REVISÃO
Impactos da disfunção dos hormônios tireoidianos na gravidez e no desenvolvimento cerebral fetal: uma revisão integrativa
Vanessa Bennemann1
1Universidade do Vale do Taquari (Univates), Lajeado, RS, Brasil
Recebido em: 13 de janeiro de 2025; Aceito em: 16 de janeiro de 2025.
Correspondência: Vanessa Bennemann, vbennemann@universo.univates.br
Como citar
Bennemann V. Impactos da disfunção dos hormônios tireoidianos na gravidez e no desenvolvimento cerebral fetal: uma revisão integrativa. Enferm Bras. 2024;23(6):2083-2093. doi:10.62827/eb.v23i6.4038
Introdução: o equilíbrio dos hormônios tireoidianos (HT) na gestação é vital para o desenvolvimento cerebral, sendo um ponto crítico no período fetal, visto que, as disfunções na glândula tireoide (GT) resultam na dessalinização dos níveis do hormônio tireoestimulante (TSH). Objetivo: Investigou-se na literatura a relação entre disfunções tireoidianas maternas e o desenvolvimento cerebral fetal. Métodos: revisão integrativa, organizada em seis etapas, realizada em outubro de 2023, com busca nas bases de dados que compõem a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e no Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (Medline) via PubMed, no período entre 2011 e 2023. Resultados: a amostra foi composta por sete estudos, os quais mostraram maior incidência de função tireoidiana anormal em TEA, sem associação com TDAH. Destacaram a eficácia da suplementação de iodo e levotiroxina (LT4) na gravidez para proteção cerebral fetal. O diagnóstico precoce evitou complicações na gestação e com o feto. Conclusão: doenças tireoidianas maternas afetam o sistema nervoso fetal, com impactos na formação neuronal e desenvolvimento cognitivo. O tratamento durante a gestação é crucial para proteger as funções fetais, embora mais estudos sejam necessários para entender melhor os efeitos na função cognitiva infantil.
Palavras-chave: Glândula tireoide; gravidez; desenvolvimento fetal.
Impacts of thyroid hormone dysfunction on pregnancy and fetal brain development: a integrative review
Introduction: the balance of thyroid hormones (TH) during pregnancy is vital for brain development, being a critical point in the fetal period, since dysfunctions in the thyroid gland (GT) result in the desalination of thyroid-stimulating hormone (TSH) levels. Objective: to investigate the relationship between maternal thyroid dysfunctions and fetal brain development in the literature. Methods: Integrative review, organized in six stages, carried out in October 2023, with a search in the databases that make up the Virtual Health Library (BVS) and in Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (Medline) via PubMed, in the period between 2011 and 2023. Results: the sample consisted of seven studies, which showed a higher incidence of abnormal thyroid function in ASD, without association with ADHD. They highlighted the effectiveness of iodine and levothyroxine (LT4) supplementation during pregnancy for fetal brain protection. Early diagnosis avoided complications during pregnancy and with the fetus. Conclusion: maternal thyroid disease affects the fetal nervous system, with impacts on neuronal formation and cognitive development. Treatment during pregnancy is crucial to protect fetal functions, although further studies are needed to better understand the effects on infant cognitive function.
Keywords: Thyroid gland; pregnancy; fetal development.
Impactos de la disfunción de la hormona tiroidea en el embarazo y el desarrollo del cerebro fetal: una revisión integradora
Introducción: el equilibrio de las hormonas tiroideas (HT) durante el embarazo es vital para el desarrollo cerebral, siendo un punto crítico en el periodo fetal, ya que disfunciones en la glándula tiroides (TG) resultan en la desalinización de los niveles de hormona estimulante de la tiroides (TSH). Objetivo: investigar en la literatura la relación entre la disfunción tiroidea materna y el desarrollo cerebral fetal. Métodos: revisión integradora, organizada en seis etapas, realizada en octubre de 2023, con búsquedas en las bases de datos que componen la Biblioteca Virtual en Salud (BVS) y en Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (Medline) vía PubMed, en el período comprendido entre 2011 y 2023. Resultados: la muestra fue compuesto por siete estudios, que mostraron una mayor incidencia de función tiroidea anormal en TEA, sin asociación con TDAH. Destacaron la eficacia de la suplementación con yodo y levotiroxina (LT4) durante el embarazo para la protección del cerebro fetal. El diagnóstico precoz previene complicaciones durante el embarazo y en el feto. Conclusión: las enfermedades tiroideas maternas afectan el sistema nervioso fetal, con repercusiones en la formación neuronal y el desarrollo cognitivo. El tratamiento durante el embarazo es crucial para proteger la función fetal, aunque se necesitan más estudios para comprender mejor los efectos sobre la función cognitiva infantil.
