ARTIGO ORIGINAL
Relação dos fatores sociodeterminantes e sua implicação na saúde mental de pessoas vivendo com vírus da imunodeficiência humana
Lohana Tamires Farias Lima1, Maria Aparecida Duarte de Sousa1, Janaina Terumi Melo Tadano1, Karina Faine Freitas Takeda1, Milena Silva dos Santos Magalhães1
1Universidade da Amazônia (UNAMA) Ananindeua, PA, Brasil
Recebido: 1 de novembro de 2024; Aceito em: 22 de novembro de 2024.
Correspondência: Lohana Tamires Farias Lima, lohanafarias17@gmail.com
Como citar
Lima LTF, Sousa MAD, Tadano JTM, Takeda KFF, Magalhães MSS. Relação dos fatores sociodeterminantes e sua implicação na saúde mental de pessoas vivendo com vírus da imunodeficiência humana. Enferm Bras. 2024;23(5):1928-1940. doi:10.62827/eb.v23i5.4034
Introdução: A saúde mental tem grande relevância no cuidado à pessoa que vive com HIV pois, estudos apontam uma maior probabilidade de danos mentais após a descoberta da sorologia positiva, considerando o estigma social e o preconceito sofrido. Objetivo: Analisou-se o perfil epidemiológico a partir dos determinantes sociais em saúde das pessoas que vivem com HIV no município de Ananindeua, com maior susceptibilidade de danos psicológicos, permitindo a descrição desse perfil, evidenciando a importância do cuidado à saúde mental, correlacionando os fatores sociais a estes danos. Métodos: Estudo transversal, com análise documental dos prontuários dos pacientes acompanhados pelo Serviço de Atenção Especializada do município de Ananindeua. Resultados: A amostra compreendeu um total de 600 prontuários, sendo considerados apenas os que atendiam os critérios de inclusão, resultando em 125 PVHIV (Pessoas Vivendo Com Vírus Da Imunodeficiência Humana) com danos em saúde mental. Constatou-se que 61% dos pacientes acometidos de danos mentais são homens, mais de 50% possuem idade entre 20 a 49 anos, 64% são heterossexuais, 27,2% tem ensino médio completo e 52% possui algum emprego fixo, conforme registros colhidos nos prontuários. Conclusão: A atenção à saúde do paciente corresponde não somente o tratar a doença, mas permitir o cuidado integral e multiprofissional da PVHIV, levando em consideração os fatores sociais e mentais a qual o paciente está inserido.
Palavras-chave: Saúde mental; HIV; determinantes sociais da saúde.
Relationship of sociodeterminant factors and their implication on the mental health of people living with human immunodeficiency virus
Introduction: Mental health has great relevance in the care of people living with HIV as studies indicate a greater likelihood of mental damage after the discovery of positive serology, considering the social stigma and prejudice suffered. Objective: The epidemiological profile was analyzed based on the social determinants of health of people living with HIV in the municipality of Ananindeua, with greater susceptibility to psychological damage, allowing the description of this profile, highlighting the importance of mental health care, correlating the social factors to these damages. Methods: Cross-sectional study, with documentary analysis of the medical records of patients followed by the Specialized Care Service in the city of Ananindeua. Results: The sample comprised a total of 600 medical records, only those that met the inclusion criteria were considered, resulting in 125 PLHIV (People Living with Human Immunodeficiency Virus) with mental health damage. It was found that 61% of patients suffering from mental illness are men, more than 50% are aged between 20 and 49 years, 64% are heterosexual, 27.2% have completed secondary education and 52% have some permanent job, according to records collected from medical records. Conclusion: Patient health care corresponds not only to treating the disease, but to allow comprehensive and multidisciplinary care for PLHIV, taking into account the social and mental factors to which the patient is involved.
Keywords: Mental health; HIV; social determinants of health.
