ARTIGO ORIGINAL
Atendimento educacional especializado nas salas de recursos multifuncionais: Equidade e Inclusão no Ensino Médio
Specialized educational support in multifunctional resource rooms: Equity and Inclusion in Secondary Education
Carlos José de Melo Moreira1, Verônica Lima Carneiro Moreira1, Amauri Carlos Ferreira2
1Universidade Federal do Maranhão (UFMA), São Luiz, MA, Brasil
2Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC), Belo Horizonte, MG, Brasil
Recebido em: 14 de Setembro de 2025; Aceito em: 25 de Setembro de 2025.
Correspondência: Carlos José de Melo Moreira, carlos.moreira@ufma.br
Como citar
Moreira CJM, Moreira VLC, Ferreira AC. Atendimento educacional especializado nas salas de recursos multifuncionais:
Equidade e Inclusão no Ensino Médio. Educ e Inc. 2025;13(2):199-210. doi:10.62827/ei.v13i2.1008
Introdução: A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva no Brasil, foi implementada a partir de 2008, estabelecendo diretrizes para a implementação do Atendimento Educacional Especializado e para a criação das Salas de Recursos Multifuncionais como estratégias fundamentais de garantia do direito à educação de estudantes com necessidades educacionais especiais. Neste cenário, este artigo analisa o Atendimento Educacional Especializado nas Salas de Recursos Multifuncionais no ensino médio de três escolas inclusivas da rede estadual do Maranhão. Objetivo: compreendeu-se como a organização das salas de recursos multifuncionais e a atuação do docente do atendimento educacional especializado contribuíram para a inclusão e a equidade no aprendizado dos estudantes com necessidades educacionais especiais, no período de 2009 a 2016. Métodos: Utilizou-se abordagem qualitativa, com estudo de caso, análise documental, observação de campo e entrevistas com doze sujeitos. Resultados: foram implantadas 313 salas de recursos multifuncionais na secretaria de educação do Maranhão no período estudado e que estas salas configuram espaços estratégicos de ensino e apoio, oferecendo recursos adaptados e suporte pedagógico contínuo. Contudo, persistem desafios relacionados à insuficiência de materiais e à sobrecarga docente. Conclusão: a efetividade do atendimento educacional especializado nas salas de recursos multifuncionais depende de gestão articulada, formação continuada e investimento permanente em políticas inclusivas, fundamentais para consolidar práticas pedagógicas justas e orientadas pela equidade.
Palavras-chave: Políticas Públicas; Educação; Inclusão Escolar; Métodos de Ensino; Administração.
Introduction: The National Policy on Special Education from the Perspective of Inclusive Education in Brazil was implemented in 2008, establishing guidelines for the implementation of Special Education Services and for the creation of Multifunctional Resource Rooms as key strategies to guarantee the right to education for students with special educational needs. In this context, this article analyzes Special Education Services in Multifunctional Resource Rooms in high schools of three inclusive public schools in the state of Maranhão. Objective: It was understood how the organization of multifunctional resource rooms and the role of special education teachers contributed to inclusion and equity in the learning of students with special educational needs, between 2009 and 2016. Methods: A qualitative approach was used, with case study, document analysis, field observation, and interviews with twelve participants. Results: A total of 313 multifunctional resource rooms were implemented in the Maranhão State Department of Education during the study period, and these rooms represent strategic teaching and support spaces, providing adapted resources and continuous pedagogical support. However, challenges remain regarding insufficient materials and teacher overload. Conclusion: The effectiveness of special education services in multifunctional resource rooms depends on coordinated management, continuing education, and ongoing investment in inclusive policies, which are essential to consolidate fair and equity-oriented teaching practices.
Keywords: Public Policy; Education; Mainstreaming; Teaching; Administration.
A educação inclusiva consolidou-se nas últimas décadas como um dos maiores desafios e, simultaneamente, como uma das conquistas mais significativas do campo educacional contemporâneo. No Brasil, esse processo foi construído ao longo de uma trajetória histórica marcada por exclusão e segregação das pessoas com deficiência, que, durante séculos, permaneceram à margem das políticas públicas, atendidas apenas por instituições filantrópicas e programas paralelos ao sistema regular de ensino. Durante os períodos colonial e imperial, o acesso à escolarização estava restrito a iniciativas privadas e caritativas, voltadas principalmente à assistência, e não à aprendizagem efetiva, reforçando concepções de incapacidade e dependência. Com a implantação da República e o desenvolvimento do sistema público de ensino, surgiram políticas educacionais que reconheceram, ainda que de forma gradual, a necessidade de escolarização para todos, embora prevalecesse a segregação em classes e instituições especiais, isoladas das escolas regulares.
