Educ e Inc. 2025;13(2):179-189
doi: 10.62827/ei.v13i2.1006

ARTIGO ORIGINAL

Docência na EPT e Inclusão Social: Um estudo sobre práticas pedagógicas transformadoras

Teaching in VTE and Social Inclusion: A study on transformative pedagogical practices

Gebson Andrei de Almeida Diniz1, Ascísio dos Reis Pereira1

1Universidade Federal de Santa Maria (UFMS), Santa Maria, RS, Brasil

Recebido em: 23 de Maio de 2025; Aceito em: 18 de Agosto de 2025.

Correspondência: Gebson Andrei de Almeida Diniz, gebsondinizcontabil@gmail.com

Como citar

Diniz GAA, Pereira AR. Docência na EPT e Inclusão Social: um estudo sobre práticas pedagógicas transformadoras. Educ e Inc. 2025;13(2):179-189. doi:10.62827/ei.v13i2.1006.

Resumo

Introdução: Parte-se da premissa de que a EPT ocupa um papel estratégico na formação de sujeitos críticos, capazes de atuar no mundo do trabalho de forma ética, cidadã e consciente. Objetivo: analisar como as práticas pedagógicas desenvolvidas por docentes da Educação Profissional e Tecnológica (EPT) contribuem para a inclusão social e a promoção da justiça educacional. Métodos: realizou-se uma revisão bibliográfica de natureza qualitativa, a partir da seleção de produções acadêmicas publicadas nos últimos dez anos e disponíveis em bases científicas reconhecidas. Resultados: a análise evidenciou que, apesar dos avanços na ampliação do acesso à EPT, por meio de políticas públicas como o Pronatec e a expansão dos Institutos Federais, ainda persistem desafios significativos relacionados à permanência, ao êxito acadêmico e à construção de práticas pedagógicas inclusivas. Verificou-se que a formação docente, o uso de metodologias ativas, o planejamento integrador e a utilização crítica das tecnologias digitais são elementos fundamentais para a efetivação de uma prática pedagógica transformadora. Conclusão: a docência na EPT precisa estar comprometida com a equidade e com a construção de currículos sensíveis à diversidade, contribuindo para uma educação emancipadora e para a superação das desigualdades educacionais.

Palavras-chave: Professores; Inclusão Social; Integração Escolar; Capacitação de Professores; Métodos Pedagógicos.

Abstract

Introduction: It starts from the premise that VTE plays a strategic role in the training of critical individuals capable of acting in the world of work in an ethical, civic, and conscious manner. Objective: this article aims to analyze how pedagogical practices developed by teachers in Vocational and Technological Education (VTE) contribute to social inclusion and the promotion of educational justice. Methods: a qualitative bibliographic review was carried out, based on the selection of academic productions published in the last ten years and available in recognized scientific databases. Results: the analysis showed that, despite advances in expanding access to VTE through public policies such as Pronatec and the growth of Federal Institutes significant challenges persist related to student retention, academic success, and the construction of inclusive pedagogical practices. It was found that teacher education, the use of active methodologies, integrative curriculum planning, and critical use of digital technologies are key elements for the development of transformative pedagogical practices. Conclusion: teaching in VTE must be committed to equity and the construction of curricula sensitive to diversity, contributing to emancipatory education and the reduction of educational inequalities.

Keywords: Professors; Social Inclusion; Educational Mainstreaming; Teacher Training; Teaching.

Introdução

A Educação Profissional e Tecnológica (EPT) ocupa um papel estratégico no cenário educacional brasileiro, não apenas como instância de formação para o mundo do trabalho, mas também como espaço de desenvolvimento humano, cidadania e inclusão social. A legislação [1,2] estabelece que a educação deve promover o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, configurando a EPT como um campo propício para práticas pedagógicas que conciliem formação técnica com fundamentos ético-sociais. Nesse contexto, torna-se fundamental investigar como os docentes da EPT vêm construindo práticas pedagógicas que contribuem para a inclusão de sujeitos historicamente marginalizados, promovendo transformações reais nos espaços educativos.

