RELATO DE CASO
Adaptação curricular e suas interlocuções - escola, clínica e família: Estudo de caso e aplicação da Metodologia CDRA
Curricular adaptation and its interlocutions - school, clinic and family: Case study and application of the CDRA Methodology
Patricia Bacchi1, Cassia Bacchi Soares1, Jalmiris Regina Oliveira Reis Simão1, Rosana Mendes Ribeiro1
1Instituto IPAM, Belo Horizonte, MG, Brasil
Recebido em: 16 de novembro de 2024; Aceito em: 21 de janeiro de 2025.
Correspondência: Patricia Bacchi, pati.bacchi@gmail.com
Como citar
Bacchi P, Soares CB, Simão JROR, Ribeiro RM. Adaptação curricular e suas interlocuções – escola, clínica e família: Estudo de caso e aplicação da Metodologia CDRA. Educ e Inc. 2025;13(1):168-178. doi:10.62827/ei.v13i1.1002
Introdução: Este artigo traz reflexões sobre aspectos da adaptação curricular e suas interrelações com a escola, família e clínica. Objetivo: Refletimos sobre os benefícios das adaptações curriculares e as dificuldades e resistências que se apresentam na escola e na família, bem como, trazemos recortes da legislação vigente em nosso país que protegem estudantes com dificuldades de aprendizagem, transtornos e síndromes. Métodos: Apresentamos a análise de caso clínico de uma estudante de oito anos, do terceiro ano do Ensino Fundamental, abordando a alteração da linguagem e suas implicações na aprendizagem. Resultados: Apresentaremos, a partir das análises, a eficácia e as estratégias da adaptação curricular por meio da Metodologia CDRA (Classificação Digital de Reenquadramento de Aprendizagem), que reconhece as diferentes maneiras de apropriação do conhecimento e propõe adaptações específicas para atender às suas necessidades individuais dos alunos, promovendo um ambiente inclusivo e equitativo. Conclusão: A Metodologia CDRA oferece suporte tanto para alunos quanto para professores, auxiliando na implementação de práticas pedagógicas adaptadas, que favorecem o desenvolvimento acadêmico e emocional dos estudantes.
Palavras-chave: Inovação Organizacional; Cultura Popular; Educação Inclusiva; Plasticidade Cerebral.
Introduction: This paper brings up reflections about specific aspects of curricular adaptations and their interrelations with school, family, and clinic. Objective: We approach the benefits of curricular modifications and the struggles and resistance presented in school and family contexts. Aspects of Brazilian legislation, aimed to protect students with learning difficulties, disorders, and syndromes are also discussed. Methods: A clinical case concerning an 8-year-old elementary school student is presented and analyzed. This paper also approaches language disorder and its implications for learning. Results: We demonstrate, after the case’s analysis, the efficacy and the strategies of curricular adaptation using the CDRA Methodology (from Portuguese, Classificação Digital de Reenquadramento de Aprendizagem), which recognizes multiple possibilities for knowledge acquisition, suggesting specific strategies to address students’ individual demands, also creating an inclusive and equitable environment. Conclusion: CDRA Methodology can support students and teachers, helping to implement adapted pedagogical practices, which can benefit academic and emotional development.
Keywords: Organizational Innovation; Popular Culture; Education; Neuronal Plasticity.
Todos nós, educadores e educadoras, sabemos o quão importante é o caminho acadêmico de uma pessoa. É através do conhecimento que ela vai pautar a sua existência no mundo, com maiores chances para se promover em seu grupo escolar, familiar e profissional. Todos possuímos especificidades e peculiaridades. No entanto, as dificuldades de aprendizagem, síndromes e transtornos podem ser barreiras para conquistar um lugar idealizado, impactando também a família e a sociedade, como um todo.