Somente a partir da Constituição Federal de 1988, articulada à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDBEN, Lei nº 9.394/1996, e à Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008, consolidou-se a compreensão de que a educação é direito de todos, devendo ser garantida em espaços comuns e regulares, com suporte pedagógico especializado sempre que necessário. Esse contexto histórico-legislativo representou uma mudança paradigmática, orientando a transição de práticas excludentes para um modelo centrado em equidade, diversidade e acessibilidade, além de consolidar políticas e programas voltados à igualdade de oportunidades educacionais.
Nesse cenário, o Atendimento Educacional Especializado e as Salas de Recursos Multifuncionais emergem como instrumentos estratégicos para a efetivação da inclusão escolar. As salas de recursos multifuncionais configuram ambientes pedagógicos complementares, equipados com recursos didáticos, tecnológicos e de acessibilidade, destinados a apoiar o processo de aprendizagem dos estudantes público-alvo da Educação Especial (PAEE), assegurando condições equitativas de desenvolvimento acadêmico e social. Elas se vinculam diretamente à política do atendimento educacional especializado, regulamentada pelos Decretos nº 6.571/2008 e nº 7.611/2011, que estabelecem o dever do Estado de garantir não apenas o acesso, mas também a permanência e a aprendizagem efetiva de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.
O surgimento e a expansão das salas de recursos multifuncionais refletem um processo de mudança paradigmática, buscando superar práticas segregadoras e consolidar uma educação pautada na equidade, diversidade e personalização do ensino, promovendo igualdade de oportunidades. Entre os desafios persistentes, destacam-se as barreiras atitudinais, manifestadas por preconceitos, estereótipos e expectativas limitadas em relação ao potencial dos estudantes com deficiência. Essas barreiras, presentes entre colegas, docentes e gestores, influenciam práticas pedagógicas que, mesmo sem intenção explícita, podem segregar, excluir ou restringir a participação plena do aluno.
A legislação brasileira reconhece a necessidade de superá-las, garantindo, por meio da Constituição Federal de 1988 (arts. 205 e 208), da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) e das Diretrizes Operacionais para a Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, educação de qualidade, inclusiva e livre de discriminação.
No Maranhão, a Secretaria de Estado da Educação (SEDUC/MA) assumiu, desde meados dos anos 2000, a tarefa de implementar essas diretrizes nacionais em consonância com as especificidades regionais, promovendo a criação e expansão das salas de recursos multifuncionais, capacitação continuada de professores, adaptação da infraestrutura escolar e formulação de normas próprias para a educação inclusiva.
Essa implementação evidenciou avanços significativos, mas também desigualdades internas entre regiões urbanas e municípios do interior, onde ainda persistem desafios de infraestrutura, transporte escolar e acesso a profissionais especializados. Analisar essa realidade permite compreender não apenas a aplicação das políticas nacionais em contextos locais, mas também as adaptações e reinterpretações ocorridas no cotidiano escolar, revelando limites e possibilidades para uma inclusão efetiva e equitativa.
Diante desse panorama inicial, esta pesquisa teve como objetivo geral compreender como a organização das salas de recursos multifuncionais e a prática pedagógica do docente do Atendimento Educacional Especializado influenciaram no processo de inclusão e da equidade no aprendizado de estudantes atípicos, no período de 2009 a 2016, em três escolas de nível médio na SEDUC/MA. Como objetivos específicos, buscou-se analisar a implementação das Salas de Recursos Multifuncionais (SRMs) nas três escolas estaduais selecionadas, considerando sua organização e infraestrutura; investigar a atuação dos docentes do Atendimento Educacional Especializado (AEE) no apoio pedagógico e na adaptação curricular para estudantes inclusos; examinar o uso de recursos pedagógicos e tecnologias assistivas como instrumentos de promoção da inclusão e da equidade no ensino médio; e avaliar a articulação entre gestão escolar, técnicos, docentes do AEE, docentes das salas comuns e famílias, identificando como essa colaboração influencia o sucesso do processo inclusivo.