A crescente demanda por equidade educacional tem impulsionado o debate sobre inclusão social no ensino técnico e tecnológico, especialmente a partir da ampliação de políticas públicas voltadas ao acesso de populações vulneráveis à EPT, como jovens em situação de pobreza, pessoas com deficiência e sujeitos oriundos de comunidades periféricas. Estudos recentes indicam que a formação docente voltada à compreensão da diversidade sociocultural e à adoção de metodologias inclusivas é determinante para a efetivação de práticas transformadoras na educação profissional [3,4]. No entanto, apesar dos avanços normativos e da expansão institucional dos institutos federais e escolas técnicas, ainda persistem desafios relacionados à permanência e ao sucesso escolar desses sujeitos, o que evidencia a necessidade de repensar as estratégias pedagógicas adotadas pelos professores.

A relevância desta pesquisa reside na urgência de analisar criticamente as práticas docentes que se pretendem inclusivas e transformadoras no âmbito da EPT, considerando os múltiplos sentidos atribuídos à inclusão social nesse campo. A literatura aponta para a importância de práticas pedagógicas que articulem conhecimentos técnicos com reflexões críticas sobre desigualdades sociais, enfrentando a reprodução de exclusões dentro da própria estrutura escolar [3,5]. Assim, é imprescindível compreender como tais práticas são concebidas, implementadas e ressignificadas no cotidiano escolar, e de que modo contribuem para a emancipação dos sujeitos envolvidos.

O problema que orienta este estudo pode ser formulado nos seguintes termos: de que maneira as práticas pedagógicas desenvolvidas por docentes da Educação Profissional e Tecnológica promovem, de fato, a inclusão social de seus estudantes? Trata-se de investigar quais concepções de inclusão perpassam o trabalho docente e como essas concepções se refletem nas metodologias, nas estratégias didáticas e nas relações estabelecidas no espaço escolar. Busca-se, portanto, ir além do discurso normativo sobre inclusão e examinar suas concretizações práticas, tensionando os limites e possibilidades de uma docência socialmente comprometida com a transformação.

O objetivo geral do artigo é analisar as práticas pedagógicas adotadas por docentes da EPT que se configuram como estratégias inclusivas e transformadoras, considerando suas dimensões político-pedagógicas e metodológicas. Como objetivos específicos, propõe-se: (i) identificar as concepções de inclusão social presentes entre docentes da EPT; (ii) descrever práticas pedagógicas utilizadas no cotidiano escolar com potencial transformador; e (iii) avaliar os desafios enfrentados para a consolidação de uma docência inclusiva nesse contexto. A metodologia adotada será de natureza qualitativa, com base em revisão bibliográfica sistemática, utilizando como critérios de seleção produções publicadas entre 2015 e 2025 em bases científicas reconhecidas, especialmente aquelas que abordem a relação entre docência, EPT e inclusão.

A contribuição científica deste estudo está centrada na sistematização de conhecimentos sobre práticas pedagógicas que, no interior da Educação Profissional e Tecnológica, articulam formação técnica com inclusão social, promovendo a justiça educacional. Ao valorizar experiências docentes que rompem com modelos excludentes e tecnicistas, o artigo pretende colaborar com o debate acadêmico e institucional sobre a formação e atuação de professores no campo da EPT, contribuindo para a formulação de políticas e estratégias mais sensíveis à diversidade dos sujeitos que compõem esse espaço educativo.

Referencial teórico

Educação profissional e tecnológica no Brasil: Fundamentos históricos e perspectivas contemporâneas

A Educação Profissional e Tecnológica (EPT) no Brasil tem raízes históricas que remontam à Primeira República, quando foram criadas as escolas de aprendizes e artífices, com o objetivo de formar mão de obra qualificada para atender à industrialização nascente. Ao longo das décadas, a EPT foi incorporada a diferentes projetos educacionais e econômicos, ora como mecanismo de mobilidade social, ora como instrumento de controle do trabalho. A EPT passou a adquirir maior legitimidade e complexidade [6] a partir da legislação [1,2] que integrou essa modalidade ao sistema nacional de educação.