Palabras-clave: Glándula tiroides; Embarazo; desarrollo fetal.
A concepção de uma criança é marcada por importantes alterações fisiológicas, psicológicas e sociais que abrangem desde a implantação embrionária até o puerpério e lactação. Nesse contexto, os hormônios tireoidianos (HT) desempenham um papel crucial, influenciando nos processos metabólicos, na conversão de elementos em energia e no crescimento físico e mental [1,2].
Os HT são necessários para o desenvolvimento normal dos tecidos cerebral no feto e no recém-nascido, além de regular o metabolismo de proteínas, carboidratos e gorduras ao longo do ciclo vital. No período fetal (9 a 40 semanas de gestação), o desenvolvimento cerebral é essencial para a formação do sistema neurológico e é influenciado por alterações nas da tiroxina e tri-iodotironina (T3 e T4), além da tireoglobulina. Além disso, a depuração aprimorada de iodo e o efeito tireotrófico da gonadotrofina coriônica humana na disfunção do hormônio tireoide estimulante (TSH) também influenciam no período fetal [3,4].
A maturação cerebral é um evento sincronizado e independente, o qual inicia no período fetal, progredindo ao pós-natal. A deficiência hormonal neste período crítico pode resultar em danos irreversíveis, com consequências independentes da gravidade, duração e tempo de início da alteração hormonal, como o dano neurológico [5-7].
Observa-se relação entre alterações nos níveis de T3 e T4 no início da gestação, déficit cognitivo e prematuridade, demonstrando a importância desses hormônios. A expressão de proteínas e genes são apontadas como possíveis causas de alterações cognitivas em crianças expostas às menores concentrações de HT no primeiro trimestre [8]. Neste sentido, As disfunções tireoidianas, como hipotireoidismo e hipertireoidismo, frequentemente documentadas durante a gestação, podem resultar em complicações significativas para a mãe e para o feto [9,10].
Diante desse contexto, esta revisão investigou a relação entre disfunções tireoidianas maternas e o desenvolvimento cerebral fetal.
Foi realizada uma revisão integrativa da literatura, desenvolvida em seis etapas: formulação da questão de pesquisa, busca bibliográfica, extração de dados, avaliação crítica, análise e sumarização dos estudos e síntese do conhecimento.[9] Esta revisão foi conduzida no período de setembro e outubro de 2024, seguindo as recomendações do checklist Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta -Analyses (PRISMA).[10]
O levantamento bibliográfico, incluiu as bases de dados da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e a Medline via Pubmed, considerando estudos publicados entre os anos de 2011 e 2023. Nas estratégias de buscas foram utilizados os descritores do Medical Subject Headings (MeSH) e dos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS). Para o Medline foram incluídos os seguintes termos: “Thyroid gland” AND “Pregnancy” AND “Thyroid diseases” AND “Fetal development”. Na BVS foram incluídos os termos “Glândula Tireóide” AND “Gravidez” AND “Doenças da Glândula Tireóide” AND “Desenvolvimento fetal”.
Foram incluídos artigos completos publicados e indexados nos idiomas português, inglês e espanhol; estudos experimentais em humanos, ensaios clínicos randomizados ou ensaios clínicos; observacionais descritivos, transversais, caso controle ou coorte, dentro do período estabelecido. Excluíram-se estudos experimentais em animais, de revisão, relatos de caso, séries de casos, artigos duplicados e que não vêm ao encontro com o tema proposto e/ou não são pesquisas empíricas.
A extração dos dados foi realizada por pares e com cegamento utilizando o software Rayyan, primeiramente foi realizada a leitura do título e do resumo e posteriormente, a análise dos textos na íntegra. Para a caracterização dos estudos se utilizou um formulário construído pela autora com dados do artigo e com informações pertinentes ao tema.
A análise dos dados ocorreu de forma descritiva e os resultados são apresentados em um fluxograma e em quadros. Respeitaram-se os aspectos éticos, com citação fidedigna das fontes e definições dos autores.
Este artigo é oriundo da dissertação “EFEITOS DOS HORMÔNIOS DA TIREÓIDE NO DESENVOLVIMENTO NEUROLÓGICO FETAL: UMA REVISÃO EM HUMANOS”, defendida na UNIVATES, Lajeado, Rio Grande do Sul.