A investigação se concentra na efetividade dessas práticas na superação de barreiras pedagógicas, no apoio aos docentes das salas comuns e na promoção de aprendizagem significativa e equitativa. Para tanto, adotou abordagem qualitativa, com estudo de caso em três escolas inclusivas de ensino médio da SEDUC/MA, utilizando análise documental, observação de campo e entrevistas semiestruturadas com gestores, coordenadores pedagógicos e docentes. A triangulação dessas fontes possibilitou uma análise crítica e contextualizada, articulando diferentes perspectivas sobre a implementação do atendimento educacional especializado e das salas de recursos multifuncionais, bem como os impactos pedagógicos e atitudinais no cotidiano escolar.
Espera-se, assim, oferecer uma compreensão aprofundada das práticas inclusivas em contextos locais, identificando avanços, desafios e oportunidades de melhoria na implementação das Salas de Recursos Multifuncionais e do Atendimento Educacional Especializado. A análise permitirá compreender como essas práticas contribuem para a democratização do ensino, a equidade no aprendizado e a superação de barreiras pedagógicas e atitudinais que historicamente dificultaram a inclusão de estudantes com necessidades educacionais especiais.
Além disso, o estudo busca fornecer subsídios para o planejamento de políticas públicas mais eficazes, alinhadas às demandas específicas das escolas estaduais do Maranhão, promovendo estratégias de gestão escolar, formação docente e articulação interprofissional que fortaleçam a educação inclusiva no contexto do ensino médio.
A relevância da pesquisa também se justifica pela necessidade de compreender o impacto das SRMs e do AEE na prática cotidiana, considerando a diversidade de perfis de alunos, a complexidade da adaptação curricular, o uso de recursos pedagógicos especializados e a importância da participação ativa das famílias no processo educacional.
Portanto, a presente investigação se insere no campo de estudos da educação inclusiva, contribuindo para a reflexão crítica sobre os processos de implementação de políticas públicas e sobre a prática pedagógica voltada à inclusão e à equidade, oferecendo evidências que possam orientar gestores, professores e formuladores de políticas educacionais na consolidação de ambientes escolares mais justos, acessíveis e equitativos.
A metodologia constitui uma dimensão fundamental da pesquisa científica, pois não apenas sistematiza os procedimentos investigativos, mas também oferece base epistemológica sólida para análise crítica dos fenômenos estudados. No caso do Atendimento Educacional Especializado (AEE) e das Salas de Recursos Multifuncionais, a escolha metodológica revestiu-se de especial relevância, uma vez que a complexidade das práticas pedagógicas inclusivas demanda instrumentos capazes de articular teoria, política e prática [1].
A pesquisa qualitativa se apresenta como abordagem adequada para compreender os significados atribuídos pelos sujeitos às suas experiências em contextos educativos [2]. Aliada à perspectiva crítico-social das políticas educacionais [3], essa abordagem permitiu analisar como discursos, práticas e estruturas institucionais se entrelaçaram na implementação do atendimento educacional especializado e das salas de recursos multifuncionais nas três escolas inclusivas da SEDUC/MA, evidenciando tensão entre inclusão, equidade e barreiras atitudinais. Assim, o objetivo desta unidade metodológica é apresentar os procedimentos adotados, assegurando validade, coerência interna e relevância científica para esta pesquisa.
O estudo de caso foi definido como estratégia central da pesquisa, considerando sua capacidade de investigar fenômenos complexos em profundidade, articulando múltiplas fontes de evidência e permitindo a generalização analítica [4]. Foram selecionadas três escolas inclusivas estaduais de ensino médio, localizadas em São Luís/MA, com docentes efetivos lotados no atendimento educacional especializado (AEE) e que as três escolas tenham passado pelo processo de implementação das salas de recursos multifuncionais.
A partir da escolha destas três escolas de nível médio, que foram identificadas nesta pesquisa como: Escola A, (EA); Escola B (EB); e Escola C (EC), foram, também, escolhidos doze sujeitos participantes, selecionados por amostragem intencional com base na relevância de sua atuação na implementação e operacionalização do atendimento educacional especializado nestas três escolas.