A criação da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica em 2008 marcou um avanço significativo na democratização do acesso à EPT. Essa rede tem como princípio a articulação entre ensino, pesquisa e extensão, visando não apenas à qualificação técnica, mas também à formação cidadã dos estudantes. Esse movimento institucionalizou a EPT como espaço estratégico de enfrentamento das desigualdades, ainda que os desafios estruturais e pedagógicos permaneçam evidentes em muitas realidades escolares [5].

Com o advento do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) [7], ampliaram-se as oportunidades de ingresso de populações historicamente excluídas do sistema formal de ensino técnico. Essa política pública visou à inclusão social por meio da formação profissional gratuita, embora críticas tenham sido feitas à sua execução fragmentada e ao distanciamento entre currículo e contexto. Apesar dos avanços, persistem lacunas quanto à efetividade das estratégias inclusivas nas ações de EPT [8].

A formação docente na EPT, por sua vez, constitui um dos principais eixos para o desenvolvimento de práticas pedagógicas contextualizadas e socialmente referenciadas. A docência na EPT exige um perfil profissional capaz de articular saberes pedagógicos, técnicos e sociopolíticos, sendo necessário romper com a lógica fragmentada entre teoria e prática [3]. Nesse sentido, a formação continuada assume papel essencial na construção de práticas pedagógicas que considerem as múltiplas dimensões da inclusão e da diversidade.

Diversas experiências de formação docente têm sido desenvolvidas no âmbito da EPT, como é o caso do recurso didático intitulado “Na trilha da EPT” [9]. Esse material propõe uma abordagem interdisciplinar e dialógica para o trabalho pedagógico com o ensino médio integrado, favorecendo o protagonismo estudantil e a contextualização dos conteúdos. Iniciativas como essa evidenciam a necessidade de formação docente vinculada ao cotidiano escolar e à realidade dos estudantes, fortalecendo a perspectiva da educação transformadora.

No que se refere às práticas pedagógicas, observa-se um movimento crescente de valorização do planejamento integrador, que articula teoria e prática com foco na formação cidadã. A organização curricular centrada em eixos temáticos e projetos interdisciplinares pode contribuir significativamente para superar a tradicional fragmentação do ensino técnico, promovendo aprendizagens mais significativas e críticas [10]. Tais práticas demandam, contudo, infraestrutura adequada, condições de trabalho e autonomia pedagógica para os docentes.

A produção acadêmica mais recente também tem refletido sobre o papel das políticas públicas na consolidação da EPT como espaço de justiça educacional. Os Institutos Federais têm enfrentado o desafio de implementar políticas curriculares inclusivas, ao mesmo tempo em que lidam com pressões externas oriundas de demandas mercadológicas [11]. Esse cenário exige uma postura crítica dos educadores, que devem tensionar os limites das políticas instituídas e buscar alternativas pedagógicas que favoreçam a equidade e o desenvolvimento humano.

Por fim, é importante destacar que a EPT contemporânea se encontra em constante disputa entre projetos educacionais divergentes: de um lado, a formação técnico-utilitarista voltada ao mercado; de outro, a formação integral e emancipadora. Esse embate reflete os conflitos históricos entre modelos de educação voltados para a reprodução e aqueles comprometidos com a transformação social [12]. Cabe aos profissionais da educação, especialmente os docentes, posicionarem-se de forma ética e crítica diante dessas contradições, construindo coletivamente uma EPT comprometida com a inclusão, a diversidade e a democracia.

Inclusão social e justiça educacional: conceitos, políticas e desafios no contexto da EPT

A inclusão social no campo educacional está diretamente vinculada ao reconhecimento do direito de todos à educação com equidade, qualidade e respeito à diversidade. No contexto da Educação Profissional e Tecnológica (EPT), a inclusão social ganha contornos específicos, pois está associada não apenas ao acesso à escolarização, mas também à formação para o trabalho, à cidadania e à superação das desigualdades sociais. Promover a inclusão na EPT exige ir além da matrícula: é preciso criar condições reais de permanência, aprendizagem e valorização dos sujeitos historicamente excluídos [5].

