Enferm Bras. 2024;23(1):1286-1297
doi: 10.62827/eb.v23i1.9q63

ARTIGO ORIGINAL

A capacidade de autocuidado e a relação com fatores condicionantes básicos de pessoas idosas da comunidade

José Vitor da Silva1, Otávio Augusto Fernandes Marques Bianco1, Eliza de Souza Sampaio1, Elaine Aparecida Rocha Domingues2, Anna Gabriela Silva Vilela Ribeiro3, José Jonas de Oliveira3, Paula Roberta Borges Fernandes4, Agnes Aparecida dos Santos5

1Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL), Minas Gerais, MG, Brasil

2Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Mato Grosso do Sul, MS, Brasil

3Centro Universitário De Itajubá (FEPI), Minas Gerais, MG, Brasil

4Pontificia Universidade Católica de Campinas (PUC), São Paulo, SP, Brasil

5Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI), Minas Gerais, MG, Brasil

Recebido em: 13 de outubro de 2023; Aceito em: 28 de março de 2024.

Correspondência: José Vitor da Silva, enfjvitorsilva2019@gmail.com

Como citar

Silva JV, Bianco OAFM, Sampaio ES, Domingues EAR, Ribeiro AGSV, Oliveira JJ, Fernandes PRB, Santos AA. A capacidade de autocuidado e a relação com fatores condicionantes básicos de pessoas idosas da comunidade. Enferm Bras. 2024;23(1):1286-1297. doi: 10.62827/eb.v23i1.9q63

Resumo

Objetivo: identificar os fatores condicionantes básicos e de saúde de pessoas idosas da comunidade e relacioná-los com as capacidades de autocuidado. Métodos: estudo transversal. A amostra foi constituída por 1200 pessoas idosas, de ambos os sexos, residentes em quatro cidades localizadas no Sul de Minas Gerais. Para a coleta de dados, utilizaram-se os instrumentos: Caracterização dos Fatores Condicionantes Básicos e de Saúde de Pessoas Idosas e Escala para Avaliar as Capacidades de Autocuidado. Resultados: Da totalidade dos idosos, 58,5% (702) eram do sexo feminino; 88,3% (1059) com idade inferior a 85 anos; 38,0% (456) casados; 61,2% (734) possuíam ensino fundamental completo ou incompleto; 39,2% (470) consideravam possuir boa saúde; 58,0% (696) não praticavam atividades físicas; 96,1% (1153) participavam de atividades sociais e 82,3% (988) não apresentavam alguma incapacidade ou deficiência física. As mulheres apresentaram melhores Capacidades de Autocuidado em relação aos homens (p<0,001); pessoas idosas com poder aquisitivo (superior a três salários-mínimos) alegaram melhor Capacidade de autocuidado (p<0,001); idosos com escolaridade de ensino superior completo apresentaram melhores Capacidades de Autocuidado (p<0,001); as pessoas idosas que praticavam atividades físicas (p<0,001), atividade social (p<0,001); utilizaram recursos físicos (p<0,001) e que perceberam a própria saúde classificada como ótima/muito boa ou boa (p<0,001), exibiram melhores Capacidades de Autocuidado. Conclusão: Os Fatores Condicionantes Básicos intrínsecos e extrínsecos interferiram de maneira positiva na Capacidade de Autocuidado, ou seja, pessoa idosa com alto poder aquisitivo e escolaridade, com prática de atividade física e social e recursos físicos e com ótima condição de saúde.

Palavras-chave: idoso; autocuidado; enfermagem.

Abstract

Self-care capabilities and their relationship with basic conditioning factors of elderly people in the community

Objective: to identify the basic health and conditioning factors of elderly people in the community and relate them to self-care capabilities. Methods: cross-sectional study. The sample consisted of 1200 elderly people, of both sexes, living in four cities located in the south of Minas Gerais. For data collection, the following instruments were used: Characterization of Basic Conditioning Factors and Health of Elderly People and the Scale to Assess Self-Care Capabilities. Results: Of all elderly people, 58.5% (702) were female; 88.3% (1059) under the age of 85, 38.0% (456) married; 61.2% (734) had completed or incomplete primary education; 39.2% (470) considered themselves to be in good health, 58.0% (696) did not practice physical activities, 96.1% (1153) participated in social activities and 82.3% (988) did not have any disability or physical disability. Women had better Self-Care Capabilities compared to men (p<0.001); elderly people with purchasing power (more than three minimum wages) claimed better self-care capacity (p<0.001); elderly people with completed higher education had better Self-Care Capabilities (p<0.001); elderly people who practiced physical activities (p<0.001), social activities (p<0.001); who used physical resources (p<0.001) and who perceived their own health classified as excellent/very good or good (p<0.001), exhibited better Self-Care Capabilities. Conclusion: The intrinsic and extrinsic Basic Conditioning Factors interfered positively in Self-Care Capabilities, that is, elderly people with high purchasing power and education, practicing physical and social activities and physical resources and with excellent health conditions.