A questão do insucesso de alguns estudantes sempre foi a mola motivadora que nos impulsiona, desde o início de nossa vida profissional docente, a buscar mais conhecimentos. Assim, conhecemos a Metodologia CDRA (Classificação Digital de Reenquadramento de Aprendizagem), de autoria de Rosana Mendes Ribeiro [1]. Uma metodologia fruto de pesquisas, que vem contribuindo para o cumprimento constitucional de acesso a uma educação de qualidade, atendendo às necessidades de cada estudante, promovendo equidade. Seu caráter inovador está na criação de materiais para estudantes com dificuldades de aprendizagem, transtornos, síndromes e deficiências. Assim, a Metodologia CDRA
Trata-se de uma ação dirigida a professores de escolas de Ensino Fundamental e Médio, destinada a fornecer um instrumento que permitirá ao professor reconhecer de forma prática seu grupo heterogêneo, classificando-o em quatro grupos com níveis diferentes de aprendizagem, seguida da disponibilização de atividades diárias e provas escolares adaptadas aos quatro níveis elencados, que permitirão ao professor um planejamento diário com verificação da evolução de seus alunos.
Nem sempre as adaptações curriculares são compreendidas na sua essência. Muitos educadores ainda as consideram como atividades que desrespeitam a idade cronológica do aluno e assim, basta aplicar conteúdos do currículo do ano anterior. Assim, pode haver resistência quanto a sua prática, tanto na escola, quanto nas famílias, que podem entendê-las como forma de facilitar as notas dos alunos. A psicopedagogia clínica e institucional desempenha um papel crucial na mediação dessas resistências, esclarecendo dúvidas e apontando os benefícios do atendimento personalizado.
Assim, neste artigo, trazemos reflexões sobre o tema, possibilitando desfazer conceitos errôneos e preconceitos com aprofundamento em conhecimentos cientificamente comprovados, com base na Metodologia CDRA.
No que tange à formação de conceitos, segundo Oliveira refletindo sobre as ideias de Vygotsky [2], faz-se necessário discutir tal processo relativo à linguagem humana. Ela destaca que a linguagem é fundamental na mediação entre sujeito e objeto do conhecimento, servindo tanto ao propósito de comunicação quanto ao pensamento generalizante [2]. A linguagem simplifica e generaliza a experiência, permitindo a internalização de conceitos culturais.
A autora destaca o conceito fundamental da obra de Vygotsky sobre a linguagem humana. Diz a autora que [2]:
A linguagem humana, sistema simbólico fundamental na mediação entre sujeito e o objeto do conhecimento, tem duas funções básicas: a de intercâmbio social e a de pensamento generalizante. Isto é, além de servir ao propósito de comunicação entre os indivíduos, a linguagem simplifica e generaliza a experiência, ordenando as instâncias do mundo real em categorias conceituais cujo significado é compartilhado pelos usuários desta linguagem (p. 27).
Oliveira afirma que “a linguagem simplifica e generaliza a experiência”, assim entendemos que a utilização da linguagem, é o caminho para se chegar aos conceitos, que são representações culturais internalizadas pelos indivíduos ao longo do seu processo de desenvolvimento [2].
A Metodologia CDRA oferece suporte tanto para alunos quanto para professores, auxiliando na implementação de práticas pedagógicas adaptadas, que favorecem o desenvolvimento acadêmico e emocional dos estudantes [1].
Utilizamos uma metáfora com o conceito de rizoma. Segundo o dicionário Infopédia, rizoma é um caule subterrâneo, alongado, tuberoso ou tuberculoso, com disposição mais ou menos horizontal e folhas reduzidas a escamas. O rizoma armazena substâncias de reserva. As plantas produtoras de rizomas designam-se rizomatosas. Assim como o rizoma fortalece e possibilita a sobrevivência da planta, entendemos que a aprendizagem oferece condições para que os indivíduos possam fortificar-se e propagar seu conhecimento.
Baseada em evidências científicas, a Metodologia CDRA preenche uma lacuna não só na teoria, como na prática educacional. Ela favorece o aumento da autoestima na medida que alunos, com déficits de aprendizagem se percebam acolhidos em suas necessidades e se sintam capazes de aprender. Instrumentaliza os professores para trabalhar com esses alunos. As ideias de Vygotsky são incorporadas à Metodologia CDRA, já que um dos seus principais objetivos é a mediação que levará a avanços para todos os alunos, considerando a etapa de desenvolvimento em que cada um se encontra.
