Fisioter Bras. 2024;25(5):1783-1793
doi: 10.62827/fb.v25i5.1031

RELATO DE CASO

Impacto de intercorrências físicas e clínicas no tempo de execução de atividades funcionais de membros inferiores em menino com distrofia muscular de Duchenne: estudo de caso

Impact of physical and clinical complications on the time required to perform lower limb functional activities in a boy with Duchenne muscular dystrophy: case study

Fernando Alves Vale1, Mariana Callil Voos2,3, Fátima Aparecida Caromano1,2

1Universidade de São Paulo (USP), Faculdade de Medicina, Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação, São Paulo, SP, Brasil

2Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Departamento Teorias e Métodos em Fisioterapia e Fonoaudiologia (PUC), São Paulo, SP, Brasil

3Universidade de São Paulo (USP), Faculdade de Medicina, Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Curso de Fisioterapia, São Paulo, SP, Brasil

Recebido em: 9 de outubro de 2024; Aceito em: 13 de novembro de 2024.

Correspondência: Fátima Aparecida Caromano, caromano@usp.br

Como citar

Vale FA, Voos MC, Caromano FA. Impacto de intercorrências físicas e clínicas no tempo de execução de atividades funcionais de membros inferiores em menino com distrofia muscular de Duchenne: estudo de caso. Fisioter. Bras. 2024;25(5):1783-1793. doi:10.62827/fb.v25i5.1031

Resumo

Introdução: O conjunto de atividades funcionais, como o levantar e o sentar no chão e na cadeira, subir e descer escadas e caminhar são fundamentais para independência e mobilidade do paciente e, sua avaliação, de grande relevância clínica para o acompanhamento funcional de crianças com diagnóstico de distrofia muscular de Duchenne. Objetivo: Descrever a relação entre o tempo de execução de atividades motoras funcionais de membros inferiores e intercorrências físicas e clínicas em menino com distrofia muscular de Duchenne (DMD), acompanhado quinzenalmente por período de um ano. Métodos: O participante foi escolhido de um conjunto de 182 prontuários de pessoas com diagnóstico de DMD a partir de exames genéticos, tendo sido critérios de inclusão finalizar o período de um ano realizando as atividades funcionais a serem analisadas, ter frequentado todas as sessões quinzenais de fisioterapia no período de um ano e ter histórico de intercorrências físicas e clínicas na anamnese. Os tempos de execução das atividades funcionais registrados no prontuário foram cronometrados de forma sistemática e foram investigadas as intercorrências como quedas e gripes. Foram coletados dados das atividades de levantar-se do chão e da cadeira, subir e descer escadas e caminhar. Resultados: As intercorrências físicas e clínicas, de grau leve, aumentaram o tempo de execução das atividades com piora temporária nas funções motoras, mas não alteraram o curso progressivo da doença de forma relevante. Após os eventos, os dados retornaram à linha de evolução esperada, característica da DMD. A coleta e interpretação contextualizada dos tempos de execução das atividades motoras foi essencial para a tomada de decisões clínicas imediatas, auxiliando na escolha da intervenção fisioterapêutica adequada para o paciente. Conclusão: A medida do tempo de execução de atividades motoras de membros inferiores foi relevante na compreensão do estado clínico-funcional do paciente no momento da intervenção fisioterapêutica, especialmente quando contextualizado com situações de intercorrências físicas e clínicas. Sugerimos estas medidas de avaliação nas rotinas clínicas de fisioterapia, com foco em, pelo menos, uma das atividades funcionais, visto que, as coletas de várias medidas comprometem o tempo de atendimento na sessão.

Palavras-chave: Estudo de avaliação; distrofias musculares; criança.