Relación de factores sociodeterminantes y su implicación en la salud mental de las personas que viven com virus de inmunodeficiencia humana
Introducción: La salud mental tiene gran relevancia en la atención de las personas que viven con VIH ya que estudios indican una mayor probabilidad de daño mental luego del descubrimiento de serología positiva, considerando el estigma y prejuicio social sufrido. Objetivo: Se analizó el perfil epidemiológico con base en los determinantes sociales de la salud de las personas que viven con VIH en el municipio de Ananindeua, con mayor susceptibilidad al daño psicológico, permitiendo la descripción de este perfil, destacando la importancia de la atención a la salud mental, correlacionando el perfil social. factores que influyen en estos daños. Métodos: Estudio transversal, con análisis documental de las historias clínicas de los pacientes seguidos por el Servicio de Atención Especializada de la ciudad de Ananindeua. Resultados: La muestra estuvo compuesta por un total de 600 historias clínicas, solo se consideraron aquellas que cumplieron con los criterios de inclusión, resultando 125 PVVIH (Personas Viviendo Con Virus de Inmunodeficiencia Humana) con daños en la salud mental. Se encontró que el 61% de los pacientes que padecen una enfermedad mental son hombres, más del 50% tienen edades entre 20 y 49 años, el 64% son heterosexuales, el 27,2% tiene educación secundaria completa y el 52% tiene algún trabajo fijo, según registros recopilados de los registros médicos. Conclusión: La atención de la salud del paciente corresponde no sólo al tratamiento de la enfermedad, sino a permitir una atención integral y multidisciplinaria a las personas que viven con el VIH, teniendo en cuenta los factores sociales y mentales en los que está involucrado el paciente.
Palabras-clave: Salud mental; VIH; determinantes sociales de la salud.
A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) é atualmente um grande problema de saúde pública no Brasil, devido aos elevados índices de casos nos últimos anos e a não adesão à terapia antirretroviral (TARV), ocasionando sua maior transmissão. As principais células atingidas pelo retrovírus são os linfócitos T CD4+, no qual terão seu DNA modificado para replicação do vírus, tornando o indivíduo portador mais vulnerável às doenças inoportunas e transformando o ser humano em seu reservatório [1].
A descoberta da sorologia reagente para HIV tem potencial de desencadear impactos psicossociais negativos no momento do diagnóstico que podem levar a estados emocionais desfavoráveis ao desenvolvimento futuro, tal como o temor do preconceito, medo do óbito iminente, desânimo, isolamento social e estigmas associados à PVHIV. Além disso, o desamparo familiar e ausência de assistência social resultam a não adesão ao tratamento e menor capacidade de lidar e superar as primeiras impressões [2].
Sabe-se que o estigma social ainda é presente em porcent].gens elevadas, afetando na adesão ao tratamento antirretroviral, na autoaceitação e na percepção da doença. O impacto na saúde mental é comum devido ao sentimento de culpa pelo contágio, à preocupação em comunicar a família e ao enfrentamento de preconceitos no contexto familiar e social tornando o indivíduo fragilizado [3].
Pesquisas relatam que transtornos mentais estão correlacionados a uma maior carga viral entre PVHIV em acompanhamento clínico, interferindo no estado de bem-estar de soropositivos. Os transtornos psiquiátricos mais frequentes são ansiedade e depressão, os quais dispõem previamente da disfunção emocional, possuindo grande risco de ampliar sua condição e dificultando o quadro clínico e progressão da síndrome, mesmo realizando os recursos terapêuticos, devido à angústia psíquica [4].
A infecção pelo HIV abrange particularidades multidimensionais que demandam uma investigação detalhada de grau estrutural e comportamental. Dados evidenciam que o contexto social o qual o ser humano é inserido reflete em maior condição à exposição ao vírus, visto que a fragilidade social e econômica ocasiona discrepância de bases da patologia, ameaçando a propagação em indivíduos que possuem inferior grau ensino e classe social [5].
