ARTIGO ORIGINAL
Taxa de descontinuação de ventilação mecânica em pacientes com COVID-19: um estudo observacional multicêntrico
Rate of mechanical ventilation discontinuation in COVID-19 patients: a multicenter observational study
Lorena de Lima Oppelt1, Stephanie Santana Pinto1, Tauana Bandeira Gonçalves1, Victoria Duquia da Silva2, Camilla Benigno Biana3, Rafael Bueno Orcy1
1Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas, RS, Brasil
2Universidade Católica de Pelotas (UCPEL), Pelotas, RS, Brasil
3Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas (HE-UFPel), Pelotas, RS, Brasil
Recebido em: 18 de outubro de 2024; Aceito em: 25 de outubro de 2024.
Correspondência: Lorena de Lima Oppelt, lorenaoppelt@gmail.com
Como citar
Oppelt LL, Pinto SS, Gonçalves TB, Silva VD, Biana CB, Orcy RB. Taxa de descontinuação de ventilação mecânica em pacientes com COVID-19: um estudo observacional multicêntrico. Fisioter. Bras. 2024;25(5):1715-1724. doi:10.62827/fb.v25i5.1024
Introdução: A forma grave da COVID-19 apresenta-se com quadro inflamatório grave e falência respiratória de difíceis resolução, compatíveis com a Síndrome da Angústia Respiratória Aguda – SARA. Tal condição exige uso de ventilação mecânica (VM) e, frequentemente, cursa com difícil desmame. Objetivo: Determinar a taxa de descontinuação da ventilação mecânica de pacientes com COVID-19 tratados em unidades de terapia intensiva de três hospitais do Sul do Brasil. Métodos: Foram examinados prontuários de 270 pacientes com COVID-19 para coletar informações sobre datas e parâmetros de VM, bem como dados de saúde prévia à internação. Calcularam-se tempo de permanência em UTI e em VM, mortalidade em UTI, uso de pressão expiratória positiva no final da expiração (PEEP) ≥ 10CmH2O, posicionamento em prona e realização de hemodiálise. Resultados: Foram encontrados dados de 258 pacientes, sendo a maioria do sexo masculino (56,20%), média de idade de 62,31 ± 14,51 anos. As internações duraram em média 13,3 ± 10,12 dias e a VM foi mantida por, em média, 11,28 ± 8,91 dias. A taxa de mortalidade encontrada foi de 84,11% e 16,28% tiveram a descontinuação de VM bem-sucedida. Conclusão: Após a instituição de suporte ventilatório invasivo, pequena parte dos pacientes com COVID-19 sobrevive sem suporte pressórico e a taxa de mortalidade é alta.
Palavras-chave: Ventilação mecânica; extubação; unidades de terapia intensiva; COVID-19; serviço hospitalar de fisioterapia.
Introduction: The severe form of COVID-19 presents with severe inflammatory conditions and difficult-to-resolve respiratory failure, compatible with Acute Respiratory Distress Syndrome - ARDS. This condition requires the use of mechanical ventilation (MV) and is often difficult to wean. Objective: To determine the rate of discontinuation of mechanical ventilation (MV) in patients with COVID-19 treated in intensive care units of three hospitals in southern Brazil. Methods: Medical records of 270 patients with COVID-19 were reviewed to collect information on dates and parameters of MV, as well as health data prior to hospitalization. Length of ICU and MV stay, ICU mortality, use of positive end-expiratory pressure (PEEP) ≥ 10CmH2O, prone positioning, and hemodialysis were calculated. Results: Data from 258 patients were found, the majority of whom were male (56.20%), with a mean age of 62.31 ± 14.51 years. Hospitalizations lasted an average of 13.3 ± 10.12 days and MV was maintained for an average of 11.28 ± 8.91 days. The mortality rate found was 84.11% and 16.28% had successful MV discontinuation. Conclusion: After the institution of invasive ventilatory support, a small proportion of patients with COVID-19 survive without pressure support and the mortality rate is high.
Keywords: Respiration; airway extubation; intensive care units; COVID-19; physical therapy department.