Keywords: older adults; self-care; nursing.

Resumen

Capacidades de autocuidado y su relación con los factores condicionantes básicos de las personas mayores de la comunidad

Objetivo: identificar os fatores condicionantes básicos e de saúde de pessoas idas da comunidade e relacioná-los com as capacidades de autocuidado. Métodos: estudio transversal. Amostra foi constituída por 1200 personas idas, de ambos sexos, residentes en cuatro ciudades localizadas en Sul de Minas Gerais. Para a coleta de dados, utiliceam-se os instrumentos: Caracterização dos Fatores Condicionantes Básicos e de Saúde de Pessoas Idosas e a Escala para Avaliar as Capacidades de Autocuidado. Resultados: Da totale dos idosos, 58,5% (702) eran do sexo feminino; 88,3% (1059) idade inferior a 85 años, 38,0% (456) casadas; 61,2% (734) possuíam ensino fundamental completo o incompleto; 39,2% (470) consideran buena salud, 58,0% (696) no practican atividades físicas, 96,1% (1153) participan de atividades sociales y 82,3% (988) no presentan alguna incapacidad o deficiencia física. As mulheres apresentaram melhores Capacidades de Autocuidado em relação aos homens (p<0,001); pessoas idosas com poder aquisitivo (superior a três salários-mínimos) alegaram melhor Capacidade de autocuidado (p<0,001); idosos com escolaridade de ensino superior completo apresentaram melhores Capacidades de Autocuidado (p<0,001); as pessoas idosas que praticavam atividades físicas (p<0,001), atividade social (p<0,001); utilizaram recursos físicos (p<0,001) e que perceberam a própria saúde classificada como ótima/muito boa ou boa (p<0,001), exibiram melhores Capacidades de Autocuidado. Conclusión: Los factores condicionantes básicos intrínsecos y extrínsecos interferirán de manera positiva en las capacidades de autocuidado, o seja, personas idosas con alto poder adquisitivo y escolaridad, práctica de atividade física, social y recursos físicos y con óptima condición de salud.

Palabras-clave: anciano; autocuidado; enfermería.

Introdução

Atualmente, no envelhecimento, encontram-se duas vertentes irreversíveis e de natureza mundial: primeiro, o aumento demográfico do segmento da população idosa e segundo, o aumento da longevidade. Esses acontecimentos trazem como consequência mais anos à vida, o que é uma conquista da ciência e da tecnologia. Viver mais acarreta também uma série de dificuldades que precisam ser entendidas, contornadas e superadas [1].

Nessa perspectiva, o aumento da longevidade dá espaço para o incremento da ocorrência de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNTs), considerando-se que essas são prevalentes entre pessoas idosas. Associado a isso, o Sistema Único de Saúde (SUS) ainda não consegue atender a todas as demandas exigidas para o tratamento das DCNTs. A espera por atendimento como, por exemplo, do câncer, é uma realidade nacional. Nesse contexto, a pessoa idosa precisa usar de mecanismos que ajudem na prevenção e na promoção da saúde no contexto da cronicidade [1].

As DCNTs podem repercutir em vários domínios da vida das pessoas idosas, afetando as atividades de vida diária e, muitas vezes, abrindo portas para outras comorbidades como limitações físicas e cognitivas para realizar tarefas cotidianas, principalmente entre aquelas que vivem sozinhas, considerando-se que essa situação é uma realidade frequente e em expansão. Nesse contexto, torna-se necessária a presença do autocuidado entre as pessoas idosas em relação às DCNTs [2]. Nesse sentido, surge a Teoria de Enfermagem do Déficit de Autocuidado (TEDA) de Dorothea Orem, que concebe o autocuidado como “a prática de atividades que o indivíduo inicia e executa em seu próprio benefício, na manutenção da vida, da saúde e do bem-estar”, ou seja, é aquilo que a pessoa é capaz de realizar por si e para si própria [3].