Considera-se cada vez mais necessário falar sobre saúde mental, em especial, a saúde de um público tão estigmatizado e descriminado quanto às Pessoas que Vivem com HIV, as quais podem vir a desencadear os transtornos mentais e afetar seus cuidados com a doença, devido à falta de apoio psicossocial; ou seja, faz-se imprescindível a análise correlata dos danos mentais ao meio em que o indivíduo está inserido, tornando este o objeto de estudo.
Trata-se de um estudo transversal de caráter descritivo, com abordagem quantitativa a qual foi utilizada a técnica de análise documental dos prontuários de saúde das Pessoas Vivendo com HIV acompanhadas pelo do SAE/CTA do município de Ananindeua-PA.
A coleta de dados foi realizada no mês de novembro de 2023 no Serviço de Atenção Especializada e Centro de Testagem e Aconselhamento (SAE/CTA) localizado na Avenida Claúdio Sanders, Centro, no Município de Ananindeua do Pará, que segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SESAU) atende a 4.900 usuários cadastrados até 2022, oferecendo cerca de 150 atendimentos por dia nos mais diversos serviços em diferentes especialidades.
A pesquisa não possuiu número pré-definido de prontuários a serem analisados e foi finalizada por saturação dos achados por critérios de inclusão.
Como critério de inclusão foram consideradas as PVHIV acompanhadas pelo serviço especializado e pelo setor de saúde mental, com notificação entre os anos de 2019 a 2023, que estejam com TARV regular com tempo do diagnóstico > que 6 meses. Como critério de exclusão serão desconsiderados aqueles usuários que não possuem acompanhamento com o serviço de atenção à saúde mental e que não estejam em tratamento regular, com notificação anterior à 2019. Serão excluídos também as PVHIV com o tempo de diagnóstico < que 6 meses ou que ainda não tenham iniciado o TARV.
Foi enviada à SESAU junto ao SAE/CTA a solicitação do mesmo como campo de pesquisa e sua devida autorização foi anexada aos documentos que foram enviados ao Comitê de Ética e Pesquisa, obtendo a aprovação deste e iniciando os levantamentos de dados.
Previamente, as pesquisadoras se apresentaram ao gestor da unidade, elucidando como seria realizada a pesquisa proposta, desempenhada pela análise dos prontuários de saúde dos pacientes que, além do tratamento antirretroviral, também estejam tratando algum tipo de transtorno mental, garantindo o sigilo aos nomes dos usuários que são atendidos pelo serviço.
Foi executada a análise detalhada dos documentos, buscando observar em quais determinantes populacionais são mais acometidos pela prevalência do HIV e quais os transtornos mentais mais frequentes encontrados sob os registros físicos da unidade de assistência. As variáveis analisadas são os determinantes em saúde que os pacientes estão inseridos como idade, identidade de gênero, cor/raça, escolaridade, condição/ocupação e orientação sexual, além dos transtornos mais constantes como tempo de diagnóstico e se o tratamento segue regular, de acordo com os critérios de inclusão do estudo.
Os dados foram coletados e armazenados diretamente no software Microsoft Excel, possuindo uma tabela específica para adição das informações selecionadas, fazendo uma correlação entre eles, para assim, projetar o perfil das pessoas que vivem com HIV.
Para análise dos dados foi realizado um levantamento dos transtornos mentais mais frequentes na população estudada correlacionando com as variáveis selecionadas para pesquisa. Esses dados foram armazenados no software de planilha Microsoft Excel versão 2021. Após atingir a saturação dos conteúdos documentais, os dados foram organizados de acordo com suas especificidades, buscando quantificar os mesmos. Por conseguinte, através de tabelas e gráficos do programa, foi possível a obtenção de resultados analíticos associando os danos à saúde mental aos determinantes sociais em saúde, a fim de traçar o perfil das PVHIV, evidenciando a importância no cuidado de pessoas soropositivas considerando suas vulnerabilidades e ao potencial de risco a danos psicológicos.
