 pontos.
Tabela 2 - Características de desenvolvimento da amostra de crianças atendidas no Ambulatório de Fisioterapia Neurofuncional entre JAN-JUN/2024 pela AIMS
Idade em meses Percentil e pontuação total Classificação |
∆ |
||||||
Avaliação 1 Avaliação 2 Avaliação 1 Avaliação 2 Avaliação 1 Avaliação 2 |
|||||||
1 |
12 |
15 |
P < 5 (8) |
p< 5 (10) |
Atraso |
Atraso |
2 |
2 |
30 |
33 |
- (45) |
- (49) |
Atraso |
Atraso |
4 |
3 |
30 |
33 |
- (20) |
- (22) |
Atraso |
Atraso |
2 |
4 |
13 |
16 |
P < 5 (45) |
p< 5 (49) |
Atraso |
Atraso |
4 |
5 |
10,7 |
13 |
P < 5 (20) |
p< 5 (34) |
Atraso |
Atraso |
14 |
6 |
10 |
13 |
P < 5 (29) |
P 25 (52) |
Atraso |
Suspeito |
23 |
7 |
8,26 |
11 |
P 50 (37) |
P 50 (50) |
Normal |
Normal |
13 |
8 |
9 |
12 |
P 50 (43) |
p 75 (53) |
Normal |
Normal |
10 |
9 |
7,7 |
10 |
P 75 (38) |
p 90 (53) |
Normal |
Normal |
15 |
10 |
3 |
6 |
P 75 (14) |
p 75 (30) |
Normal |
Normal |
16 |
11 |
2 |
5 |
P > 75 e < 90 (9) |
p 25 (22) |
Normal |
Suspeito |
13 |
12 |
6,46 |
9 |
P 25 (24) |
5<p<10 (30) |
Suspeito |
Suspeito |
6 |
13 |
6,14 |
9 |
P 25 (22) |
5<p<10 (32) |
Suspeito |
Suspeito |
10 |
14 |
14 |
17 |
>10 e <25 (53) |
p< 5 (56) |
Suspeito |
Atraso |
3 |
N: paciente; ∆: diferença; p: percentil; - valor de percentil não disponível
Apenas 2 crianças apresentaram piora entre a 1ª e 2ª avaliação na avaliação do desenvolvimento motor grosso pela AIMS. As crianças que apresentaram atraso de desenvolvimento motor na 1° avaliação, mantiveram as suas classificações, embora fosse visualizado ganho de habilidade entre 2–4 pontos (Tabela 2).
Com relação aos resultados do desenvolvimento infantil através do Teste de Triagem Denver, o domínio da linguagem apresentou maior prevalência de alteração com 50 %(n=7), seguida pelo domínio social (interação interpessoal), no qual 42,86% (n=6) das crianças da amostra apresentaram desenvolvimento questionável e no domínio motor fino, a prevalência de alteração identificada na 1ª avaliação correspondeu a 28.57% (n=4). Transtorno global do desenvolvimento foi identificado em 21,42% (n=3) da amostra, com alteração em mais de 2 domínios avaliados pelo Teste de Denver II.
Na 2° avaliação, foi observada piora da classificação de uma (1) criança no domínio linguagem, uma (1) no desenvolvimento motor fino e outra com piora no domínio pessoal-social (Tabela 3).
Tabela 3 - Características de desenvolvimento da amostra de crianças atendidas no Ambulatório de Fisioterapia Neurofuncional entre JAN-JUN/2024 pelo Teste de Triagem de Denver II
N |
Domínio Motor Fino Domínio Pessoal-social Domínio Linguagem |
|||||
Avaliação 1 |
Avaliação 2 |
Avaliação 1 |
Avaliação 2 |
Avaliação 1 |
Avaliação 2 |
|
1 |
Questionável |
Questionável |
Questionável |
Questionável |
Questionável |
Questionável |
2 |
Questionável |
Questionável |
Questionável |
Questionável |
Questionável |
Questionável |
3 |
Questionável |
Questionável |
Questionável |
Questionável |
Questionável |
Questionável |
4 |
Normal |
Normal |
Questionável |
Questionável |
Normal |
Questionável |
5 |
Normal |
Normal |
Normal |
Normal |
Normal |
Normal |
6 |
Normal |
Normal |
Normal |
Questionável |
Questionável |
Normal |
7 |
Normal |
Normal |
Questionável |
Normal |
Questionável |
Normal |
8 |
Normal |
Normal |
Normal |
Normal |
Normal |
Normal |
9 |
Normal |
Normal |
Normal |
Normal |
Questionável |
Normal |
10 |
Normal |
Normal |
Normal |
Normal |
Normal |
Normal |
11 |
Normal |
Normal |
Normal |
Normal |
Normal |
Normal |
12 |
Questionável |
Normal |
Normal |
Normal |
Normal |
Questionável |
13 |
Normal |
Normal |
Normal |
Normal |
Normal |
Normal |
14 |
Normal |
Questionável |
Questionável |
Questionável |
Questionável |
Questionável |
Características da Participação
Em relação à participação nos primeiros anos de vida, as crianças participaram com maior frequência em atividades familiares em casa (78,57%; n=11) e na comunidade (85,71%; n=12) e em brincadeiras internas com adultos (100%, n=14).
