Enferm Bras. 2025;24(5):2826-2836
doi:10.62827/eb.v24i5.4099

ARTIGO ORIGINAL

Ambiente ético e assistência de enfermagem na atenção primária à saúde: Uma análise qualitativa

Emanuela Ferreira Naves Faria1, Vanessa Cervi da Silva2, Luiz Alexandre Pereira de Toledo1, Emilly Bianca Brasil1, Camila Antunez Villagran1

1Universidade de Rio Verde (UniRV), Rio Verde, GO, Brasil

2Coordenadora Administrativa da Atenção Primária à Saúde (APS), Rio Verde, GO, Brasil

Recebido em: 5 de Novembro de 2025; Aceito em: 12 de Novembro de 2025.

Correspondência: Camila Antunez Villagran, camilaantunezvillagran@gmail.com

Como citar

Faria EFN, Silva VC, Toledo LAP, Brasil EB, Villagran CA. Ambiente ético e assistência de enfermagem na atenção primária à saúde: uma análise qualitativa. Enferm Bras. 2025;24(5):2826-2836. doi:10.62827/eb.v24i5.4099

Resumo

Introdução: Na enfermagem, o ambiente ético impacta diretamente na qualidade do atendimento e no bem-estar dos profissionais. Um ambiente favorável promove a independência e a proteção do paciente, enquanto um ambiente adverso intensifica o estresse e a Síndrome de Burnout. A contribuição da liderança é crucial para consolidar a ética laboral. Objetivo: Analisou-se a influência do ambiente ético positivo no local de trabalho da enfermagem e seus impactos na qualidade da assistência prestada ao paciente. Métodos: Trata-se de um estudo qualitativo, com abordagem exploratória descritiva, realizado com profissionais de Enfermagem da Atenção Primária à Saúde. A coleta de dados foi feita por meio de entrevistas semiestruturadas, gravadas e transcritas, com posterior análise pelo método da Análise Textual Discursiva. A amostragem ocorreu via técnica de bola de neve, respeitando critérios éticos estabelecidos pela Resolução nº 466/12. Resultados: Os profissionais relataram que ambientes éticos, pautados no respeito e na colaboração, aumentam a motivação, a confiança e a segurança do paciente. Em contrapartida, situações de desrespeito, falta de diálogo e apoio institucional fragilizam a equipe, geram estresse e podem comprometer a assistência. A presença de liderança ética foi destacada como fator central para a manutenção de um clima saudável e produtivo. Conclusão: O ambiente de trabalho ético positivo fortalece o engajamento da equipe e favorece um cuidado humanizado e seguro. Investir em respeito, comunicação efetiva e liderança comprometida contribui para a valorização da enfermagem e a melhoria da atenção primária à saúde, enquanto ambientes adversos podem comprometer tanto a qualidade da assistência quanto o bem-estar dos profissionais.

Palavras-chave: Ética; Enfermagem; Atenção Primária à Saúde; Ética Profissional.

Abstract

Ethical environment and nursing care in primary health care: A qualitative analysis

Introduction: In nursing, the ethical environment directly impacts the quality of care and the well-being of professionals. A favorable environment promotes patient independence and protection, while an adverse environment intensifies stress and Burnout Syndrome. Leadership contribution is crucial to consolidate workplace ethics. Objective: To analyze the influence of a positive ethical environment in nursing workplaces and its impacts on the quality of patient care. Methods: This is a qualitative, exploratory-descriptive study conducted with Nursing professionals in Primary Health Care. Data collection was carried out through semi-structured interviews, recorded and transcribed, and subsequently analyzed using the Discursive Textual Analysis method. Sampling occurred through the snowball technique, respecting the ethical principles established by Resolution No. 466/12. Results: Professionals reported that ethical environments based on respect and collaboration increase motivation, trust, and patient safety. Conversely, situations involving disrespect, lack of dialogue, and institutional support weaken the team, generate stress, and may compromise care. The presence of ethical leadership was highlighted as a central factor in maintaining a healthy and productive climate. Conclusion: A positive ethical work environment strengthens team engagement and promotes humanized and safe care. Investing in respect, effective communication, and committed leadership contributes to the appreciation of nursing and the improvement of primary health care, while adverse environments can compromise both the quality of care and professionals’ well-being.