O projeto foi submetido, previamente, ao Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) por meio da Plataforma Brasil. Dessa forma, assegurou-se que os dados só seriam coletados após aprovação do CEP, respeitando os aspectos éticos e legais firmando o compromisso com a confidencialidade dos dados dos pacientes, garantindo seus direitos e deveres, conforme a resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), obtendo aprovação e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) de número 75595223.0.0000.5173. Na execução do estudo não houve participação direta de seres humanos, não sendo necessário Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Os dados originaram-se da pesquisa direta dos prontuários do SAE/CTA de Ananindeua, sendo verificados 600 dos anos de 2019 a 2023 e apenas 125 selecionados dentro dos critérios de inclusão para análise do projeto.
A base da coleta foram os prontuários dos usuários do serviço que possuíam algum tipo de dano mental. Na sequência, realizou-se o acompanhamento pelo serviço de psicologia, enfermagem e/ou assistência social, bem como vistos nos registros da unidade.
Mediante a análise, constituiu-se 28 categorias de danos mentais entre os soropositivos, entretanto o estudo dispôs das implicações mais frequentes dentre os mesmos, sendo 12 variáveis selecionadas, como mostra a figura abaixo, resultando no choro como principal alteração do estado emocional. (Figura 1)
Figura 1 – Total dos danos mais frequentes dos prontuários analisados
A análise do perfil epidemiológico da população estudada permite considerar a maior incidência do gênero masculino relevante quando comparada à mulheres e a travesti. Não foram encontrados transsexuais ou outras variações de identidade de gênero acometidas de danos mentais, assim como descreve a figura 2.
Figura 2 – Classificação segundo a identidade de gênero
No que diz respeito à orientação sexual a maior porcentagem encontrada foi de pessoas que vivem com HIV que se identificam como héteros correspondendo a 64%, seguido de outra porcentagem relevante ao estudo onde 25,6% são homossexuais e 9,6% bissexuais de acordo com a figura 3. Cabe ressaltar que a maior porcentagem de indivíduos que se declaram homossexuais e bissexuais é do gênero masculino, o que salienta o dado acima descrito.
A pesquisa demonstrou também a prevalência racial de pardos correspondendo a 62,4% de pessoas autodeclaradas pardas. Seguido de 7% de pessoas declaradas pretas e 4,8% pessoas brancas. Não houve registro de pacientes declarados indígenas e amarelos. Importante salientar a falta de registro no que se refere a cor/raça nas fichas de notificação de HIV, o que permite uma lacuna na investigação epidemiológica, onde nossa pesquisa constatou a falta desse registro em 25,6% dos prontuários analisados, os quais não tiveram a raça identificada.
No que se refere a faixa etária de pessoas que vivem com HIV, os danos psicológicos em um contexto geral, mostraram-se mais incidentes na população jovem adulta (Figura 3). Foram encontrados nesta pesquisa apenas 5 prontuários de pacientes com idade abaixo de 19 anos e apenas 15 acima dos 50.
Figura 3 – Classificação segundo faixa etária
Outras variáveis coletadas neste estudo ainda correlatas aos fatores sóciodeterminantes são apresentadas na tabela 1, onde apresenta os dados divididos entre escolaridade e ocupação. A variável “escolaridade” é expressa em seis categorias: fundamental incompleto, fundamental completo, médio incompleto, médio completo, superior incompleto e superior completo. Já a variável “ocupação” é dividida em três categorias: empregado, desempregado e ignorado. A primeira categoria desrespeito a todos os usuários que possuem algum tipo de emprego com renda fixa, porém devido a uma grande variedade de ocupações, foi necessário reduzir a apenas uma categoria, o mesmo acontece na segunda categoria que englobou soropositivos que estavam em situação de abrigo, desempregados, estudantes, detentos e entre outros, ou seja, usuários que não possuem renda fixa. É importante ressaltar que a categoria “ignorado” tanto para escolaridade quanto para ocupação representa uma limitação dos dados, pois indica que não foi possível obter informações nos prontuários ou nas fichas de notificação sobre essas variáveis.