A Metodologia CDRA propõe adaptações curriculares, como “estratégias e critérios de atuação docente, admitindo decisões que oportunizam adequar a ação educativa escolar às maneiras peculiares de aprendizagem dos alunos [3]. Os professores, como mediadores, “apresentam funções essenciais na estrutura e funcionamento do sistema educacional e suas opiniões podem fornecer subsídios relevantes para a compreensão de como tem ocorrido o processo de inclusão, pois é o profissional que está presente em todo o processo de aprendizagem e no cotidiano escolar, para além dos diagnósticos [1]
A partir do pensamento de Vygotsky, citado por Cense, Damiani [4], entendemos que:
A escola, em nossa sociedade, é lugar privilegiado para transmissão do legado cultural dos conhecimentos acumulados. Na escola, os “conceitos científicos” figuram como a “herança” que possibilita o desenvolvimento a partir daqueles níveis já alcançados pelas gerações anteriores. (p. 715)
A escola é uma instituição formal de ensino e de formação. É espaço de socialização, de cultura, de aprendizagem individual e coletiva de forma continuada e sistemática, de elaboração do saber que favorece aos estudantes se posicionarem diante do mundo. Nesta perspectiva, a Metodologia CDRA está centrada na criança, abraça uma pedagogia que considera suas habilidades, e não suas deficiências, incorporando conceitos de interdisciplinaridade, conscientização/sensibilização” [1]. Não é uma nova pedagogia, mas sim, uma metodologia que está “voltada para a área da Neurociência.” [5]
A proposta da Metodologia CDRA, “essencialmente prática de como adaptar e adequar atividades diárias e provas escolares para atender alunos com Necessidades Educacionais Especiais” [1, p. 70], favorece a compreensão do estudante de forma integral, ética e mais justa, sem distinções. Favorece, portanto, a aprendizagem e não apenas a inserção num ambiente escolar, mas sua permanência com êxito. Para os alunos atípicos, na maioria das vezes, é na escola que suas dificuldades e alterações são identificadas. O que se passa com um estudante atípico, até então, foram sentimentos de inadequação, autoestima baixa e até exclusão. Nesta situação o aluno deixa de se desenvolver de forma apropriada tanto emocionalmente, como socialmente e pedagogicamente.
Para Piaget, segundo Gabarini et al. [6],
As interpretações reducionistas, unilaterais e individualizantes do fracasso escolar concretizam-se em discursos que opacam o papel do educador colocando o foco, seja em problemas do tipo neurológico, como os transtornos da aprendizagem, seja em “bloqueios afetivos/emocionais” da criança ou em questões vinculares com suas famílias. (p. 82).
Foi exatamente isto que aconteceu com a fonoaudióloga Rosana Mendes Ribeiro, autora da Metodologia CDRA. Mãe de uma criança atípica que passava despercebida na escola, externou seu sentimento de frustração [1]: “Cansei de vê-la chegando em casa com seu caderno todo desenhado por não dar conta do que a professora explicava” [1, p. 47]. Tal afirmação nos afetou enquanto profissionais da educação. A partir deste momento, nos vimos diante de muitas das respostas para as questões surgidas em nossa prática docente, quanto à aprendizagem a qual todas as crianças têm direito e em especial as crianças atípicas.
Diante da precariedade de publicações que envolvem a prática de como adaptar materiais escolares e buscando respostas através de estudos e pesquisas, nasceu a Metodologia CDRA - Classificação Digital de Reenquadramento de Aprendizagem que tem apresentado resultados exitosos [7].
Segundo Ribeiro [7], a Metodologia CDRA tem como seus principais objetivos:
1) Resgatar o professor em seu valioso papel de rastreador e interventor;
2) Reduzir, significativamente, o excesso de encaminhamentos de alunos para a rede de saúde;
3) Tornar minoria e fornecer condições para a atuação do professor com alunos de inclusão;
4) Colher e documentar dados seguros para que o professor assuma com autonomia os casos de acúmulos de defasagens pedagógicas;
5) Fazer a melhora significativa do fluxo e da aprendizagem de modo a elevar as médias finais e reverter os atuais indicadores de desempenho escolar. [7, p.76].