A pandemia do novo Coronavírus foi um grande desafio para os profissionais de saúde devido a proeminente dificuldade de manejo da oxigenação dos pacientes. Nesse cenário, aproximadamente 12,2% [1] a 21% [2] dos pacientes tiveram que ser submetidos à intubação traqueal para ventilação mecânica (VM), situação decorrente de quadro inflamatório grave e falência respiratória compatíveis com a Síndrome da Angústia Respiratória Aguda – SARA. Tal quadro é de frequente imprescindibilidade de uso de VM, o que pode perdurar por várias semanas e conta com preditores e perfis de descontinuação de VM divergentes dos de pacientes sem COVID-19 e pode apresentar risco de falha três vezes superior à deles considerando a permanência em UTI [3,5].
No cenário brasileiro, o Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe) divulgou que já nas 250.000 internações por COVID-19 no país, 39% dos pacientes necessitaram de tratamento em UTI e, destes, 55% evoluíram para óbito. Na região Sul, naquele período, 25.919 pessoas foram internadas em hospitais, 38% dos quais (n = 9.128) receberam tratamento em UTI e, destes, 4.098 (53%) faleceram [6]. Desde o surgimento da emergência em saúde, vários estudos buscaram compreender o comportamento da doença, especialmente em relação a casos graves e àqueles que envolveram uso de VM, frente a copiosos fracassos de processos de desmame e descontinuação de suporte ventilatório [5,7,9].
Descontinuação da VM ocorre após a conclusão do desmame, consensualmente, definido como “a manutenção da ventilação espontânea durante pelo menos 48 h após a interrupção da ventilação artificial.”[10]. Durante o período pandêmico, Guzzati et al. [5] classificam extubações e cessação de suporte pressórico em pacientes traqueostomizados como sucesso na descontinuação da VM. Em seu estudo, buscaram elucidar as razões para falhas na descontinuação da VM e encontraram como preditores independentes: idade ≥ 66 anos, duração de sintomas ≥ 31 dias, necessidade de diálise e PaO2/FiO2 < 200. Os autores ainda afirmam que a coexistência de todos os fatores preditivos aumenta em 23% o risco de insucesso na investida.
Conhecer a taxa de descontinuação da VM e os fatores a ela associados pode fornecer indícios para ensaios terapêuticos mais eficazes. Em decorrência disso, será possível obter melhora no sucesso de processos de retorno à ventilação espontânea, abreviação do tempo de internação em UTI e redução dos custos ao sistema de saúde da permanência prolongada de pacientes em leitos de UTI. Neste estudo, determinou-se a taxa de descontinuação da VM de pacientes com COVID-19 tratados em UTIs de uma cidade de médio porte do sul do Brasil.
Trata-se de um estudo observacional retrospectivo multicêntrico baseado em observações de prontuários de pacientes com diagnóstico confirmado de COVID-19, os quais foram atendidos em UTIs dedicadas a tratamento de pacientes com a referida doença durante o período de abril de 2020 a janeiro de 2022. Os critérios de elegibilidade adicionais foram: a permanência por pelo menos 24h em VM, e a saída da UTI ou a evolução para óbito. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFPel, sob CAAE n.o 47232421.8.0000.5317, parecer n.o 4.799.835, e pelo Comitê de Ética de um dos hospitais (qualificado como Instituição Coparticipante) sob CAAE n.o 47232421.8.3001.5337, parecer n.o 5.019.664. O projeto foi dispensadodo emprego de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por ambos os comitês em virtude de se tratar de pesquisa documental e não ter contato com os pacientes. As três instituições concederam carta de anuência para realização do a fim de que o projeto fosse submetido à apreciação do Comitê de Ética, e, após a aprovação, disponibilizaram acesso aos prontuários de interesse.
A coleta de dados ocorreu entre os meses de julho de 2021 e março de 2022 e se compôs de pesquisa documental aos registros das evoluções fisioterapêuticas, médicas e de enfermagem constantes nos prontuários de pacientes internados nas UTIs de três hospitais da cidade de Pelotas-RS, desde o início das atividades de cada unidade. As instituições foram denominadas como A, B e C, e cada paciente foi identificado por suas iniciais e número de prontuário. Os documentos incluídos atenderam ao critério de diagnóstico confirmado de COVID-19, permanência em UTI para tratamento da doença por pelo menos 24h e uso de VM por 24h, no mínimo. As variáveis de interesse foram pesquisadas nos prontuários e registradas em formulário eletrônico específico na plataforma REDCap®, sendo elas: o sexo, a idade na internação, as comorbidades prévias, a data de internação na UTI, a data de alta da UTI ou óbito, as datas de intubação e de descontinuação da VM (se aplicável), o modo ventilatório mais utilizado, o ajuste de PEEP ≥ 10CmH2O (sim ou não) e os dias de uso do parâmetro, o posicionamento em prona (sim ou não), a realização de hemodiálise (sim ou não) e a instituição para onde o paciente tivesse sido transferido ainda em uso de VM (se aplicável). A partir das datas informadas, foram calculados e considerados períodos (dias) de: permanência em UTI, uso de VM, uso de PEEP ≥ 10CmH2O. Foram excluídos os prontuários que estivessem incompletos, sem informação do destino do paciente do desfecho final do caso, ou indisponíveis após transferência para outra instituição.