Keywords: Ethics; Nursing; Primary Health Care; Ethics.

Resumen

Ambiente ético y atención de enfermería en la atención primaria de salud: Un análisis cualitativo

Introducción: En enfermería, el ambiente ético impacta directamente en la calidad de la atención y en el bienestar de los profesionales. Un entorno favorable promueve la independencia y la protección del paciente, mientras que un entorno adverso intensifica el estrés y el Síndrome de Burnout. La contribución del liderazgo es fundamental para consolidar la ética laboral. Objetivo: Analizar la influencia del ambiente ético positivo en el lugar de trabajo de enfermería y sus impactos en la calidad de la atención brindada al paciente. Métodos: Se trata de un estudio cualitativo, con enfoque exploratorio-descriptivo, realizado con profesionales de Enfermería de la Atención Primaria de Salud. La recolección de datos se realizó mediante entrevistas semiestructuradas, grabadas y transcritas, con posterior análisis a través del método de Análisis Textual Discursivo. El muestreo se efectuó mediante la técnica de bola de nieve, respetando los criterios éticos establecidos por la Resolución nº 466/12. Resultados: Los profesionales informaron que los ambientes éticos, basados en el respeto y la colaboración, aumentan la motivación, la confianza y la seguridad del paciente. Por el contrario, las situaciones de falta de respeto, ausencia de diálogo y apoyo institucional debilitan al equipo, generan estrés y pueden comprometer la atención. La presencia de un liderazgo ético fue destacada como un factor central para mantener un clima saludable y productivo. Conclusión: Un ambiente de trabajo ético positivo fortalece el compromiso del equipo y favorece una atención humanizada y segura. Invertir en respeto, comunicación efectiva y liderazgo comprometido contribuye a la valorización de la enfermería y a la mejora de la atención primaria en salud, mientras que los entornos adversos pueden comprometer tanto la calidad de la atención como el bienestar de los profesionales.

Palabras-clave: Ética; Enfermería; Atención Primaria de Salud; Ética Profesional.

Introdução

A ética na enfermagem é fundamental para garantir a qualidade da assistência e o bem-estar dos profissionais. O conceito de ambiente ético refere-se à percepção dos trabalhadores sobre como as questões éticas são tratadas no ambiente laboral e se há suporte organizacional para reflexões éticas durante a prática profissional [1]. Esse conceito abrange a assistência, a gestão, as políticas institucionais e a deliberação de problemas éticos nos serviços de saúde.

Um ambiente ético positivo está associado à valorização da autonomia profissional, ao compartilhamento de decisões, ao acesso às informações necessárias para a assistência e ao respeito entre os membros da equipe [2]. Em contrapartida, um ambiente ético negativo ocorre quando os profissionais não encontram apoio institucional para agir conforme seus valores, enfrentam dificuldades no acesso a informações essenciais para a tomada de decisão e se deparam com conflitos éticos não resolvidos [1].

A relevância do ambiente ético se destaca no cenário atual da enfermagem, marcado por desafios como sobrecarga de trabalho, escassez de recursos, dilemas éticos na priorização de cuidados e aumento dos índices de esgotamento profissional, especialmente após a pandemia da Covid-19. Estudos indicam que um ambiente eticamente desfavorável contribui para maiores taxas de estresse, absenteísmo e Síndrome de Burnout (SB), impactando diretamente a retenção de profissionais e a segurança do paciente [3,4]. Além disso, pesquisas apontam que enfermeiros que atuam em um ambiente ético positivo apresentam maior engajamento, comprometimento com a equipe e adesão a boas práticas assistenciais [5,6].

O Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem estabelece princípios, direitos e deveres relacionados à conduta ética dos enfermeiros, sendo fiscalizado pelos conselhos de enfermagem para garantir um exercício profissional alinhado à ética e à bioética. No entanto, a simples existência de normativas não assegura um ambiente de trabalho eticamente saudável. O comportamento organizacional e a atuação da liderança são fatores determinantes na construção do ambiente ético. Líderes que incentivam a comunicação aberta e promovem a participação dos profissionais na tomada de decisão criam um ambiente mais favorável à reflexão ética e ao fortalecimento da autonomia [7].

Além do impacto no bem-estar dos profissionais, o espaço ético influencia diretamente a segurança do paciente. Ambientes onde há suporte institucional adequado apresentam menor incidência de erros médicos, maior adesão aos protocolos de segurança assistencial e melhor continuidade do cuidado [1]. Dessa forma, compreender os fatores que determinam o ambiente ético e suas implicações na prática da enfermagem é essencial para a promoção de uma assistência mais segura e humanizada.

Diante desse contexto, este estudo busca analisar a influência do âmbito ético no ambiente de trabalho da enfermagem, discutindo suas implicações na qualidade da assistência, no bem-estar dos profissionais e nos desafios enfrentados, como sobrecarga de trabalho, estresse, conflitos interpessoais e consequências de um meio ético negativo, incluindo a SB. Diante disso a problemática da pesquisa, que foi analisada: Qual a influência da ambiência ética positiva no setor de trabalho da enfermagem e seus impactos na qualidade da assistência prestada ao paciente? E objetivou-se analisar a influência do ambiente ético positivo no ambiente de trabalho da enfermagem e seus impactos na qualidade da assistência prestada ao paciente.

Métodos

Trata-se de um estudo desenvolvido da forma qualitativa, visa explorar o objeto de estudo através do conteúdo da coleta de dados com os participantes, descrevendo fatos associados ao tema [8]. Foram seguidas as normas do Consolidated criteria for reporting qualitative research. O campo de estudo do projeto foi a Atenção Primária à Saúde (APS) localizadas na região Centro-Oeste do Brasil.

A pesquisa constou com a participação de 211 profissionais atuantes na APS, sendo eles enfermeiros e técnicos de enfermagem. Contando com 83 enfermeiros e 128 técnicos de enfermagem.

Foram incluídos enfermeiros e técnicos de enfermagem com mínimo de um mês de atuação nos serviços de saúde. Foram excluídos profissionais que desistiram da participação durante a coleta de dados da pesquisa.

A coleta se iniciou após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, sob o parecer n° 6.573.385. A coleta ocorreu via bola de neve, em que o primeiro participante foi sorteado, o qual foi a indicação do próximo participante, e assim por diante. As entrevistas foram finalizadas mediante a saturação dos dados e realizada em sala privativa de forma presencial e individual.

Os profissionais de enfermagem foram convidados para participar das entrevistas presenciais que foram agendadas previamente conforme a disponibilidade de horários dos profissionais. Foi firmado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) contendo os objetivos, riscos e benefícios do estudo. As entrevistas semiestruturadas foram gravadas e, após, transcritas em um editor de texto, Word. Para preservar a identidade dos participantes, os enfermeiros passam a ter os pseudônimos Enf 1, Enf 2, Enf 3, e os técnicos de enfermagem TE 1, TE 2, e assim sucessivamente, conforme a ordem cronológica de realização das entrevistas.

Para a condução da entrevista semiestruturada, foi utilizado um guia contemplando as questões que abrangem sobre o contexto e rotina profissional. A entrevista semiestruturada segue um roteiro pré-definido contendo perguntas abertas e fechadas, facilitando a abordagem ao participante [9].