Observa-se que a maioria das pessoas que vivem com HIV possui ensino médio completo. Em relação à ocupação, a maioria das pessoas com HIV está empregada, o que é um dado positivo, pois indica que essas pessoas possuem uma fonte de renda e, consequentemente, uma inserção no mercado de trabalho. No entanto, é preocupante que 40,8% estejam desempregadas, o que pode dificultar o acesso a recursos básicos.
Tabela 1 - Total das variáveis de escolaridade e ocupação, seguido de seus grupos e respectivos números e porcentagem
Outros dados os quais se mostraram relevantes ao estudo foram das desordens mentais dos usuários que se encontravam com a TARV irregular, incluindo 18 tipos de danos em um total de 41 usuários. A investigação evidenciou que a incidência de grande constância foi o uso de álcool e outras drogas junto ao ato de chorar que correspondem a 34% dos casos observados, logo seguido da ansiedade (14%), desorientação (12%) e depressão (9%). O restante dos 31% foram subdivididos nos outros 13 tipos de danos que se apresentaram frequentes neste grupo. Vale destacar portanto, uma possível associação entre o abandono do tratamento ao índice de danos psicológicos encontrados.
A compreensão dos fatores sociodeterminantes como aspectos cruciais para o bom prognóstico do paciente torna propício que a adesão ao diagnóstico e, por conseguinte, ao tratamento seja mais eficaz. Entendendo as necessidades específicas de cada paciente e permitindo a identificação de vulnerabilidades tanto socioeconômicas como psicossociais [6].
No presente estudo, observou-se uma alta frequência de alterações emocionais ligadas, principalmente, ao recebimento do diagnóstico da doença, vista no acolhimento e nas primeiras consultas com a equipe de saúde. A soropositividade da doença pode desencadear inúmeras reações quando os fatos sobre a mesma são incompreendidos, provocando sentimentos negativos que podem afetar a qualidade de vida da PVHIV, ocasionando em maior vulnerabilidade física e mental [7]. Conforme evidenciado em outro estudo, a pessoa soropositiva que recebe suporte social e/ou emocional, tanto profissional quanto pessoal, apresenta hábitos de vida saudáveis, sendo evidentes impulsores para adaptação do convívio com a doença e adesão ao tratamento [8];
De acordo com pesquisas, a ansiedade está associada diretamente a comorbidades psiquiátricas ligadas ao HIV, devido imensuráveis fatores negativos que relacionam a infecção, resultando no desgaste mental e consequentemente no declínio do quadro clínico [9]. Outro fator relacionado a esse declínio está o uso de substâncias psicoativas, as quais desencadeiam desordem psíquica e, como principal consequência, a irregularidade do tratamento, uma vez que existe uma alta prevalência de soropositivos que tenham utilizado drogas ilícitas algumas vezes durante a vida [4].
O bem-estar psicológico ganha espaço como elemento indispensável para a qualidade de vida das PVHIV, daí a importância do mesmo para o equilíbrio do organismo e à saúde como um todo, fortalecendo o valor do cuidado a saúde mental a qual é imprescindível para manter ou adquirir o estilo de vida saudável, com promoção do autocuidado, envelhecimento ativo, hábitos alimentares sadios e atividades de lazer que contribuem para o melhor enfretamento da doença, bem como adesão a TARV, ações que estão ligadas a assistência profissional voltada para este público [10,11].
A predominância de danos mentais em pacientes homens com HIV ratifica a necessidade de conscientizar este público sobre a importância do cuidado e prevenção. Tais dados permitem chegar à hipótese presumível de que os cuidados masculinos com a própria saúde podem ser mínimos, se comparados ao público do gênero oposto, cuja adesão e acometimento é menor, estatisticamente [12]. Exemplos como a pluralidade de parceiros, baixa adesão ao uso de preservativos, e fatos como até o conhecimento da possibilidade de contágio, muitas vezes ignorado, sendo tardiamente tratado, foram variáveis encontradas durante o estudo deste público.