A disponibilização dos documentos por parte de cada instituição foi heterogênea em relação ao formato dos documentos (físico ou digital), fluxo de acesso aos prontuários e apresentação das informações nos registros. O hospital A forneceu uma listagem com a numeração dos prontuários digitais para pesquisa em sistema informatizado de registros de todos os profissionais que tivessem realizado atendimentos e/ou procedimentos aos pacientes internados na UTI dedicada a tratamento de pacientes com COVID.
No hospital B, os prontuários foram disponibilizados periodicamente, em formato físico, contendo registros de todos os profissionais que tivessem prestado assistência aos pacientes. O fluxo se deu em lotes de documentos, sem periodicidade definida, nem prévia seleção quanto ao local de internação (enfermaria, ala ou UTI) ou diagnóstico. Por esse motivo, a coleta de dados demandou longo tempo de estudo de cada prontuário e se refletiu em baixa contagem de registros elegíveis para o estudo.
Já na instituição C, o processo para autorização da pesquisa exigiu procedimentos adicionais, como avaliação do projeto por comitê de ética interno, o que reduziu o período hábil para efetiva coleta de dados em comparação com os demais hospitais. Os documentos fornecidos por esse hospital também estavam em formato físico e eram exclusivamente de pacientes tratados em UTI COVID, porém, não contavam com as evoluções médicas, as quais eram registradas em sistema eletrônico ao qual não foi autorizado acesso para coleta e, assim, os dados foram extraídos somente das evoluções de enfermagem e fisioterapêuticas.
Quando identificados prontuários de pacientes transferidos para UTIs gerais de outros hospitais, foi solicitada autorização para acesso aos dados dos pacientes para anotações das variáveis de interesse para esta pesquisa.
Desfechos e definições
Para fins de descrição da amostra estudada, consideramos os seguintes conceitos para as variáveis de interesse:
Os dados foram digitados na plataforma REDCap® e tratados estatisticamente com o pacote estatístico Stata/IC (V.14.2) para determinação de prevalências em percentuais, médias e desvios-padrão (DP).
Encontraram-se dados de 271 pacientes tratados em UTIs COVID com datas de internação de 27/03/2020 a 22/01/2022. No decorrer das análises observou-se que 23 pacientes foram transferidos para outros hospitais ainda em VM e, de 13 desses, não foi possível obter variáveis de fim de tratamento (óbito, descontinuação de VM, permanência em internação, contagens de dias e parâmetros de VM) por indisponibilidade dos prontuários nas instituições de destino. Obteve-se, assim, uma soma de258 pacientes. A figura 1 ilustra o fluxo de obtenção dos prontuários e o número de pacientes incluídos.
Figura 1 – Conformação do contingente de pacientes e respectivos desfechos
Dos pacientes estudados, 56,20% (145) era do sexo masculino, com idades de 13 a 92 anos, com média de 61,93 ± 14,46 anos. Cento e trinta e oito (53,49%) pacientes foram internados inicialmente no hospital A, 25 (9,69%) no hospital B e 95 (36,82%) no hospital C. A disparidade de contingência nas três instituições se explica pela forma como os dados foram disponibilizados, o que influenciou diretamente no tempo de identificação dos documentos elegíveis e das informações de interesse para registro. Duzentos e dezessete (84,11%) pacientes evoluíram a óbito na amostra estudada, três dos quais após extubação.