Os doze sujeitos foram escolhidos em quatro grupos: primeiro grupo, três gestores; segundo grupo, três coordenadores pedagógicos; terceiro grupo, três docentes do AEE; quarto grupo, três docentes das salas comuns. Todos os doze sujeitos foram escolhidos pelo critério de serem servidores públicos concursados e efetivos da SEDUC/MA, lotados nas três escolas inclusivas durante o período de 2009 a 2016, demonstrando experiência prática e significativa para relatar experiências de gestão, estratégias pedagógicas, desafios e práticas inclusivas adotadas no período analisado [5].
O recorte temporal entre 2009 e 2016 foi definido considerando a fase de maior expansão e consolidação do atendimento educacional especializado e do processo de implantação das salas de recursos multifuncionais no âmbito nacional e estadual, em consonância com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEE-EI, 2008) [6]. Nesse período, foram implementados os principais programas federais de inclusão escolar, com investimentos em infraestrutura, formação docente e aquisição de recursos pedagógicos, exigindo reorganização administrativa e pedagógica na rede estadual do Maranhão [7].
A coleta de dados foi realizada em três etapas complementares: análise documental, observação em campo e entrevistas semiestruturadas. A análise documental compreendeu o estudo de legislações, decretos, portarias e resoluções reguladoras do atendimento educacional especializado e das salas de recursos multifuncionais; além de relatórios institucionais, planos de ação e documentos normativos das escolas estudadas, permitindo compreender o arcabouço legal e institucional que fundamenta a educação inclusiva [8].
A observação concentrou-se no conjunto da comunidade das três escolas campo, mas com foco no funcionamento das salas de recursos multifuncionais, na interação entre docentes do atendimento educacional especializado, gestores, técnicos, docentes das salas comuns, alunos inclusos e seus familiares. Analisando infraestrutura, projeto político pedagógico das escolas, plano individual de ensino, reuniões pedagógicas, análise de currículo e avaliações, recursos pedagógicos, tecnologias assistivas, ambiente pedagógico e estratégias de ensino. Essa etapa possibilitou identificar práticas pedagógicas que promoveram equidade, inclusão e adaptação curricular, avaliativa que mediaram barreiras de aprendizagem, dentre outros [9].
Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os doze sujeitos ativos, abordando experiências administrativas e pedagógicas, percepções e estratégias dos três gestores, dos três técnicos e dos seis docentes relacionadas à implementação do atendimento educacional especializado e das salas de recursos multifuncionais em cada uma das três escolas. Investigando sobre os novos processos e técnicas de inclusão a partir do atendimento educacional especializado, dos recursos das salas multifuncionais e da articulação com os docentes das salas comuns, familiares dos alunos atípicos e de toda a comunidade escolar envolvida.
Esse método, recomendado em pesquisas qualitativas, possibilita flexibilidade e aprofundamento em aspectos emergentes, captando a perspectiva dos sujeitos sem comprometer o foco investigativo [2]. A análise das respostas buscou identificar práticas pedagógicas inclusivas, capacidade de adaptação curricular e estratégias de inclusão efetiva [10].
A triangulação dos dados provenientes das três fontes metodológicas constituiu procedimento essencial para garantir validação e confiabilidade, permitindo confrontar evidências, identificar convergências e divergências e assegurar consistência nas conclusões [11]. A análise dos dados seguiu abordagem temática, com codificação e identificação de padrões, categorias e relações significativas, contemplando práticas pedagógicas inclusivas, utilização de recursos assistivos, articulação entre a prática docente no atendimento educacional especializado, juntamente com os docentes das salas comuns, engajamento familiar, desafios estruturais e promoção da equidade ao longo do período [12].
Os procedimentos éticos adotados atenderam à Resolução CNS 466/2012 e às diretrizes da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), garantindo termo de consentimento livre e esclarecido, anonimato, confidencialidade e direito de desistência a qualquer momento [13]. A atenção ética foi particularmente relevante pelo envolvimento de gestores e docentes em exercício de suas funções.
O delineamento metodológico possibilitou conhecer a documentação e a infraestrutura das três escolas, como também, analisar a interação entre políticas públicas, gestão escolar e práticas docentes, com foco na equidade.