Abstract

Introduction: The set of activities of getting up and sitting on the floor and on a chair, going up and down stairs and walking are essential for the patient’s independence and mobility, and their assessment is of great clinical relevance for the functional monitoring of children diagnosed with Duchenne muscular dystrophy. Objective: To describe the relationship between the time taken to perform lower limb motor activities and physical and clinical complications in a boy with Duchenne muscular dystrophy, monitored fortnightly for a period of one year. Methods: The participant was chosen from a set of 182 medical records. The inclusion criteria were having completed the one-year period performing the functional activities to be analyzed, having attended all biweekly physical therapy sessions in the one-year period and having a history of physical and clinical complications in the anamnesis. The times taken to perform the functional activities were systematically timed and complications such as falls and flu were investigated. The activities of getting up from the floor and from a chair, going up and down stairs and walking were evaluated. Results: Minor physical and clinical complications increased the time spent performing activities with a temporary worsening of motor functions, but did not alter the observed progressive course of the disease. After the events, the data returned to the expected evolution line, characteristic of Duchenne muscular dystrophy. The collection and contextualized interpretation of the times to perform motor activities was essential for immediate clinical decision-making, assisting in the choice of appropriate physical therapy intervention for the patient. Conclusion: Measuring the time to perform lower limb motor activities was relevant in understanding the current clinical-functional state of the patient at the time of the physical therapy intervention, especially when contextualized with situations of physical and clinical complications. We suggest these assessment measures in clinical physiotherapy routines, focusing on at least one of the functional activities, since collecting multiple measures compromises the time of care in the session.

Keywords: Evaluation study; muscular dystrophies; child.

Introdução

Vignos (1963) descreveu e recomendou a investigação das atividades motoras de membros inferiores na avaliação clínica de pessoas com distrofia muscular de Duchenne (DMD), sendo que, as principais atividades motoras rotineiras de membros inferiores continuam sendo avaliadas até os dias atuais. Dentre as principais atividades descritas em protocolos de avaliação da literatura, estão atividades cotidianas como o levantar e o sentar no chão e na cadeira, o subir e descer escada e a caminhada [1].

A DMD é uma doença neuromuscular de origem genética, por alteração do loco Xp21, que causa um distúrbio bioquímico diminuindo de forma massiva a produção da proteína distrofina, gerando um distúrbio degenerativo, progressivo e irreversível, especialmente na musculatura esquelética, culminando em fraqueza muscular progressiva e perda de função em pessoas quase que exclusivamente do sexo masculino [2].

As avaliações realizadas para estes pacientes incluem a exploração de desvios de postura, típicas nestes pacientes, como contraturas dos pés em equinismo, hiperlordose lombar e deslocamento posterior de ombros, em função dos encurtamentos e fraqueza musculares. A medida da força de grupos musculares proximais e distais dos membros e da força respiratória (indicadora de função respiratória, que também é afetada em decorrência das alterações posturais e de fraqueza da musculatura respiratória) são mensuradas e analisadas, dispendendo parte significativa do tempo destinado à avaliação. A avaliação do desempenho e do tempo de execução das atividades funcionais, geralmente guiadas por um dos testes reconhecidos na literatura, soma-se à avaliação funcional. Esta é complementada com a anamnese focada no período anterior à avaliação e com a história natural da doença descrita pelo paciente. Tais avaliações, por serem amplas, cansativas para o fisioterapeuta e para o paciente e por serem demoradas, são realizadas, normalmente, a cada 6 meses.

A avaliação funcional de rotina da fisioterapia, que ocorre em cada sessão de atendimento, em se tratando de pessoas com DMD, foca principalmente na avaliação de força muscular e da mobilidade articular. Neste momento, apenas algumas medidas chave são realizadas, como por exemplo, a medida da força muscular respiratória e de preensão palmar por meio de manuvacuômetria e dinamometria, respectivamente, e a dos músculos deltoides, nos membros superiores e quadríceps, nos inferiores, utilizando, geralmente, testes manuais. A avaliação do desempenho em atividades costuma ocorrer durante exercícios de cinesioterapia, quando a observação de posturas e movimentos compensatórios decorrentes da fraqueza muscular podem ser analisados de forma detalhada. O tempo de execução de atividades funcionais não é uma medida realizada com frequência [3,4,5].