Foram observadas brincadeiras com outras crianças de forma muito frequente em apenas 21,43% da amostra para o ambiente interno, não sendo registrada essa participação com interação para o ambiente externo, em brincadeiras ao ar livre em nenhum momento para 57,14% das crianças na avaliação 1.
Além disso, foi observado que atividades de aulas/grupos organizados/esportes (p.ex. natação) e passeios de entretenimento (p.ex.: ir ao zoológico, circo, teatro) não faziam parte da rotina das crianças avaliadas ou nunca foram realizados em 85,71% (n=12), e 92,86% (n=13) da amostra, respectivamente.
Avaliação de mudança da participação
Ao avaliar a evolução da participação, foi observado que as crianças avaliadas apresentaram uma trajetória de participação crescente com relação a brincadeiras em ao ar livre com outras crianças e com adultos mostrando-se muito frequente e/ou de vez em quando para 78,57% (n=11) e 85,71% (n=12), respectivamente, mostrando significância estatística nessas atividades. Além disso, foi observado uma trajetória de participação crescente em brincadeiras em ambiente interno com outras crianças, correspondendo a 78,57% (n=11) e recreação física ativa (atividades como brincar no playground, correr ao ar livre, andar de triciclo), com 71,43% ao final do estudo, representando um aumento real de 14,28%.Somado à isso, foi observado que as crianças da amostra apresentaram um aumento da participação em atividades recreativas (leitura de livros, colorir) correspondendo a um aumento de 21,43%.
Em relação às atividades familiares, passeios em família na comunidade e em brincadeiras em ambiente interno com adultos e atividades comunitárias, tais como passeios de entretenimento e aulas organizadas, foi observado que as crianças da amostra permaneceram com uma frequência de participação estável, não havendo uma melhora ou piora no padrão de participação.
A distribuição das características de participação nos diferentes espaços de convívio, em todas as atividades avaliadas nos 2 momentos do estudo estão apresentadas na tabela 4.
Tabela 4 - Distribuição das frequências de participação, conforme categorias do questionário CEDL
Avaliação 1 |
Avaliação 2 |
P valor |
|
n (%) |
n (%) |
||
Atividades familiares em casa |
|||
Muito Frequente |
11 (78,57%) |
13 (92,86%) |
,317 |
De vez em quando |
3 (21,43%) |
1 (7,14%) |
|
Nunca |
0 |
0 |
|
Passeios em família |
|||
Muito Frequente |
12 (85,71%) |
10 (71,43%) |
,317 |
De vez em quando |
2 (14,29%) |
4 (28,57%) |
|
Nunca |
0 |
0 |
|
Brincadeira em ambiente interno com adultos |
|||
Muito Frequente |
14 (100%) |
14 (100%) |
1,000 |
De vez em quando |
0 |
0 |
|
Nunca |
0 |
0 |
|
Brincadeira em ambiente interno com crianças |
|||
Muito Frequente |
3 (21,43%) |
6 (42,86%) |
,257 |
De vez em quando |
8 (57,14%) |
5 (35,71%) |
|
Nunca |
3 (21,43%) |
3 (21,43%) |
|
Brincadeiras ao ar livre com adultos |
|||
Muito Frequente |
1 (7,14%) |
4 (28,57%) |
,014* |
De vez em quando |
8 (57,14%) |
8 (57,14%) |
|
Nunca |
5 (35,71%) |
2 (14,29%) |
|
Brincadeiras ao ar livre com crianças |
|||
Muito Frequente |
0 |
2 (14,29%) |
,020* |
De vez em quando |
6 (42,86%) |
9 (64,29%) |
|
Nunca |
8 (57,14%) |
3 (21,43%) |
|
Atividades Recreativas |
|||
Muito Frequente |
4 (28,57%) |
4 (28,57%) |
,180 |
De vez em quando |
3 (21,43%) |
6 (42,86%) |
|
Nunca |
7 (50,00%) |
4 (28,57%) |
|
Aulas organizadas |
|||
Muito Frequente |
0 |
1 (7,14%) |
1,000 |
De vez em quando |
2 (14,29%) |
0 |
|
Nunca |
13 (92,86%) |
||
Recreação fisica ativa |
|||
Muito Frequente |
2 (14,29%) |
6 (42,86%) |
,070 |
De vez em quando |
6 (42,86%) |
5 (35,71%) |
|
Nunca |
6 (42,86%) |
3 (21,43%) |
|
Passeios de entretenimento |
|||
Muito Frequente |
0 |
0 |
1,000 |
De vez em quando |
1 (7,14%) |
1 (7,14%) |
|
Nunca |
13 (92,86%) |
||
Atividades sociais |
|||
Muito Frequente |
3 (21,43%) |
5 (35,71%) |
,317 |
De vez em quando |
10 (71,43%) |
8 (57,14%) |
|
Nunca |
1 (7,14%) |
1 (7,14%) |
* valor estatisticamente significativo (p valor <0,05)
O objetivo deste estudo foi ampliar a compreensão sobre a participação de crianças pequenas com diferentes tipos de patologia e níveis de funcionalidade em atividades de vida diária.