A escolha do estudo de caso ainda permitiu identificar diferenças contextuais e desigualdades estruturais que influenciaram acesso, permanência e aprendizagem dos alunos com necessidades educacionais especiais, evidenciando que a implementação do atendimento educacional especial e das salas de recursos multifuncionais não é homogênea e depende de recursos adequados, gestão articulada e políticas adaptativas [7].
Dessa forma, a metodologia adotada, composta por pesquisa documental, observação de campo e entrevistas semiestruturadas, garantiu consistência científica, profundidade interpretativa e rigor ético. Esses procedimentos permitiram evidenciar a função social do atendimento educacional especializado e das salas de recursos multifuncionais na promoção da inclusão e da equidade no ensino médio da rede estadual do Maranhão. A análise dos dados revelou como práticas docentes, organização das salas e recursos pedagógicos interagiram na operacionalização das políticas inclusivas. Além disso, os resultados constituíram base sólida para a interpretação dos dados e para o enquadramento histórico e legal que fundamentou a pesquisa.
A compreensão das práticas pedagógicas do atendimento educacional especializado nas salas de recursos multifuncionais nas três escolas estaduais de ensino médio do Maranhão requer contextualização histórica e legal da educação especial no Brasil. Essa análise dos resultados possibilitará relacionar os fundamentos normativos e históricos com as práticas observadas, permitindo conhecer quais os documentos normativos embasaram a implementação do atendimento educacional especializado e das salas de recursos multifuncionais nas três escolas investigadas.
Historicamente, a educação especial brasileira esteve marcada por segregação e pela atuação de instituições filantrópicas, religiosas ou privadas, reforçando concepções de incapacidade e dependência social [1]. Os primeiros esforços do Estado ocorreram com a criação do Imperial Instituto dos Meninos Cegos (1854) e do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos (1857), ambos na então capital do Rio de Janeiro, voltados predominantemente a atender a elite [2]. Essas iniciativas estabeleceram bases institucionais que evoluíram para estruturas mais amplas, como o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), consolidando políticas centralizadas de atendimento especializado [3].
Ao longo do século XIX e XX, destacam-se legislações como o Decreto nº 1.265/1890, que regulava as escolas normais e a formação de professores para alunos com necessidades especiais, e o Decreto nº 4.421/1922, que estabeleceu diretrizes para o ensino de surdos e cegos, refletindo os primeiros movimentos do Estado brasileiro em reconhecer a necessidade de educação diferenciada, ainda sob perspectiva segregacionista [2]. Posteriormente, a Lei nº 4.024/1961, primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), consolidou diretrizes para a organização da educação nacional e formação docente, mantendo a lógica de atendimento segregado [4].
A Lei nº 5.692/1972 atualizou a LDBEN, consolidando regras sobre a educação nacional e sobre a formação docente, incluindo dispositivos que possibilitavam a oferta de ensino especial para alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades, embora mantendo o atendimento em instituições separadas ou especializadas [5].
A Constituição Federal de 1988 representou um marco jurídico decisivo, assegurando no artigo 208, inciso III, o direito à educação especial preferencialmente na rede regular de ensino [6]. Ao estabelecer que o Estado deve garantir atendimento educacional especializado, complementando a educação comum, rompeu com a lógica assistencialista e segregacionista vigente, reconhecendo a necessidade de disponibilizar recursos didáticos, adaptações curriculares e apoio especializado, constituindo fundamento legal para políticas públicas voltadas à equidade no aprendizado e à participação plena de estudantes com necessidades educacionais especiais [7].
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996) consolidou o espírito da Constituição, dedicando atenção especial à educação especial nos artigos 58 a 60 [8]. Estabeleceu que a modalidade deve ser oferecida preferencialmente na rede regular, com adaptações curriculares, serviços de apoio especializado e formação docente para garantir acesso, permanência e aprendizagem.
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEE-PI), de 2008, estruturou diretrizes operacionais para inclusão escolar, consolidando o atendimento educacional especializado como serviço complementar e articulado ao ensino regular [10].
No Maranhão, entre 2009 e 2016, a implementação dessas políticas exigiu ajustes locais, reorganizando escolas, ampliando o atendimento educacional especializado e expandindo as salas de recursos multifuncionais [11]. Segundo documentos da SEDUC/MA analisados, foram instaladas 313 salas em diferentes regiões, promovendo acessibilidade física, adequação pedagógica e articulação curricular [12]. Também, segundo os documentos analisados e os doze sujeitos entrevistados, a formação continuada intensificou práticas inclusivas, permitindo que professores adaptassem conteúdos, avaliações e recursos pedagógicos às necessidades dos alunos atípicos [13].