Essa Teoria envolve os propósitos de outras três teorias, que são: 1) Teoria do Autocuidado; 2) Teoria do Déficit de Autocuidado e 3) Teoria do Sistema de Enfermagem. Cada uma dessas teorias possui conceitos próprios, porém o agrupamento desses conceitos constituiu outra perspectiva que deu origem à TEDA [4].

As Capacidades de Autocuidado (CACs) podem ser investigadas em relação ao desenvolvimento, à operabilidade e à adequação. O desenvolvimento é definido, considerando-se os tipos de ações de autocuidado que as pessoas podem realizar. A operabilidade, por sua vez, é descrita pelos tipos de ações que as pessoas realizam, de forma consciente e efetiva, deliberada, em prol do autocuidado. A adequação é determinada quando se compara o tipo de ações de autocuidado que se podem realizar e o tipo de autocuidado requerido, para satisfazer a demanda existente ou projetada de autocuidado terapêutico. Isso significa a comparação entre as necessidades e as capacidades ou condições de atender a essas necessidades, ou seja, as pessoas são capazes de realizá-las? [3].

A capacidade do indivíduo para se engajar em ações de autocuidado foi denominada self-care agency. É o poder de tornar-se agente ou protagonista do autocuidado e de desenvolver-se no processo de viver o dia a dia, por meio de um sistema espontâneo de aprendizagem [3].

Orem [12] assinala conceitos periféricos denominados Fatores Condicionantes Básicos (FCBs), formados por 10 fatores, os quais se dividem em internos ou intrínsecos: 1) Idade; 2) Sexo; 3) Estado de desenvolvimento e 4) Estado de saúde; e externos ou extrínsecos: 1) Orientação sociocultural; 2) Fatores do sistema de saúde; 3) Fatores do sistema família; 4) Padrão de vida; 5) Fatores ambientais e 6) Disponibilidade e adequação de recursos. Todos os conceitos centrais, secundários e periféricos estão inter-relacionados com a finalidade de promover a vida, a saúde e o bem-estar (qualidade de vida). Ressalta-se que, no presente trabalho, também foram utilizados os FCBs tanto intrínsecos quanto extrínsecos [3].

As pessoas idosas, em franca longevidade, carecem de autocuidado. Por outro lado, na literatura vigente, são frequentes os estudos focados no autocuidado, porém é restrita a quantidade de trabalhos que associam os Fatores Condicionantes Básicos com as Capacidades de Autocuidado [3].

A relevância científica deste trabalho está atrelada ao preenchimento de lacunas de conhecimento em relação à associação dos FCBs com as CACs, utilizando, dessa forma, fatores que contribuem ou não para a realização da Capacidade de Autocuidado. Do ponto de vista social e profissional, este trabalho terá sua importância pelo conhecimento da influência que os FCBs exercem no empoderamento do autocuidado e que isso pode ser adotado nas intervenções de enfermagem. Por outro lado, novos conhecimentos poderão ajudar as pessoas idosas em um contexto de rede de apoio entre os familiares e a própria sociedade.

Para se obter conhecimento de como se encontram as Capacidades de Autocuidado, é imprescindível que estas sejam avaliadas. Para isso, utilizou-se a Escala para Avaliar as Capacidades de Autocuidado para a demonstração de como se encontram esses aspectos na vida e na saúde das pessoas idosas que integraram o presente estudo.

Nesse contexto, os objetivos deste estudo foram identificar as características sociodemográficas e relacionar as Capacidades de Autocuidado com os Fatores Condicionantes Básicos de pessoas idosas.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal com pessoas idosas, de ambos os sexos. O cálculo amostral originou-se da tese de pós-doutoramento do primeiro autor, a qual consistiu na construção e na validação das Escalas de Ações de Autocuidado com Enfoque nas Atividades Básicas, Instrumentais e Avançadas da Vida Diária de Pessoas Idosas. Para isso, utilizou-se o cálculo de 40 participantes por item da escala, totalizando 1200 pessoas idosas.

A coleta de dados ocorreu em domicílio após agendamento e autorização do participante por quatro (04) auxiliares de pesquisas devidamente capacitados, no período de janeiro a abril de 2019.