Vale ressaltar que, durante a aplicação da Metodologia CDRA, o professor poderá trabalhar com seu próprio material didático em tarefas diárias. Fará adaptação deste material apenas para os grupos identificados no mapeamento de sua classe.
Segundo Ribeiro [7] são esses os grupos identificados por cores: grupo verde (Tendência a defasagens pedagógicas), grupo laranja (Tendência a Transtornos – TDAH, TEA, DISLEXIA) e grupo vermelho (Tendência a Transtorno do desenvolvimento intelectual). O grupo cinza – (Aprendizagem regularizada), não necessita de adaptações.
Sabemos como é difícil, por parte da família e da escola a aceitação da proposta de adaptação de atividades e provas escolares. A argumentação da escola, muitas vezes, gira em torno de “facilitar a nota do aluno”. Normalmente os educadores não encaram a situação de prova como um momento de aprendizagem e sim, apenas de “constatação dos saberes”. A família por sua vez, acredita que seu/sua filho/a poderá ficar exposto com uma prova, visualmente diferente dos demais. A psicopedagogia clínica e institucional faz o papel de mediar, esclarecer dúvidas e apontar benefícios, argumentando a necessidade do atendimento personalizado de cada aluno em questão. Acreditamos que os indivíduos têm sua maneira própria de aprender e isso deve ser considerado pelas partes.
A Metodologia CDRA é baseada em evidências científicas e a plasticidade cerebral é um dos pilares que a embasa. Segundo Oda et al. [8], a plasticidade cerebral é “a capacidade de adaptação que permite modificações na sua própria organização estrutural e funcional” (p.175), essencial para a aprendizagem e o desenvolvimento cognitivo. Para Aguillar-Rebolledo [9], “Os mecanismos através dos quais ocorre a plasticidade cerebral incluem modificações neuroquímicas, sinápticas, do receptor, da membrana e ainda de outras estruturas neuronais” (p.173). A metodologia estimula o desenvolvimento das habilidades cognitivas que contribuem para que haja o processo das modificações cerebrais. Esse mecanismo ocorre diante de estimulações adequadas aos quatro diferentes níveis de aprendizagem. Essas intervenções poderão colaborar com as aprendizagens no que se refere à apropriação do conhecimento sistematizado (escolarização), manifestado principalmente por meio das habilidades como a leitura, escrita e o cálculo.
As relações cérebro/comportamento são vias de mão dupla que se movimentam durante o processo do desenvolvimento criando determinada estrutura cognitiva que será o resultado de sua aprendizagem. Esse processo atinge as estruturas cerebrais que gerarão a plasticidade cerebral. Considerando que a metodologia CDRA nos auxilia a chegar próximo das reais necessidades dos alunos, acreditamos que ela é um meio satisfatório para promover esse processo.
Como professoras e psicopedagogas, percebemos as dificuldades de alguns estudantes para acompanhar os conteúdos pedagógicos no mesmo ritmo dos colegas. A aplicação das atividades adaptadas para cada grupo, como explicitado anteriormente, resulta em uma evolução significativa na autoestima e no desempenho escolar dos alunos.
Este estudo foi realizado por uma das autoras, por meio de avaliação psicopedagógica com o propósito de investigar as funções executivas, cognitivas, técnicas expressivas, psicomotoras, compreensão leitora, ditado, escrita espontânea, raciocínio lógico matemático. Foram utilizadas oito sessões em clínica particular, com duração de 60 minutos cada uma.
Segundo Ribeiro [1], o processo de adaptação curricular começa com um mapeamento dos alunos através de um questionário que é respondido por pais e professores. Os dados são inseridos na Plataforma CDRA, classificando os alunos em quatro níveis de aprendizagem:
Grupo I – Aprendizagem regularizada
Grupo II – Tendência a Dificuldades Escolares
Grupo III – Tendência a Transtornos Funcionais
Grupo IV – Tendência a Transtornos do desenvolvimento Intelectual
Segundo a autora, os professores, após reconhecerem a heterogeneidade na sala de aula, passam a planejar as atividades e as avaliações adaptadas para cada nível, como também a realizar planejamentos diários com verificação da evolução dos alunos [1].