Como o número de compensações aumenta com a evolução da doença, é de se esperar algum tipo de associação entre estas variáveis, já descritas na literatura, ou seja, quanto pior o desempenho nas atividades funcionais, maior ou menor o tempo de execução delas. Curiosamente, as atividades realizadas com o auxílio da força da gravidade, como o sentar na cadeira ou no chão, a partir da posição de bipedestação, ou o descer escada, apresentam um relação negativa, ou seja, quanto maior o tempo de evolução da doença e maior a idade, menor será o tempo de execução das atividades, pois com o avançar da doença, os pacientes passam a literalmente jogar o corpo para frente e para baixo para sentar no chão ou jogar o corpo para trás para sentar na cadeira, o que torna estas atividades fonte de preocupação com segurança para evitar possíveis acidentes. Desta forma, evita-se inclusive sua realização como foco de observação de uma avaliação funcional. [3,4,5].

Outro fato relevante nas avaliações de rotina é a detecção do efeito de atividades excessivas realizadas pela criança num período imediatamente antes da sessão de fisioterapia, ou ainda, a presença de intercorrências, como quedas ou gripes, que podem afetar os achados da avaliação, embora não exista registro deste tipo de relação na literatura.

Nestes casos, a medida de tempo pode estar coerente com a interpretação de intercorrências físicas e clínicas, especialmente as mais comuns e de menor relevância, como temos observado de forma não sistematizada em nossa rotina de trabalho, e para demonstração desta observação, optou-se por, num primeiro momento e como direção de futuros estudos, por realizar um estudo de caso clínico, de sujeito único, com acompanhamento de um ano, retrospectivo, focando nestas duas variáveis – intercorrências físicas e clínicas. Este estudo poderá, então, direcionar uma futura pesquisa clínica.

Avaliou-se então, a relação entre o tempo de execução de atividades funcionais de membros inferiores e a presença de intercorrências físicas e clínicas em um paciente com DMD acompanhado quinzenalmente por um período de um ano.

Métodos

Delineamento de pesquisa: Estudo de caso único e retrospectivo.

Participante: O participante foi escolhido de um conjunto de 182 prontuários, tendo sido critérios de inclusão ter diagnóstico da doença por exame genético, finalizar o período de um ano realizando as atividades funcionais a serem analisadas, ter frequentado todas as sessões quinzenais de fisioterapia no período de um ano e ter histórico de intercorrências físicas e clínicas na anamnese. Foi acompanhado um menino dos 7 anos e cinco meses, até os 8 anos e cinco meses de idade. A criança era eutrófica, com índice de massa corpórea (IMC) de 17.3, peso de 28.4 quilos e altura de 128 centímetros de altura.

O menino tinha diagnóstico clínico, confirmado por testes de DNA (ácido desoxirribonucleico), de DMD, e o responsável assinou o termo de cessão de dados em documento padrão da instituição.

A criança, no período estudado, estava em bom estado geral de saúde, considerando a doença de base – DMD, deambulava sem auxílio, era colaborativa e frequentava o primeiro ano do ensino fundamental quando do início da coleta de dados. Fazia acompanhamento médico de frequência (semestral) estando medicada com corticoterapia e medicação de suporte para função cardíaca. Recebia suplementos alimentares diariamente e se alimentava de forma saudável, orientado por nutricionista.

A família pertencia à classe média alta com disponibilidade para prover infraestrutura geral e de saúde, inclusive suporte para necessidades especiais, como por exemplo, calçados sob medida com palmilha em gel e suporte de pedagoga e psicóloga.