Os danos mentais em pessoas que vivem com HIV também nos permitem chegar à conclusão de que o acometimento é mais frequente em heterossexuais do que em homossexuais conforme retrata os resultados descritos anteriormente. Entretanto, o público hétero, composto predominantemente por pessoas de identidade de gênero masculino, descreveu, em sua história clínica, uma multiplicidade de parceiros sexuais, ratificando o cito acima [13]. O público bissexual, apesar da estigmatização pela doença e pela orientação sexual, mostrou-se estável em relação aos demais no que diz respeito ao acometimento de danos mentais.
No que tange a autodeclaração racial, tivemos em nossa pesquisa um percentual de pardos mais elevado quando equiparado à pretos e brancos. A máxima de que pessoas que vivem com HIV declaradas parda também é corroborada em outras pesquisas [14]. Deve ser levada em consideração a questão socioespacial e demográfica do município de Ananindeua, cuja sua massa populacional constitui-se em suma de pretos e pardos [15].
É imprescindível refletir que além do acometimento da sorologia positiva, os danos mentais, conforme atestado através da pesquisa, são mais comuns na população jovem/adulta, com idade entre 20 a 49 anos. Deve-se compreender que o início da vida sexual, a juventude, os prazeres, a não preocupação com o amanhã, pode acarretar em resultados desagradáveis, isso permite que a taxa de transmissibilidade seja maior nessa faixa etária da população. O boletim epidemiológico de HIV no Brasil valida esta informação, demonstrando taxa elevada na população jovem [16].
A literatura científica sugere que pessoas com maior escolaridade tendem a ter mais acesso a informações sobre saúde e comportamento de risco. No entanto, o comportamento de risco de cada indivíduo não está relacionado apenas com o conhecimento ou curso de graduação, mas também com sua história de vida e necessidades pessoais [17]. Para grupos de menor escolaridade, isso sugere que existem lacunas na educação sexual e na disseminação de políticas públicas conscientizadoras sobre o HIV para esses grupos, o que pode contribuir para uma maior vulnerabilidade em relação à infecção [18].
Outro fator importante a se destacar é que a escolaridade é proporcional à adesão ao TARV, quanto maior a escolaridade, maior a adesão ao tratamento. Esse fator pode influenciar também na transmissibilidade da doença em que a transmissão vertical e o uso de drogas injetáveis, ocorre mais em paciente de baixa escolaridade e desempregados, enquanto a transmissão sexual são mais frequentes em indivíduos de escolaridade mais alta [19].
De acordo com as pesquisas, os profissionais de saúde são importantes mediadores dessas ações e devem estar empenhados em promover educação continuada em saúde, [8] visto que esses profissionais são os que lidam diretamente com o cuidado com a prevenção de doenças e agravos de saúde, principalmente na atenção básica [20].
Em 2021, Tramontina observou, em seu estudo, que o tratamento antirretroviral e a existência de políticas e programas sobre HIV/AIDS no ambiente de trabalho têm o poder de aumentar e melhorar a empregabilidade das PVHIV. Embora demonstre que mesmo que as taxas de emprego terem melhorado da população com HIV, ela sempre foi menor comparada com a população geral. A autora relata também que os fatores que influenciam negativamente na empregabilidade dos portadores de HIV são baixa escolaridade, tempo prolongado de diagnóstico, problemas relacionados à saúde mental e principalmente o medo de sofrer estigma e descriminação no ambiente de trabalho [21].
Um achado importante na pesquisa manual em prontuários, o qual se faz relevante destacar, foram as formas mais comuns de transmissibilidade registradas na história clínica do paciente cuja frequência maior foi a multiplicidade de parceiros sexuais, seguido de relações sexuais sem preservativos, acidentes ocupacionais e até mesmo transmissão vertical.
Outro ponto pertinente a ser citado registrado nos prontuários são as formas descritas pelos próprios pacientes, sobre o modo de descoberta da sorologia positiva. Muitos relatam sobre a testagem rápida em ações comunitárias em saúde, posteriormente o encaminhamento ao centro de referência para início do tratamento. Outros descreveram, ainda, que descobriram através de exames de rotina, ou até mesmo em internações hospitalares. Sobre o público feminino, este, em uma parcela considerável descobriu através de exames no pré-natal.