Após o mapeamento do grupo heterogêneo, os professores passam a planejar as atividades e as avaliações adaptadas para cada nível, sendo possível também realizar acompanhamentos diários com verificação da evolução dos alunos.
Apresentamos um estudo de caso clínico de uma estudante de oito anos, cursando o terceiro ano do Ensino Fundamental.
A estudante será identificada pelo nome fictício, Laura, nasceu de uma gravidez que até a 28ª semana de gestação, ocorreu dentro da normalidade. A partir daí, sua mãe contraiu Dengue Hemorrágica, que não foi corretamente diagnosticada e precisou ser hospitalizada. Ficou em repouso até completar as 36 semanas de gestação e Laura nasceu sem complicações.
A família notou que Laura era um bebê tranquilo, mas pouco interagia com o ambiente. À medida que crescia, a família percebia que a menina demonstrava muitos medos (de médico, barulhos, pessoas fantasiadas). O sono de Laura oscilava, dependendo de como era seu dia: tranquilo ou agitado. O que permanece até o presente. Começou a falar as primeiras palavras com mais de dois anos e a queixa principal apresentada pela família está relacionada ao atraso de alfabetização. Vale ressaltar que Laura, nos primeiros anos da alfabetização, enfrentou a pandemia da Covid-19, o que afetou seu desempenho na escola. De acordo com dados colhidos na entrevista com a família e com a escola, foi possível concluir que todos estavam cientes que Laura estava em estágio de alfabetização aquém da sua idade e escolaridade.
A menina apresentava dificuldades para manter-se assentada e atenta às orientações e a conversas nos atendimentos psicopedagógicos. Ela se esforçava para atender as orientações, porém, cansava-se rapidamente e pedia para brincar, preferindo brincadeiras que lhe permitiam o movimento dos grandes músculos e aquelas apreciadas por crianças mais novas.
Laura ainda não dominava os fundamentos básicos para operar adições e subtrações com unidades e dezenas. Realizava atividades de resolução de problemas simples com a mediação direta da psicopedagoga, apresentando espelhamento de números e letras, indicativo de imaturidade/alteração no que se refere as noções espaço-temporais.
Nas atividades de escrita e leitura, Laura apresentou defasagens consideráveis em interpretação de texto, escrita espontânea e ditado. O texto para interpretar foi escolhido pela aprendente, dentre outros. Foi lido pela psicopedagoga que solicitou sua interpretação oral e escrita, mediante algumas perguntas, também feitas pela profissional.
Em tarefas de destreza e velocidade de execução motora manual, seus resultados ficaram abaixo do esperado, tanto para mão dominante como para a não dominante (deficitária/limítrofe). Sua Memória Visual Imediata e Operacional a aprendente apresentou classificação limítrofe para ambas. Em relação a Memória Auditiva Imediata e Operacional, Laura apresentou pontuação Média Inferior.
Ao realizar atividade que avaliava as funções de percepção e atenção visual, velocidade e rastreamento visuomotor, atenção sustentada e velocidade de processamento, Laura deveria ligar letras e números, alternadamente, em ordem alfabética e numérica. Ao finalizar a tarefa, ela indicou pontuação média inferior para as habilidades citadas acima. Diante de tais resultados, a psicopedagoga indicou a retomada do processo de alfabetização, para solidificar o que Laura já sabia e para favorecer a apreensão de conteúdos que ainda não haviam sido apropriados: sílabas, palavras, frases e pequenos textos. Para isso, foram utilizados recursos variados, dentre estes, destacamos o programa “Falabetizando”, de autoria de Rosana Mendes Ribeiro [10].
Os estudos psicopedagógicos indicaram disfunções executivas e imaturidade intensa levando a encaminhamentos para avaliação fonoaudiológica, a qual indicou alteração de Processamento Auditivo Central, necessitando de intervenção e avaliação neurológica, que constatou Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade e Neuropsicológica (TDAH).