O critério de inclusão foi de pessoas com capacidade de comunicação verbal e capacidade cognitiva preservada, o que foi verificado pelo Questionário de Avaliação Mental, validado e adaptado por Ventura e Bottino [5]. O critério de exclusão consistiu em pessoas idosas que se encontravam em situação de fragilidade física.

Para a coleta de dados, utilizou-se o Instrumento de caracterização dos fatores condicionantes básicos de pessoas idosas (ICFCBPIs), elaborado pelo primeiro autor deste estudo, que se baseou na Teoria de Enfermagem do Déficit de Autocuidado de Orem. Os fatores condicionantes básicos intrínsecos e extrínsecos foram adotados por questões abertas e fechadas, representados por meio das variáveis sexo, idade, escolaridade, estado conjugal, fontes de renda, rendimentos, percepção de saúde, incapacidades e atividades físicas, entre outras.

A Escala para avaliar as Capacidades de Autocuidado (EACAC), que foi adaptada e validada à cultura brasileira por Silva e Domingues [6], possui 24 itens e, como opção de resposta, os seguintes reativos: discordo totalmente (1 ponto); discordo (2 pontos); nem concordo nem discordo (3 pontos); concordo (4 pontos) e concordo totalmente (5 pontos), sendo unidimensional. A pontuação mínima é de 24 e a máxima, de 120 pontos. Quanto mais próxima de 120, melhores as capacidades de autocuidado e vice-versa. Para facilitar a avaliação, elaborou-se a seguinte classificação das capacidades de autocuidado, de acordo com a pontuação obtida, a saber:- 24 a 40 pontos: péssima; - 40 a 56 pontos: ruim; - 56 a 72 pontos: regular; - 72 a 88 pontos: boa; - 88 a 104 pontos: muito boa; - 104 a 120 pontos: ótima.

Para a análise de dados, foram utilizados, da estatística inferencial, os seguintes testes: Mann-Whitney; Kruskal-Wallis e comparações múltiplas de Tukey. O nível de significância adotado foi de 5% ou 0,05.

Esta pesquisa seguiu os preceitos éticos estabelecidos pela Resolução 466/12, de dezembro de 2012 e foi aprovada de acordo com o Parecer Consubstanciado número 2.734.851 do Comitê de Ética em Pesquisa.

Resultados

Em relação às características sociodemográficas, encontrou-se que 58,5% (702) eram do sexo feminino; 88,3% (1059) com idade inferior a 85 anos; 38,0% (456) eram casados; 61,2% (734) possuíam ensino fundamental completo ou incompleto; 39,2% (470) consideravam ter uma saúde boa; 58,0% (696) não praticavam atividades físicas; 96,1% (1153) participavam de atividades sociais e 82,3% (988) não tinham alguma incapacidade ou deficiência física.

A Tabela 1 descreve os Fatores Condicionantes Básicos (representados por meio das variáveis sociodemográficas) de pessoas idosas, comparados com a Capacidade de Autocuidado.

Observa-se que os homens apresentaram menor capacidade de autocuidado quando comparados com as mulheres (p<0,001). Em relação ao poder aquisitivo, pessoas idosas que recebiam mais de três salários-mínimos exibiram melhor capacidade de autocuidado (p<0,001).

Quando colacionadas a capacidade de autocuidado com a escolaridade, pessoas idosas com ensino superior completo apresentaram melhores resultados (p<0,001). Ainda na Tabela 1, observa-se que não houve diferença significativa para a capacidade de autocuidado na situação conjugal (p=0,551) e na faixa etária (p=0,228).

Tabela 1 - Fatores condicionantes básicos intrínsecos e extrínsecos e comparação com a capacidade de autocuidado de pessoas idosas (n= 1200), Cidades Sul Mineiras (2019)