A concepção de justiça educacional está ancorada na noção de equidade, o que implica reconhecer as desigualdades estruturais que afetam determinados grupos e oferecer meios diferenciados de acesso e permanência com sucesso no sistema educativo. Essa abordagem rompe com a visão meritocrática que considera a igualdade de oportunidades como suficiente para garantir o sucesso escolar. A justiça educacional pressupõe a construção de práticas pedagógicas inclusivas, nas quais o currículo, a avaliação e as relações escolares sejam repensados para acolher e respeitar as singularidades dos estudantes [9].

A política educacional brasileira tem avançado nas últimas décadas com propostas que visam institucionalizar a inclusão no ensino técnico e tecnológico, especialmente após a criação dos Institutos Federais. Programas como o Pronatec, o Ensino Médio Integrado e a ampliação de cotas sociais e raciais nos processos seletivos da EPT representam tentativas de inclusão institucionalizada. A simples ampliação do acesso não garante a justiça educacional, sendo necessário investir na formação docente e no desenvolvimento de metodologias pedagógicas inclusivas [8].

Nesse contexto, o papel do professor torna-se decisivo. A docência inclusiva na EPT demanda competências que vão além do domínio técnico: requer sensibilidade social, capacidade de dialogar com a diversidade e compromisso ético com a transformação da realidade. A formação de professores para atuar de forma inclusiva exige espaços de reflexão crítica sobre os determinantes sociais da exclusão e sobre o papel da escola como agente de ruptura com as injustiças históricas [4]. Essa formação deve ser permanente, situada e conectada com as demandas reais dos sujeitos.

A prática pedagógica inclusiva na EPT também está vinculada à concepção de trabalho como princípio educativo. Essa perspectiva compreende o trabalho não apenas como exercício profissional, mas como mediação da relação do sujeito com a cultura, a ciência e a sociedade [13]. Assim, promover a inclusão significa oferecer experiências formativas que articulem saberes técnicos e humanísticos, que respeitem o ritmo de aprendizagem dos estudantes e que ampliem suas possibilidades de inserção crítica no mundo do trabalho.

Entretanto, as barreiras à inclusão na EPT ainda são numerosas e complexas. A ausência de infraestrutura acessível, a escassez de recursos didáticos adaptados, a resistência institucional e a reprodução de preconceitos são desafios que limitam a efetividade das políticas inclusivas. As práticas inclusivas nas instituições da EPT ainda se concentram em ações pontuais e fragmentadas, carecendo de articulação com projetos pedagógicos institucionais robustos e integradores [14].

Frente a esses desafios, experiências inovadoras têm emergido em algumas instituições como alternativas viáveis à exclusão, como produto educacional [9] voltado à formação continuada de docentes, propõe trilhas de aprendizagem que valorizam o território, os saberes dos estudantes e o uso de metodologias ativas como ferramentas de inclusão. Salienta-se o planejamento integrador como estratégia que favorece a interdisciplinaridade, o protagonismo estudantil e a construção coletiva do conhecimento, contribuindo para a equidade educacional [10].

Por fim, a construção de uma EPT inclusiva e socialmente justa requer o compromisso institucional com a democracia, a diversidade e a valorização dos sujeitos. Incluir é mais do que adaptar o ensino: é reinventar a escola, os currículos e as relações de poder que nela se estabelecem [12]. A justiça educacional, nesse sentido, é um projeto político-pedagógico que demanda intencionalidade, coragem e engajamento coletivo. A EPT, enquanto espaço formativo, deve ser protagonista na luta por uma sociedade mais igualitária, crítica e inclusiva.

Práticas pedagógicas transformadoras: formação docente, metodologias inclusivas e inovações no ensino técnico

As práticas pedagógicas no campo da Educação Profissional e Tecnológica (EPT) assumem um papel estratégico na construção de uma escola pública democrática, inclusiva e crítica. Para que sejam efetivamente transformadoras, tais práticas devem se pautar por fundamentos que rompam com a lógica tradicional de ensino técnico centrado na instrumentalização e preparem os sujeitos para a intervenção crítica na realidade. Práticas pedagógicas transformadoras exigem uma intencionalidade político-pedagógica comprometida com a formação integral, com a equidade e com a justiça social [5].