Identificaram-se 88 (oitenta e oito) registros sobre o tema e 43 foram lidos resumo e título. Posteriormente, 11 artigos foram lidos na íntegra. O detalhamento da seleção da amostra se encontra na figura 1.
Fonte: dados da pesquisa, 2025.
Figura 1 - Fluxograma para seleção dos estudos. Lajeado, RS, Brasil, 2025
O Quadro 1 apresenta a caracterização dos artigos. Em relação ao ano de publicação, três são de 2018, um de 2016, dois de 2013 e um de 2012. Não foram localizados estudos nacionais.
Quadro 1 - Caracterização dos estudos sobre alterações dos hormônios tireoidianos e as principais patologias associadas à disfunção hormonal. Lajeado, RS, Brasil, 2025
N |
Autoria, título e ano |
Método e Objetivo |
Resultados |
A1 |
Andersen SL et al. Maternal Thyroid Function in Early Pregnancy and Child Neurodevelopmental Disorders: A Danish Nationwide Case-Cohort Study11 2018 |
Estudo de caso-controle; Avaliar se a função tireoidiana materna anormal pode influenciar o desenvolvimento neuropsicológico da criança. |
A função tireoidiana anormal em mães foi de 12,5% e mais comum em casos de TEA (17,9%). O hipotireoidismo materno aumentou o risco de epilepsia infantil (aHR = 3,5), e o hipertireoidismo aumentou o risco de diagnósticos no primeiro ano de vida (aHR = 3,0). |
A2 |
Fetene DM et al. Maternal antenatal thyroid function and offspring ADHD12 2018 |
Estudo longitudinal; Examinar o papel da função tireoidiana materna durante a gravidez no TDAH da prole. |
Os 2.912 pares mãe-filho avaliados no primeiro trimestre da gravidez e o TDAH da prole aos 7,5 e 15 anos, não encontrou associação entre a função tireoidiana materna e o TDAH da criança. |
A3 |
Robinson SM et al. Preconception Maternal Iodine Status Is Positively Associated with IQ but Not with Measures of Executive Function in Childhood13 2018 |
Estudo de coorte; prospectivo de mãe e filho; Examinar as relações entre o estado de iodo materno antes da concepçãoe avaliar a função cognitiva da prole. |
8,9% das mulheres tinham relação I/Cr urinária pré-concepcional <50 µg/g, e seus descendentes apresentaram um QI 0,49 DP menor. Não houve associações com a função executiva após ajustes. Mais pesquisas são necessárias sobre a leve baixa de iodo na gravidez. |
A4 |
Diéguez M et al. Prevalence of thyroid dysfunction in women in early pregnancy: does it increase with maternal age?14 2016 |
Estudo transversal Estimar a prevalência de disfunção tireoidiana (DT) de uma área deficiente em iodo durante a gravidez e analisar a associação com a idade materna. |
Dos 416 rastreamentos positivos, 47 mulheres apresentaram hipotiroidismo manifesto (1,9%), 90 hipotiroidismos subclínico (3,6%), 23 hipertiroidismo manifesto (0,9%), 20 hipertiroidismo subclínico (0,8%) e 236 hipotiroxinemia isolada (4%). A idade superior a 30 anos não foi associada a um aumento do risco de DT. |
A5 |
Julvez J et al. Thyroxine levels during pregnancy in healthy women and early child neurodevelopment 15 2013 |
Estudo de coorte; Verificar se a função tiroideia em mulheres grávidas saudáveis está associada a um atraso cognitivo nos seus filhos pequenos. |
Baixos níveis de tiroxina livre e distúrbio tireoidiano não tratado foram associados a escores mentais mais baixos e atrasos no desenvolvimento infantil. Níveis de tireotropina não influenciaram esses escores, e o tratamento tireoidiano reduziu os impactos negativos. |
A6 |
Bath SC et al. Effect of inadequate iodine status in UK pregnant women on cognitive outcomes in their children: results from the Avon Longitudinal Study of Parents and Children (ALSPAC)16 2013 |
Estudo longitudinal; Avaliar se a deficiência leve de iodo no início da gravidez afeta negativamente o desenvolvimento cognitivo da criança. |
Destaca-se a importância do iodo adequado no início da gestação e o risco que a deficiência de iodo representa para o bebê em desenvolvimento, mesmo em países com deficiência leve. |
A5 |
Downing S et al. Severe maternal hypothyroidism corrected prior to the third trimester is associated with normal cognitive outcome in the offspring17 2012 |
Estudo de coorte populacional; Avaliar se o tratamento precoce em mulheres com hipotireodismo (HM) auxiliam no desenvolvi- mento normal fetal em gestantes. |
Crianças nascidas após HM tiveram resultados médios ou acima da média em todos os parâmetros. As pontuações dos testes neuropsicológicos para QI total e QI de desempenho variaram entre irmãos, com algumas crianças com HC obtendo pontuações mais altas e outras mais baixas. |
Fonte: a autora, 2025
Por meio dos estudos selecionados, observou-se que a produção normal de hormônios tireoidianos (HT) é crucial para o sistema nervoso central (SNC) fetal, influenciando o crescimento dendrítico, sinaptogênese, migração neuronal e mielinização. Além disso, observa-se a dependência fetal dos HT maternos, especialmente nas primeiras 16 semanas de gravidez [11,14,15,17]. Ademais, alguns estudos indicaram associação entre baixas ou altas concentrações maternas de tiroxina livre (FT4) no início da gravidez e características neurocognitivas [18,19].