Tratamento fisioterapêutico: Em paralelo aos cuidados de saúde citados acima, o tratamento fisioterapêutico prescrito foi de sessões de hidroterapia visando exercícios respiratórios, alongamentos suaves, exercícios de mobilidade funcionais e atividade cardiovascular em 60% da capacidade máxima, duas vezes por semana, sendo que esta intervenção era realizada na piscina da casa do paciente por uma fisioterapeuta e fisioterapia motora duas vezes por mês, realizada em consultório, visando treinamento de atividades funcionais e acompanhamento de evolução funcional, também realizada por fisioterapeuta. Realizava treinos cognitivos aplicados por terapeuta ocupacional. As atividades funcionais de membros inferiores, como a marcha e o levantar e o sentar da cadeira, foram executadas rotineiramente, com treino de uso de movimentos compensatórios para manutenção destas atividades e orientações de melhor forma de execução e cuidados para evitar acidentes.

Coleta e análise de dados: Avaliação funcional de tempos de execução de atividades funcionais e registro de intercorrências

O presente estudo investigou isoladamente a relação entre o tempo de execução de cinco atividades funcionais (TEAF): deambulação (andar 10 metros e andar por 6 minutos), subir degraus, levantar-se do chão e levantar-se da cadeira, e a presença de intercorrências físicas e clínicas (IFC) em cada uma das 24 sessões de intervenção fisioterapêutica, de forma continuada, num período de um ano. As três primeiras atividades, o levantar do chão, andar 10 metros, andar por 6 minutos e o subir escada, têm sido amplamente discutidas na literatura, mas a atividade de sentar-se e levantar-se da cadeira ainda é pouco explorada.

A coleta dos dados foi realizada por duas fisioterapeutas treinadas e com experiência de 10 anos nesta atividade. Os registros de TEAF foram obtidos a partir da observação direta e uso de cronômetro. As atividades foram executadas sempre a partir de explicações sobre segurança e verificação de necessidades específicas, como por exemplo, ponto de apoio. Uma fisioterapeuta executou a medida de tempo e a outra, realizou os comandos verbais e acompanhou os movimentos, para segurança do paciente. O paciente foi reforçado verbalmente para realizar o seu melhor desempenho em cada atividade por meio de estímulos verbais, como por exemplo, “muito bem” ou “está indo bem”. Na sequência, os dados foram planilhados e posteriormente analisados.

As intercorrências, pesquisadas sistematicamente e relatadas pelo paciente ou seus cuidadores, registradas no prontuário foram coletadas e organizadas por número de sessão de atendimento e avaliação. A análise foi realizada a partir da criação de gráficos e sua observação.

Local e cuidados éticos: O estudo foi desenvolvido no Laboratório de Fisioterapia e Comportamento da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, CAAE 38113520.1.0000.0068.

Resultados

Os dados coletados, por sessão, e o registro de intercorrências estão registrados na Tabela 1, juntamente com os dados referentes ao TEAF de membros inferiores, de cinco atividades, coletados durante o período de um ano. As atividades avaliadas foram o Teste de caminhada de 6 minutos (TC6min), o Teste de caminhada de 10 metros (TC10m), as atividades de subir escada (SE), de levantar-se da cadeira (LCad) e de levantar-se do chão (LChão), quando utilizam, geralmente, a manobra de Gowers, escalando as pernas para atingir a bipedestação. (Tabela 1)

Na Figura 1 pode-se observar a evolução do deslocamento, em metros, no Teste de caminhada de 6 minutos e na Figura 2, o tempo da caminhada rápida de 10 metros. Em ambos os gráficos fica evidente a alteração em função das intercorrências. Como esperado, os valores mostram perda de desempenho em função do tempo.

Na Figura 3 pode-se observar a evolução do tempo necessário para subir escada de quatro degraus (SE); na Figura 4, o tempo necessário para levantar-se da cadeira. Na Figura 5, é exposto o tempo para execução do levantar-se do solo (Manobra de Gowers). Nestes três gráficos fica evidente a alteração em função das intercorrências. Como esperado, os valores mostram perda de desempenho, do tempo de realização de atividades funcionais, em função do tempo.