Analisando o perfil da amostra foi identificada diferença importante de gênero, o que é condizente com a literatura, pois crianças do sexo masculino apresentam maiores risco alterações do desenvolvimento em comparação com crianças do sexo feminino, pois são mais susceptíveis à influência dos fatores de risco durante o desenvolvimento fetal e neonatal, sendo associado a condições de maior gravidade como microcefalia, deficiências motoras e paralisia cerebral [13].
Nesse estudo, foram incluídas crianças com várias condições e distúrbios, como prematuridade, malformações congênitas e/ou síndromes, doença respiratória não associada à prematuridade e atraso de desenvolvimento por outras causas. Crianças com deficiência apresentam grande variabilidade na gravidade da doença e alterações nas funções e estrutura do corpo, assim como na participação em atividade do dia a dia, na mesma categoria diagnóstica [14].
A pouca idade das crianças da amostra, em uma fase pré-escolar/creche, está abaixo da grande parte das pesquisas anteriores já publicadas sobre o assunto, o que reforça a importância deste estudo. No estudo King et al [15] sobre os preditores da participação em lazer e recreação de crianças com deficiências físicas, a idade das crianças estudadas variou de 6 a 14 anos de idade. Em um estudo realizado por Choi et al [16] sobre a participação de crianças com e sem deficiência em casa, escola e comunidade em Hong Kong, a idade foi de 5 a 12 anos. A faixa etária da amostra traz em si como particularidade a baixa prevalência de crianças frequentando creche, fato que está relacionado à opção da família por esperar melhora do desenvolvimento e/ou maior idade antes da inserção nesta atividade, conforme relato das entrevistas.
Em relação ao desenvolvimento motor avaliado pela AIMS, foi observado que as crianças com idade < 1 ano apresentaram maiores ganhos de habilidades motoras ao longo do estudo, fato já esperado, uma vez que nos primeiros anos de vida a velocidade de ganhos e aquisições de habilidades motoras é maior, conforme indicam os estudos sobre neuroplasticidade. Inclusive, por estarem também sob intervenção fisioterapêutica para estimulação do desenvolvimento, essa melhora poderia também estar relacionada aos resultados do tratamento proposto, como também é esperado.
O segundo domínio de maior comprometimento é o da linguagem, que está diretamente relacionada ao desenvolvimento motor grosso. Em um estudo realizado por Libertus et al [17], demonstrou que as habilidades de sentar aos 3 a 5 meses foi considerado um preditor do vocabulário receptivo aos 10 meses de idade.
As alterações da linguagem podem estar relacionadas e serem consequências das alterações de desenvolvimento, pois essas crianças preferem participar de brincadeiras mais solitárias do que com outras crianças, participando menos de atividades coletivas e que exijam tarefas com maior variabilidade e complexidade, com habilidades motoras mais complexas, reduzindo, portanto, suas oportunidades de comunicação e socialização [18].
Os fatores contextuais podem influenciar o desenvolvimento infantil, tais como a renda familiar, a idade e a presença paterna espaço do domicílio, práticas maternas [19].