Foram seguidas as normas e diretrizes que regulamentam pesquisas com seres humanos instituídas por meio da Resolução n° 466/12 [10]. Foi firmado o Termo de Confidencialidade dos Dados e o TCLE contendo os objetivos, riscos e benefícios do estudo. O TCLE estava assinado pela pesquisadora principal. Assim, garantindo o direito à privacidade e a desistência da participação da pesquisa em qualquer momento, não havendo exposição pública de nenhuma pessoa ou de suas informações, em nenhum momento da pesquisa. Houve confidencialidade dos dados e os mesmos foram arquivados e guardados pela pesquisadora em um HD externo, e deletados da nuvem e serão guardados pelo período de 5 anos conforme termo de confidencialidade.

Em relações aos riscos da pesquisa, houve possibilidade de os participantes sentirem algum desconforto em relembrar dilemas difíceis vivenciados em seu ambiente de trabalho. Nesses casos, o preenchimento do instrumento pôde ser interrompido e retomado em outro momento, quando o profissional se sentiu mais confortável com a situação, ou finalizada definitivamente. E quanto aos benefícios da pesquisa, destacou-se a contribuição para construção do conhecimento em enfermagem, além de proporcionar reflexões aos trabalhadores acerca das situações conflituosas, problematizando-as como esses fenômenos podem influenciar na sua saúde e na satisfação no trabalho.

A Análise Textual Discursiva possibilitou compreender as factibilidades e os discursos dos participantes, mediando a produção de significados. A análise deslocou-se do empírico para a abstração teórica, que só pôde ser alcançada quando o pesquisador realizou um movimento intenso de interpretação e produção de argumentos. Todo este processo produziu metatextos analíticos, os quais compuseram os textos interpretativos [8].

Resultados

Viu-se que o ambiente ético no local de trabalho interfere diretamente na qualidade do cuidado ofertado. Os profissionais relataram que situações de tensão, conflitos ou sobrecarga repercutem negativamente na assistência prestada, alcançando o paciente e comprometendo seu bem-estar, como ilustra o depoimento:

“Quando o ambiente está carregado, isso chega até o paciente.” (E3)

A ausência de liderança ética e inspiradora foi apontada como fator que fragiliza o desempenho e a motivação da equipe. A omissão da chefia diante de condutas antiéticas gera descontentamento, insegurança e aumenta a sobrecarga emocional dos trabalhadores, repercutindo de forma negativa na qualidade da assistência.

“Quando a chefia vê uma atitude errada e finge que não viu, a equipe desanima. Parece que nada é levado a sério.” (E2)

“Falta um líder que oriente e dê exemplo. Às vezes o chefe é o primeiro a agir de forma antiética, e isso reflete em todo mundo.” (E5)

Além disso, destacou-se a falta de apoio institucional frente a denúncias ou dificuldades éticas, o que produz sensação de vulnerabilidade e desamparo, comprometendo a tomada de decisões, reduzindo a motivação e impactando diretamente a segurança do cuidado.

“Quando a gente tenta relatar alguma coisa errada, não tem retorno. Parece que é melhor ficar calado.” (E3)

“A instituição não apoia. A gente se sente sozinho, vulnerável, com medo de sofrer represália.” (E7)

Outro aspecto identificado refere-se ao vínculo com o paciente, frequentemente comprometido pela alta demanda e pela rotina intensa na APS. A sobrecarga impõe atendimentos rápidos e pouco humanizados, dificultando o estabelecimento de uma escuta qualificada. Essa realidade foi expressa por um participante ao afirmar:

“A gente não consegue mais conversar com o paciente com calma, tudo é correria.” (E5)

Em contrapartida, os profissionais ressaltaram que o respeito, a escuta ativa e o reconhecimento fortalecem o ambiente ético positivo, favorecendo maior engajamento e colaboração da equipe, o que se reflete na qualidade da assistência prestada. Nessas situações, observam-se maior satisfação dos usuários e melhor desempenho profissional.