A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) reforçou direitos e obrigatoriedade do atendimento educacional especializado, complementada por decretos que regulamentaram financiamento, infraestrutura e formação docente [14].
O Plano Estadual de Educação 2014–2024 e as Diretrizes da Educação Especial da SEDUC/MA orientaram expansão das salas de recursos multifuncionais e capacitação contínua, estabelecendo monitoramento de práticas pedagógicas e indicadores de aprendizagem [15].
Posteriormente, a tentativa de retrocesso com o Decreto nº 10.502/2020, interrompida pelo Decreto nº 11.370/2023, reafirmou o compromisso do Estado brasileiro com a educação inclusiva e com o atendimento educacional especializado primariamente na rede regular de ensino [16]. No Maranhão, a Lei estadual nº 12.098/2023 estabeleceu diretrizes para atender estudantes com altas habilidades ou superdotação [17]. Também em 2023, foi revogada a limitação de matrícula por turma para alunos com deficiência prevista na Resolução CEE-MA nº 291/2002, garantindo matrícula plena [18]. Paralelamente, o governo promoveu formação continuada de professores, ampliando atendimento especializado e infraestrutura das salas de recursos multifuncionais [19].
O percurso histórico e legal analisado demonstra que a inclusão escolar no Brasil é resultado de um processo cumulativo, sustentado por legislações, políticas públicas estruturantes e práticas pedagógicas. A efetividade do atendimento educacional especializado e das salas de recursos multifuncionais depende não apenas de bases legais, mas também da articulação entre políticas públicas, gestão escolar e práticas pedagógicas, assegurando condições de aprendizagem dignas e favorecendo o rompimento de barreiras atitudinais.
A análise dos resultados normativos e históricos apresentada na seção anterior forneceu o arcabouço legal e institucional que fundamenta a educação especial inclusiva no Brasil e no Maranhão, evidenciando o papel das legislações, políticas públicas e diretrizes da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEE-EI, 2008) na consolidação do Atendimento Educacional Especializado (AEE) e das Salas de Recursos Multifuncionais (SRMs). Esta discussão tem como objetivo interpretar os dados coletados nas três escolas de ensino médio, articulando os relatos dos doze sujeitos – gestores, técnicos e docentes – com as categorias de análise definidas na metodologia. O enfoque recai sobre como a implementação do atendimento educacional especializado e das SRMs contribuiu para a inclusão com equidade e a permanência dos estudantes atípicos nas salas comuns no período de 2009 a 2016, rompendo barreiras pedagógicas, atitudinais e de exclusão escolar.
A análise das entrevistas semiestruturadas permitiu compreender a implementação das SRMs e do AEE na rede estadual do Maranhão, articulando os dados empíricos com os fundamentos legais e históricos. Essa abordagem evidenciou a continuidade do direito à educação inclusiva e a necessidade de estratégias pedagógicas que promovam equidade e superação de barreiras atitudinais [1].
Na pesquisa qualitativa, a definição de categorias analíticas constituiu etapa central para organizar e interpretar os dados, permitindo agrupar informações segundo dimensões temáticas significativas, construídas a partir do cruzamento entre o referencial teórico e as falas dos sujeitos entrevistados. A categorização não se restringiu à classificação de conteúdos, mas representou processo de abstração e sistematização capaz de evidenciar padrões, tensões e contradições nos fenômenos estudados [2].
Para esta investigação, optou-se por discutir os dados em cinco categorias: 1) salas de recursos multifuncionais; 2) atendimento educacional especializado; 3) recursos pedagógicos e tecnologias assistivas; 4) articulação entre gestão, técnicos, docentes do AEE, docentes das salas comuns e famílias; e 5) promoção da inclusão com equidade e superação de barreiras atitudinais. Esta organização metodológica possibilitou examinar com profundidade os aspectos centrais da pesquisa, contribuindo para interpretação crítica e fundamentada.