Variável

Categorias

n

Mediana

Desvio padrão

p-valor

Sexo

Masculino

498

103,5

11,0

Feminino

702

107,0

10,8

<0,001*

Faixa Etária

<85 anos

1060

105,5

10,9

>85 anos

140

104,5

11,6

0,228*

Escolaridade

Nenhuma/

não sabe ler e escrever

109

102,0

10,2

Fundamental incompleto Fundamental completo Ensino médio incompleto

600

134

49

103,0

106,0

109,0

11,2

11,3

9,9

<0,001**a,b,c

Ensino médio completo

130

110,0

10,8

Ensino superior incompleto

13

109,0

8,4

Ensino superior completo

165

110,0

9,1

Estado Civil

Casado

582

106,0

10,6

Solteiro

Viúvo

148

389

105,0

105,0

11,2

11,5

0,551

Divorciado

58

103,0

10,0

Outros

23

108,0

10,6

Renda

<1 salário

157

104,0

11,5

1 a 2 salários 3 ou mais salários

778

255

104,0

110,0

11,0

9,4

<0,001**d,e

* Teste de Mann-Whitney; ** Teste de Krukal-Wallis; aNenhum/não sabe ler e escrever
= Fundamental Incompleto; b Fundamental Incompleto < Ensino Médio Completo; c Fundamental Completo < Ensino Superior Completo; d menor que 1 = 1 a 2 salários; e 1 a 2 salário < 3 ou mais salários.
Fonte: autores.

A Tabela 2 retrata as comparações entre os dados de saúde e a capacidade de autocuidado. As pessoas idosas que realizavam atividades físicas e sociais apresentaram melhor capacidade de autocuidado (p<0,001).

Os participantes idosos que utilizavam recursos físicos exibiram melhor capacidade de autocuidado (p=0,001). Ainda nessa tabela, verificou-se, na avaliação do estado de saúde, que as pessoas idosas que consideraram o próprio estado de saúde como ótimo, muito bom ou bom representaram melhor capacidade de autocuidar-se, quando comparadas com aquelas que o classificaram como regular/ruim/péssimo (p<0,001).

Tabela 2 - Características de saúde e comparação com a capacidade de autocuidado de pessoas idosas (n= 1200), Cidades Sul Mineiras (2019)

Variável

Categorias

n

Mediana

Desvio padrão

p-valor

Atividade física

Sim

Não

505

695

108,0

104,0

10,0

11,3

<0,001*

Atividade

Social

Sim

Não

1153

47

106,0

96,0

10,8

12,7

<0,001*

Uso de

Recursos

Físicos

Sim

Não

1070

130

106,0

99,0

10,8

11,6

0,001*

Avaliação da Saúde

Ótimo

Muito boa

Boa

178

266

470

107,0

106,0

104,4

9,7

10,4

10,9

<0,001**a,b,c

Regular/ruim/

Péssimo

286

100,6

11,7

*Teste de Mann-Whitney; ** Teste de Krukal-Wallis; a Ótima = Muito Boa; bMuito Boa =
Boa; cBoa > Regular/ruim/Péssimo
Fonte: autores.

Discussão

O autocuidado tornou-se um elemento essencial da ciência de enfermagem, porquanto transforma o idoso em agente do próprio cuidado, responsabilizando-o e tornando-o comprometido com a vida e com a saúde [3]. Verificou-se que o sexo feminino apresentou níveis mais elevados de capacidade de autocuidado em relação ao sexo masculino. As mulheres estão fortemente interligadas ao contexto histórico e cultural do cuidado familiar, o que tributa a elas resiliência no papel de cuidar do próximo e de si mesmas [7]. Por outro lado, Reis e Silva [2] afirmam que as mulheres têm maior autocuidado do que os homens, pois estes, muitas vezes, atrelam o hábito de autocuidar-se a fraqueza, vulnerabilidade e fragilidade. Por outro lado, há relatos na literatura de que o déficit de autocuidado não é influenciado pelo sexo da pessoa idosa [8].

Associada a esse cenário, historicamente, a figura masculina é excluída da concepção de autocuidado e de prevenção, o que a expõe a situações de risco e de adoecimento. Ademais, os homens não procuram os serviços de saúde, sendo um dos motivos o horário de trabalho que não coincide com os horários das unidades de saúde. Entre outros fatores, culturalmente, o homem não está preparado para o autocuidado, ficando esse papel delegado à mulher, considerada a cuidadora da família. Isso dificulta o diagnóstico precoce de muitas morbidades, afastando-o dessa responsabilidade [9].

Nesse contexto, por meio de observações na vida profissional do homem, situa-se a pessoa idosa que, por motivos laborais, enquanto pessoa economicamente ativa, não teve oportunidades de frequentar uma unidade básica de saúde por falta de coincidência dos horários desta com sua empresa de trabalho. Na aposentadoria, essa alienação em relação à procura dessas unidades também é de baixa adesão, porque não houve cultura anterior a respeito de práticas de saúde. Adicionalmente, Ferreira, da Silva, de Castro, de Castro [10] apontam, de maneira ampla, que os homens idosos não utilizam os serviços de saúde na totalidade por diversos motivos, tais como falta de conhecimento em relação aos profissionais da saúde, dificuldade de acesso aos atendimentos e falta de orientação, sendo estes latentes para não buscarem autocuidado frequentemente.