Contudo, também emergiram relatos de sofrimento ético diante de falhas ou omissões presenciadas, sem que houvesse segurança para denunciá-las. Esse cenário demonstra a presença de um clima de medo e insegurança institucional, que perpetua condutas inadequadas e compromete a motivação da equipe e a segurança do paciente:

“A gente vê coisa errada acontecendo, mas não tem coragem de falar. Fica com medo de ser punido ou malvisto.” (E4)

“Dói ver algo errado e não poder agir. A gente carrega isso, é um sofrimento que ninguém vê.” (E6)

A influência do exemplo da liderança também foi destacada, uma vez que o respeito e a valorização no ambiente de trabalho contribuem para o comprometimento e a motivação dos profissionais. Conforme relatado:

“Quando o enfermeiro respeita e valoriza, a gente trabalha até mais motivado.” (E7)

Entretanto, os entrevistados apontaram a ausência de espaços de escuta e diálogo sobre questões éticas, como rodas de conversa ou reuniões específicas, o que enfraquece a coesão e o acolhimento da equipe.

Por fim, observou-se a associação entre um ambiente de trabalho saudável e um cuidado centrado no paciente. A colaboração e o apoio mútuo entre colegas fortalecem o ambiente ético, promovendo maior satisfação e bem-estar do usuário. Esse ambiente colaborativo não apenas melhora o bem-estar da equipe, mas também se traduz em cuidados mais seguros e humanizados ao paciente, evidenciado no relato:

“A gente se ajuda e isso reflete no paciente, ele percebe quando o ambiente é bom.” (E3)

A partir da análise das entrevistas, emergiram quatro eixos temáticos que refletem os principais aspectos relacionados ao ambiente ético e seus impactos na prática da enfermagem na APS. Esses eixos foram organizados de forma sintética e ilustrativa na Figura 1, que apresenta uma visão integrada dos fatores organizacionais identificados, das consequências percebidas pelos profissionais, das repercussões na qualidade da assistência e das possíveis estratégias de melhoria apontadas pelos participantes.

Texto

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Figura 1. Ambiente ético e impactos na enfermagem da APS.

A ilustração evidencia como a ausência de liderança ética, a omissão diante de condutas inadequadas e a falta de apoio institucional repercutem negativamente tanto no bem-estar dos profissionais quanto na segurança do paciente. Além disso, destaca a importância de fortalecer a cultura organizacional pautada no diálogo, no respeito e na ética como pilares para a melhoria das relações e da qualidade do cuidado
na APS.

Discussão

Os resultados deste estudo demonstram que o ambiente ético exerce influência direta na qualidade do cuidado em enfermagem. Um ambiente de trabalho marcado por tensão, conflitos e sobrecarga compromete o desempenho profissional, o bem-estar da equipe e a segurança do paciente, evidenciando que o clima organizacional transcende as dinâmicas internas e impacta a experiência do usuário. Estudos recentes corroboram esses achados, ao indicarem que contextos institucionais conflituosos elevam o risco de erros assistenciais e reduzem a satisfação dos pacientes [11].

O ambiente ético positivo pode ser compreendido como a percepção coletiva de justiça, respeito e integridade nas relações de trabalho, refletindo-se na confiança, na motivação e na qualidade da assistência. Nesse sentido, a liderança ética surge como um elemento essencial. A ausência de líderes inspiradores e comprometidos com valores éticos fragiliza a coesão da equipe e aumenta a sobrecarga emocional. A literatura reforça que a liderança ética atua como promotora do apoio emocional e do fortalecimento do clima organizacional positivo [12].

A falta de apoio institucional frente a dilemas ou denúncias éticas também se mostrou um fator crítico. Essa omissão produz sentimentos de vulnerabilidade e desamparo, fragilizando a tomada de decisões e reduzindo a segurança assistencial. Pesquisas recentes apontam que o suporte institucional é determinante para a confiança da equipe e para a cultura de segurança, enquanto a ausência de respaldo amplia o medo e perpetua condutas inadequadas [13].