Quanto as isoformas principais, T3 e T4, estas são fundamentais no desenvolvimento fetal. Sua biodisponibilidade é influenciada pelo eixo hipotálamo-hipófise-tireoide fetal, afetada pela idade gestacional, condições nutricionais e endócrinas, e permeabilidade placentária. Sendo essenciais para o aumento da massa fetal, os hormônios tireoidianos desencadeiam eventos cruciais no desenvolvimento cerebral e tecidual desde o início da gestação, impactando diretamente o metabolismo fetal e o consumo de oxigênio. Nesse sentido, as alterações fisiológicas maternas são cruciais para garantir um desenvolvimento fetal abrangente e considerado normal [20,21].
Qualquer disfunção no sistema hormonal pode ter implicações significativas na formação do cérebro humano e no subsequente desenvolvimento cognitivo e comportamental da criança. Desse modo, o acompanhamento durante a gravidez, especialmente no que diz respeito à função tireoidiana, é essencial para garantir um ambiente fetal propício ao desenvolvimento neural adequado [21].
Prevalência de anormalidades na função tireoidiana durante a gravidez e níveis hormonais adequados
Foi identificado uma prevalência significativa (16%) de anormalidades na função tireoidiana em mulheres grávidas, destacando a importância de manter os parâmetros hormonais adequados para evitar riscos ao feto, especialmente quanto ao hipotireoidismo [14].
Relacionando às anormalidades tireoidianas e o desenvolvimento infantil, pontuando os níveis adequados de TSH, evidencia-se a associação entre anomalias tireoidianas maternas e o desenvolvimento intelectual e motor de crianças, reforçando a importância de manter níveis hormonais adequados para evitar atrasos no desenvolvimento [22]. Da mesma forma, as complicações tireoidianas, mesmo as mais leves, podem estar relacionadas a atrasos cognitivos, autismo e déficit de QI sendo importante o controle da produção adequada de hormônios tireoidianos [23].
Influência dos hormônios tireoidianos no desenvolvimento cognitivo
Quanto à relação entre os níveis de TSH, T4 e o atraso cognitivo, destaca-se a associação de baixos níveis de T4 livre com atraso no neurodesenvolvimento infantil, porém os autores não observaram associação entre os níveis de TSH e os escores mentais ou psicomotores [15]. No entanto, em outro estudo, foi abordada a influência dos hormônios tireoidianos no desenvolvimento cognitivo e cerebral, enfatizando a importância desses hormônios na função cognitiva, na atenção e na concentração [24].
Impacto da função tireoidiana em distúrbios do neurodesenvolvimento
Relacionando as disfunções tireoidianas e o Transtorno do Espectro Autista (TEA), foi observado que a função tireoidiana materna anormal está significativamente relacionada a casos de TEA e epilepsia na criança, destacando a importância de avaliar diferentes distúrbios do neurodesenvolvimento em relação à função tireoidiana [11]. No mesmo sentido, Alshayeji et al. destacaram a forte ligação entre doenças tireoidianas e alterações no desenvolvimento neural, especialmente no Transtorno do Espectro Autista (TEA), ressaltando a necessidade de pesquisas adicionais [25].