Um Projeto de Intervenção Psicopedagógica foi elaborado para Laura, focando na estimulação das funções executivas e alfabetização, utilizando a Metodologia CDRA, tanto para o trabalho de intervenção, quanto para as adaptações de provas escolares. A parceria com a escola foi essencial para a implementação da proposta.
Laura é acompanhada por uma fonoaudióloga, psicopedagoga e por um neurologista. No período de 6 a 8 meses de intervenção foram identificados progressos lentos, mas contínuos. Alguns resultados recentes, no que tange utilização da Metodologia CDRA:
A Metodologia CDRA se apresentou como uma abordagem eficaz para atender às necessidades individuais de Laura, promovendo seu desenvolvimento acadêmico e emocional.
Retomando as ideias de Vygotsky, entendemos que a escola “é lugar privilegiado para a transmissão do legado cultural dos conhecimentos acumulados.” De acordo com o pesquisador, podemos concluir o quanto é importante a mediação do professor. Mediação que deve ser pautada nas habilidades socioemocionais tais como: empatia, cooperação, comunicação, ludicidade, resiliência e autoconhecimento. No entanto, a principal preocupação dos professores é com as defasagens escolares dos alunos. São questionamentos e afirmações constantes: “Será que meu aluno é disléxico?”; “Por mais que eu tente motivar meu aluno durante as aulas, ele não para quieto!”. Surgem também dúvidas sobre sua própria capacidade de atuar com a diversidade presente em sala de aula: “Não estudei para trabalhar com esse tipo de problema” ou “Tenho muitos alunos em sala e não consigo dar atenção aos que mais precisam”.
A equipe pedagógica da escola, incluindo a direção, coordenação e os demais profissionais, é fundamental para aprimorar a prática educativa. Os professores, além de serem comunicadores de conhecimento, são parte essencial do processo de aprendizagem como mediadores. Sem um apoio efetivo e colaborativo de toda a equipe, os estudantes que necessitam de um trabalho diferenciado ficarão à deriva, perdendo o interesse pela escola e muitas vezes abandonando seu processo acadêmico.
Para ampliar nossas reflexões sobre a importância de pensar nas adaptações curriculares como estratégia de garantir o direito à inclusão, citamos alguns documentos legais que protegem os estudantes com o perfil de Laura.
A Lei Nº14.254 assegura o acompanhamento integral para educandos com Dislexia, Transtornos do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) ou outros transtornos de aprendizagem [11]. Esta lei garante que alunos como Laura recebam o suporte necessário para seu desenvolvimento acadêmico.
Outra lei que apoia a inclusão de pessoas com necessidades especiais é a Lei Nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e altera o § 3º do art. 98 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro 1990 [12]. Esta lei reforça o compromisso com a inclusão de pessoas com Transtorno do Espectro Autista, garantindo-lhes direitos e suporte adequados.
Além das leis, é importante citar duas notas técnicas [13, 14] que orientam a implementação dessas políticas:
Esses documentos legais formam um robusto arcabouço legal que assegura o direito de alunos com dificuldades de aprendizagem a acessarem o conhecimento e a educação respeitando seus limites e condições. No entanto, a questão crucial que se estabelece é o cumprimento dessas leis. Segundo Ribeiro [1] “Alunos sem laudos não podem ser barrados” (p. 66). Diz ainda a autora que [1].
Infelizmente, quando a pauta é aprendizagem, uma vasta lista de ”dificultadores” surgem imediatamente, e esse assunto ainda é vítima de situações que envolvem: políticas públicas educacionais, falta de conhecimento e formação de nossos professores, falta de estrutura das escolas, ausência de comprometimento familiar e também a falta de dedicação e conhecimento de profissionais de áreas afins que precisariam se posicionar como parceiros das escolas, compartilhando saberes e efetivando intervenções para a melhora dos quadros” [1, p 66].
É fundamental que as escolas e seus profissionais não esperem por diagnósticos formais para buscar soluções para as dificuldades de seus estudantes. Todos têm direito à educação, como definido na Constituição Brasileira. As adaptações curriculares e o suporte adequado devem ser oferecidos independentemente da presença de um laudo, assegurando uma educação inclusiva e equitativa para todos.