Na categoria 1 – Salas de Recursos Multifuncionais – os gestores destacaram a importância da implementação e organização das SRMs conforme os diferentes perfis de alunos. O sujeito EAG1 enfatizou: “nossa SRM atende alunos com transtornos globais do desenvolvimento, autismo, TDAH, alunos com deficiências múltiplas e altas habilidades; cada caso recebe acompanhamento individual”, evidenciando a personalização do atendimento conforme a LDBEN 9.394/1996 [3]. Lacunas estruturais também foram apontadas: o sujeito EBG2 declarou: “a sala possui recursos básicos, mas precisamos de equipamentos tecnológicos adicionais para atender todos os alunos”, mostrando desigualdades regionais [4]. O sujeito ECG3 reforçou a necessidade de planejamento contextualizado: “a estrutura da SRM é planejada conforme as demandas locais, embora existam diferenças de infraestrutura entre escolas e regiões”, indicando que a operacionalização depende de adaptação local [5].
Na categoria 2 – Atendimento Educacional Especializado – os docentes destacaram a centralidade do AEE no êxito das SRMs. O sujeito EADAEE1 afirmou: “o AEE permite adaptar o currículo e usar estratégias individualizadas para cada aluno”. O sujeito EBDAEE2 observou: “trabalhamos em conjunto com os professores da sala comum para ajustar avaliações, conteúdos promovendo a aprendizagem, a inclusão e a equidade no atendimento de cada aluno”. O sujeito ECDAEE3 completou: “nosso trabalho é mediar o aprendizado e garantir que todos participem das atividades regulares com aprendizagem”. Esses relatos refletem a aplicação prática do artigo 208, inciso III, da Constituição Federal de 1988 [6].
Na categoria 3 – Recursos pedagógicos e tecnologias assistivas – os docentes das salas comuns enfatizaram a importância desses recursos para acessibilidade e inclusão. O sujeito EADSC1 relatou: “usamos computadores, datashows e materiais adaptados, que facilitam a participação e a aprendizagem dos alunos”. O sujeito EBDSC2 ressaltou que a manutenção dos equipamentos nem sempre é adequada. O sujeito ECDSC3 destacou: “as adaptações curriculares, as avaliações diferenciadas e os recursos específicos fazem diferença na aprendizagem e na autoestima dos alunos inclusos”, evidenciando a aplicação da LDBEN e da PNEE-EI [3,7].
Na categoria 4 – Articulação entre gestão, técnicos, docentes do AEE, docentes das salas comuns e famílias – os técnicos entrevistados salientaram a relevância da colaboração interprofissional e do engajamento familiar. O sujeito EAT1 afirmou: “reunimos gestores, professores e famílias regularmente para planejar ações inclusivas”. O sujeito EBT2 observou: “há comunicação constante entre todos os envolvidos, mas as desigualdades socioeconômicas às vezes dificultam a participação de algumas famílias”. O sujeito ECT3 completou: “a integração entre gestores, técnicos, docentes do AEE, salas comuns e famílias é essencial para a promoção da inclusão”. A efetividade da inclusão depende de estratégias sistemáticas, apoiadas por políticas públicas consistentes [8].
Na categoria 5 – Promoção da inclusão com equidade e superação de barreiras atitudinais – os sujeitos identificaram avanços, como aumento de matrículas, melhora na aprendizagem e na participação dos alunos inclusos. O sujeito EAG1 declarou: “percebemos que houve uma grande mudança na participação dos alunos inclusos, antes totalmente excluídos das atividades escolares”. O sujeito EBDAEE2 observou: “a inclusão esteve cada vez mais presente, mas ainda precisamos sensibilizar docentes e comunidade”. O sujeito ECDAEE3 reforçou: “nosso objetivo foi e é garantir que todos os alunos tenham acesso igualitário e oportunidades de aprendizagem”. Esses relatos demonstram que a implementação do AEE e das SRMs contribuiu para romper barreiras pedagógicas e atitudinais, consolidando práticas que promoveram equidade e democratização do aprendizado [9].
A análise integrada das entrevistas, observações e documentos normativos evidenciou que a implementação das SRMs e do AEE constituiu processo contínuo, apoiado em marcos legais históricos e normativos. A efetividade das políticas inclusivas dependia da articulação entre legislação, gestão escolar, práticas docentes, recursos pedagógicos, tecnologias assistivas e participação das famílias. Os avanços observados indicam que a inclusão escolar no ensino médio da SEDUC/MA evoluiu em direção à equidade, mas a consolidação plena requer manutenção de recursos, formação docente e estratégias adaptativas frente as desigualdades regionais e socioeconômicas.