No presente estudo, foi observado que o perfil econômico das famílias era predominantemente baixo segundo renda e classificação, entretanto acima dos níveis críticos para alterações do desenvolvimento infantil. Os achados de Crestani et al [20], que investigaram a associação de fatores de risco obstétricos, demográficos, socioeconômicos e psicossociais com a presença de risco ao desenvolvimento infantil nas faixas etárias de um a dezoito meses de idade, identificou que nas famílias em que a renda per capita era menor que R$200,00, a chance de a criança apresentar risco ao desenvolvimento infantil foi seis vezes maior em relação às crianças do grupo com renda superior a R$200,00 per capita.
Em um estudo realizado por Pizzo et al [21] a renda familiar influenciou diretamente na provisão de brinquedos de motricidade grossa e fina ofertadas no âmbito domiciliar.
Defilipo et al. [22] avaliaram as oportunidades do ambiente domiciliar e o desenvolvimento motor de lactentes aos 3, 6, 9 e 12 meses de idade e verificou a associação entre as oportunidades de estimulação do ambiente domiciliar, a escolaridade e nível econômico dos pais. Os autores observaram uma provisão de brinquedos de motricidade grossa insatisfatória aos 3 e 9 meses de idade, e para os brinquedos de motricidades fina, as oportunidades de estimulação do ambiente foram consideradas insatisfatórias aos 3, 6 e 12 meses de idade. O nível econômico apresentou associação com as dimensões brinquedos de motricidade fina, aos 3 meses, e motricidade grossa, aos 6 meses, indicando que famílias com maior poder aquisitivo apresentaram mais brinquedos disponíveis no domicílio. Assim, os autores concluem que sendo o domicílio o primeiro ambiente vivenciado pela criança, sua estrutura e oferta de estimulação pode potencializar ou prejudicar o desenvolvimento.
A associação direta entre o aumento da faixa etária e o maior comprometimento funcional das crianças com alterações de desenvolvimento podem dificultar a adequação de brinquedos e estímulos pela família, fato constatado em nosso estudo.
No entanto, a disponibilidade de brinquedos não pode ser considerada como um fator preditor para que ocorra o desenvolvimento infantil, pois através da interação dos membros da família com a criança por meio de brincadeiras simples (ex: esconde-esconde), atividades de leitura, atividade de colorir, ir ao museu e ao zoológico, a criança consegue ter uma participação mais ativa e complexa com outras pessoas, influenciando diretamente no desenvolvimento infantil.
Além disso, uma melhor condição socioeconômica não influencia necessariamente em um melhor desempenho motor, pois a quantidade e disponibilidade de affordances dentro do ambiente domiciliar pode não ser adequada para a faixa etária da criança ou não ter oportunidades e/ou atividades que favoreçam o desenvolvimento infantil [23].
Na primeira infância é mais comum a participação de crianças com alterações de desenvolvimento em brincadeiras em casa quando comparado a crianças mais velhas com alterações de desenvolvimento [24]. No presente estudo, foi possível observar essa característica das crianças participarem mais de atividades que envolviam outros membros da família, como atividades em família em casa (rotinas de tarefas domésticas, hora das refeições, assistir TV), assim como em passeios em família na comunidade (fazer compras, ir a espaços religiosos ou à biblioteca, visitar familiares e amigos) e brincadeiras em ambiente interno com adultos.
Estes achados condizem com o estudo de Imms et al [25], no qual as crianças tendiam a participar de atividades sozinhas, com familiares ou parentes, e essas atividades aconteciam principalmente no ambiente domiciliar, e não na comunidade. Do mesmo modo, o estudo de Ferreira et al [26] sobre os fatores associados a padrões de participação de crianças com mielomeningocele na primeira infância, observou que as crianças realizavam com maior frequência atividades em casa, apresentando uma alta frequência de participação em atividades de alimentação, descanso, artes e que envolviam o uso de eletrônicos, com baixa frequência de participação na creche/pré-escola.
Desse modo, para que ocorra o desenvolvimento infantil é necessário que a criança tenha interação com os membros da família, com outras crianças e até mesmo com objetos que estejam presente nas atividades do dia a dia, permitindo a sua participação em diferentes contextos. No entanto, nos primeiros anos de vida da criança, essa interação ocorre principalmente em ambientes familiares, sendo necessário desenvolver oportunidades de participação nesse espaço, assim como oferecer experiências familiares no ambiente extracomunitário [27].
O âmbito extracomunitário é um cenário de desafios e possibilidades, permitindo que a criança adquira novas habilidades e aprimore as habilidades já existentes, através da exploração do ambiente, aumentando a sua autonomia e sua interação social. Nesse ambiente, a criança pode ter interações simples e complexas com seus pares de desenvolvimento típico, assim como com os objetos presentes no espaço, através de brincadeiras que sejam orientadas para o processo, intrinsecamente motivadora e com liberdade de escolha. No entanto, crianças com alterações de desenvolvimento participam menos de atividades ao livre, tendo menos autonomia de quando, onde e com quem brincar [28].