A duração das internações foi, em média, de 13,3 ± 10,12 dias, variando de 1 a 44 dias, e a duração do uso de VM variou de 1 a 44 dias, com média de 11,28 ± 8,91 dias. As variáveis modo ventilatório, uso de PEEP ≥ 10 CmH2O, posicionamento em prona e realização de hemodiálise foram encontradas para 135 pacientes. Assim, o modo ventilatório mais utilizado foi o assisto-controlado a volume (n = 98; 72,59%), o uso de PEEP igual ou superior a 10 CmH2O foi registrado para 111 pacientes (82,22%), com média de 7,89 ± 5,97 dias utilizando esse parâmetro, 96 pacientes (71,11%) foram ventilados em posição prona e 56 (41,48%) foram submetidos a hemodiálise
As comorbidades preexistentes registradas mais frequentes foram hipertensão arterial (n = 150), Diabetes Mellitus (n = 86), obesidade (n = 55), DPOC (n = 25), câncer (n = 22), hipotireoidismo (n = 21), depressão (n = 20) e asma (n = 11). A figura 2 ilustra as prevalências sobre o total de pacientes.
Legenda: HAS: hipertensão arterial sistêmica; DM: diabetes mellitus; DPOC: doenã pulmonar obstrutiva crônica
Figura 2 - Prevalências de comorbidades prévias ao desenvolvimento de COVID-19
Em um segundo momento da análise, pôde-se observar que 42 pacientes (16,28%) obtiveram sucesso na descontinuação da VM. Desses, 25 foram extubados na primeira tentativa, 6 na segunda tentativa e 11 após realização de traqueostomia. Um paciente evoluiu a óbito após 48h de descontinuação de VM. A figura 3 ilustra as proporções dos desfechos finais de tratamento dos pacientes estudados.
Legenda: VM: Ventilação mecânica; ext. 1ª: extubação bem-sucedida na primeira tentativa; ext. 2ª: extubação bem-sucedida na segunda tentativa; TQT: descontinuação da ventilação mecânica após traqueostomia.
Figura 3 - Distribuição dos desfechos de fim de tratamento
Neste estudo, a taxa de descontinuação da VM dos pacientes graves de COVID-19 tratados em unidades específicas para a doença foi de 24,22% (n = 62). Por outro lado, 80,21% evoluíram a óbito durante a internação na unidade. O tempo de internação em UTI foi, em média, de 13,25 dias ± 10,06 dias, com 11,30 ± 8,92 dias de VM. Encontram-se algumas diferenças entre os nossos resultados e os da revisão sistemática e metanálise realizada por Potere et al. [4], na qual explicitam que 18,5% dos acometidos pela forma grave da COVID-19 necessitam de VM e 14% desenvolvem SARA. A mortalidade de pacientes admitidos em UTI foi, em média, 34%. Estes dados incluem estudos conduzidos em diversos países durante o período inicial da pandemia de COVID-19 e revelam resultados divergentes dos encontrados por nós, no Sul do Brasil. Possivelmente essas diferenças podem ser explicadas pelas disparidades de estruturas e de recursos terapêuticos disponíveis nos vários locais. Contudo, a taxa de descontinuação de VM encontrada por Barrasa et al. [11] em estudo com pacientes de COVID-19 na Espanha, foi mais próxima à nossa. O grupo acompanhou, por 15 dias, 45 pacientes em VM durante internação em UTI de um hospital universitário e identificou, que, nesse período, 14 pacientes evoluíram a óbito (31%) e 10 (22%) dos pacientes submetidos a VM foram extubados com sucesso, enquanto 21 (47%) permaneceram em VM, sem dados de fim de tratamento.
Estudos realizados no Brasil também apresentam resultados variáveis, alguns semelhantes aos nossos, outros discrepantes. Em um hospital do Sul do Brasil, aspectos concernentes à extubação também foram estudados por Guzatti et al. [5] durante 12 meses, tendo incluído 216 pacientes submetidos a VM. Sessenta pacientes (27,78%) morreram antes de passar por desmame, 79 (36,57%) foram traqueostomizados e excluídos do estudo, e 60 (27,78%) foram extubados com sucesso.
A permanência média em UTI foi de 11,9 dias e de 8,3 dias sob suporte ventilatório. Do total de pacientes que passaram pelo processo de desmame (n = 77), 32 (41,56%) foram ventilados em posição prona e cinco (0,6%) foram submetidos a hemodiálise. Este estudo, apesar de ter sido conduzido em região geograficamente próxima à da pesquisa atual, mostrou escores superiores aos encontrados na nossa cidade, com quase o dobro de sucesso na descontinuação da ventilação mecânica, e ainda sem considerar traqueostomizados. A taxa de mortalidade no estudo de Guzatti et al. também foi expressivamente menor do que o nosso, assim como as durações de internação e de VM e prevalências de uso de posição prona de realização de hemodiálise.