Neste artigo apontamos a eficácia da Metodologia CDRA, alinhada à Base Nacional Comum Curricular. Ao utilizar a formação contínua por meio de palestras, cursos, encontros pedagógicos são disponibilizados subsídios para trabalhar com as questões relacionadas a diversidade, através de adaptações curriculares, permitindo que os professores recebam formação e tenham acesso a uma plataforma que auxilia na adaptação de provas e atividades. É uma ferramenta onde o professor recebe a formação e tem acesso a uma plataforma que auxilia na adaptação de provas e atividades.
A Metodologia CDRA não só apoia os professores, mas também promove um ambiente inclusivo e equitativo para todos os alunos. Ao implementar essa metodologia, estamos promovendo um sistema educacional mais justo, onde cada estudante pode alcançar seu pleno potencial, respeitando suas individualidades e necessidades específicas.
Conflitos de interesse
As autoras declaram não haver conflitos de interesse de qualquer natureza.
Fontes de financiamento
Financiamento Próprio.
Contribuição dos autores
Concepção e desenho de pesquisa: Simão JROR; Coleta de dados: Simão JROR, Bacchi C, Bacchi P, Ribeiro RM; Análise e interpretação dos dados: Simão JROR, Bacchi C, Bacchi P, Ribeiro RM; Redação do manuscrito: Bacchi C, Bacchi P; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Ribeiro RM.
Referências
1. Ribeiro RM. A cada um o que é seu: metodologia CDRA: referência em defasagens educacionais e adequações/adaptações curriculares. São Paulo: Núcleo Aprende; 2020.
2. Oliveira MK. Vygotsky e o processo de formação de conceitos. In: La Taille YO, Oliveira MK, Dantas H, editores. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus; 1992. p. 23-34.
3. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC; 1998.
4. Cenci A, Damiani MF. Adaptação curricular e o papel dos conceitos científicos no desenvolvimento de pessoas com necessidades educacionais especiais. Rev Educ Espec. 2013;26(47):713-26.
5. Rotta NT, Bridi Filho CA, Bridi FR, editores. Neurologia e Aprendizagem: abordagem multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed; 2016.
6. Garbarino MI, Souza MTCC, Caetano LM. Piaget e a psicanálise: um diálogo no avesso da patologização da infância. Arq Bras Psicol. 2021;73(3):80-96. doi: 10.36482/1809-5267.ARBP2021v73i3p.80-96.
7. Ribeiro RM. CRA – Classificação Para Reenquadramento de Aprendizagem. São Paulo: Editora Desafio; 2015.
8. Oda JY, Sant´ana DM, Carvalho J. Plasticidade e regeneração funcional do sistema nervoso: contribuição ao estudo de revisão. Arq Ciênc Saúde UNIPAR. 2008;6(2):171-6. Disponível em: https://revistas.unipar.br/index.php/saude/article/view/1175.
9. Aguilar-Rebolledo F. Plasticidade cerebral: antecedentes científicos e perspectivas de desenvolvimento. Bol Méd Hosp Infant Méx. 1998;55(9):514-25. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/lil-232894.
10. Ribeiro RM. Falabetizando: caderno de exercícios. São Paulo: Clube dos Autores; 2020.
11. Brasil. Lei nº 14.254, de 30 de novembro de 2021. Dispõe sobre o acompanhamento integral para educandos com dislexia ou Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) ou outro transtorno de aprendizagem. Diário Oficial da União. 2021 dez 01;Seç. 1:5.
12. Brasil. Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista; e altera o § 3º do art. 98 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Diário Oficial da União. 2012 dez 28;Seç. 1:2.
13. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Nota técnica nº 24, de 21 de março de 2013. Orientação aos Sistemas de Ensino para a implementação da Lei nº 12.764/2012. Brasília (DF): MEC; 2013.
14. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Nota técnica nº 04, de 23 de janeiro de 2014. Orientação quanto a documentos comprobatórios de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação no Censo Escolar. Brasília (DF): MEC; 2014.