Nesse sentido, a formação docente emerge como elemento estruturante dessas práticas. A docência na EPT requer mais do que domínio técnico: demanda sensibilidade social, domínio de saberes pedagógicos e compreensão crítica do papel da educação na transformação das condições históricas de desigualdade. A formação dos docentes da EPT deve ser contínua, crítica e articulada ao território, considerando as especificidades das trajetórias dos estudantes e os desafios concretos das práticas educativas [3].

Experiências de formação continuada têm revelado a potência de abordagens didáticas interativas e integradoras no processo de desenvolvimento profissional docente. Um exemplo significativo é o material intitulado “Na trilha da EPT” [4], que oferece propostas formativas centradas na pedagogia de projetos, no diálogo com os saberes dos estudantes e na construção de percursos formativos que conectam ciência, cultura e trabalho. Essa proposta valoriza a escuta ativa e a reflexão coletiva como elementos fundantes da prática pedagógica transformadora.

A consolidação de práticas pedagógicas inclusivas na EPT passa, inevitavelmente, pela adoção de metodologias que respeitem a heterogeneidade dos sujeitos e promovam o protagonismo discente. As metodologias ativas – como a aprendizagem baseada em projetos, estudos de caso, sala de aula invertida e ensino por investigação – favorecem a autonomia, a cooperação e o desenvolvimento do pensamento crítico, elementos essenciais para uma formação omnilateral[13]. Essas estratégias desafiam o ensino tradicional e criam espaços de escuta, participação e pertencimento.

No contexto da EPT, a inclusão também pressupõe o uso consciente das tecnologias digitais e assistivas como instrumentos de ampliação das possibilidades de aprendizagem. o uso pedagógico da tecnologia deve estar vinculado a um projeto educativo crítico e emancipatório, não podendo ser reduzido à digitalização de práticas transmissivas [10]. Quando integradas a propostas pedagógicas significativas, as tecnologias tornam-se aliadas na superação das barreiras físicas, comunicacionais e atitudinais à inclusão.

Outro aspecto fundamental das práticas transformadoras é o planejamento pedagógico integrador. Trata-se de uma abordagem que articula conteúdos, disciplinas e saberes de forma transdisciplinar, contextualizada e vinculada à realidade dos estudantes. O planejamento integrador permite que o currículo deixe de ser uma lista fragmentada de conteúdos para se tornar uma experiência formativa que valoriza o trabalho como princípio educativo e fomenta a relação entre teoria e prática [10].

As práticas pedagógicas transformadoras também requerem gestão democrática e construção coletiva dos projetos político-pedagógicos das instituições. É necessário que os professores participem da formulação das propostas curriculares, da definição dos objetivos de ensino e da avaliação institucional, promovendo uma cultura de corresponsabilidade pela formação dos estudantes. Essa perspectiva amplia a autonomia docente e fortalece o compromisso ético-político da profissão [11].

É imprescindível reconhecer que práticas pedagógicas transformadoras não se constroem de forma isolada ou espontânea. Elas exigem políticas institucionais de formação, valorização e condições dignas de trabalho docente. Tais práticas só se consolidam em contextos institucionais que favorecem a experimentação, a pesquisa pedagógica e a articulação com os movimentos sociais [12]. Nesse sentido, a EPT tem o desafio de reafirmar seu compromisso com a construção de uma educação pública, gratuita, laica e inclusiva, que transforme não apenas os sujeitos, mas também as estruturas que os oprimem.

Métodos

A presente pesquisa caracteriza-se como uma revisão bibliográfica de natureza qualitativa, cujo objetivo é analisar criticamente as práticas pedagógicas desenvolvidas por docentes da Educação Profissional e Tecnológica (EPT) no Brasil, com ênfase naquelas que contribuem para a promoção da inclusão social e da justiça educacional. A revisão bibliográfica permite o exame sistemático de produções acadêmicas já publicadas, possibilitando a compreensão aprofundada do estado da arte sobre determinado tema e a construção de novos referenciais analíticos a partir da correlação entre diferentes fontes [15].