Um dado expressivo que não pode ser ignorado é o abandono ou baixa adesão ao tratamento antirretroviral. Muitos prontuários foram descartados da somatória da pesquisa por esse critério de exclusão, porém faz-se necessária a análise de que vários destes pacientes em abandono de tratamento também possuíam algum dano mental.
Foram identificados como mais frequentes usuários de álcool ou outras drogas, choro associado ao diagnóstico e ansiedade e até mesmo depressão, conforme a figura 3, o que nos permite a ideia de correlação do abando ao tratamento aos danos mentais citados [22].
Destaca-se como dificuldade principal do estudo, a análise manual dos prontuários de saúde das pessoas que vivem com HIV, o que limitou a quantidade de prontuários acessados durante a pesquisa.
Outra barreira encontrada foi a ausência de dados registrados nas fichas de notificação e nas evoluções multiprofissionais da história do paciente, ausência esta principalmente relacionada aos dados de escolaridade, raça e ocupação, esta restrição de dados abre o precedente percentual de falha numeral dos determinantes em saúde colhidos.
A pesquisa, cujo objetivo principal foi estabelecer a correlação dos danos mentais das pessoas que vivem com HIV e seus fatores sociodeterminantes, permite a identificação dos grupos mais acometidos por esses danos, o que corrobora a necessidade de ações e intervenções aos grupos identificados como mais vulneráveis. Ela também permite utilizar tais dados como subsídio para ações em saúde voltadas pra necessidade particular de cada grupo, uma vez que compreender o paciente de forma holística, corrobora, ainda mais, para a melhor adesão e evolução do seu quadro de saúde. Ressalta-se, ainda que a capacitação profissional para o acolhimento e acompanhamento da PVHIV deve ser efetiva, pois o preenchimento adequado dos documentos específicos, fichas de evolução e outros impressos de saúde podem embasar estudos e permitir a compreensão do quadro individual de cada pessoa baseado nos achados em prontuários.
Os dados analisados permitiram, portanto, descobrir que a relação dos fatores sociodeterminantes na saúde mental das pessoas que vivem com HIV são influenciadas por uma interseção complexa de variáveis, dentre eles, educação, escolaridade, condições socioeconômicas e o estigma social. A falta de informação, discriminação e desigualdades sociais impactam diretamente na saúde mental das pessoas que vivem com HIV. A pesquisa evidência diversos transtornos mentais frequentes, dentre eles o uso de álcool e outras drogas, ansiedade e depressão. Com isso, podemos constatar a importância do atendimento das necessidades sociopsicológicas de pessoas que vivem com o vírus, a necessidade de um acolhimento humanizado nos serviços de saúde e a importância de uma rede de apoio familiar para o indivíduo durante o tratamento.
Como contribuições, os resultados reúnem dados que podem ser usados no avanço para o conhecimento da enfermagem no âmbito da saúde mental, fornecendo informações dos fatores sociodeterminantes que podem ser utilizados para garantir a educação em saúde e a melhoria da assistência a pessoas que vivem com HIV.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não ter conflitos de interesse de qualquer natureza.
Fontes de financiamento
Financiamento próprio.
Contribuição dos autores
Concepção e desenho da pesquisa: Lima LTF, Sousa MAD, Tadano JTM, Takeda KFF; Coleta de dados: Lima LTF, Sousa MAD, Tadano JTM; Análise e interpretação dos dados: Lima LTF, Sousa MAD, Tadano JTM, Takeda KFF; Análise estatística: Lima LTF, Sousa MAD, Tadano JTM, Takeda KFF, Magalhães MSS; Redação do manuscrito: Lima LTF, Sousa MAD, Tadano JTM, Takeda KFF, Magalhães MSS; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Takeda KFF, Magalhães MSS.
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