Em relação à idade e à situação conjugal, verificou-se que não há impacto na capacidade de autocuidado. Isso significa que os anos vividos a mais não acarretam interferência alguma nas Capacidades de Autocuidado. Coutinho e Tomasi [8], em um estudo, também não observaram diferença de déficit de autocuidado entre idade e situação conjugal.

Referentemente ao poder aquisitivo, quanto mais elevado, maior é a capacidade de autocuidado. De fato, as condições socioeconômicas precárias têm consequências negativas em relação ao autocuidado.

Orem 2006 esclarece que a disponibilidade de recursos financeiros interfere diretamente nas capacidades de autocuidado. Quanto maiores os recursos financeiros mais condição a pessoa possui para a aquisição de estratégias necessárias ao autocuidado.

A renda familiar, associada a uma baixa escolaridade, influi sobre a autonomia e sobre a independência do ser idoso, o que impacta diretamente no autocuidado do indivíduo [11]. Orem [12] comenta, ainda, que a disponibilidade de recursos financeiros é essencial nas capacidades e nas ações de autocuidado, com interferência direta e exclusiva.

Em relação à escolaridade, destaca-se que essa variável interfere diretamente na capacidade de autocuidado. A escolaridade é extremamente importante nas ações de autocuidado no sentido de a pessoa aprender sobre as medidas que deve tomar para promover a própria saúde e para prevenir possíveis complicações em caso de portar alguma DCNT. Coutinho e Tomasi [8] corroboram essas duas observações, ao reportarem associação do déficit de autocuidado com baixa escolaridade e baixa renda familiar com p-valor de 0,026 e de 0,073, respectivamente.

Alusivamente à prática de atividade física, as pessoas idosas que a realizam apresentaram melhor capacidade de autocuidado. Vale destacar que o sedentarismo corresponde a um dos grandes agravantes em saúde. Os exercícios físicos podem ser considerados como um fator protetor do indivíduo, pois favorece o sistema cardiovascular e respiratório, reduz o risco de queda, a evolução da mobilidade física e postural, além de contribuir para o controle dos níveis de colesterol, de massa muscular e de gordura corporal, adequados para essa faixa etária [9]. A proteção que a atividade física proporciona à pessoa idosa vai além da saúde física, pois alcança e favorece a saúde mental, reduz os sinais de depressão e/ou de ansiedade e beneficia a autoestima e a capacidade de autocuidado [10].

Concernentemente ao convívio social, pessoas idosas que denotam atividade social ativa evidenciaram melhor capacidade de autocuidado. Validando tal achado, pesquisa aponta que as pessoas com maior convívio social têm maiores capacidades de autocuidado. Por outro lado, esse convívio social apresenta repercussões secundárias, pois oferece oportunidades a maiores aprendizados sobre situações de saúde. Com isso, fortalece e amplia a prevenção e a promoção da própria saúde, assim como essas pessoas serão também emissoras de conhecimentos para as comunidades das quais participam no contexto social [13].

Trabalhos revelam que a pessoa idosa, quando realiza qualquer tipo de convívio social, contribui muito para o desenvolvimento das capacidades de autocuidado. Um meio de interação social em evidência é o recurso digital, como a informática. Esse canal permite maior inserção da pessoa idosa em atividades sociais, ligadas, principalmente, à utilização de redes sociais. Em estudo, essa interação relacionou-se com uma boa saúde física e cognitiva [14]. Ressalta-se que as atividades sociais, à medida que criam redes microssociais, favorecem os aspectos sociais, psicossomáticos e biológicos, atenuam danos à saúde e desenvolvem o bem-estar das pessoas idosas [14].