A seleção do corpus teórico foi realizada a partir de critérios previamente definidos: (i) publicações acadêmicas produzidas nos últimos dez anos (2015–2025); (ii) textos que tratem de temas como docência na EPT, inclusão social, práticas pedagógicas transformadoras, políticas públicas e formação docente; (iii) materiais publicados em língua portuguesa e com disponibilidade integral em meio digital. Foram consultadas bases como SciELO, Google Acadêmico, Biblioteca Digital da Capes, periódicos da área de educação, além de repositórios institucionais de universidades federais e institutos federais. Entre as fontes selecionadas, destacam-se artigos científicos, dissertações, teses, relatórios institucionais e produtos educacionais.

A análise do material coletado foi conduzida por meio de leitura crítica e organização temática dos dados, permitindo a identificação de categorias analíticas como: concepções de inclusão, estratégias pedagógicas integradoras, uso de metodologias ativas, papel das tecnologias na mediação didática e desafios da formação docente. Essa análise baseou-se nos pressupostos da abordagem qualitativa, priorizando a compreensão do sentido das ações pedagógicas e das representações construídas no contexto da EPT. A triangulação teórica com autores da área e a articulação entre os dados favoreceram a construção de inferências críticas e fundamentadas, que compõem o corpo argumentativo do presente artigo [16].

Resultados

A análise das produções acadêmicas revisadas evidencia que as práticas pedagógicas na Educação Profissional e Tecnológica (EPT) estão em constante processo de transformação, impulsionadas pela necessidade de atender à diversidade de estudantes e de promover a inclusão social de forma efetiva. As políticas de democratização do acesso à EPT, como o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) [7], foram fundamentais para ampliar a inserção de sujeitos historicamente marginalizados nos espaços educacionais. No entanto, os estudos apontam que o acesso, por si só, não garante a permanência nem a aprendizagem significativa.

Os dados obtidos demonstram que, embora a expansão da Rede Federal tenha representado um avanço para a democratização da EPT, ainda há carência de práticas pedagógicas estruturadas em princípios inclusivos. É preciso superar a lógica meritocrática ainda presente nas instituições e construir currículos integradores, capazes de articular os saberes técnicos às dimensões sociais, culturais e políticas da formação dos sujeitos [5]. Essa lacuna metodológica se expressa nas dificuldades relatadas por docentes em planejar estratégias que considerem as múltiplas realidades e necessidades dos estudantes.

A formação docente aparece como um fator decisivo para a implementação de práticas pedagógicas transformadoras. Muitos professores da EPT ainda não foram suficientemente preparados para atuar com metodologias inclusivas, o que compromete a qualidade do ensino [3]. Identifica-se uma dissonância entre a política institucional e as condições concretas de trabalho docente, exigindo investimentos em formação continuada crítica e contextualizada [11].

Discussão

Experiências inovadoras no campo da formação docente vêm sendo desenvolvidas para enfrentar esse desafio. Um exemplo relevante é o recurso didático Na trilha da EPT [9] oferece subsídios para a prática pedagógica no Ensino Médio Integrado, articulando currículo, território e protagonismo estudantil. Esse material tem sido utilizado como base para trilhas formativas em institutos federais, permitindo o fortalecimento de uma prática docente voltada para a inclusão e para a valorização da diversidade cultural.

As metodologias ativas, especialmente aquelas baseadas na resolução de problemas e na aprendizagem por projetos, têm se destacado como estratégias capazes de promover a participação efetiva dos estudantes na construção do conhecimento. Tais abordagens pedagógicas favorecem a mediação crítica do processo de ensino-aprendizagem, valorizando os saberes prévios dos estudantes e incentivando o trabalho colaborativo [13]. Na EPT, esse tipo de metodologia também tem potencial para aproximar a escola do mundo do trabalho e das questões sociais contemporâneas.