O estudo permitiu compreender que a organização das SRMs e a prática pedagógica dos docentes do AEE influenciaram positivamente a inclusão e promoção da equidade no aprendizado de estudantes com necessidades educacionais especiais, evidenciando que a consolidação de práticas inclusivas depende de articulação sistemática entre gestão, legislação, recursos pedagógicos e participação familiar [3,7,9]. O uso de recursos pedagógicos e tecnologias assistivas potencializou autonomia e autoestima dos estudantes, enquanto a articulação entre gestão, técnicos, docentes e famílias favoreceu planejamento conjunto e comunicação contínua [8,9].
Os resultados confirmam que políticas públicas consistentes, aliadas à gestão eficaz e à prática docente qualificada, funcionam como instrumentos estratégicos de democratização do ensino, fortalecendo a inclusão escolar e oferecendo oportunidades iguais para todos os estudantes. A experiência de 2009 a 2016 reforça a necessidade de continuidade e ampliação de recursos, formação docente e estratégias adaptativas frente às desigualdades regionais, garantindo que a educação inclusiva no Maranhão continue evoluindo de forma equitativa, transformadora e sustentável.
A pesquisa demonstrou que a organização das Salas de Recursos Multifuncionais e a atuação dos docentes do Atendimento Educacional Especializado influenciaram significativamente a inclusão escolar e a promoção da equidade no aprendizado de estudantes com necessidades educacionais especiais em três escolas estaduais de ensino médio da SEDUC/MA, no período de 2009 a 2016. Os resultados evidenciam que, quando articuladas a políticas públicas consistentes, métodos de ensino adaptados, administração escolar eficiente, recursos pedagógicos adequados e participação familiar, essas práticas se consolidam como instrumentos eficazes de democratização do ensino, rompendo barreiras pedagógicas e atitudinais. O estudo reforça a importância de políticas inclusivas fundamentadas na legislação e na prática docente, oferecendo subsídios para aprimorar a educação, a gestão escolar e os métodos de ensino, contribuindo para o avanço da inclusão escolar no Maranhão e no Brasil.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
Fonte de Financiamento
Não houve financiamento.
Contribuição dos autores
Concepção e desenho da pesquisa: Moreira CJM, Ferreira AC, Moreira VLC; Obtenção de dados: Moreira CJM; Moreira VLC; Análise e interpretação dos dados: Moreira CJM, Ferreira AC, Moreira VLC; Redação do manuscrito: Moreira CJM, Ferreira AC, Moreira VLC; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Moreira, CJM, Ferreira AC, Moreira VLC.
Referências
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13. Secretaria de Estado da Educação do Maranhão (SEDUC/MA). Plano de formação continuada de professores do AEE e SRMs. São Luís: SEDUC/MA; 2015.
14. Secretaria de Estado da Educação do Maranhão (SEDUC/MA). Relatórios institucionais de acompanhamento das SRMs. São Luís: SEDUC/MA; 2016.
15. Brasil. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Estatuto da Pessoa com Deficiência. Diário Oficial da União. 2015 jul 6.
16. Secretaria de Estado da Educação do Maranhão (SEDUC/MA). Plano Estadual de Educação 2014–2024. São Luís: SEDUC/MA; 2014.
17. Brasil. Decreto nº 10.502, de 30 de setembro de 2020. Regulamenta aspectos da educação inclusiva. Diário Oficial da União. 2020 set 30.
18. Maranhão. Lei estadual nº 12.098, de 2023. Estabelece diretrizes para atendimento de estudantes com altas habilidades ou superdotação. São Luís: Diário Oficial do Estado; 2023.
19. Conselho Estadual de Educação do Maranhão (CEE-MA). Resolução nº 291/2002. Dispõe sobre matrícula de alunos com deficiência. São Luís: CEE-MA; 2002.
20. Secretaria de Estado da Educação do Maranhão (SEDUC/MA). Diretrizes para formação continuada e ampliação de recursos das SRMs. São Luís: SEDUC/MA; 2016.