Em nosso estudo, as crianças da amostra apresentaram uma trajetória de participação crescente em brincadeiras ao livre, tanto com adultos como com crianças, havendo diferença significativa. Esse aumento na participação, pode estar relacionado com o fato dos pais e/ou cuidadores perceberem como as brincadeiras ao ar livre podem auxiliar no desenvolvimento infantil, assim como na interação com outras crianças e serem percebidas como um momento de lazer e prazer para a criança, desenvolvendo um vínculo social e intrafamiliar.
No entanto, em um estudo realizado por Mactavish and Schleien [29], os pais e/ou cuidadores relataram dificuldades quanto a participação de seus filhos em atividades no ambiente extracomunitário. As famílias relataram dificuldades em coordenar os horários com os membros família, necessidade de treinamento e planejamento sobre as necessidades da criança perdendo a espontaneidade do momento de lazer entre a família, limitando a exploração da criança no ambiente e restringindo o seu desenvolvimento.
“Passeios de entretenimento” e “aulas e grupos organizados” foram os cenários de atividade que apresentaram menor frequência na participação. A participação nesses cenários de atividade depende em grande parte dos pais e/ou cuidadores, visto que crianças pequenas, principalmente durante a primeira infância, dependem dos membros da família para realizar as atividades no ambiente extracomunitário. Além disso, as aulas organizadas descritas como natação, corrida e dança, são atividades que dependem de habilidades motoras mais complexas e devido a faixa etária das crianças do estudo, essas características podem não ter sido adquiridas devido a idade/alteração do desenvolvimento e dessa forma, a participação nesse contexto será reduzida.
Além disso, um dos fatores que pode se destacar na participação mais ativa em ambientes domiciliares do que comunitários é o fato de algumas crianças e adolescentes com deficiência múltipla terem necessidades de saúde que demandam cuidados mais frequentes, o que pode limitar a disposição para se aventurar em atividades comunitárias. Questões relacionadas à saúde, como requerimentos específicos de cuidados, podem influenciar diretamente na participação [30].
O número relativamente pequeno de participantes, variações na idade das crianças quando incluídas e heterogeneidade da população do estudo limitaram o potencial para análises mais sofisticadas das trajetórias de participação. Apesar dessas limitações, os resultados mostraram significância estatista na participação de crianças em brincadeiras ao ar livre com adultos e com outras crianças. No entanto, há a necessidade de estudos maiores e mais abrangentes para aumentar o conhecimento sobre a participação de crianças pequenas em atividades familiares e recreativas em uma perspectiva longitudinal.
Os resultados deste estudo proporcionam maior compreensão referente a participação de crianças pré-escolares com alterações de desenvolvimento no âmbito domiciliar e extracomunitário. As crianças participavam principalmente de atividades em casa, com menor frequência de participação na comunidade. A idade e as características do desenvolvimento infantil podem influenciar a participação dessas crianças para a realização de atividades nos diferentes espaços de convívio social. Desta forma, o papel do fisioterapeuta no tratamento das alterações do desenvolvimento ganha grande destaque, indo além da intervenção fisioterapêutica ambulatorial em si, mas permitindo sua expansão do ambiente clínico para os espaços de convívio e interação dessas crianças. Portanto, os achados deste estudo contribuem para uma melhor compreensão da participação de crianças com alterações de desenvolvimento em atividades familiares. Além disso, esses achados podem auxiliar os profissionais de saúde a avaliarem e planejarem intervenções centradas na família, fornecendo orientações adequadas e mais precisas sobre as atividades que podem ser realizadas no ambiente domiciliar e comunitário, proporcionando a interação com os membros da família e com as pessoas da comunidade e a socialização em diferentes contextos sociais promovendo as habilidades e competências do desenvolvimento infantil.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse de qualquer natureza.
Fontes de financiamento
Não recebemos financiamento.
Contribuição dos autores
Concepção e desenho da pesquisa: Vitorino LCM, Thomazinho PA; Coleta de dados: Vitorino LCM; Análise e interpretação dos dados: Vitorino LCM, Thomazinho PA; Análise estatística: Vitorino LCM, Thomazinho PA; Redação do manuscrito: Vitorino LCM, Thomazinho PA, Hamanaka T; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Thomazinho PA, Hamanaka T.
Referências
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