As práticas pedagógicas transformadoras também estão sendo impulsionadas pelo uso consciente e crítico das tecnologias digitais. Quando integradas a um projeto político-pedagógico comprometido com a equidade, as tecnologias podem promover acessibilidade, autonomia e inovação [10]. Entretanto, os autores alertam para o risco de se reforçar desigualdades caso o uso das tecnologias não seja acompanhado de políticas de infraestrutura, formação docente e suporte técnico.

Outra dimensão relevante identificada nos estudos analisados é a importância do planejamento pedagógico integrador. Essa abordagem curricular promove a articulação entre os componentes curriculares e estimula o diálogo entre diferentes áreas do conhecimento [10]. A integração curricular permite romper com a fragmentação típica do ensino técnico tradicional e favorece a construção de um currículo mais humanizado, interdisciplinar e alinhado aos princípios da justiça educacional.

Do ponto de vista histórico, a EPT no Brasil tem sido marcada por tensões entre projetos educativos voltados à formação crítica e propostas tecnicistas alinhadas à lógica produtivista [6,12]. As práticas pedagógicas analisadas refletem esse embate, indicando que os docentes atuam muitas vezes em contextos ambíguos, nos quais precisam negociar entre exigências normativas, demandas do mercado e a defesa de uma educação emancipadora.

Além disso, foi constatado que ainda são escassas as ações institucionais voltadas à construção de ambientes escolares efetivamente inclusivos. A maioria das instituições da EPT carece de políticas pedagógicas estruturadas para acolher estudantes com deficiência, além de enfrentar barreiras físicas, comunicacionais e atitudinais. A ausência de um projeto político-pedagógico voltado à diversidade compromete a efetivação das diretrizes de equidade e inclusão expressas nas políticas públicas [11].

Por fim, o levantamento aponta para a necessidade de reconfiguração do currículo da EPT com base nos princípios do trabalho como princípio educativo e da formação omnilateral. A inclusão social só será alcançada plenamente se o currículo for concebido como mediação crítica entre os saberes do mundo do trabalho, os direitos humanos e a construção da cidadania [17]. Essa perspectiva exige uma profunda transformação nas práticas pedagógicas, nas relações institucionais e nas políticas públicas voltadas à educação profissional e tecnológica no Brasil.

Conclusão

A presente pesquisa teve como objetivo analisar de que forma as práticas pedagógicas desenvolvidas por docentes da Educação Profissional e Tecnológica (EPT) contribuem para a promoção da inclusão social e da justiça educacional. Com base na revisão bibliográfica realizada, foi possível identificar que, embora existam avanços nas políticas de acesso à EPT, ainda persistem desafios significativos relacionados à permanência e ao sucesso dos estudantes, especialmente daqueles pertencentes a grupos historicamente excluídos.

A análise das produções acadêmicas demonstrou que a formação docente e o planejamento pedagógico são fatores centrais para a efetivação de práticas transformadoras. As metodologias inclusivas, o uso crítico das tecnologias e a articulação entre teoria e prática constituem elementos-chave para uma educação que valorize a diversidade e promova o protagonismo discente. No entanto, também foram observadas limitações estruturais e institucionais que dificultam a implementação dessas práticas de forma ampla e sistemática.

Diante dos resultados obtidos, conclui-se que os objetivos do estudo foram alcançados ao evidenciar as potencialidades e os entraves da docência na EPT sob a ótica da inclusão social. Recomenda-se que futuras pesquisas aprofundem a investigação empírica das práticas pedagógicas em contextos específicos, bem como explorem estratégias de formação continuada voltadas à transformação social por meio da educação técnica. O presente trabalho contribui para o debate acadêmico e institucional, podendo subsidiar políticas públicas e práticas educativas em outros contextos similares.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Fonte de financiamento

Não houve financiamento.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Diniz GAA; Obtenção de dados: Diniz GAA; Análise e interpretação dos dados: Diniz GAA; Redação do manuscrito: Diniz GAA; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Diniz GAA.

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