Tabela 1 - Tempo de execução de atividades funcionais de membros inferiores e intercorrências no período de um ano, nas 24 sessões avaliadas

Sessão

TC10m

TC6min

SE

LCad

LChão

Intercorrência

1

6

352,3

3,5

0,9

5,7

2

6,4

355,4

3,6

0,9

5,8

3

6,7

355,9

3,6

1

5,5

4

7

358

3,7

1,1

6,2

5

9,2

534,5

5,5

1,8

9,8

Mudança - casa com escada

6

7,5

359,1

3,7

1,2

6,5

7

7,7

360,4

3,7

1,2

6,5

8

8,2

359,6

3,7

1,3

7,3

9

8,3

368,9

3,8

1,3

7,1

10

10,6

443,2

5,6

3,2

11,7

queda do balanço

11

8,5

368,5

3,8

1,4

8

12

15,3

454,1

4,4

2,3

12,6

ida à praia

13

9,4

369,3

3,8

1,6

7,9

14

9,5

370,1

3,8

1,5

8,5

15

11,3

461,2

4,1

2,8

15,4

Gripe

16

9,7

372,1

3,8

1,6

8,8

17

10,1

379,2

3,9

1,6

9

18

10,8

374,9

3,8

1,7

9,5

19

10,5

444,2

4,1

1,7

9,5

20

14,9

496,4

4,6

2,6

16,3

uso de patinete

21

11,3

375,8

3,9

1,8

9,8

22

11,6

377,1

3,8

1,8

9,8

23

11,9

377,9

3,9

1,9

9,9

24

12,2

377,9

4,1

1,9

10,6

Média

9,8

339,6

4,0

1,7

8,9

 

DP

2,4

50,0

0,5

0,6

2,8

 

Mínimo

6,0

352,3

3,5

0,9

5,5

 

Máximo

15,3

534,5

5,6

3,2

16,3

 

Legenda: TC10m = Teste de caminhada de 10 metros; TC6min = Teste de caminhada de seis minutos; SE = subir escada; Lcad = levantar-se da cadeira; Lchão = levantar-se do chão; DP = desvio padrão

Figura 1 - Distância alcançada no Teste de caminhada de 6 minutos (TC6min), por sessão de acompanhamento

Figura 2 - Tempo utilizado no Testes de caminhada de 10 metros (TC10m), por sessão de acompanhamento

Figura 3 - Gráfico do Teste de execução de atividade funcional (TEAF) de subir escada (SE), por sessão de acompanhamento

Figura 4 - Gráfico do Teste de execução de atividade funcional (TEAF) de levantar-se da cadeira (LC) por sessão de acompanhamento

Figura 5 - Gráfico do Teste de execução de atividade funcional (TEAF) de levantar-se do chão (LChão) por sessão de acompanhamento

Discussão

Este estudo de caso mostrou uma relação entre intercorrências físicas e clínicas (IFC) de pouca gravidade no TEAF, deixando claro que, na prática clínica de rotina do fisioterapeuta, a coleta e interpretação destas informações são releventes, especialmente para entender o estado clínico-funcional e de disponibilidade do paciente para executar atividades de fisioterapia.

Os tipos de intercorrências registradas tiveram predominância de exageros de atividade física, em detrimento às doenças oportunistas [6]. O registro também permitiu observar a lenta perda funcional característica da doença. Não ocorreram intercorrências física graves, como um fratura, nem clínicas, como uma pneumonia, sendo que o impacto deste tipo de eventos deve ser estudado em estudos futuros. Da mesma maneira, intercorrências emocionais relevantes devem ser exploradas para compreensão de como afetam o desempenho físico.