Também no Sul do Brasil, Santos et al. [9] observaram dados de prontuários de 19 UTIs dedicadas a COVID-19, incluindo 330 indivíduos submetidos a VM. A duração média das internações foi de 15,95 ± 11,03 dias, com 9,6 ± 5,6 dias de VM, 67,88% dos pacientes ventilados em posição prona, 23,65% submetidos a hemodiálise e mortalidade de 73,63%. Ainda na mesma região brasileira, quanto à mortalidade, o estudo de Deschamps et al. [8] evidenciou mortalidade de 62,9% em um período de acompanhamento de 90 dias pós intubação de pacientes com COVID-19, resultados melhores do que os encontrados por nós. No mesmo Estado do País em que estudamos os nossos pacientes, Schneider et al. [12] conduziram um estudo observacional retrospectivo unicêntrico e observaram desfechos de extubação de 1196 pacientes com COVID-19 ventilados mecanicamente. Todos os resultados foram marcadamente melhores do que os nossos, somando 458 (38%) extubados, 356 com sucesso e 102 com falha. Nessa amostra, 29,77% dos pacientes retornaram à ventilação espontânea sem suporte pressórico. O grupo sucesso da extubação apresentou tempo de internação em UTI de 16 dias e taxa de mortalidade de 4,2%, enquanto o grupo fracasso obteve 25 dias de internação e mortalidade de 15,7%.
Rodrigues et al. [13] analisaram 118 pacientes com COVID-19 admitidos em UTI de um hospital do interior do nordeste do Brasil. Naquela amostra, 48,31% foram submetidos a VM, dos quais 40,68% evoluíram a óbito. O tempo de duração de internação encontrado no nosso estudo é próximo às demais publicações referenciadas. Em contrapartida, outras medidas como uso de posição prona e realização de hemodiálise variaram entre o nosso estudo e os de Santos et al. [9] e Guzatti et al. [5], porém, há que se atentar para o fato de que o posicionamento em prona não era um procedimento protocolar, mas somente recomendado e depende de diversas condições para ser indicado ou contraindicado. Da mesma forma, hemodiálise é uma conduta adotada diante de pressupostos bem definidos e condizentes com recursos disponíveis.
Os contrastes identificados entre o nosso estudo e outros semelhantes podem se dever a diversos fatores, como regiões geográficas e condições ou variações climáticas sazonais a elas inerentes, assim como realidade econômica de cada cidade e de cada instituição de saúde. Ademais, há que se observar que a pandemia obrigou hospitais a se adequarem a rotinas absolutamente incomuns e que recursos avançados como oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) e por cânula nasal de alto fluxo (HFNC), bem como interfaces de ventilação não invasiva, que foram bastante utilizadas em vários hospitais no Brasil e fora, não estavam disponíveis em todas as instituições. É possível que esses argumentos sejam instauradores das circunstâncias que produziram os resultados divergentes, todavia não temos intenção de pormenorizá-los neste relato.
Há limitações relacionadas às fontes dos dados. Isto porque, durante o período pandêmico, o número de leitos de UTI disponibilizados para tratamento exclusivo de COVID-19 no município de Pelotas foi flutuante. Outro fato a ser considerado é que a concessão de acesso aos prontuários pelos hospitais também não ocorreu de modo igualitário nas três instituições, o que se refletiu em abrangência notadamente discrepante entre os três ambientes, ainda que a somatória de observações seja expressiva. Assim, posto limite temporal para a execução da etapa de coleta de dados, é muito provável que, em, pelo menos, dois hospitais, não se tenha tido acesso à totalidade de prontuários potencialmente elegíveis para esta pesquisa, pois não tivemos acesso a listagens ou contagens de todos os registros de pacientes com COVID-19 internados em cada uma das UTIs.
De modo geral, a taxa de extubação ou de descontinuação da VM encontrada no nosso estudo é similar à determinada por outros pesquisadores, em regiões variadas do Brasil e fora dele, o que mostra que o comportamento da COVID-19 parece seguir um padrão preocupante de risco de mortalidade. Essas características precisam ser atentamente observadas e mais profundamente estudadas a fim de buscar desenvolver protocolos ou estratégias de tratamento ajustadas à doença com maiores chances de sucesso e sobrevida para os pacientes.