Sobre a relação do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e a função tireoidiana materna, não foi encontrada associação direta com os níveis de TSH, sugerindo a necessidade de estudos genéticos e moleculares, mas eles associaram o TDAH infantil a fatores como tabagismo materno, hipertensão gestacional e depressão materna [12].
A relação entre disfunção hormonal tireoidiana e Quociente de Inteligência (QI), sugere uma relação entre disfunção dos hormônios tireoidianos e QI mais baixo, destacando a complexidade da inteligência e a necessidade de mais pesquisas nessa área [26].
Importância do iodo e do tratamento hormonal na gestação
Em dois estudos foi destacado a importância do nível adequado de iodo durante a gestação, relacionando a deficiência de iodo a pontuações mais baixas no QI infantil, ressaltando a necessidade de pesquisa adicional sobre a variação de iodo [13,16]. Em relação ao tratamento hormonal na gestação, salienta-se a importância do tratamento na gestação para equilibrar os níveis hormonais e prevenir problemas no desenvolvimento embrionário/fetal [27-30]. Contudo, quanto aos efeitos da levotiroxina (LT4) em complicações da gravidez, como perda gestacional e prematuridade, existe controvérsias problematizando a necessidade de diretrizes atualizadas [31].
Em um estudo realizado com três crianças diagnosticadas com hipotireoidismo congênito (HC), que foram tratadas nos primeiros 15 dias após o nascimento. Essas crianças eram filhas de mães com hipotireoidismo materno (HM), tratadas desde o início da gestação. O acompanhamento demonstrou que as funções cognitivas das crianças, incluindo inteligência, linguagem, memória e desempenho viso-motor, estavam em níveis médios ou acima da média, apesar do HM grave no início da gestação devido ao bloqueio do receptor de TSH Abs. Os pesquisadores enfatizaram a importância da normalização do TSH antes do terceiro trimestre da gestação, indicando que a suplementação para manter os níveis basais normais é crucial para proteger as funções cerebrais do feto. No entanto, ressaltaram a necessidade de dados adicionais para descartar possíveis impactos mais sutis na função cognitiva da prole [17].
Estudos que relacionaram a importância do tratamento com LT4
Refetoff et al. realizaram um estudo pioneiro sobre a síndrome Allan-Herndon-Dudley, focando a eficácia da suplementação intra-amniótica de LT4 na estabilização dos níveis de hormônios tireoidianos (HT) e no desenvolvimento fetal. Ao destacarem os resultados positivos, sublinharam a importância de uma avaliação individualizada, apontando para a complexidade dessa abordagem [32].
Explorando a temática da disfunção tireoidiana em prematuros, o estudo de Kim et al. [33] complementa o panorama, enfatizando a necessidade premente de um monitoramento adequado e do tratamento com LT4, sublinhando a relevância dos hormônios tireoidianos no crescimento e desenvolvimento cerebral. Esses achados ressaltam a importância dos HT não apenas no desenvolvimento fetal, mas também no contexto neonatal, especialmente em prematuros. Assim, ambos os estudos convergem para a relevância do entendimento e intervenção adequada nas alterações tireoidianas em diferentes fases do desenvolvimento [32].
Esta revisão sintetiza a análise da literatura acerca dos impactos dos hormônios tireoidianos no desenvolvimento neurológico fetal. Diversas evidências são apresentadas, evidenciando uma conexão substancial entre as doenças tireoidianas maternas e as modificações no sistema nervoso fetal. Essas alterações podem influenciar na formação neuronal e no desenvolvimento embriológico, cognitivo e intelectual da criança.
A administração de tireotropina e triiodotironina (T3 e T4) à gestante, com o intuito de manter níveis basais normais, emerge como uma medida importante para preservar as funções cerebrais fetais. Desse modo, os hormônios tireoidianos maternos desempenham um papel essencial na promoção de um desenvolvimento cerebral saudável durante o período fetal, prevenindo possíveis doenças neurológicas futuras na criança. Contudo, são necessárias investigações adicionais para avaliar a segurança e a influência da suplementação na função cognitiva das crianças.
Conflitos de interesse
A autora declara não haver conflitos de interesse de qualquer natureza.
Fontes de financiamento
Financiamento próprio.
Contribuição dos autores
Concepção e desenho da pesquisa: Bennemann V; Coleta de dados: Bennemann V; Análise e interpretação dos dados: Bennemann V; Análise estatística: Bennemann V; Redação do manuscrito: Bennemann V; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Bennemann V.
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