Neste estudo, verificou-se que indivíduos que utilizam recursos físicos possuem maior capacidade de autocuidado. A mobilidade reduzida é uma característica da Síndrome do Idoso Frágil (SIF), que “afeta o idoso que passa por deterioração em um ou mais de um domínio de saúde e leva ao aumento da suscetibilidade a efeitos de saúde adversos, em particular a incapacidade”. Nesse sentido, esse quadro, associado a doenças ósseas e articulares, pode causar dor, desconforto e risco de quedas, o que diminui a mobilidade. Isso pode interferir gradativamente na funcionalidade do ser idoso, associado a problemas de deambulação, o que reflete em sedentarismo e em grau de dependência, além de promover o isolamento e o desenvolvimento de doenças psiquiátricas [15]. Nesse contexto, a utilização de recursos físicos para contornar a mobilidade reduzida e os problemas de deambulação têm influência positiva na saúde da pessoa idosa e, por conseguinte, na capacidade de autocuidado [15].

Verificou-se que a capacidade de autocuidado está diretamente relacionada à percepção de saúde do ser idoso. Esse achado é corroborado em pesquisa, a qual evidenciou que os indivíduos que classificaram a própria saúde de maneira negativa apresentaram elevada ocorrência de doenças crônicas, de dependência na realização das atividades da vida diária [13] e de déficit de autocuidado [8].

O autocuidado é um conceito abrangente, relacionado com as capacidades e com as ações que as pessoas realizam individualmente, com o objetivo de preservar a saúde e/ou de prevenir e de controlar a doença, especificamente aquelas oriundas da cronicidade. O autocuidado é a chave dos cuidados de saúde, visto como uma orientação subjacente à atividade do enfermeiro, o que a distingue de outras disciplinas. Pode-se afirmar que, por meio das capacidades e das ações de autocuidado, são implementadas intervenções de promoção da saúde orientadas para a prática de cuidados de enfermagem [3].

Esses resultados revelam que as DCNTs podem ser controladas pelas Capacidades de Autocuidado associadas com os Fatores Condicionantes Básicos, sejam intrínsecos ou extrínsecos. Identificou-se que as CACs estão associadas aos diversos fatores, fortalecendo, assim, a especificidade das CACs em relação aos FCBs que são essenciais na obtenção dos conhecimentos, das experiências e das habilidades referentes ao autocuidado. A associação das DCNTs com o autocuidado já foi revisada por Almeida e Bastos [16] quando mostram que o autocuidado influencia muito no controle das doenças e melhora o estado de saúde das pessoas idosas portadoras de diferentes morbidades.

A limitação do presente estudo refere-se ao fato de sua realização ter ocorrido em cidades próximas e do Sul de Minas, o que impediu a obtenção de outros resultados e abrangências.

Conclusão

Ao comparar os Fatores Condicionantes Básicos de pessoas idosas com as Capacidades de Autocuidado, conclui-se que os homens apresentaram reduzida capacidade de autocuidado, quando comparados ao sexo feminino. Em relação ao elevado poder aquisitivo e ao nível de escolaridade, melhor era a capacidade de autocuidar-se.

Com efeito, aqueles que realizavam atividade física e social exibiram melhores desfechos de Capacidade de Autocuidado. Pessoas idosas que avaliaram o próprio estado de saúde como ótimo, muito bom ou bom representaram melhor a capacidade de autocuidar-se, quando comparadas com aquelas que classificaram como regular/ruim/péssimo.

Nesse contexto, os resultados do presente trabalho estão de acordo com a literatura quando afirmam que os Fatores Condicionantes Básicos, sejam eles intrínsecos ou extrínsecos, interferem nas Capacidade de Autocuidado de forma positiva ou negativa.

Em relação às Doenças Crônicas Não Transmissíveis, pode-se concluir que as pessoas idosas são capazes de controlá-las, de evitar complicações ao considerar o nível de Capacidade de Autocuidado e a relação com os Fatores Condicionantes Básicos.

Diante desse contexto, é imprescindível que sejam estabelecidos programas de saúde para as pessoas idosas residentes na comunidade para que as demandas em relação ao autocuidado sejam atendidas de forma sistemática e adequada. A elaboração de políticas públicas é essencial para que o autocuidado seja incentivado e realizado de acordo com as carências desse fenômeno entre as pessoas idosas nas mais distintas adversidades.

Conflito de interesse

Os autores relatam não possuir conflitos de interesses.

Fontes de financiamento

Financiamento próprio.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Silva JV da; Coleta de dados: Domingues AER, Sampaio ES, Bianco OAFM; Análise e interpretação dos dados: Silva JV da, Domingues AER; Redação do manuscrito: Silva JV da, Bianco OAFM, Domingues AER; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Santos AA, Fernandes PRB, Ribeiro AGSV e Oliveira JJ.

Referências

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