Dos pacientes submetidos a VM por insuficiência respiratória desenvolvida na forma grave da COVID-19, aproximadamente 15% retornaram à ventilação espontânea sem suporte pressórico. Ademais, a mortalidade dos indivíduos criticamente enfermos nessa condição foi alta, o que chama à atenção para a continuidade da prevenção e da vigilância em relação à doença.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não ter conflitos de interesse de qualquer natureza.
Fontes de financiamento
Financiamento próprio.
Contribuição dos autores
Concepção e desenho da pesquisa: Oppelt LL, Orcy RB; Coleta de dados: Oppelt LL, Gonçalves TB, Silva VD, Biana CB; Análise e interpretação dos dados: Oppelt LL, Orcy RB; Análise estatística: Oppelt LL; Redação do manuscrito: Oppelt LL, Orcy RB; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Pinto SS.
Referências
1. Richardson S, Hirsch JS, Narasimhan M, Crawford JM, McGinn T, Davidson KW, et al. Presenting Characteristics, Comorbidities, and Outcomes among 5700 Patients Hospitalized with COVID-19 in the New York City Area. JAMA - Journal of the American Medical Association. 2020;323(20):2052–9.
2. Waterer GW, Rello J, Wunderink RG. COVID-19: First do no harm. Am J Respir Crit Care Med. 2020;201(11):1324–5.
3. Hasan SS, Capstick T, Ahmed R, Kow CS, Mazhar F, Merchant H a., et al. Mortality in COVID-19 patients with acute respiratory distress syndrome and corticosteroids use: a systematic review and meta-analysis. Expert Rev Respir Med. 2020;1–16.
4. Potere N, Valeriani E, Candeloro M, Tana M, Porreca E, Abbate A, et al. Acute complications and mortality in hospitalized patients with coronavirus disease 2019: A systematic review and meta-analysis. Crit Care. 2020;24(389):1–12.
5. Guzatti NG, Klein F, Oliveira JA, Rático GB, Cordeiro MF, Marmitt LP, et al. Predictive Factors of Extubation Failure in COVID-19 Mechanically Ventilated Patients. J Intensive Care Med. 1o de setembro de 2022;37(9):1250–5.
6. Ranzani OT, Bastos LSL, Gelli JGM, Marchesi JF, Baião F, Hamacher S, et al. Characterisation of the first 250 000 hospital admissions for COVID-19 in Brazil: a retrospective analysis of nationwide data. Lancet Respir Med. 2021;2600(20):1–12.
7. Avendano CA, Parrish R, Lara JC, Rosenberg B, Camilo CSJ, Beattie J, et al. COMPLICATIONS OF PROLONGED MECHANICAL VENTILATION IN PATIENTS WITH COVID-19 INFECTION. Chest. outubro de 2023;164(4):A1804–5.
8. Deschamps FJ, Deschamps PS da S, Silva LC da, Blos EK, Savoldi ES, Garcia MJC, et al. Hospital cohort study on survival predictors for intubated coronavirus disease 2019 patients. Rev Assoc Med Bras. 2024;70(5).
9. De Souza Dos Santos G, Alves de Carvalho França de Macedo V, Oliniski Reikdal S, Graf ME, Mario Martin B, Joaquim Meier M. Ventilator-associated pneumonia risk factors in patients with severe COVID-19 in southern Brazil: A retrospective observational study. Infect Dis Health. 2024;
10. Goldwasser R, Augusto R:, Participantes F, Freitas EE, Saddy F, Amado V, et al. III Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica: Desmame e interrupção da ventilação mecânica. Vol. 33, J Bras Pneumol. 2007.
11. Barrasa H, Rello J, Tejada S, Martín A, Balziskueta G, Vinuesa C, et al. SARS-CoV-2 in Spanish Intensive Care Units: Early experience with 15-day survival in Vitoria. Anaesth Crit Care Pain Med. 2020;1–9.
12. Schneider B, Oliveira RA de, Friedman G, Moraes RB. Associação entre biomarcadores e sucesso do desmame ventilatório em pacientes com COVID-19: um estudo observacional. Critical Care Science. 2024;36.
13. Rodrigues M de S, Guimarães J, Cerqueira Filho RB de, Mota Júnior AA da, Moura JC de, Moura SM de. Perfil epidemiológico dos pacientes hospitalizados por COVID-19 em uma Unidade de Terapia Intensiva no interior do Brasil. Rev Med (Rio J). 8 de março de 2023;102(1).