Outro aspecto relevante foi o comprometimento do vínculo profissional-paciente diante da alta demanda e da rotina intensa na APS. A sobrecarga de trabalho resulta em atendimentos rápidos e pouco humanizados, o que fragiliza a escuta qualificada e o cuidado centrado no paciente. A literatura confirma que o fortalecimento desse vínculo é fator decisivo para a efetividade do cuidado e para a satisfação dos usuários [14].

Por outro lado, emergiram aspectos positivos nos contextos em que prevalecem o respeito, a escuta ativa e o reconhecimento profissional. Esses ambientes favorecem maior engajamento, colaboração e motivação, refletindo-se em melhor desempenho da equipe e satisfação dos usuários. O ambiente ético positivo, portanto, configura-se como um fator protetor para o bem-estar dos profissionais e para a humanização da assistência [15].

Os relatos de sofrimento ético e insegurança para denunciar condutas inadequadas ilustram a urgência de se instituírem espaços seguros de diálogo e reflexão ética. A criação de rodas de conversa, comissões de ética e momentos regulares de escuta coletiva é apontada como estratégia fundamental para mitigar o sofrimento moral e fortalecer a cultura da ética e da segurança [16].

Por fim, a influência positiva da liderança ética e a presença de ambientes colaborativos reforçam a importância de políticas institucionais voltadas à valorização da enfermagem e à promoção de um clima de trabalho saudável. A consolidação de práticas éticas compartilhadas e de espaços de apoio mútuo favorece a qualidade da assistência e a satisfação dos profissionais, evidenciando que investir em um ambiente ético positivo é investir na melhoria contínua do cuidado na Atenção Primária [17].

Diante desses achados, destaca-se a necessidade de políticas institucionais que valorizem o papel da enfermagem, incentivem o desenvolvimento de líderes éticos e criem espaços permanentes de reflexão e apoio moral. Investir em um ambiente de trabalho saudável e participativo não apenas melhora o bem-estar e o desempenho dos profissionais, mas também repercute diretamente na qualidade da atenção oferecida à população, reafirmando o papel estratégico da enfermagem na APS.

Portanto, promover um ambiente ético positivo representa não apenas uma ação de gestão, mas um compromisso ético e humano com a excelência do cuidado e com a valorização da profissão. Recomenda-se que futuras pesquisas ampliem o escopo territorial e integrem diferentes abordagens metodológicas, a fim de aprofundar a compreensão sobre as relações entre ambiente ético, condições de trabalho e qualidade da assistência em diversos contextos da enfermagem.

Conclusão

O estudo evidenciou que o ambiente ético influência de forma decisiva a prática da enfermagem e a qualidade da assistência prestada na APS. Ambientes caracterizados por tensão, conflitos, ausência de liderança inspiradora e falta de apoio institucional repercutem negativamente no desempenho profissional, na motivação da equipe e na segurança do paciente.

A sobrecarga de trabalho, a escassez de espaços de escuta e a omissão diante de condutas antiéticas contribuem para o sofrimento moral e a desmotivação dos profissionais, comprometendo o vínculo com o paciente e a humanização do cuidado. Em contrapartida, o respeito mútuo, o diálogo aberto e a liderança ética fortalecem a coesão da equipe, promovem satisfação profissional e consolidam uma cultura organizacional pautada na ética do cuidado.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse de qualquer natureza.

Fonte de financiamento

Esta pesquisa não possui financiamento.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Faria EFN, Villagran CA; Coleta de dados: Faria EFN, Brasil, EB; Análise e interpretação dos dados: Villagran CA; Redação do manuscrito: Faria EFN, da Silva VC, Toledo LAP, Villagran CA; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Villagran CA, da Silva VC, Toledo LAP.

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