A maioria dos estudos sobre intervenção com exercícios para DMD sugere que os pacientes devem evitar alongamentos e contrações isométricas, tanto quanto possível. Em vez disso, devem concentrar-se em contrações de pouca variação de comprimento e de baixa intensidade sem resistência, para evitar danos musculares e atrofia por desuso. Esta premissa está presente na indicação de exercícios realizados predominantemente em imersão (terapia aquática) que é facilitada pela pressão hidrostática, calor da água (temoneutra) e força de empuxo). Neste ambiente, os exercícios são realizados lentamente para pacientes com DMD e, pela resistência da água, com resistência constante [7].

Algumas diretrizes de reabilitação para pacientes com DMD foram publicadas defendendo análise sistemática da função muscular [8,9]. Esse tipo de avaliação visa determinar limites potenciais de carga de exercício, para evitar danos, bem como evitar contrações prolongadas e treinamento de alta resistência. Como resultado, a contração excêntrica é provavelmente uma sobrecarga na DMD [10]. Neste sentido, a análise de TEAF associada com a pesquisa de IFC podem auxiliar na prevenção de aplicação de exercícios em excesso, de forma contextualizada. Estes cuidados devem ser estendidos às atividades cotidianas.

Fica claro que as intercorrências registradas afetaram todas as variáveis estudadas, piorando o desempenho do paciente momentaneamente. No entanto, não afetaram a evolução da doença, ou seja, os dados coletados posteriormente tenderam a voltar para uma linha de evolução esperada para o paciente. De forma geral, foi observada uma linha ascendente de registros. A piora progressiva dos tempos em atividades funcionais foi previamente descrita na literatura [3,4,5].

É importante notar que não ocorreu nenhuma intercorrência grave, que colocasse o paciente em situação de imobilidade, como fratura ou torção grave em membros inferiores. Tais complicações poderiam levar ao repouso prolongado e à perda funcional adicional às observadas como decorrentes da doença [11]. Além dessas complicações, quadros clínicos graves, como pneumonia ou outra infecção grave, certamente teriam afetado todas as funções corporais. Agravos clínicos teriam resultado em alteração de desempenho nos testes observáveis após o período de recuperação, podendo ser irreversível [12].

A coleta de tempo de execução de atividades funcionais, e mesmo a distância percorrida em seis minutos, pode não ser estatisticamente relevante quando analisamos o desempenho de grupos de pacientes, em função das compensações de movimentos e intercorrências variadas. No entanto, quando analisamos os dados de um paciente, de forma isolada e contextualizada, informações clínicas auxiliam na tomada de decisão para a intervenção fisioterapêutica imediata e em médio prazo. Desta forma, recomendamos que esta prática não seja negligenciada pelos profissionais da saúde que atuam continuamente com pacientes com DMD.

Como dito, estes achados são isolados para um estudo de caso de um menino com bom suporte econômico-social, com intercorrências leves no período estudado, sem o registro de intercorrências emocionais, baseado em informações oferecidas pelos cuidadores, e que procurou gerar alguns indicadores para pesquisas futuras.

Conclusão

No acompanhamento de um menino com DMD, pelo período de um ano, encontrou-se variação do tempo dispendido na execução de atividades funcionais, que coincidiu com intercorrências relatadas pelo paciente e cuidadores. Atividades realizadas no dia a dia e um estado gripal podem ter causado sobrecarga e fadiga no paciente, interferindo momentaneamente no tempo de atividades funcionais.

Conflitos de interesses

Não há conflitos de interesse financeiros e outros (comercial, pessoal ou político) relacionados ao tema e ao desenvolvimento do artigo apresentado para publicação.

Fontes de financiamento

Não houve financiamento. O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- Brasil (CAPES) - Código de financiamento 001.

Contribuições dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Caromano FA, Vale FA; Obtenção de dados: Caromano FA, Vale FA; Análise e interpretação dos dados: Caromano FA, Vale FA, Voos MC; Análise estatística: Caromano FA; Redação do manuscrito: Caromano FA, Voos MC, Vale FA; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Caromano FA, Voos MC, Vale FA.

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